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Sistemas de Produção de Galinha no Sector Familiar em

Moçambique
Quintino J.P*. Lobo e Robyn G. Alders

Direcção de Ciências Animais


C.P. 1922, Maputo, Moçambique
* quintinolobo@yahoo.com.br

Resumo
A galinha no sector familiar em Moçambique desempenha um grande papel na segurança
alimentar das pessoas mais desfavorecidas, sobre tudo mulheres e crianças.

A produção da galinha no sector familiar em Moçambique é caracterizada por pequenos


núcleos que variam de 7-15 galinhas por ninhada, encontrando-se aves de todas as idades
e muitas vezes encontram-se associadas a criação de outras aves como patos, gansos,
galinhas do mato, pombos, e a sua criação é de baixo investimento no maneio geral.

Nas regiões de maior produção de cereais, na época de colheitas, as galinhas são


suplementadas com farelo, enquanto que nas regiões de escassês de cereais a geralmente
não são suplementadas.

Apesar dos cuidados estarem a cargo das crianças e as mulheres, a decisão sobre a sua
utilização varia entre o homem e a mulher dependendo da região e da família que seguem
o sistema patrilinear ou matrilinear.

Este trabalho pretende abordar duma forma resumida os diferentes sistemas de produção
da galinha no sector familiar em Moçambique.

O trabalho aborda aspectos de instalação, alimentação, reprodução, sanidade e


responsabilidade e posse.
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Introdução
O melhoramento da produção de galinha no sector familiar é uma prioridade para
Moçambique nos próximos anos (MAP 1996). Antes da introdução de novas práticas de
produção, é aconselhável estudar os sistemas de produção. É só com o conhecimento das
prioridades dos criadores que intervenções apropriadas e sustentáveis podem ser
determinadas em colaboração com os mesmos (Alders et al. 1999).

Os sistemas de produção de pequenas espécies, sobretudo os praticados pelos


camponeses, têm-se desenvolvido com base nos conhecimentos dos próprios
camponeses. Os esforços para entender os sistemas de produção pecuária são mais
produtivos quanto maior for dada a integração da produção na vida social, económica e
religiosa das famílias e a lógica das opções tomadas pelos próprios produtores (Harun e
Massango 1996).

Em Moçambique a galinha no sector familiar desempenha um grande papel na segurança


alimentar, das pessoas mais desfavorecidas, mulheres e crianças, é criada em todo o país.
A sua produção varia de região para região.

Cerca de 80% da população rural possui galinhas (Mata et al. 2000), sendo esta a espécie
mais difundida.

A galinha é a espécie que, quer pelo número de criadores (89%), quer pela ordem de
prefências, ocupa o primeiro lugar num ordenamento de prioridades, preferências e de
importância de cada uma das espécies para o produtor (Harun e Massango 1996).

As espécies criadas no sector familiar são geralmente aves, porque tem capacidade de
sobreviver em condições de maneio extensivo, resistente a doença, com capacidade de
voar, facilidade de fugir dos predadores.

Contudo, o produto final da produção avícola no sector familiar em termos de ganho de


peso e o número de ovos/galinha/ano é baixo, porque é obtido com o mínimo de insumos
em termos de instalações, control de doenças, suplementação e maneio geral (Alders e
Spradbrow 2001).

Materiais e Métodos
Para a realização deste trabalho foi efectuada, uma observação no terreno durante os
trabalhos de monitoria levados a cabo pelos autores deste trabalho, nos distritos de
Manjacaze-província de Gaza, Angoche-província de Nampula e Namacura e Gurué-
província da Zambézia. E foi ainda feita uma revisão bibliográfica dos trabalhos
efectuados por outros autores.
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Resultados/Discussão
Caracteristicas do bando

A produção da galinha no sector familiar em Moçambique é caracterizada por pequenos


núcleos que variam de 7-15 galinhas por ninhada, encontrando-se aves de todas as idades
e muitas vezes encontram-se associadas a criação de outras aves como o pato, ganso,
galinha do mato, pombos, a sua criação é de baixo investimento no maneio geral.

Instalações
Observações feitas pelos autores nos distritos de Manjacaze indicam que a maioria dos
criadores tem capoeiras e estas são do tipo elevado na maioria dos casos, encontrando-se
alguns criadores com capoeiras no solo e outros ainda sem capoeira.

Segundo a Mata et al. (2000) em Manjacaze 46,9% das galinhas permanecem durante a
noite nas árvores, 25,8% em capoeiras no solo, 21,9% em capoeiras elevadas e 5,1%
ficam dentro de casa.

A diferença encontrada entre os estudos realizados pelos autores deste trabalho e os de


Mata et al.(2000) deve-se ao facto de que os dados deste trabalho em Manjacaze terem
sido colhidos com criadores benificiarios da assistência da Visão Mundial e normalmente
são receptíveis a novas tecnologias enquanto que os dados de Mata et al. foram
recolhidos ao nível de todo o distrito, sendo assim mais abrangente.

Estudos feitos no distrito de Bilene, província de Gaza, revelam que 45% das galinhas
dormem nas arvores, 48% em capoeiras sob piso, 4% em capoeira levantada e 3% outro
tipo de abrigo (Alders et al. 1999).

No distrito de Angoche, a maioria dos criadores possue capoeiras, mas são capoeiras no
solo e muitas vezes encontram-se na varanda das casas; os criadores que não possuem
capoeiras neste distrito, as suas galinhas pernoitam dentro das casas, e, ao contrário de
Manjacaze, não é comum as galinhas epoleirarem-se nas àrvores.

A Mata et al. (2000) confirmou que em Angoche 81,8% das galinhas beneficiam de um
alojamento. Este é constituído por uma capoeira no solo (56,1%), uma capoeira elevada
(13,4%) ou ficam dentro da casa (12,3%).

Observações feitas nos distritos de Namacura e Gurué constataram que a maioria dos
criadores não possue capoeiras, a razão apresentada pelos criadores desta região é de que
a ausência de capoeiras deve-se aos roubos que normalmente acontecem. Deste modo, as
galinhas dormem nas árvores o que dificulta todo o maneio, mas minimiza a transmissão
de doenças e parasitas.
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Dos Anjos et al. (2001) citando Gêmos (2001), constatou que a introdução de abrigos
melhorados é rejeitado pelos criadores, por causa dos roubos nos distritos de Nhamatanda
e Dondo, província de Sofala.

Também, Guéye (2000) nos seus estudos em muitos países de África verificou que as
galinhas são abrigados em capoeiras, muitas vezes do tipo elevado, que proporcionam
protecção contra o mau tempo, predadores nocturnos como repteis, gatos, cães etc.

Alimentação

O maneio alimentar neste sector varia de região para região, havendo regiões onde há
suplementação, e outras regiões sem suplementação.

Nos distritos de maior escassez de produção de cereais as galinhas não são


suplementadas. Nestes distritos a suplementação é feita com resto de comida, mas nas
casas onde existe cães e gatos os restos de comida vão para estes.

Nas regiões como Gurué e Angónia com alta produção de cereais as aves são
suplementadas, principalmente nas épocas de maior produção.

A água é fornecida as aves em recipiente como pneus velhos e cortados de automóveis,


panelas de barro, panelas de zinco velho, e esta água é limpa dependendo do cuidado que
tem cada criador e ainda da disponibilidade de água fresca na região.

As galinhas são criadas em sistema extensivo. Alimentam-se a base de insectos e de


desperdícios resultantes da preparação diária de alimentos e vegetação (Dos Anjos et al.
2001).

No sector familiar na maioria dos países africanos as galinhas procuram os seus próprios
alimentos a volta da casa, no quintal, alimentando-se de recursos disponíveis localmente
(Guéye 2000).
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Reprodução
A postura das galinhas é feita nas capoeiras, nos locais onde os criadores tem capoeira em
que é construída um ninho. Nas regiões onde não há capoeiras as posturas e as
incubações são realizadas dentro das casas, ou no mato por volta dos quintais, nestes
casos, quando chega o momento incubação, os criadores das aves muitas vezes recolhem
as galinhas para dentro das casas, para assim as protegerem dos predadores.

Em Tete uma galinha põe em média por cada postura 11 ovos, podendo variar de 10-12.
Quase todos os ovos produzidos são destinados a incubação, registando-se níveis de
eclosão média de 8 pintos (78%). A sobrevivência média é de 5 pintos (que corresponde a
66%) (Harun e Massango 1996).

Em Angoche as galinhas tendem a começar a chocar aos 9 meses. Elas chocam uma
média de 12,8 ovos dos quais nascem 10,4 pintos que depois de dois meses sobrevivem
em média 6,9 pintos (Mata et al. 2000).

Em Manjacaze as galinhas começam a chocar aos 12,3 meses. Elas chocam uma média
de 12,3 ovos, detes nascem uma média de 10,0 pintos, dos quais sobrevivem uma média
de 6,5 depois de dois meses (Mata at al. 2000).

O número de machos no bando tem sido baixo com relação as galinhas da idade jovem.
Os machos são geralmente retirados do bando mais jovens para venda, consumo ou
propósitos culturais (Guéye 1998).

A produção anual de ovos/galinha em África está num intervalo de 20-100 ovos com um
peso de cerca de 30 a 50 g, maturidade sexual varia entre 24 a 36 semanas, a fémea adulta
pesa 0,7-2,1 kg e o macho adulto 1,2-3,2 kg (Guéye 2000).

Sanidade

O grande problema na produção avícola no sector familiar em Moçambique, tem a ver


com a doença de Newcastle, em que os criadores se queixam da mortalidade que sofrem
as galinhas. Os criadores afirmaram que em princípio, a doença aparecia na época da
floração da mangas, mas nos últimos anos eles observam mortalidades em quase todo o
ano, embora o pico mais alto se verifique nas época de floração das mangas, que também
coincide com épocas de maior movimento das pessoas.

A doença de Newcastle no sector familiar é descrito como grande constrangimento por


muitos autores Harun e Massango (1996), também Alders (2000) citando Wethli (1995) e
Mavale (1995) descreve esta doença como sendo o maior constrangimento no sector
familiar.

A população usa métodos tradicionais no tratamento desta doença, e sabem todos que os
tratamentos usados não têm tido resultados palpáveis (Harun e Massango 1996).
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Cerca de 55% dos camponeses no distrito de Bilene fazem tratamento tradicional quando
as galinhas adoecem e só 2% recorrem ao tratamento veterinário (Alders et al. 1999).

Muitas mortes nos pintos estão relacionadas com a doença de Newcastle, ectoparasitas,
principalmente as pulgas. Para controlar este problema, sobretudo o das pulgas usam
cinza, ou algumas plantas locais.

Outro problema apontado pelos criadores tem sido os piolhos, o que faz com que algumas
galinhas na época de postura abandonem os seus ovos.

Uma prática comum nos criadores do sector familiar, que se verifica para protecção dos
pintos nos distritos de Gurué e Namacura é que depois da incubação, o ninho é lançado
no caminho por onde passa muita gente. Este método, dizem eles, é para fortalecer os
pintos a médida que as pessoas forem pisando o lixo.

Estudos feito na maioria dos países africanos, referem que quase que não existem
cuidados sanitários, se bem que 35-79 % dos criadoares familiares praticam medicina
tradicional, que é baseada principalmente no uso de produtos naturais, especialmente
plantas disponíveis localmente (Guéye 2000).

Responsabilidade e posse das galinhas.


A posse das galinhas criadas varia de região para região. Na maioria dos casos, apesar
dos cuidados estarem sob responsabilidade das mulheres e das crianças, os homens tem
maior poder de decisão. Por exemplo, no distrito de Namacura nas famílias onde cada
membro tem as suas galinhas, os pais quando querem matar ou oferecer alguma galinha
muitas vezes consultam ao “dono”, para definir ou escolher a galinha a ser utilizada.
Contudo esta prática varia com o nível social e cultural da família.

Alders (2000) citando Dohmen e Faftine (1995) indica que geralmente nas zonas rurais a
responsabilidade na criação de galinhas é da mulher.

Dentro do agregado familiar as galinhas pertencem, geralmente, a diferentes pessoas, ao


chefe do agregado, às mulheres e às crianças. Este é uma estratégia de repartição de risco
de mortalidade ou, noutros termos, a maximzação das possibilidades de sorte (Bagnol
2000).

Em relação a este aspecto estudos feitos por Mata et al. (2000) em Manjacaze e Angoche
apontam que dois terços dos entrevistados de ambos os sexos afirmaram que a mulher
tem a responsabilidade de cuidar das galinhas. Dos Anjos et al. (2001), refere que, as
espécies mais valiosas como os bois, cabritos ou ovelhas tendem a ser responsabilidade
do homem e é este que tem maior poder sobre eventual venda.

Estudos feitos por Alders et al. (1999) em Bilene indicam que 53% das galinhas
pertencem a esposa, 43% pertencem ao marido e 4% pertencem aos filhos.
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No caso das galinhas serem atribuidas às crianças, a posse efectiva dos animais é dos
adultos que compraram a primeira galinha. Porém, quando em idade escolar, a criança
exerce uma certa autonomia sobre as suas galinhas e eventualmente pode vendê-las para
comprar material escolar. Dependendo da pessoa que ofereceu a galinha, a criança terá
maior ou menor autoridade sobre a criação (Bagnol 2000).

Acerca da posse das galinhas a literatura indica que a mulher e em alguns casos as
crianças são os que dão os principais cuidadas as galinhas (Guéye 1998). Ainda o mesmo
autor citando (Atteh 1989) na Nigéria cerca de 87% das galinhas são cudados pelas
mulheres.

Recomendações

Para o melhoramento da produção de galinha no sector familiar, e consequente


melhoramento do consumo e venda da mesma recomenda-se:
Controlar a doença de Newcastle por meio de campanhas de vacinação sustentáveis e
melhoramento das práticas sanitárias,
Estudar o mercado para comercialização da galinha,
Melhorar o maneio geral de pintos,
Encorrajar os criadores a construir capoeiras melhoradas, e
Estudar formas de suplementação alimentar usando recursos locais.

Conclusão
Para uma maior produção de aves através do sistema de produção da galinha utilizado no
sector familiar é necessário uma intervenção estratégica, na melhoria das condições de
maneio sem contudo alterar a ordem sócio-cultural e política nas diferentes regiões, de
modo que as inovações a serem introduzidas aos sistemas tradicionais não aumentem
significamente os custos de produção das populações e sejam modificações viáveis e
sustentáveis.
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Agradecimentos

Os nossos agradecimentos vão para o projecto ACIAR, pelo apoio financeiro dado para a
concretização da viagem à Chimoio.

À direcção do INIVE que sempre criou condições para realização deste e outros
trabalhos.

Os nossos agradecimentos estendem-se ainda aos gestores de projecto de Pecuária da


Visão Mundial nas províncias de Zambézia e Gaza, Dra Anabela Cambaza e Engo
Marcelino Botão respectivamente, pelas facilidades que criaram para a realização deste
trabalho.

Agradecer a todos os criadores do sector familiar que disponibilizaram o seu tempo para
uma troca de experiência.

Estendemos os nossos agradecimentos ao projecto IFAD que patrocinou a deslocação ao


distrito de Angoche..
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Bibliografia
Alders, R.G. Fringe, R.; Mata, B. (1999) Os sistemas de produção de galinhas no sector
familiar no distrito de Bilene, provincia de Gaza, Moçambique; Boletim de divulgação
técnica e científica da Associação de Veterinários de Moçambique (AVETMO), Vol.3,
número 3, Maputo, pp 22-25.

Alders, R.G. (2000) Participatory methodologies and village poultry production.


Proceedings of the workshop on possibilities for small holder poultry projects in eastern
and southern Africa, Morogoro, Tanzania,, Maio 22-25, 2000, pp 103-109.

Alders, R.G. e Spradbrow, P. (2001) Controlling newcastle Disease in Village


Chickens, A Field Manual, Australian Center for International Agricultural Research,
Cambera, Australia; ACIAR Monograph No 82, pp 112.

Bagnol, B. (2000) Avaliação Independente, Relatório final; “Investigação acerca do


controle da doença de Newcastle das galinhas do sector familiar”, ACIAR/INIVE
Maputo, Moçambique.

Dos Anjos, F.; Fumo, A., Lobo, Q, Alders, R.G, Young, M.P.e Bagnol, B. (2001)
Galinhas, Genero e Controle de “Newcastle”, Revista “Extensão Rural-Moçambique”;
Ano 2, No 4 Abril de 2001, Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, pp 21-
25.

Guéye, E.F. (1998) Village egg and fowl meat production in Africa, World’s Poultry
Science Jornal, Vol. 54, March, pp 73-86.

Guéye, E.F. (2000) The role of family poultry in poverty alleviation, food security and
the promotion of gender equality in rural Africa. Agriculture Vol 29, No 2, 2000, pp 129-
136.

Harun, M. e Massango, F.A. (1996) Estudo sobre sistemas de produção de pequenas


espécies nos distritos de Angónia e Tsangano na provícia de Tete. Maputo, DANIDA.

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