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Pobreza, uma questão só de renda?

O conceito de pobreza tem sido discutido e desenvolvido ao longo do tempo. Mas, quais
serão as implicações disso sobre o que realmente é a pobreza?

O nível de pobreza de um país, região ou estado, pode ser mensurado a partir de uma
abordagem unidimensional, considerando apenas o fator monetário. A partir disso,
traçando-se uma linha de pobreza a partir de determinado valor de renda, os indivíduos que
se encontram abaixo dessa linha seriam considerados como pobres, independentemente de
quaisquer outros fatores.

No entanto, desde o início do século XX, discussões acerca dos diferentes tipos de
pobreza, a exemplo da pobreza absoluta, não se limitam em considerar o essencial à
sobrevivência, levando em conta um conjunto de recursos que ofereça a possibilidade para
o indivíduo viver adequadamente na sociedade. Então, será que a pobreza é mesmo só
uma questão de renda?

Essa discussão acabou sendo desenvolvida, ganhando destaque e relevância com os


estudos do Nobel de economia Amartya Sen, sendo responsável por desenvolver uma
teoria de bem-estar social em torno do conceito de capacidades dos indivíduos. De maneira
geral, as capacidades consistem na liberdade que um indivíduo possui em fazer as coisas
que ele valoriza. Como é formulado por Sen, no livro “Desenvolvimento como liberdade”,
o bem pessoal é medido em termos da "capacidade de uma pessoa para fazer coisas que
ela tem razão para valorizar".

Desse modo, em sua teoria, Sen avalia a pobreza como um fenômeno multidimensional,
consistindo na privação das capacidades. Nessa perspectiva, diferentes atributos são
incluídos como relevantes na determinação da pobreza, a exemplo da saúde, da educação
e da localização geográfica. Além disso, tem-se a própria relação entre renda e
capacidades, dado que as capacidades podem ser convertidas em renda.

É que o desenvolvimento das capacidades humanas tende a ir ao encontro da expansão


das produtividades e do poder de auferir renda, de modo que o inverso, a restrição dessas
mesmas capacidades, possui a tendência de dificultar a produtividade do indivíduo,
restringindo a sua obtenção de renda. Como exemplo, podemos imaginar um indivíduo que
não possui acesso à educação, situação que dificulta a integração desse indivíduo no
mercado de trabalho formal e, por consequência, limita a sua possibilidade de ganhos
monetários.

De forma a poder mensurar a pobreza sob essa perspectiva, diferentes índices de pobreza
multidimensional foram desenvolvidos ao longo do tempo. Um dos mais utilizados é o índice
desenvolvido por Alkire e Foster, no qual são estabelecidas linhas de pobreza com base em
diferentes tipos de restrições. Nesse índice, que pode ser adaptado de diferentes formas,
são consideradas grandes dimensões, formadas por diferentes indicadores. Por exemplo,
no caso da dimensão de domicílio, diferentes indicadores, como “número de pessoas por
dormitório” e “tipo de revestimento das paredes”, podem ser escolhidos. Assim, a partir dos
índices, são estabelecidas linhas de pobreza, a partir das quais é possível identificar as
privações dos indivíduos.
Seguindo essa premissa de privação de capacidades como condição de pobreza, pode-se
analisar a pobreza menstrual. Tendo ganho destaque no debate público brasileiro atual, a
pobreza menstrual ou, a precariedade menstrual, como também é chamada, constitui-se
numa situação de vulnerabilidade econômica e social caracterizada pela privação das
mulheres em promover o cuidado com a saúde menstrual. Essa privação decorre da
carência de infraestrutura básica de saneamento e de recursos básicos de higiene, como
disponibilidade de absorventes e de uma fonte de água corrente limpa.

Algumas questões importantes acerca do tema podem ser observadas na figura abaixo:

Figura 1: Questões relacionadas à capacidade de cuidar da saúde menstrual

Fonte: Elaboração própria.

Os fatores causadores deste fenômeno estão associados a cenários de vulnerabilidade,


afetando principalmente pessoas menstruantes em situação de rua, em detenção, em
situação de pobreza, estudantes, etc. Nestas condições, diversos motivos emergem como
fatores explicativos, envolvendo dimensões de renda, infraestrutura e educação. Para além
do considerável peso dos absorventes nos orçamentos das famílias de baixa renda, o que
pode dificultar o seu uso em quantidade e qualidade adequadas, tem-se a consideração de
que se trataria de um item “supérfluo”. Isso caracteriza fragilidades no ensino e no acesso a
informações, fortalecendo a estigmatização acerca da menstruação.
Acerca dessas questões, como é avaliado pelo Observatório de Políticas Públicas e Gestão
Municipal de Ponte Nova, também se observa o caso de crianças e adolescentes, de 10 a
19 anos, que tendem a possuir baixa influência nas alocações do orçamento familiar, o que
dificulta a aquisição de produtos destinados à promoção da dignidade menstrual. Isso
contribui para a geração de situações de precariedade, até mesmo em contextos de menor
vulnerabilidade por renda. Quando se considera a população dessa faixa etária, em idade
escolar, deve-se observar as condições das escolas. No Brasil, segundo informações de
relatório da Unicef (2021), 321 mil alunas (correspondendo a 3% do total de alunas no
Brasil) estudam em escolas que não possuem as mínimas condições de uso. Considerando
escolas sem pias e lavatórios com condições de uso, a estimativa do número de alunas
nestas escolas sobe para cerca 652 mil (6%).

Com base nisso, na evolução do entendimento da pobreza não apenas de maneira


unidimensional, relacionado apenas com a renda, é possível observar a importância de se
considerar a gravidade da pobreza em seus diferentes aspectos, levando em conta as
diferentes formas de privações. A partir disso, torna-se premente a formulação de políticas
públicas para mitigar os danos e a reprodução de privações que reduzem a capacidade dos
indivíduos.

No caso da pobreza menstrual, em específico, as evidências indicam a necessidade de se


atuar para reduzir a incidência deste problema, por meio de políticas públicas e sociais que
podem atuar no oferecimento de infraestrutura, com a capacidade de propiciar as condições
WASH (water, sanitation and hygiene). Outra iniciativa consiste em reduzir a incidência de
impostos sobre produtos destinados à saúde menstrual, além de promover uma maior
conscientização e debate sobre o assunto.

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