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Organização Pedagógica – 2024 Coordenadoria Pedagógica

A LEITURA NA ESCOLA:
PERGUNTAS E RESPOSTAS

Maria José Nóbrega

A prática da leitura transcende a mera decodificação de símbolos, revelando-se como uma interação ativa
entre o leitor e o texto. Este artigo, em formato de perguntas e respostas, explora as nuances dessa interação,
destacando a complexidade do processo de compreensão textual. A leitura é apresentada como uma jornada
interpretativa e reflexiva, na qual cada leitor contribui de maneira única, enriquecendo a experiência ao contex-
tualizar, interpretar e atribuir sentidos ao texto.
Além disso, são discutidas estratégias de leitura antes, durante e depois do processo, bem como o papel funda-
mental do professor na formação de leitores autônomos. Ao abordar a diversidade de leitores e a flexibilidade estra-
tégica, este artigo busca contribuir para uma compreensão mais abrangente e crítica do papel da leitura na educação.

O que é ler?
Ler é mais do que decifrar símbolos; é uma interação ativa entre o texto e o leitor. O texto, em sua materia-
lidade linguística, é incompleto, demandando a contribuição única de cada leitor para ganhar sentido. A leitura
não se resume à simples extração de informações; ela é um processo pessoal e subjetivo, em que o leitor, ao
interpretar, contextualizar e atribuir sentido, enriquece a experiência de leitura. Cada pessoa traz suas experiên-
cias, conhecimentos e perspectivas individuais, moldando a compreensão única que tem de um texto específico.
Assim, a leitura transcende a decodificação de palavras, tornando-se uma jornada interpretativa e reflexiva que
reflete a riqueza da interação entre o leitor e o texto.

O que é necessário para compreender textos?


Além da decodificação, compreender textos abrange uma interação complexa entre conhecimentos linguís-
ticos e extralinguísticos. Enquanto a familiaridade com o vocabulário e a gramática é crucial, os conhecimentos
extralinguísticos, como a compreensão do contexto sociocultural, histórico e ideológico, desempenham um papel
vital na interpretação efetiva.
Os conhecimentos extralinguísticos fornecem a base para inserir o texto em uma formação discursiva mais
ampla. A compreensão de referências históricas, culturais e ideológicas permite ao leitor atribuir sentido ao
texto, identificando nuances, intenções e pressupostos subjacentes. Essa bagagem de conhecimento de mundo
é essencial para interpretar metáforas, referências culturais específicas e contextos que moldam o significado
global do texto.

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A habilidade de fazer inferências, preencher lacunas de informação e conectar elementos dispersos no texto
também depende desses conhecimentos extralinguísticos. O leitor, ao mobilizar seus conhecimentos prévios,
contribui para a construção ativa do significado, tornando a leitura uma experiência enriquecedora e reflexiva.
Portanto, para compreender textos de maneira profunda e abrangente, é essencial considerar tanto os
aspectos linguísticos quanto os extralinguísticos. Essa abordagem integrada permite uma leitura mais crítica,
contextualizada e informada, capacitando o leitor a ir além da decodificação superficial e a explorar as camadas
mais profundas de significado presentes no texto.

Como os sentidos são representados mentalmente?


Em uma perspectiva cognitiva da leitura, há certo consenso entre os pesquisadores de que a compreensão de
textos ocorre em diferentes níveis, cada um contribuindo para a formação de uma representação mental abrangente.

Figura 01 – Níveis de representação mental dos textos.

No nível da superfície, estamos lidando com as formulações verbais e as características formais do texto.
Aqui, a extração de informação pode ocorrer mesmo sem uma compreensão profunda, muitas vezes por meio da
repetição literal das frases, revelando uma familiaridade apenas com a estrutura superficial.
À medida que nos movemos para o nível proposicional, entramos em um domínio mais intricado da com-
preensão textual. Esse nível é construído por processos semânticos e sintáticos que gerenciam a compreensão
local e global, permitindo a construção de um resumo mental do texto. Compreender, nesse contexto, significa
articular as proposições sucessivas, criando uma síntese mesmo que uma compreensão profunda do significado
não tenha sido atingida.
O ápice do processo de leitura é alcançado no nível do modelo mental, em que a representação do conteúdo trans-
cende as palavras e estruturas frasais. Aqui, a compreensão é impulsionada pelo conhecimento prévio, e o leitor é capaz de
refletir sobre o que é dito, construindo um modelo mental coerente do conteúdo do texto. Esse modelo vai além da simples
repetição de informações e engloba uma compreensão mais profunda, conectando o novo conhecimento ao já existente.
Quando a compreensão é superficial, o leitor se restringe à extração literal das formulações verbais e das
características formais do texto, comprometendo a habilidade de realizar um resumo competente. Isso evidencia
apenas uma familiaridade com a estrutura superficial do conteúdo, levando o leitor a reproduzir as informações
de maneira mecânica, sem alcançar uma compreensão mais aprofundada.

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Ao operar no nível proposicional, o leitor pode extrair informações, conectar frases e formar um resumo que
reflete a estrutura do texto. No entanto, sem conhecimento prévio do assunto, a avaliação crítica desse conteúdo
fica comprometida. O resumo gerado pode ser competente em termos de reproduzir a organização das ideias no
texto, mas a falta de compreensão mais profunda pode resultar em interpretações limitadas ou mesmo equivocadas.
Por outro lado, quando o processo de compreensão atinge o nível do modelo mental, ocorre uma eficiência
notável, pois o leitor vai além da simples articulação das proposições. Ao atingir esse estágio, o leitor não apenas
entende a estrutura e as proposições do texto, mas também constrói uma representação mais abrangente e co-
erente do conteúdo, já que a compreensão é impulsionada pelo conhecimento prévio, permitindo que avalie e
reflita sobre o que é dito no texto.

Figura 02 – Representação mental dos sentidos se interrompida em cada um dos níveis.

Assim, a compreensão de textos é uma jornada que começa na superfície, passa pela construção proposicio-
nal e atinge seu ápice na formação de um modelo mental. Cada nível desempenha um papel crucial na assimila-
ção efetiva do conteúdo, destacando a complexidade e a riqueza do processo de leitura e compreensão textual.

Quais são as principais estratégias de leitura?


Estudos acerca da interação do leitor com o texto têm sido tema de pesquisa em ambientes universitá-
rios desde a década de 1970. A professora Isabel Solé, vinculada ao departamento de Psicologia Evolutiva e da
Educação na Universidade de Barcelona, desempenhou um papel fundamental ao trazer essa discussão para o
âmbito das salas de aula. Em seu livro “Estratégias de Leitura”, originalmente publicado em 1992, Solé destaca a
importância de estratégias antes, durante e depois da leitura para promover uma compreensão mais profunda
e eficaz. Essas estratégias visam envolver os leitores em um processo ativo de construção de sentido. Aqui estão
algumas maneiras pelas quais essas estratégias contribuem para a compreensão:
Antes da Leitura:
• Ativação de conhecimentos prévios: Ao ativar conhecimentos prévios relacionados ao tema do texto, os
leitores têm uma base para compreender novas informações. Isso cria uma ponte entre o que já se sabe e o
que será aprendido.

• Estabelecimento de objetivos: Definir objetivos de leitura antes de começar ajuda os leitores a focalizar infor-
mações específicas. Isso direciona a atenção e aumenta a intencionalidade da leitura.

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• Antecipação: Ao antecipar o conteúdo do texto, os leitores criam expectativas e preparam suas mentes para
processar as informações de maneira mais eficaz.

Durante a Leitura:
• Questionamento: Formular perguntas durante a leitura estimula a curiosidade e a busca ativa por respostas.
Isso mantém os leitores envolvidos e atentos ao texto.

• Inferência: A capacidade de fazer inferências durante a leitura permite que os leitores preencham lacunas de
informação, tornando a compreensão mais completa e profunda.

• Monitoramento da compreensão: Estar ciente de sua própria compreensão permite aos leitores ajustar suas
estratégias quando necessário. Se perceberem que não estão entendendo, podem retroceder, revisar ou
buscar esclarecimentos.

• Visualização: Elaborar imagens mentais durante a leitura facilita a consolidação da compreensão, tornando-a
mais vívida e facilitando a memorização.

Depois da Leitura:
• Síntese e recapitulação: Resumir o que foi lido e recapitular as principais ideias ajudam na consolidação do
conhecimento. Os leitores podem organizar e integrar informações para construir uma compreensão global.

• Avaliação crítica: Refletir sobre a qualidade das informações, considerar diferentes perspectivas e avaliar a
confiabilidade das fontes contribuem para uma compreensão mais crítica e refinada.

• Relação texto-contexto: Relacionar o texto ao contexto mais amplo ajuda os leitores a conectar as informa-
ções a experiências pessoais, eventos externos e outros conhecimentos, enriquecendo assim a compreensão.

Como ensinar a compreender textos?


O processo de leitura é altamente influenciado pelo grau de autonomia do leitor, uma variável que molda
significativamente a experiência de interação com o texto. Considerar o nível de autonomia é essencial para com-
preender como os leitores abordam exemplares de diferentes gêneros textuais e, consequentemente, selecionar
estratégias didáticas de acordo com suas necessidades e habilidades.
Quando os textos estão alinhados ao horizonte de expectativas do leitor, proporcionando um entendimento
acessível e compatível com seu conhecimento prévio, ocorre o que podemos chamar de leitura autônoma. Nesse
cenário, o leitor é capaz de mergulhar no texto de forma independente, aplicando suas estratégias pessoais de
compreensão. A autonomia se manifesta na capacidade de decodificar, extrair informações, compreender e in-
terpretar os sentidos do texto sem depender excessivamente de auxílio externo.
Por outro lado, quando os textos desafiam ou ultrapassam o horizonte de expectativas do leitor, surge a
necessidade de uma leitura compartilhada. Esse tipo de leitura envolve interações mais colaborativas, frequen-
temente marcadas por discussões, explicações e esclarecimentos. Leitores com menor autonomia podem se
beneficiar do apoio de colegas, professores ou outras fontes para superar barreiras de compreensão e expandir
seus horizontes literários.

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Figura 03 – O que ler e como ler em função do grau de autonomia do leitor.

A autonomia do leitor, portanto, desempenha um papel central na escolha das estratégias didáticas. Em
textos alinhados às expectativas, o leitor pode explorar livremente, desenvolvendo seu entendimento de manei-
ra autônoma. Em contraste, textos desafiadores podem exigir uma abordagem mais compartilhada, envolvendo
recursos externos para enriquecer a compreensão.
Adaptar a prática de leitura de acordo com o grau de autonomia não apenas facilita o acesso a uma varie-
dade de textos, mas também promove o desenvolvimento contínuo das habilidades de leitura. É um reconhe-
cimento da diversidade de leitores e uma abordagem personalizada que valoriza tanto a independência quanto
a colaboração na jornada da leitura. Essa flexibilidade estratégica contribui para criar leitores mais confiantes,
capazes de explorar e compreender uma ampla gama de textos de maneira eficaz e significativa.

Que modelo didático favorece a formação de leitores autônomos?


A formação de leitores eficientes demanda um modelo didático que seja claro, orientador e, acima de tudo,
promova a autonomia dos alunos no processo de leitura. Para atingir esse objetivo, um modelo estruturado pode
seguir os seguintes passos:

Figura 04 – Modelo didático para favorecer a compreensão leitora

Tornar o processo transparente:


O primeiro passo é tornar o processo de leitura transparente para os alunos. Isso envolve elucidar as etapas
da leitura, desde a pré-leitura até a reflexão pós-leitura. Os educadores podem destacar estratégias específicas,
como a identificação de palavras-chave, a elaboração de perguntas e a conexão com conhecimentos prévios. Ao
entenderem como enfrentar um texto, os alunos se tornam conscientes de sua própria abordagem à leitura.

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Orientar os alunos:
A orientação contínua é crucial para o desenvolvimento de habilidades de leitura. Professores desempenham
um papel vital ao direcionar os alunos na escolha de textos apropriados ao seu nível de competência, incentivando
a exploração de gêneros diversos. Além disso, fornecer estratégias para lidar com textos desafiadores, como a busca
de ajuda em dicionários ou a discussão em grupo, auxilia os alunos a enfrentarem obstáculos com confiança.
Favorecer a leitura autônoma:
O cerne desse modelo é o estímulo à leitura autônoma. Ao proporcionar aos alunos um ambiente que en-
coraje a escolha pessoal de leituras e a aplicação de estratégias aprendidas, promove-se a independência no pro-
cesso. Incentivar a criação de metas de leitura pessoais, permitir a exploração de temas de interesse individual e
proporcionar momentos para a reflexão individual após a leitura são práticas que favorecem o desenvolvimento
da leitura autônoma.
Esse modelo didático não apenas aborda as técnicas de leitura, mas também reconhece a importância do envolvi-
mento ativo do aluno. Ao tornar o processo transparente, orientar de maneira contínua e favorecer a leitura indepen-
dente, os educadores podem criar um ambiente propício para o desenvolvimento de leitores críticos e autônomos. Essa
abordagem não só fortalece as habilidades de leitura, mas também cultivará uma apreciação duradoura pelo ato de ler.

Conclusão
Ao explorar a dinâmica da leitura como uma interação ativa entre o leitor e o texto, este artigo procurou
destacar a complexidade subjacente ao processo de compreensão textual. A análise dos diferentes níveis de
compreensão, desde a superfície até a formação de modelos mentais, revela a profundidade desse empreendi-
mento. Estratégias de leitura emergem como ferramentas essenciais para ampliar a compreensão, permeando
as etapas antes, durante e após o ato de ler. A discussão sobre a autonomia do leitor ressalta a necessidade de
abordagens flexíveis, reconhecendo a diversidade de métodos requeridos para lidar com textos familiares ou
desafiadores. Ao seguir um modelo didático que favorece a leitura autônoma, os educadores têm o potencial de
moldar leitores críticos, incentivando uma apreciação duradoura pela prática da leitura. Em última análise, esse
percurso reitera a ideia de que a leitura não é apenas uma habilidade, mas uma jornada contínua de descoberta
e compreensão, fundamental para o desenvolvimento intelectual e crítico.

Bibliografia
CAMPS, Anna; COLOMER, Teresa. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: ARTMED, 2002.
JOUVE, Vincent. A Leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
KLEIMAN, Angela B. Texto e Leitor. Campinas: Pontes e Editora da UNICAMP, 1989.
________________. Oficina de Leitura. Campinas: Pontes e Editora da UNICAMP, 1993.
LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: ARTMED, 2002.
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SÃO PAULO (Cidade) Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Referencial de expectativas para o
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SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

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