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Roberto Victor Pereira Ribeiro

Inclui textos de leis aplicadas e


trechos bíblicos e históricos

2020
3ª edição
Revista, ampliada
e atualizada
4
“OS PODEROSOS PODEM
MATAR UMA, DUAS OU ATÉ TRÊS
FLORES, MAS JAMAIS DETERÃO A
PRIMAVERA.”

Che Guevara

CRIMES E
ARBITRARIEDADES
NO JULGAMENTO
4  Crimes e arbitrariedades no julgamento

E
ste capítulo tem a intenção de trazer à clarida-
de as atitudes criminosas, as arbitrariedades e
as nulidades acontecidas no julgamento de Jesus
Cristo. Nosso desejo é mostrar um a um os crimes e as
atitudes sinistras ocorridas desde a prisão até seu últi-
mo julgamento perante Pôncio Pilatos. Mostraremos os
crimes em face do Direito Hebraico, do Direito Romano
e do Direito Brasileiro, e ao final faremos uma compara-
ção abalizada entre os três ordenamentos jurídicos. Nos
subtítulos: Direito Hebraico e Direito Romano, logo após
a demonstração do respectivo crime ou irregularidade,
faremos um paralelo com o lecionado pelo Direito Bra-
sileiro.

4.1. CRIMES E ARBITRARIEDADES


NO JULGAMENTO HEBRAICO

Mostraremos os crimes cometidos pelos judeus no decorrer do


julgamento ocorrido na casa de Anás até o julgamento acontecido
no Sinédrio. Nas palavras do grande jurisconsulto e baluarte maior
do nosso Direito Brasileiro Rui Barbosa “de Anás a Herodes o jul-
gamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, cor-
rompida pelas facções, pelos demagogos e pelos governos”.1 Neste
sentido é que se pretende mostrar as condutas nefastas transcorridas
no julgamento hebraico.

1. BARBOSA, Rui. Obras seletas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1953.
pp. 67-71.

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Primeira atrocidade ocorrida no processo de Jesus Cristo: falta


de fato típico punível.
Assim como reza o art. 1º do Código Penal Brasileiro: “Não
há crime sem lei anterior que o defina [...]”,2 no Direito Hebraico
também era organizado desta forma. Há de se dizer que Jesus não
cometeu nenhuma infração ditada pelos livros de Êxodo, Levítico,
Deuteronômio e a nenhuma misnah. Sabemos que houve duas acu-
sações contra Jesus sobre duas infrações regidas pelas leis judaicas,
que seriam a profanação do Shabat e a alegação de falso profeta, mas
quando formos tratar desses dois delitos mostraremos que sua condu-
ta não violou nenhuma dessas duas prescrições.
Nesses termos temos o primeiro erro do julgamento hebreu. Je-
sus foi processado sem nenhum dispositivo legal que o imputasse.
A segunda atrocidade foi a prisão.
A Misnah 4.1 preconiza a proibição expressa de qualquer ato
judicial formalizado à noite. Alguns estudos históricos afirmam
que tal Misnah já estava em vigência na época da prisão de Jesus
à noite.
Nos dizeres do eminente advogado André Santos Novaes “a pri-
são de Jesus à noite, junto ao Monte das Oliveiras, grita como uma
ilegalidade veemente”.3 Era ilegal no ordenamento hebreu como
também o é no Direito Brasileiro, conforme vemos na Carta Magna
de nossa nação:

2. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. São Paulo: Sarai-
va, 2014. p. 541.
3. MORAES, André Santos. Comentário e anotações sobre o processo penal de Jesus: o
Galileu. São Paulo: LTr, 2001. p. 122.

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Art. 5º.
“[...]
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem o consentimento do morador, sal-
vo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”4
(grifo nosso).

No Código de Processo Penal pátrio nos arts. 282 e 283 há os


preceitos sobre a prisão:

Art. 282. “À exceção do flagrante delito, a prisão não po-


derá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos
casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da
autoridade competente;”.
Art. 283. “A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia
e a qualquer hora, respeitando as restrições relativas à
inviolabilidade do domicílio.”5 (grifo nosso).

Três detalhes não podem passar despercebidos no ato da prisão:


a inviolabilidade de domicílio, a não existência de mandado de prisão
e a ausência dos institutos de prisão provisória e prisão preventiva no
Direito Hebraico.
Jesus foi preso no jardim do Getsêmani, situado no Monte das
Oliveiras que ficava a cerca de 100 metros da muralha leste da cidade.
Havia uma gruta onde os discípulos de Jesus descansavam enquanto
ele orava a poucos metros adiante. Essa gruta tinha 17 metros de
comprimento, 9 metros de largura e 3,50 metros de altura. O termo
“Getsêmani” em hebraico quer dizer “lugar do óleo”. Entendemos

4. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado, 2014.
5. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 625.

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que o Getsêmani seria um horto bem definido onde havia um lagar


para fabricação de óleo. O conceituado escritor Kurt A. Speidel assim
exclama a respeito do Getsêmani: “Esta gruta natural, naquela época,
servia para fins agrícolas. Havia ali um lagar para fazer óleo e uma
cisterna em que se recolhia água”.6
O Código Penal Brasileiro em seu art. 150, § 4º, assim define
domicílio (casa):

§ 4º. A expressão “casa” compreende:


I – Qualquer compartimento habitado;
II – Aposento ocupado de habitação coletiva;
III – Compartimento não aberto ao público, onde al-
guém exerce profissão ou atividade.7 (grifo nosso)

O horto das Oliveiras era uma montanha arborizada e com ma-


nanciais de água onde alguns trabalhavam na extração de frutas e no
recolhimento de águas e óleos. Jesus nomeou 12 homens para serem
seus apóstolos, porém era seguido diuturnamente por 72 discípulos
conforme vemos em Lucas capítulo 10, versículo 1.

Lc, 10,1: “Depois disso, designou o Senhor ainda setenta


e dois outros discípulos e mandou-os, dois a dois, adiante
de si, por todas as cidades e lugares para onde ele tinha
de ir.”.

Vários desses discípulos laboravam no Getsêmani e estavam com


Jesus no momento da prisão, apesar de alguns evangelistas omitirem
tal informação. Desta face os sacerdotes e policiais do Templo viola-
ram “domicílio” e à noite, contrariando totalmente o art. 245 do CPP.

6. SPEIDEL, Kurt A. O julgamento de Pilatos. São Paulo: Paulinas, 1979. p. 61.


7. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. São Paulo: Sarai-
va, 2014. p. 541.

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Art. 245, CPP: “As buscas domiciliares serão executadas


de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à
noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mos-
trarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o repre-
sente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.”.

O respeito ao domicílio remonta à Grécia Antiga e é costumei-


ramente mostrado nas obras de Demóstenes.
O segundo detalhe é a completa ausência de mandado judicial
averbando a prisão. Kurt A. Speidel assim interroga acerca do man-
dado: “Mas quem teria expedido a ordem de prisão? Todo o Grande
Conselho? A família sacerdotal de Anás e Caifás?”.8
Jesus não foi preso em flagrante delito. Então onde está a ordem
de prisão?
Ademais a prisão de Jesus fora a ausência do mandado e ainda
foi efetuada em dia festivo, durante a noite no momento da realização
do Sefer. Essa cerimônia era o grande banquete doméstico um dia
antes da festa do Pessach e era presidido pelos chefes das famílias com
todos os seus membros, então na rua não havia quase ninguém a não
ser os indigentes e leprosos daquela época que nada podiam fazer para
testemunhar a ilegalidade da prisão.
Jesus não foi preso provisoriamente nem preventivamente, pois
além de não existir tais modalidades de prisão no Direito Hebreu, ele
sequer foi indiciado ou investigado judicialmente.
Foi preso à noite, mais ou menos às 23 horas, de acordo com al-
guns estudiosos. Preso à noite e às escondidas. Nas palavras de André
Santos Moraes “Jesus foi preso sem acusação nem denúncia formal.

8. Op. Cit. 1979. p. 65.

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Foi prisioneiro sem saber ao menos do que o acusavam e na calada da


noite”.9
O conceituado Juiz da Suprema Corte de Israel Haim Cohn en-
controu outra ilegalidade na prisão de Jesus. Ele discorre:

No Evangelho de João encontramos uma corrobora-


ção impressionante: os patrocinadores judeus que efe-
tuaram a prisão são ali apresentados como oficiais dos
sacerdotes, mas os únicos oficiais competentes para tal
feito eram os oficiais da polícia do Templo.10

Diante desses comentários de Haim Cohn podemos depreender


que Jesus Cristo foi preso pelos capangas dos sacerdotes e não por
agentes oficiais de polícia.
A terceira monstruosidade foi o julgamento noturno.
O Sinédrio realizou uma sessão de emergência na noite da pri-
são, o que foi altamente ilegal e irregular. A Misnah 3:5-5, importante
código da lei mosaica leciona que em casos de pena capital o julga-
mento deve ser público e durante o dia. A sentença só deveria ser pro-
ferida um dia após o julgamento. A Misnah também preconiza que
não há permissão para julgamentos em véspera de festas importantes
como o Pessach.
Maurice Goguel discorre que “a sessão noturna do Sinédrio,
quando Jesus foi inquirido, não era regulamentar; teve característica
extraoficial e serviu apenas para fundamentar a denúncia”.11 Não é
essa a opinião dos demais autores. A corrente majoritária prega que

9. MORAES, André Santos. Comentário e anotações sobre o processo penal de Jesus: o


Galileu. São Paulo: LTr, 2001. p. 129.
10. COHN, Haim. O julgamento e a morte de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1994. p. 96.
11. GOGUEL, Maurice apud RENAN, Ernest. Vida de Jesus. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 428.

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o julgamento ocorrido no Sinédrio teve sim aspecto formal e serviu


como primeira sentença proferida.
Na visão de Rodrigo Freitas Palma:

Não era praxe a realização de julgamentos e audiências


à noite, bem como, nos shabats e dias festivos. Vale di-
zer nesse ínterim, que a sentença foi pronunciada suma-
riamente pelo Sumo Sacerdote, logo na alvorada, quiçá,
para disfarçar as inúmeras irregularidades procedimentais
ocorridas naquela longa madrugada.12

Eram realmente muito estranhas as realizações judiciais no pe-


ríodo noturno.
Na manhã de sexta-feira, o Sinédrio voltou a reunir-se, numa
tentativa de legitimar a reunião ilegal da noite anterior e também
costurar uma nova acusação contra Jesus para levá-lo ao governador
Pilatos.
Vale ressaltar que era extremamente rejeitada pelos Hebreus
qualquer atividade anormal depois do pôr do sol. Dois exemplos que
ilustram isso é o preceituado no livro de Números, capítulo 25, versí-
culo 4 e Êxodo, capítulo 26: “Se do teu próximo tomares em penhor a
sua veste, lhe restituirá antes do pôr do sol”.
O Juiz Haim Cohn vai adiante nas suas declarações. Ele enten-
de que o julgamento noturno feriu um direito do acusado, o direito
do repouso. Em suas palavras uma investigação noturna, inclusive o
interrogatório, implicaria infringir seu direito de repouso, não me-
nos do que sucederia com um julgamento noturno; e, como no caso

12. PALMA, Rodrigo Freitas. O julgamento de Jesus Cristo: Aspectos histórico-jurídicos. Curi-
tiba: Juruá, 2006. p. 72.

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do repouso sabático e festivo, o repouso noturno devia ser encarado


como um direito concedido antes ao acusado do que aos juízes.13
A Misnah Sanhedrim assim leciona: os casos civis são julgados
durante o dia e podem ser completados durante a noite; os casos cri-
minais são julgados durante o dia e devem ser completados durante
o dia. Se o acusado é absolvido, o julgamento criminal pode ser com-
pletado num só e mesmo dia; se não, ele é adiado para o dia seguinte,
em que se pronunciará o julgamento. Portanto, não se celebram jul-
gamentos criminais na véspera de um shabat, nem na véspera de um
dia de festa.
A próxima irregularidade presente no julgamento hebreu encon-
tra-se na competência do juízo. Seria competência do Grande Siné-
drio a aferição do caso? Jesus foi interrogado por Anás, sogro de Cai-
fás, então sumo sacerdote, teria ele competência para tal ato?
No interrogatório presidido por Anás, esse não tinha competên-
cia nenhuma, inclusive já fazia dezoito anos que havia sido deposto
do cargo de sumo sacerdote. A autoridade judaica emanava de Caifás
seu genro.
O festejado autor Ernest Renan comenta acerca do comporta-
mento de Anás:

Anás, embora verdadeiro autor da peça jurídica que iria se


cumprir, não tinha poderes para pronunciar a sentença de
Jesus. Enviou-o, então, a seu genro, Caifás, que detinha o
título oficial. Esse homem mero instrumento de seu so-
gro, deveria, naturalmente, tudo ratificar. O Sinédrio es-
tava reunido em sua casa. O inquérito começou: várias
testemunhas, preparadas antecipadamente, comparecem
diante do tribunal.14

13. COHN, Haim. O julgamento e a morte de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1994. p. 129.
14. RENAN, Ernest. Vida de Jesus. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 360.

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Anás nada tinha a ver com questões jurídicas.


Mas o pior de tudo foi a existência de um rito judicial na residên-
cia do nefasto Anás. O interrogatório não poderia ter ocorrido fora
das dependências do Sinédrio. Os textos evangélicos são taxativos
ao afirmar que as acusações e o interrogatório ocorreram na casa de
Anás. Havia no Sinédrio uma câmara específica própria para interro-
gatórios e situações semelhantes. O recinto era chamado de Beth Din,
o assento do grande Sinédrio para ofensas capitais.
Existe aqui ainda uma outra ilegalidade. Nos relatos evangélicos
lemos que uma coorte de soldados romanos acompanhou a prisão.
Roma naquela época regia o povo hebreu. Para uma turba de soldados
encontrar-se disponível para tal feito vê-se que havia certo interesse
de Roma para com o preso. Acreditamos que Roma jamais permitiria
auxiliar um ato de prisão se não ficasse com a custódia do preso. Nessa
situação encontramos um total descaso com o acusado que ao invés de
ficar em locais de detenção romana situados em Jerusalém, foi levado
à casa de Anás, sendo ali ilegalmente julgado e torturado.
A quinta ilegalidade parte dos testemunhos. Houve uma verda-
deira hecatombe aos códigos legais hebraicos e brasileiros.
O texto bíblico é explícito na narração do embuste das testemu-
nhas, senão, vejamos: “Ora, os principais sacerdotes e todo o Sinédrio
procuravam algum testemunho falso contra Jesus, a fim de o conde-
narem à morte”.15
Precipuamente, este comportamento lesa gravemente o disposto
no Decálogo mosaico, que impetra em um dos mandamentos a se-
guinte lição: “Não mentirás, nem usarás de falsidade cada um com
seu próximo”. No livro de Êxodo, capítulo 20, versículo 16, a redação
é taxativa: “Não dirás falso testemunho, contra teu próximo”.

15. Mateus 26, 59.

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