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ANP, Assessor D-G, LEDD

O mercado e a qualidade
dos combustíveis automotivos
Luís Eduardo Duque Dutra
Assessor de Diretoria

Janeiro de 2004

Introdução (1)

Parte I : O mercado de combustíveis automotivos

1.1 Composição do mercado de combustíveis e da frota de veículos (4)


1.2 Evolução do consumo de combustíveis automotivos (5)
1.3 Dimensão econômica e diversidade do mercado (8)
1.4 A importância da arrecadação tributária (9)

Parte II: A realização do valor a jusante da cadeia produtiva

2.1 O abastecimento e as empresas de distribuição (12)


2.2 A revenda de combustíveis automotivos (14)
2.3 Fraudes, sonegação e ganhos ilícitos (16)
2.4 O processo de seleção adversa e segmentação do mercado (19)

Parte III: O custo da não conformidade e os ganhos com o monitoramento

3.1 A natureza das perdas no consumo (22)


3.2 A qualidade e a não conformidade (23)
3.3 Hipóteses de trabalho e o custo da qualidade (26)
3.4 Benefícios individuais(29)
3.5 Benefícios empresarias (32)
3.6 Benefícios tributários (34)
3.7 Somatório dos benefícios e resultado líquido (36)

Anexo I: Memória de cálculo (40)


AnexoII: Gráfico da receita e do custo do programa (41)

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Introdução

Quanto vale a qualidade no mercado de combustíveis brasileiro? Por que a


abertura dos segmentos de distribuição e revenda, que resultou em maior concorrência,
também trouxe a multiplicação de condutas oportunistas e não assegurou uma mínima
conformidade dos combustíveis? Ou, em outros termos, por que a concorrência não
garantiu a qualidade? Quem mais perde e qual a natureza das perdas em um mercado
onde um quinto, ou um pouco menos, da gasolina vendida está fora do padrão exigido?
O que torna atraente a busca oportunista e muitas vezes ilícita de lucros na
comercialização de combustíveis? Qual a responsabilidade do estado nas
transformações do ambiente de negócios que ocorreram ao longo da década de 1990
neste mercado? Qual é o papel das instituições públicas na solução do problema da
qualidade no mercado de combustíveis?

O interesse das questões formuladas acima é tanto teórico, quanto prático. Nas
ciências econômicas, elas remetem à idéia da informação e a seu valor para o pleno
exercício do livre mercado. O entendimento do processo pelo qual a concorrência pode
gerar uma seleção adversa, onde os vencedores são oportunistas e vendem mercadorias
“podres”, é um avanço conceitual ainda recente da teoria econômica, datando do início
da década de 1970. Nas ciências administrativas, por sua vez, as questões acima
remetem à idéia de qualidade, um domínio de gestão que surge na mesma época e que,
até o fim da década de 1980, esteve mais voltado à empresa e à satisfação de seus
clientes, sem considerar os interesses dos demais consumidores e dos não
consumidores. Estudos sobre os custos da qualidade em setores industriais, cidades e
países são recentes e ainda preliminares, mas, confirmam a magnitude das perdas
decorrentes da falta de qualidade.

O interesse prático das questões está na evolução do mercado de combustíveis


automotivos no Brasil durante a última década. Os registros e a seqüência de eventos
permitem fazer da história recente deste mercado um caso de referência sobre o custo da
falta de qualidade e o valor da informação. O histórico da ação do estado, das
estratégias das empresas e dos indicadores de desempenho, como preços, lucros,
tributos e, a partir de 1998, da conformidade, faz da experiência do mercado brasileiro
um laboratório de relações sociais, onde é possível distinguir com certa facilidade quais
são as perdas e quem as arca.

De imediato, é necessário sublinhar que o valor preciso das perdas com a falta de
qualidade e dos ganhos, que resultaram da melhoria da conformidade da gasolina,
ocorrida entre 1998 e 2003, é muito maior do que o aqui calculado. Abstendo-se de
valorar o desperdício energético e os danos ambientais e considerando apenas a
conformidade de um combustível - a gasolina -, é possível quantificar de maneira
relativamente simples os benefícios apropriados pelos consumidores (particulares e
profissionais) e o ganho tributário com a recuperação de arrecadações, antes sonegadas
em razão da adulteração do combustível. O conservadorismo dos cálculos, mesmo
daqueles itens incluídos na equação de não conformidade, e a utilização de uma taxa de
desconto extremamente elevada fazem dos resultados estimativas de um mínimo,
indicando que os ganhos devem ser muito maiores.

A hipótese mais heróica da avaliação de custo e benefício é justamente sobre o


Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis. Vale reproduzir os

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argumentos utilizados na seção 3.3 do estudo. Considerando que, entre 1998 e 2003,
não ocorreu aumento algum do número de fiscais, que o consumo de combustíveis teve
um crescimento anual expressivo até 2001, assim como o número de postos de revenda
abertos e que a carga de tributos também cresceu, tornando ainda mais rentável a
adulteração e as fraudes, como explicar que, em cinco anos, tenha-se conseguido sair de
níveis entre 20 e 17% de não conformidade, para patamares onde a ocorrência de não
conformidade varia entre 6 e 4%? Entre 1997 e 1999, não existe nenhum fator que possa
ter motivado este significativo aumento dos padrões de qualidade a não ser o PMQC,
que desencadeou um intenso esforço em favor da qualidade, tanto entre as instituições
públicas (Secretarias de Fazenda e Ministério Público), quanto entre as empresas, sejam
distribuidoras grandes ou menores, sejam revendedores, a partir de suas associações.

Assumindo como verdadeira a relação entre o Programa de Monitoramento e a


melhoria da qualidade da gasolina, é possível então cotejar os custos de implantação do
programa com os benefícios gerados para os consumidores e para o estado ao longo dos
últimos cinco anos. Do ponto de vista econômico, o resultado líquido é inteiramente
favorável, apesar do escopo limitado dos ganhos considerados, dos critérios rigorosos
utilizados na avaliação e do uso de uma taxa de desconto de 20% ao ano. Trazidos para
o presente, foram gastos um pouco mais de R$ 58 milhões, que geraram um benefício
de R$ 1,578 bilhão, fazendo com que o resultado líquido atingisse R$ 1,520 bilhão. Os
maiores beneficiados com a melhoria da gasolina são os consumidores, que se
apropriaram de R$ 1,308 bilhão, sendo R$ 841 milhões pelas famílias e pelos
indivíduos proprietários de automóveis particulares e R$ 467 milhões pelas empresas e
pelos proprietários de veículos profissionais movidos a gasolina. Esses ganhos são
“custos evitados”; economias nas despesas com as panes nos motores decorrentes da
queima de combustível adulterado. Os benefícios tributários somam R$ 270 milhões e
significam o valor mínimo do recolhimento recuperado com a maior conformidade da
gasolina.

A magnitude das perdas dos consumidores e do estado pode ser avaliada pelo
resultado francamente positivo da rentabilidade dos gastos; poucas despesas públicas
apresentam retornos semelhantes. Para cada real despendido, o benefício gerado chega a
26 reais. Mesmo excluindo-se os ganhos apropriados privadamente e, portanto, apenas
considerando a perspectiva de perdas e ganhos fiscais, a rentabilidade é bastante
elevada. Cada real de despesa no PMQC teria permitido a recuperação de 4,6 reais em
recolhimentos de impostos e contribuições. Assim, embora o benefício tributário tenha
sido fortemente subestimado, o programa já se teria pago e gerado um excedente
significativo, somente considerando o ponto de vista do orçamento público.

Esse resultado deve ser visto não apenas pelo seu aspecto quantitativo. O custo
da falta de qualidade, o valor da informação para o consumidor e as perdas tributárias
com as condutas oportunistas são noções que parecem vagas e sugerem somas, se não
impossíveis, difíceis de mesurar porque com efeitos difusos socialmente e
imperceptíveis individualmente. A partir de um exercício simples, a evolução dos
mercados dos combustíveis brasileiro ilustra como é possível chegar-se a uma
aproximação bastante razoável destes valores, demonstrando de forma bastante clara,
primeiro, a importância do problema “informacional” em mercados submetidos à
intensa competição e, segundo, o papel insubstituível do estado como provedor dos
sinais que podem corrigir o problema.

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Parte I: O mercado
1.1 Composição do mercado de combustíveis e da frota de veículos

Tradicionalmente, a frota de veículos brasileira utiliza três combustíveis: óleo


diesel, gasolina e álcool. Os três combustíveis foram convertidos segundo o poder
calorífico e a densidade para uma única unidade - toneladas equivalentes de petróleo,
tep – para fins de comparação. Um retrato da atual composição deste mercado pode ser
observado pela Tabela 1. O óleo diesel é o principal combustível, com uma participação
no consumo final superior a 66%. Segue-se a gasolina “c”, que em sua composição
possui até 25% de álcool anidro, com uma participação um pouco maior que 30%. Por
fim, encontra-se o álcool hidratado, atualmente com uma presença marginal,
representando apenas 3,4% do consumo de combustíveis automotivos.

Tabela I: Composição do mercado de combustíveis no Brasil em 2002


Combustível em tep
Gasolina “C” 103.797
Óleo Diesel 225.957
Álcool Hidratado 11.772
Total 341.526
Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN)

Gráfico I Composição do mercado de


combustíveis em 2002, em %.
álcool 3,4
30,4

óleo diesel gasolina

66,2

A demanda por combustíveis automotivos reflete evidentemente o perfil da frota


de veículos que circula no País. A composição da frota nacional de veículos
automotivos em 2001, pode ser avaliada a partir das informações da Anfavea na Tabela
II.

Tabela II: Frota nacional de veículos em 2001


Tipo No x 1000
Automóveis 16.027
Comerciais leves 2.511
Caminhões 1.243
Ônibus 319
Total 20.093
Fonte: Anuário Estatístico da Anfavea

Gráf. II: Composição da frota


nacional de veículos em 2001
12,5 Comerciais leves
Ônibus e 7,7
caminhões
Automóveis
79,8 4
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No Brasil, por força de lei, os motores de ciclo Diesel não podem equipar
veículos de passeio e, assim, os automóveis são exclusivamente abastecidos por
gasolina, álcool e, nos últimos três anos, também por gás natural. Estes veículos,
equipados com motores de ciclo Otto, respondem por quase 80% da frota nacional; em
números absolutos, circulavam mais de 16 milhões de automóveis em 2001. O óleo
diesel é fornecido para os caminhões e ônibus e, já fazem alguns anos, também para os
veículos do tipo comercial leve (camionetas e furgões com capacidade de carga entre
uma e duas toneladas). Vale observar que cerca de um terço dos combustíveis
automotivos (gasolina e álcool) movimenta quatro quintos da frota (veículos com
motores de ciclo Otto), o que dá uma idéia do papel da gasolina no transporte do país,
fundamentalmente utilizada no deslocamento individual e das famílias.

1.2 Evolução do consumo de combustíveis automotivos

Durante a década de 1990, constatou-se uma mudança significativa no perfil de


consumo dos combustíveis automotivos. Na década anterior, fora introduzido o álcool
hidratado como combustível, concorrendo diretamente com a gasolina, na qual também
adicionou-se álcool anidro em volumes crescentes. Neste sentido, o ano de 1989 foi um
marco: atingiu-se então o maior consumo de álcool hidratado (5,4 milhões de tep
segundo o BEN), o que correspondeu a uma participação de quase 20% do mercado,
como se pode observar pelo Gráfico III. Em 1993, a distribuição do consumo entre os
derivados ainda refletia a importância das vendas dos veículos automotivos movidos
exclusivamente a álcool hidratado, o combustível respondendo por quase 15% do total.
É a partir de 1993 e 1994 que as vendas de motores a álcool caem de maneira bastante
rápida.

Gráf. III: Evolução do mercado de combustíveis


automotivos entre 1989 e 2001 (em %)
5,3%
9,9%
19,5% álcool 14,7%

37,6%
25,7% 33,8% 40,0%
gasolina

54,7% Diesel 51,5% 57,1%


50,1%

1989 1993 1997 2001

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Em 1997, portanto, em apenas três anos, a maior parte da mudança já estava


desenhada, com a contínua redução da participação do álcool hidratado em favor da
gasolina “c” e do óleo diesel. A partir de 1995, a retomada da indústria automobilística
ocorreu apoiada nos automóveis com motores ciclo Otto, agora equipados com injeção
eletrônica e movidos a gasolina. As vendas de novos veículos equipados com motores a
álcool tornam-se marginais. Entre 1995 e 1997, atente-se para o fato que a produção de
automóveis atinge seu pico histórico no Brasil. Em 1995, foi vendido internamente
1,073 milhão de veículos, em 1996, 1,239 milhão e, em 1997, as vendas alcançaram
1,360 milhão de automóveis. Entre 1993 e 1997, frente ao crescimento do consumo de
gasolina, até o óleo diesel perde participação no mercado de combustíveis, embora não
tenha ocorrido redução do consumo em volume e, sim, crescimento em ritmo mais
lento. Observe a propósito que o incremento da frota de veículos movidos a óleo diesel
é significativo: entre 1994 e 1997, em média, 50 mil caminhões e 13 mil ônibus foram
incorporados anualmente à frota.

Em 2001, a participação do álcool hidratado perde definitivamente importância


perfazendo apenas 5% do mercado, reflexo da paralisação nas vendas de veículos com
motores para este combustível. Em 2002, as vendas de automóveis a álcool
corresponderam a apenas 4% do total. Em 1985, o perfil das vendas era exatamente o
inverso, com 4% de veículos a gasolina e o restante a álcool. Observe que o crescimento
do consumo de óleo diesel foi ainda mais importante que o da gasolina, resultando em
um aumento significativo de sua participação relativa nos últimos anos. Este aumento
foi impulsionado pelo crescimento da frota de veículos pesados. As vendas internas de
caminhões e ônibus continuaram sustentadas em 2000, 2001 e 2002, apesar da queda do
ritmo do crescimento econômico. Além disso, os veículos comerciais leves, que
anteriormente eram equipados com motores de ciclo Otto (sejam movidos a álcool,
sejam movidos a gasolina), progressivamente passam a ser vendidos com motores de
ignição por compressão, queimando óleo diesel. Em média, foram incorporados à frota
40 mil veículos comerciais leves a diesel por ano, entre 2000 e 2002.

G ráf. IV: Crescim ento d o consu mo de com bustíveis auto motivos e d o PIB em nú mero s
índices, 1980 = 100

225,0
Com bustív eis
autom otiv os

200,0

175,0

PIB

150,0

125,0

100,0

75,0
1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

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Tabela III: Crescimento do consumo de combustíveis automotivos


e do PIB com seus números índices de 1982 a 2001
Ano Tep Índice Pib (R$) Índice
1982 20.908 100,0 816 100,0
1983 20.023 95,8 792 97,1
1984 20.529 98,2 835 102,3
1985 21.543 103,0 901 110,4
1986 25.664 122,7 968 118,6
1987 25.362 121,3 1.002 122,8
1988 26.123 124,9 1.002 122,8
1989 28.099 134,4 1.033 126,6
1990 28.478 136,2 988 121,1
1991 29.995 143,5 998 122,3
1992 30.119 144,1 993 121,7
1993 31.226 149,3 1.042 127,7
1994 33.191 158,7 1.103 135,2
1995 36.343 173,8 1.149 140,8
1996 39.319 188,1 1.180 144,6
1997 41.505 198,5 1.219 149,4
1998 43.391 207,5 1.220 149,5
1999 42.791 204,7 1.230 150,7
2000 42.067 201,2 1.284 157,4
2001 43.113 206,2 1.302 159,6
Fonte:BEN e IBGE

A despeito das mudanças na participação dos diferentes combustíveis, tanto na


década de 1980, quanto na década de 1990, o padrão de crescimento do consumo total
se manteve. A curva superior do Gráfico IV mostra uma inclinação acentuada.
Sobretudo, o aumento da demanda não pareceu fortemente influenciado pelas oscilações
do desempenho econômico do país. Mesmo em termos absolutos, o aumento da
intensidade do consumo de combustíveis automotivos é notável. Enquanto, a preços
constantes, o PIB cresceu 60%, o consumo de combustíveis automotivos acumulou um
crescimento de 106% nos último vinte anos, conforme a Tabela III. Graficamente, o
resultado é o distanciamento entre as duas curvas, que aumentou ao longo do período,
principalmente, a partir de meados da década passada (Gráf. IV). Tudo indica que o
processo de motorização da sociedade brasileira, em um estágio ainda muito aquém do
verificado nos países industrializados, deve continuar na mesma intensidade durante a
próxima década e, portanto, que a importância da demanda por combustíveis
automotivos tende a ser ainda maior do que a verificada até o momento.

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1.3 A dimensão econômica e a diversidade mercado

A dimensão econômica do mercado de combustíveis automotivos ultrapassa seu


valor pecuniário. Em torno do binômio - combustíveis derivados de petróleo e motor a
combustão interna - foram erguidas as duas maiores indústrias do século XX: a indústria
automobilística e a indústria petrolífera. No Brasil, não foi diferente: a Petrobrás é a
maior empresa do país e, a partir da instalação das montadoras de automóveis, ônibus e
caminhões, verificou-se o processo de industrialização do Sudeste brasileiro durante a
década de 1950.

Em termos quantitativos, os números que se seguem falam por si. Na segunda


coluna da tabela abaixo está o volume (em litros) vendido, no mês de setembro de 2003,
para os três principais combustíveis automotivos e, na terceira coluna, o respectivo
preço à mesma época, considerando o preço na bomba. Naquele mês, pode-se estimar
que o comércio de combustíveis automotivos faturou cerca de 8,6 bilhões de reais,
apenas com a venda destes três produtos. Anualmente, seria então cerca de cem bilhões
de reais.

Tabela IV: Faturamento do mercado de combustíveis automotivos,


mês de setembro de 2003, em R$.
Litros vendidos Preço/litro Faturamento
Àlcool hidratado 248.883.625 1,233 306.873.510,00
Gasolina “c” 1.818.318.716 2,003 3.642.092.388,00
Óleo diesel 3.327.656.698 1,401 4.662.047.034,00
Total 8.611.012.932,00
Obs.: inclui também o volume de óleo diesel usado em tratores e equipamentos agrícolas,
correspondendo a 10% do total aproximadamente.

Os combustíveis destinados aos motores de ciclo Otto, somados, têm um


faturamento próximo do faturamento obtido com a comercialização do óleo diesel, em
que pese um volume de vendas de óleo (em litros) duas vezes maior. Em razão deste
volume, o óleo diesel ainda responde por 53,5% do faturamento de todo o mercado de
combustíveis. As vendas de gasolina perfazem aproximadamente 42% do mesmo
mercado. Evidentemente, é o preço relativo da gasolina que, em termos monetários,
torna suas vendas tão importante.

Outro aspecto a ser observado são os diferentes usos e o perfil dos proprietários
da frota de veículos. Em função destes aspectos, a gasolina atende um consumo, em
geral, de natureza privada, satisfazendo necessidades individuais, ou familiares e,
portanto, dispondo de uma clientela muito mais numerosa, dispersa e diferenciada. Em
2002, eram, pelo menos, 15 milhões de veículos circulando exclusivamente com
gasolina “c”. No caso dos veículos pesados, que queimam óleo diesel, a imensa maioria
é de uso profissional para transporte coletivo e de carga, sendo em número muito menor

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e, em termos de proprietários, bem mais concentrada: eram dois milhões de veículos a


diesel (incluindo caminhões, ônibus e comerciais leves). Os aumentos dos preços da
gasolina têm importante impacto na opinião pública, enquanto os aumentos dos preços
do óleo diesel têm impacto em fretes e tarifas urbanas e, portanto, nos índices de
inflação. Esses fatores, que distinguem a demanda entre os combustíveis automotivos,
são importantes na formulação da política de seus preços.

1.4 A importância da arrecadação tributária

A estrutura de preço atual dos combustíveis automotivos pode ser analisada a


partir da Tabela V. Na bomba, os preços são formados por três parcelas: o preço na
saída da refinaria, as margens brutas e os tributos. O primeiro preço é também
denominado preço de realização, pago pela distribuidora à refinaria. A ele, acrescentam-
se as margens brutas de distribuidoras e revendas, onde estão incluídos os custos e os
lucros apropriados pelas empresas. Por fim, têm-se os tributos. A carga fiscal é
especialmente elevada, estendendo-se de 27,5% no preço do óleo diesel até 51,7% do
preço da gasolina. Durante o ano, podem ocorrer variações na composição, mas, sempre
em torno dessas grandezas. Assim, metade do faturamento obtido com as vendas de
gasolina é recolhida como tributo e mais de um quarto do faturamento com as vendas de
óleo diesel. Quanto ao álcool hidratado, embora não incida um dos tributos, no preço da
bomba, mais de um terço são recolhimentos. É natural, portanto, que o estado tenha um
interesse especial no mercado de combustíveis automotivos.

Tabela V: Composição dos preços dos combustíveis automotivos, em setembro de 2003,


na cidade de Campinas, segundo a Fecombustíveis, em %.

Óleo diesel Álcool Gasolina


Tributos 27,5 36,5 51,7
Margem + custo de revenda 18,3 8,6 14,7
Preço de compra pelo revendedor 54,9 54,9 33,6

Gráfico V: Composição dos tributos no preço final

Gasolina Álcool Óleo diesel

23% 0% 19%
21%

ICMS
PIS COFINS 46%
57%
CIDE
20%
35%
79%

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Os beneficiados são os governos estaduais, que recebem o ICMS recolhido, e o


governo federal, que dispõe dos recursos da CIDE e do PIS/COFINS, contribuições
vinculadas por Lei a despesas específicas. Tanto a Receita Federal, quanto as
Secretarias de Fazenda, em razão da importância da arrecadação tributária, acabaram
instalando células especializadas nas ações de fiscalização e combate à sonegação nas
operações de distribuição e revenda de combustíveis. Vale observar que,
contrariamente às convenções tributárias, o legislador fez questão de criar uma série de
mecanismos para vincular parcela das somas arrecadadas, talvez prevendo a
importância dos recursos recolhidos e tentando precaver-se do mal uso da receita. Além
disso, a CIDE não seria um mero instrumento fiscal, antes teria como função aproximar
o preço nacional ao preço internacional do combustível, incidindo tanto na gasolina
refinada no Brasil, quanto naquela que, por ventura, seja importada.

Um rápido exercício permite quantificar em termos monetários a importância


dos ganhos de arrecadação tributária no mercado de combustíveis automotivos.
Aplicando as participações dos tributos da Tabela V às informações sobre a
comercialização dos derivados referentes ao mês de setembro de 2003 (Tabela IV), a
estimativa de arrecadação total seria de aproximadamente três bilhões de reais, ou 35%
do faturamento total do mercado. Os cálculos se encontram na Tabela VI. Observe que,
embora sensivelmente menor em volume e mesmo em faturamento, se comparado às
vendas de óleo diesel, a arrecadação tributária é sensivelmente maior com as vendas de
gasolina em razão da mais elevada incidência tributária. O foco da ação de fiscalização
e do monitoramento, por parte dos órgãos de setoriais e tributários na comercialização
especificamente de gasolina é, assim, pelo menos em parte, justificável.

Tabela VI: Estimativa de arrecadação tributária, para o mês de setembro de 2003, no


mercado de combustíveis automotivos
Produto Faturamento Participação dos Arrecadação tributária, Participação
em R$ tributos no preço em R$ no total (%)
(%)
Álcool hidratado 306.873.510,00 36,5 112.008.831,00 3,7
Gasolina c 3.642.092.388,00 51,7 1.882.961.764,00 62,6
Óleo diesel 4.662.047.034,00 27,5 1.011.664.206,00 33,7
Total 8.611.012.932,00 - 3.006.634.801,00 100,0

Patamares tão elevados de tributação não são uma particularidade do Brasil. Eles
são observados em todos os países não exportadores de petróleo, com a notável exceção
do mercado estadunidense. A relativa inelasticidade preço dos combustíveis permite que
aumentos no preço final elevem a receita tributária, apesar da queda no volume de
vendas. A falta de substitutos para os combustíveis automotivos, em alguns países, e o
custo de substituição, em outros, explica a baixa elasticidade preço, tanto da demanda
por gasolina, quanto por óleo diesel. No caso do óleo diesel, por ser o combustível
queimado nos transportes ferroviário e rodoviário, o impacto inflacionário na elevação

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dos seus preços é uma variável que é sempre levada em conta pelos governos, quando
estes concebem a estrutura de tributação no mercado. Assim, as imposições são maiores
na gasolina do que no óleo diesel, para mitigar o efeito nos níveis gerais de preço. Por
fim, existe uma razão estritamente fiscal para estas elevadas taxas de tributação seja
qual for o combustível: o custo de arrecadação é relativamente baixo, devido ao elevado
volume de negócios e à organização da cadeia de produção e comercialização. Como
será visto, nem sempre a segunda assertiva se verifica por completo.

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Parte II: A realização do valor a jusante da cadeia produtiva

2.1 O abastecimento e as empresas de distribuição

Do poço à bomba, os derivados de petróleo percorrem uma longa cadeia de


atividades, onde atuam empresas de porte bastante distintos e em segmentos
especializados. A venda de combustíveis automotivos encontra-se no final de um fluxo
de abastecimento que está esquematizado no diagrama a seguir. A logística, que permite
um fornecimento ininterrupto em praticamente todos os pontos do país, tem início em
treze refinarias, três centrais petroquímicas (na Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul) e
mais de trezentas usinas e destilarias (concentradas nos estados do Sudeste do país e
algumas em estados do Nordeste). Elas fornecem gasolina, óleo diesel e álcool para 322
bases de distribuição de combustíveis líquidos. A região Sudeste conta com 131 bases
(85 em São Paulo) e a região Sul conta com 56 bases (34 no Paraná).

Diagrama da logística de abastecimento de combustíveis1

29 a 30.0000
dutos e cabotagem postos revendedores
13 refinarias
322 bases de
3 centrais rodovias distribuição de 551 transportador,
petroquímicas combustíveis revendedor e retalhista
ferrovias
líquidos
usinas e rodovias
destilarias ferrovias e
hidrovias grandes consumidores

Os combustíveis seguem por todos os meios viários para as bases de


distribuição, que podem ser primárias, ou secundárias. Nestas bases, atuam as empresas
distribuidoras, que dispõem de capacidade de tancagem e logística de transporte
(própria ou contratada) para comercializar em grandes volumes os produtos derivados
de petróleo e o álcool. Eles são retirados das bases pelas distribuidoras que fornecem
aos “Grandes Consumidores” e às redes de postos revendedoras. O TRR não pode
comercializar gasolina, álcool e GLP, ele fornece para consumidores isolados (como
indústrias e fazendas) óleo combustível e óleo diesel.

Poucas empresas dominam o mercado de combustíveis, controlando as


diferentes atividades que formam a cadeia de realização do valor da mercadoria. Três
são multinacionais do petróleo instaladas no Brasil há décadas – a Shell, a Esso e a
1
Durante o ano de 2002, por intermédio de uma série de Resoluções, a ANP regulamentou a atuação de
três novos atores no mercado de combustíveis automotivos: os importadores, os formuladores e os
certificadores, que não constam neste diagrama.

12
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Texaco. Duas são controladas pelo capital nacional – a Petrobrás e a Ipiranga. Duas
petroleiras estrangeiras ingressaram no mercado recentemente: a espanhola Repsol
adquiriu a refinaria de Manguinhos e a rede de postos Wal do grupo Peixoto de Castro e
a italiana Agip comprou a distribuidora São Paulo.

O poder das sete empresas mencionadas está assentado em diversos ativos


complementares bastante específicos e que estão dispostos estrategicamente para
viabilizar a continuidade dos fluxos de abastecimento. Destacam-se entre estes ativos, a
capacidade própria de tancagem e transporte, os contratos de exclusividade para
fornecimento às redes de postos revendedores, os contratos de fornecimento para
grandes consumidores, unidades de produção dedicadas a outros derivados
(lubrificantes, aditivos e componentes químicos) etc.. Dispondo da mais extensa e maior
cadeia de ativos, a liderança do mercado de distribuição de combustíveis é
incontestavelmente da estatal brasileira.

Tabela VII: Estrutura do mercado de distribuição de combustíveis automotivos em 2001

Tab VII a: Quotas nas vendas Tab. VII b: Quotas nas vendas de
de óleo diesel gasolina “c”

Empresa Participação Empresa Participação


Petrobrás 26,3% Petrobrás 20,0%
Ipiranga 19,5% Ipiranga 15,2%
Shell 10,8% Shell 11,3%
Texaco 10,2% Texaco 8,4%
Esso 8,2% Esso 12,5%
Agip 3,2% Agip 3,0%
Outras 21,8% Outras 29,6%

Tabela VII c:
Faturamento e posição no ranking das maiores corporações industriais do país

Empresa Faturamento em 2002 Posição no ranking Número de


Milhões de US$ empregados
Petrobrás 33.311,5 1o 34.376
Petrobrás Distrib 9.329,5 3.332
Ipiranga 4.214,1 7o 1.580
Dist. Ipiranga RS 877,5 2.955
Shell 4.096,8 9o 1.635
Petróleo Sabbá 348,9 66
Texaco-Atlantic 2.805,2 20o 1.038
Esso 2.688,5 23o 1.123
Fonte: Revista Exame

A estrutura do mercado de distribuição de combustíveis, assim como a dimensão


econômica das principais empresas envolvidas, podem ser constatadas pelas
informações das tabelas acima. A Petrobrás responde por mais de um quarto do volume
de óleo diesel comercializado no Brasil e um quinto do volume de vendas da gasolina
(Tabelas VII a e VII b). A Ipiranga é a segunda em participação nos dois mercado,
seguindo-se depois a Shell, a Texaco e a Esso com quotas semelhantes e bem superiores
a Agip, que entrou há pouco no mercado. Em termos de faturamento, são as maiores

13
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corporações do país (Tabela VII c). Cinco estão incluídas, pela revista Exame, entre as
25 maiores vendas em 2002, e com contingentes que superam mil funcionários por
empresa. Breve, a distribuição de combustíveis é um oligopólio concentrado, dominado
pelas maiores empresas do país.

2.2 A revenda de combustíveis

Na ponta dos negócios com combustíveis automotivos, intermediando os


milhares de clientes e as distribuidoras, estão os postos revendedores. Como, por Lei, as
distribuidoras não podem ser proprietárias de instalações de venda no varejo, a
comercialização final dos combustíveis é um segmento de atividade com uma estrutura
de mercado oposta à observada na distribuição. A revenda de combustíveis é um espaço
dominado por empresas de tamanho limitado, freqüentemente de controle familiar e
com o capital de origem local. Considerando o fracionamento dos atores na revenda, o
papel das associações patronais é essencial e duas entidades disputam a representação
neste segmento: a Fecombustíveis, que reúne os sindicatos estaduais e o Simcopetro,
que reúne a maior parte dos postos revendedores situados no estado de São Paulo e não
é afiliado a Fecombustível. Naturalmente, a disputa pela representação reflete a
diversidade dos atores e de seus interesses.

O ambiente estritamente regulamentado, que vigorou até o final da década de


1980, foi extinto com o Governo Collor. Os entraves à instalação de postos foram
reduzidos em 1990. Em 1993, os postos de bandeira branca (independentes) foram
autorizados a funcionar e também mudaram as regras para a criação das distribuidoras,
que se tornaram mais flexíveis e permitiram o ingresso de centenas de novas empresas.
No decorrer da segunda metade da década passada, o novo órgão de coordenação
setorial, a ANP, procurou redefinir as relações entre revendedores, retalhistas,
transportadores e distribuidores, desenhando um modelo institucional que privilegiasse
a competição.

Em meio à contínua transformação do ambiente de negócios, durante toda a


década de 1990, a estrutura dos mercados a jusante da cadeia de petróleo e derivados foi
profundamente alterada. O oligopólio das grandes distribuidoras foi fortemente
contestado com a entrada e expansão rápida de capitais locais (grupos de dimensão
estadual ou regional) e o ingresso de alguns grandes grupos controlados por capital
estrangeiro. A queda das barreiras à entrada trouxe, sem dúvida, mais concorrência, mas
também, exigiu uma reorganização das atividades de distribuição e revenda que,
levando em conta a desorganização observada na primeira metade da década de 1990,
demonstrou-se jurídica e economicamente bastante complexa.

Algumas informações sobre a evolução recente do negócio de revenda de


combustíveis, no Brasil, encontram-se na Tabela VIII. Durante a segunda metade da
década passada, ocorreu um aumento expressivo de instalações da rede de varejo, com o
número de postos saltando de 24 para quase 30 mil. Como se pode constatar, não foram
as sete maiores distribuidoras que aumentaram suas redes de revendedores; ao contrário,
elas perderam cerca de 4000 postos, entre 1996 e 2002. Na verdade, o que ocorreu foi
um enxugamento a partir de uma seleção mais rigorosa dos postos supridos pelas
maiores bandeiras.

14
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Tabela VIII: Evolução do número de postos revendedores entre 1996 e 2002


Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
7 maiores 25.469 26.138 23.360 23.252 22.362 22.372 21.729
Outras 835 1.359 1.327 5.159 6.875 6.610 8.075
Total 24.634 24.779 24.687 28.411 29.237 28.982 29.804

O ingresso de novos capitais na atividade concentrou-se entre 1998 e 2000, na


seqüência de um forte crescimento da demanda por combustíveis, em anos anteriores, e
da abertura do setor petróleo; a jusante da cadeia, simbolizada pelo fim da
obrigatoriedade de identificação da marca da distribuidora nos postos de revenda, em
1997. As pequenas distribuidoras, as redes de postos independentes e os capitais locais
formam a categoria “outras” da Tabela VIII. Em 1996, apenas 835 estabelecimentos não
pertenciam às redes das grandes distribuidoras. Em 2002, estes postos já somavam mais
de 8 mil. Apenas entre 1998 e 2000, surgiram mais de 5.500 postos denominados de
bandeira “branca” (independentes), ou ligados às distribuidoras menores.

Tanto no segmento mais a jusante, quanto nos segmentos de atividades


intermediários da cadeia de derivados de petróleo, o resultado das modificações no
mercado foi um notável acirramento da competição. A maior concorrência deteriorou as
condições de realização do valor final da mercadoria em segmentos antes acomodados e
estritamente regulamentados. Embora tenha ocorrido um crescimento do volume
comercializado, a abertura de novos postos foi ainda maior, determinando uma
diminuição na escala de vendas por postos. É o que se constata da análise das
informações contidas na Tabela IX. Em 2000, o volume de vendas de um posto
brasileiro era, em termos de gasolina, cerca de 10% menor e, quando somados todos os
combustíveis, cerca de 20% menor que quatro anos antes. Os indicadores sinalizam uma
acentuada redução nas margens de lucro, decorrência do ingresso maciço de novos
capitais e da rápida expansão das empresas menores2.

Tab. IX: Indicadores de vendas em postos de combustíveis automotivos entre 1996 e 2002
Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Vendas médias de 821 913 961 886 750 757 764
gasolina
Vendas médias de 1.759 1.816 1.873 1.712 1.458 1.476 1.486
combustíveis *
* Vendas de gasolina “c”, óleo diesel e álcool hidratado. Unidade: m3

Tendo em vista as assimetrias entre os participantes da cadeia de distribuição e


revenda e as diferentes estruturas de mercado em cada segmento de atividade, pode-se
inferir que, quanto mais a jusante e quanto menos integrado, menor tem sido o poder de
barganha do pequeno capital local em relação aos fornecedores e mais difíceis as
condições impostas pela concorrência. Este cenário de acirramento da competição é
importante para o entendimento das questões tratadas a seguir: as fraudes freqüentes e a
deterioração da qualidade dos combustíveis.

2
Durante as décadas de 1970 e 1980, somadas, as margens de lucro da distribuição e revenda chegaram a
representar entre 30 e 35% do preço final dos combustíveis. Atualmente, as margens de distribuição não
superam 5% e de revenda, 10%.

15
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2.3 Fraudes, sonegação e ganhos ilícitos

Uma combinação de fatores explica a freqüência com que são observadas as


ações no sentido de reduzir de forma lícita, ou ilícita, o pagamento das imposições e
contribuições que incidem sobre os combustíveis automotivos. Como já foi
mencionado, o primeiro fator é o próprio peso da tributação, metade do preço final da
gasolina “c”, mais de um terço do preço do álcool hidratado e mais de um quarto do
preço do óleo diesel. A facilidade na manipulação do produto e a dificuldade para o
consumidor, ou o estado, de identificar, ou a alteração na mercadoria comprada, ou o
não pagamento de impostos, também estimularam condutas oportunistas. Os volumes
negociados a cada compra no atacado, assim como a rapidez no giro dos estoques,
tornam extremamente atrativas as oportunidades (esporádicas ou não) de aumentar os
ganhos. Evidentemente, o acirramento da concorrência e as margens de lucro apertadas
aumentam ainda mais a “atratividade” deste tipo de conduta

Um último fator relevante foi a desorganização do setor petrolífero, após duas


décadas de contínuo “desaparelhamento” do organismo de coordenação setorial.
Submetido a um prolongado enxugamento administrativo, o Conselho Nacional do
Petróleo fora transformado, em 1990, no Departamento Nacional de Combustíveis,
instituição que acabou tendo sua atuação restrita à regulamentação e fiscalização das
atividades situadas a jusante do setor petrolífero. Brevemente, o DNC tinha a função de
desmontar o cartório precedente e liberalizar os segmentos de abastecimento,
distribuição e revenda.

Contudo, sem considerar as diferentes estruturas de mercado e a dinâmica das


relações antagônicas entre revendedores e distribuidores, o DNC acabou sinalizando um
processo de alienação do estado que culminou com a completa desorganização do setor,
a perda da autoridade pública e uma pesada herança jurídica. Editadas no decorrer da
década de 1980 e 1990, numerosas portarias e resoluções se acumularam e se sucederam
formando finalmente uma legislação confusa, com pouca consistência e muitas brechas.
Apesar da Lei do Petróleo, Lei no 9.478, sancionada em 1997, e das mais recentes
iniciativas para reduzir os custos de transação e coordenação, o imbróglio jurídico-
tributário que perdurou até dezembro de 2003.

Na tentativa de recuperar as margens de lucro, comprometidas pelo acirramento


da concorrência, e aproveitando-se da complexidade jurídica e tributária das operações
com os combustíveis automotivos, a “engenharia” fiscal ganhou importância entre os
atores do mercado. Entendida como a elaboração de instrumentos legais que se
beneficiam da jurisprudência e da falta de harmonização com o intuito de reduzir as
imposições nos negócios, este tipo de consultoria pode gerar uma vantagem custo não
negligenciável. Se for realmente vantajosa, estará rapidamente acessível não só às
grandes empresas, mas também a todas as demais, particularmente, àquelas que estão
ingressando no mercado e arcam com os custos de instalação. Apoiado em decisões de
primeira instância, o não pagamento de tributos criou a denominada “indústria de
liminares”. Um flagrante indicador do retorno financeiro destas iniciativas, que apesar
de sujeitas a riscos, a princípio não se caracterizavam como ilícitos, uma vez que elas
estavam protegidas por decisões judiciais, mesmo que provisórias.

16
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Contudo, aproveitando-se das numerosas alternativas jurídicas, gradualmente a


engenharia fiscal expande seus domínios, dando margem a condutas cada vez mais
duvidosas. Em casos cada vez mais freqüentes, ultrapassa-se o limite da lisura e a
concorrência se torna desleal e predatória, causando elevadas perdas para todas as partes
envolvidas. A origem desses ganhos ilícitos são basicamente duas: o descaminho de
produtos e a adulteração da qualidade dos mesmos.

No primeiro caso, os empresários mais oportunistas se aproveitam das diferenças


na incidência de impostos entre as unidades da federação e das deficiências no controle
das operações tributárias. Retiram o produto em Minas Gerais, indicando como destino
outro estado, onde a alíquota incidindo sobre o óleo diesel, p.ex., seja sensivelmente
menor. De fato, o produto não atravessará a fronteira interestadual e será distribuído –
ilegalmente – com um desconto que pode representar ¼ de seu preço final. No caso do
álcool, tanto anidro, quanto hidratado, o descaminho é caracterizado pela venda direta
entre as usinas e os postos revendedores, sem passar pelas bases de distribuição e,
portanto, escapando completamente dos impostos e das contribuições3.

No segundo caso, as adulterações de combustíveis se fazem a partir da adição de


outros componentes ao combustível. São observadas as mais diversas práticas que
incluem desde a simples adição de água até a de solventes. Evidentemente, sendo o peso
dos tributos bastante elevado na gasolina, o combustível é o principal alvo de
adulteração. A adição de álcool e de solventes à gasolina são as práticas mais
freqüentemente constatadas pelas operações de fiscalização e monitoramento dos
combustíveis4. As vantagens obtidas com as condutas lícitas e ilícitas, que visam
diminuir o pagamento dos tributos, podem ser avaliadas a partir das informações da
Tabela X.

Seja apoiado em liminares, seja por intermédio de adulterações, o não


pagamento de tributos proporciona um ganho extra e significativo. Quando respaldado
por advogados especializados, que obtenham liminares isentando o pagamento do
ICMS, a engenharia fiscal mais oportunista reduziria em até 38,5% o preço da gasolina
na bomba, se todo o desconto fosse repassado ao consumidor. Liminares obtidas contra

3
Além das diferenças nas alíquotas do ICMS, entre os estados, existem também diferenças nos
preços de referência sobre o qual incide o imposto.
4
Em sua composição, a gasolina “c” possui até 25% de álcool e correntes orgânicas similares
aos solventes de borracha, aguarrás e sucedâneos, como pode ser observado na tabela abaixo, o
que facilita as adulterações a partir desses produtos.
Composições da gasolina e dos solventes
Corrente Ponto de Ebulição Faixas
C5 35 30/40
C6 61 60/70
C7 95 Solvente de
GASOLINA C8 125 Borracha
C9 155 Aguarrás e
C10 174 Sucedâneos
C11 194 140/200
C12 215 Querosene e
C13 234 Assemelhados
C14 252

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o pagamento da CIDE – prevista como imune a este tipo de ação e introduzida em 2003
– também gerariam ganhos bastante elevados: de ordem de 27,8% do preço final.

Tabela X: Potencial de redução no preço em virtude de liminares e adulterações


Prática Redução percentual no preço
Gasolina com 30% alc.anidro 3,3%
Gasolina com 30% de solvente 16,8%
Gasolina com liminar CIDE 27,8%
Gasolina com liminar ICMS 38,5%

A primeira vista, as adulterações também podem ser uma fonte de ganhos, mas,
proporcionalmente, eles seriam menores que os obtidos por intermédio dos instrumentos
jurídicos. Enquanto a adição de solventes reduziria o preço final em quase 17%, com a
adição de álcool, obter-se-ia uma redução pouco importante, próxima a 3% do preço
final. Isso não é de todo verdade. Considere-se que, nos dois exemplos, tratam-se de
adulterações mínimas, que supõem a precaução do responsável em procurar reduzir os
riscos de ser detectado. Em muitas situações, esta precaução não se verifica, como em
novembro de 2003, em São Paulo, quando foram apreendidos volumes de gasolina
contendo até 60% de álcool e gasolina integralmente formulada a partir de solventes.

A atração dos ganhos com liminares e adulterações é elevada, mesmo


considerando que são lucros temporários e que acarretam o aumento dos custos de
transação da empresa; aumentos estes destinados essencialmente ao pagamento dos
honorários dos advogados e associados aos riscos de uma conduta ilícita. Como já foi
mencionado, os volumes negociados, a rapidez no giro dos estoques e o peso dos
tributos permitem um retorno rápido em razão das altas somas envolvidas em cada
operação. Para empresas que registram uma margem de lucro entre 5 e 15% e que, na
última década, foram pressionadas pelo aumento da competição, qualquer incremento
do lucro passa a ser significativo: a adição de 30% de solvente e 30% de álcool em um
litro de gasolina aumentaria em mais de 500% as margens, sejam elas do revendedor,
sejam da distribuidora.

Decorrência do ingresso de novos capitais, a mudança de estrutura do mercado


de distribuição gerou um acirramento da competição e teve como conseqüência a
redução dos lucros e a crescente contestação do poder de mercado das maiores empresas
envolvidas com a comercialização de combustíveis automotivos. Esta seqüência de
eventos tem uma lógica facilmente respaldada pela teoria econômica convencional que
prediz a queda dos preços e dos lucros extraordinários, como resultado do aumento do
número de participantes em um mercado. Mais difícil, porém, é entender como o
aumento da competição, que per si deveria ser benéfico, acarretou uma rápida e
acentuada deterioração da qualidade dos combustíveis e a multiplicação de condutas
ilícitas. A próxima seção procura introduzir alguns poucos conceitos que permitem um
melhor entendimento do problema.

18
ANP, Assessor D-G, LEDD

2.4 O processo de seleção adversa e segmentação do mercado

A recente evolução da teoria econômica amplia as perspectivas de análise ao


realçar o papel da informação correta para o pleno funcionamento do livre mercado. Os
desvios de conduta e a deterioração da qualidade são observados como o resultado de
“assimetrias informacionais” – uma disparidade entre compradores e vendedores sobre
as condições do objeto da transação. Em um artigo seminal, Akerloff demonstra que, na
falta de informações confiáveis, mercados que satisfizessem todas as demais condições
de concorrência perfeita terminariam gerando um processo de seleção adversa5.
Restariam apenas bens “podres”, uma vez que as boas mercadorias teriam sido expulsas
do mercado, os preços não compensando a qualidade.

Resumidamente, a falta de informações da parte dos consumidores acaba


diminuindo o número de boas ofertas de compra por parte destes, fazendo os preços se
nivelarem por baixo. A repetição do problema, no limite, determina a saída da maior
parte dos consumidores do mercado que passam a adquirir o bem por outras
alternativas. Pelo lado dos produtores, aos poucos, as boas mercadorias serão retiradas
das prateleiras, já que, sem poder distinguir a qualidade, o consumidor não estará
disposto a pagar qualquer sobrepreço. Por fim, o mercado estaria dominado pelos bens
ditos podres, em razão do risco envolvido na sua aquisição. O mercado falha
precisamente em apreciar a qualidade.

A solução está na sinalização do consumidor. De imediato, ele procura melhor


assegurar sua compra, estabelecendo canais alternativos que lhe garantam condições
mais favoráveis; isto é, mais informação sobre o produto. Nos mercados de bens de
consumo duráveis de segunda mão (carros, geladeiras, ar condicionados), ele os adquire
de parentes, de colegas de trabalho, ou amigos, que dão referências sobre as condições
de uso a que foi submetido o bem em questão. Vendedores precisam fornecer
certificados, oferecer garantias de troca e reparação e, de alguma forma, compensar a
perda que, por ventura, o consumidor possa ter. Vale observar que, em razão da seleção
adversa, surge um espaço para as estratégias de segmentação do mercado. As empresas
líderes terão de diferenciar fortemente seus produtos, criando nichos, ou mercados
próprios, quase cativos, justamente pelo diferencial da qualidade. Programas de
“fidelização”, canais exclusivos de venda, investimentos na marca podem aumentar a
disposição a pagar do consumidor para obter a qualidade inexistente no mercado
convencional.6

É importante colocar que, no varejo, as imperfeições do mercado não se limitam


ao problema mencionado. Além de pouco informado, o consumidor também tem uma
mobilidade limitada e sua compra é insignificante frente a todo o mercado. Em
conseqüência, existem assimetrias de informação e também um forte desequilíbrio
quanto ao poder de barganha, favorecendo o revendedor. Além disso, são elevados os

5
G.AKERLOFF, 1970, The market for lemons: quality uncertainty and market
mechanism..Quaterly Journal of Economics 84, pp 488-500.
6
Alguns estudos demonstram que, não dispondo de informações precisas sobre as preferências
do consumidor, as empresas tendem a reduzir a oferta de qualidade para os consumidores em
geral, para poder se concentrar na extração do excedente dos consumidores dispostos a pagar
preços mais elevados pela mercadoria. Ver White (1977); Mossa e Rose (1978) e Mashin &
Reilly (1984).

19
ANP, Assessor D-G, LEDD

custos de transações envolvidos no ato de compra. Por um lado, mesmo após a escolha
do produto, além do preço de compra, existe um custo “puro” associado à aquisição e
relacionado ao deslocamento do consumidor. Ele inclui a despesa com as viagens ao
local de compra (ida e volta) mais o gasto de tempo durante o trajeto. Por outro lado,
observa-se um custo de “seleção”, ou de procura, quando ainda não se tem a decisão do
que exatamente comprar e, assim, é necessário fazer uma pesquisa sobre as opções, o
que gera novos custos de deslocamento e perda de tempo. Deduz-se que a localização
do revendedor é um fator chave na concorrência e que é possível, para ele, aproveitar a
presença de economias de escopo em seu ponto de venda, ao oferecer uma linha
diversificada de produtos, que pode ir da gasolina ao cachorro quente (o que permite
reduzir o número e a extensão das viagens dos clientes). Esses elevados custos das
transações para o consumidor acentuam as assimetrias e reforçam o poder de barganha
dos revendedores.

As aplicações do conceito de seleção adversa estendem-se do mercado de


jogadores de basketball da NBA (tema do artigo de Akerloff) até as aplicações de
capital estrangeiro em ativos de risco localizados nos países menos desenvolvidos. Em
relação à experiência do mercado de combustíveis automotivos, na sessão anterior,
foram mencionadas as evidências de que a qualidade dos combustíveis encontrava-se
deteriorada em razão de práticas que visavam o não pagamento de tributos. O
acirramento da competição resultou em uma seleção adversa, onde, muitas vezes, os
ganhos derivavam, não da competência empresarial, mas sim da adulteração e do
descaminho de produtos. Eram as alternativas mais imediatas para contestar o sólido
oligopólio existente até então.7

Com o auxílio da microeconomia convencional é possível visualizar o que


ocorreu. No Gráfico VI, encontra-se a curva - em forma de “U” - do custo total referente
à qualidade. Ela se decompõe na curva de custo da empresa (tracejada) e do consumidor
(pontilhada). Na primeira, quanto maior a qualidade do suprimento, maior a despesa da
empresa, na segunda curva, a relação entre as variáveis é logicamente inversa. Quando a
competição é elevada, as margens de lucro estão baixas e a pressão pela queda dos
custos é mais forte, o ótimo econômico - ponto “B” no gráfico - é diferente do ótimo do
produtor - ponto “A” no gráfico.

Custo

Gráfico VI: Curvas de custo e sub


investimento na qualidade

Custo total
Custo produtor

Custo consumidor

7
Adicionalmente, observe que, por ser quase toda fornecida pela mesma empresa, na saída da
refinaria, a gasolina brasileira goza de uma uniformidade difícil de se obter em mercados onde
existem diversos fornecedores.

20
ANP, Assessor D-G, LEDD

Qualidade do
A B suprimento
Observe ainda a importância do formato das curvas de custo para cada uma das
partes. Quanto menor e mais achatado for o início da curva do produtor e mais lenta for
a queda dos custos arcados pelo consumidor, maior será a diferença entre os pontos
ótimos. Em outros termos, se os custos com a perda de credibilidade e aumento das
penalidades forem baixos e o consumidor não tiver como reparar suas perdas, o
subinvestimento em qualidade tende a ser acentuado.

A situação do mercado de distribuição e revenda de combustíveis automotivos


parece se ajustar à ilustração gráfica. A partir da década de 1990, menores obrigações
legais e maiores oportunidades de ganhos duvidosos se combinaram para diminuir os
custos da não conformidade para as empresas, enquanto aumentavam os custos dos
consumidores, que não tinham a quem recorrer em virtude do enxugamento da máquina
administrativa e do imbróglio jurídico-tributário que tomou conta do setor. O gradual
distanciamento entre os pontos de ótimo do produtor e do mercado deve ter atingido seu
máximo no final da segunda metade da década de 1990, quando exames de
monitoramento da qualidade passaram a indicar que cerca de um quinto das amostras de
gasolina testadas em laboratório estava fora das especificações exigidas pelas Portarias
da ANP. As boas mercadorias estavam perdendo espaço e as empresas estavam
deixando de investir em qualidade.8

Além de permitir um melhor entendimento da experiência observada no país e


das razões que explicam porque a competição gerou distorções não previstas, os
conceitos introduzidos revelam quem foi o principal prejudicado com o ocorrido – o
consumidor. Como será visto na terceira parte do estudo, é possível quantificar a perda
do consumidor pela falta de qualidade e sua importância em relação às perdas do estado.

8
O problema com a qualidade dos combustíveis não é exclusivo do Brasil e nem é novidade no
país. Desde a década de 1960, existem indícios, como reportagens na imprensa especializada,
sobre a adulteração dos combustíveis, sobretudo gasolina. Embora seja uma questão recorrente
no mercado brasileiro, existe uma percepção de empresas, associações de defesa do consumidor
e de montadoras de veículos automotivos que a deterioração da qualidade dos combustíveis
cresceu no decorrer da década de 1990.

21
ANP, Assessor D-G, LEDD

Parte III: O custo da qualidade e os ganhos do monitoramento

3.1 A natureza das perdas no consumo

O consumo supõe a satisfação de uma necessidade e, no caso do combustível


automotivo, a demanda é por um deslocamento motorizado. A eficiência energética diz
respeito, então, a quantidade de energia necessária para percorrer uma certa distância.
Tudo depende do veículo usado e, assim, da combinação de uma série de fatores como a
massa deslocada, a capacidade de passageiros e de carga, a velocidade, a segurança, o
impacto ambiental... Para efeito deste estudo, o foco pode ser dirigido ao desempenho
do motor e ao rendimento da queima. O conceito de eficiência energética envolve
também a noção de progresso no sentido de menores consumos de energia primária para
a oferta de mesma quantidade de energia útil. No estudo em tela, a evolução tecnológica
determinante está na combinação que fazem motor e combustível. O desenho dos
motores e a composição química dos combustíveis desenvolveram-se em sintonia e a
partir de padrões e especificações que começaram a ser definidos há mais de um século.
As ilustrações mais evidentes desta simbiose de tecnologias são, por um lado, os
motores de ciclo Diesel e o óleo de mesmo nome e, por outro, os motores de ciclo Otto
e a gasolina.

A adição de corpos estranhos ao combustível deteriora de forma significativa a


qualidade dos combustíveis. Em poucas palavras, no cilindro do motor, não ocorrerá a
sua combustão completa. O combustível estando fora das especificações, o desempenho
do motor é afetado e, portanto, há uma perda energética frente à eficiência projetada
inicialmente para o sistema. Serão necessárias mais unidades de energia para a
realização do mesmo percurso. Assim, uma conseqüência imediata da deterioração da
qualidade dos combustíveis é o desperdício de energia.

Para o consumidor, a menor eficiência energética se reflete de duas formas. Por um


lado, ocorre um aumento do consumo por quilômetro percorrido, que pode ser superior
a 20% e tem como conseqüência um maior custo total para o deslocamento. Por outro
lado, aumenta a probalidade de ocorrência de danos mecânicos. O motor será
seguramente afetado se for abastecido freqüentemente com gasolina adulterada. Neste
caso, as perdas do consumidor se referem às operações de manutenção e às reparações
não previstas inicialmente e à provável redução da vida útil do motor do veículo. De
forma esquemática, os danos mecânicos são de três tipos: entupimento da bomba de
combustível, corrosão do sistema de injeção (ou carburação) e acúmulo de resíduos no
interior do motor. No primeiro evento, o motor engasga, as partidas são mais difíceis e o
custo da reparação está em torno de R$ 350,00. No segundo, o motor deixa de funcionar
e a reparação está orçada em cerca de R$ 1.500,00. No terceiro, os efeitos ocorrem após
uma quilometragem superior a 5.000 km e podem ter como conseqüência um motor
fundido.

À perda energética e à perda do consumidor, deve ser adicionado o dano ambiental


que resulta da queima de um combustível fora das especificações. No motor, a
combustão completa é obtida a partir da mistura de oxigênio e compostos orgânicos em
proporções predeterminadas. Quimicamente, o resultado é essencialmente a produção
de CO2 e H2O. O Assinale-se de imediato que o CO2 é um gás que contribui para o
efeito estufa. Quando ocorre a combustão incompleta, o problema é mais local, que
global, uma vez que acentuam-se as emissões veiculares residuais (CO, NOx, S, SOx e

22
ANP, Assessor D-G, LEDD

HC), que possuem elevado grau de toxidade. A importância do impacto ambiental da


queima de combustíveis automotivos pode ser postas em poucas estatísticas. Cerca de
20% das emissões mundiais de CO2 são de responsabilidade do setor transporte, modo
rodoviário, segundo a Agência Internacional de Energia. Na cidade de São Paulo, 98%
das emissões de CO são creditadas ao transporte por veículos automotivos, sendo que
72% destas emissões são devidas aos veículos leves e leves de serviço, segundo a
CETESB, 20029. Durante as décadas de 1980 e 1990, diversos estudos conseguiram
relacionar estatisticamente a concentração de poluentes atmosféricos locais e a
deterioração da saúde pública em aglomerações urbanas, com o aumento da incidência
principalmente de doenças pulmonares e respiratórias.

É fundamental distinguir a natureza de cada uma das perdas incorridas no momento


final de realização do valor dos combustíveis. A variedade dos efeitos, assim como a
dimensão das perdas, podem ser realçadas. A perda energética é de natureza física e seu
impacto econômico é o desperdício de um recurso que reúne características particulares.
É escasso, não renovável e com elevada procura. Trata-se, portanto, da má utilização de
um bem caro. A perda do consumidor se refere às necessidades não completamente
satisfeitas e se repercutem como despesas imprevistas com as reparações e o aluguel de
um carro substituto e como rendimentos cessantes em razão das horas perdidas e
compromissos não cumpridos. A perda ambiental também pode ser vista, como no caso
da energia, como uma perda física, que resulta no aumento do estoque de gases
poluentes locais e de efeito estufa e é mensurado em termos de miligrama por litro e
quilometro rodado.

A distinção mais importante a fazer diz respeito ao escopo de cada perda. Tanto nas
perdas energéticas, quanto nas perdas ambientais, o sobrecusto é arcado por todos e
indistintamente. O dano não diferencia ninguém e, assim, a divisão deste sobrecusto
pode ser pouco eqüitativa, ou simplesmente injusta. As perdas dos consumidores são de
natureza distinta. Elas são arcadas individualmente, incluídas no orçamento de cada
proprietário de veículo automotivo e, muito provavelmente, proporcionais a sua
utilização. No caso das perdas na eficiência energética e dos danos ambientais, os
efeitos surgem em mais longo prazo e não são facilmente perceptíveis. Assim, os custos
energéticos e ambientais da deterioração da qualidade são ainda mais difusos que os
custos incorridos pelos consumidores. Consequentemente, são de mais difícil estimação
em termos econômicos, mas, nem por isso, menos importante.

3.2 Qualidade e não conformidade

Durante a segunda metade do século passado, assim como o que foi observado
nas ciências econômicas, as ciências administrativas incorporaram novos conceitos e
perspectivas de análise, que permitem um melhor entendimento dos problemas
relacionados à qualidade. Tanto na economia, quanto na administração, a empresa era
essencialmente vista a partir de uma visão “racionalista” e “mecanicista”, não existindo
espaço para os estudos que explorassem a complexidade das relações sociais e a
diversidade de meios de coordenação entre os atores envolvidos na produção e
realização do valor das mercadorias. Muito pouca atenção era concedida ao consumidor
e a ênfase estava nos arcaicos métodos de comando e controle dentro das plantas
industriais. A introdução de conceitos como Planejamento Estratégico (Mintziberg,

9
Informações disponíveis nas respectivas páginas eletrônicas.

23
ANP, Assessor D-G, LEDD

1960), Controle Total da Qualidade (Feigenbaum, 1970) e Gestão da Excelência (Peters


e Watermans, 1982) permitiram a administração dos negócios voltar-se às questões de
mais longo prazo, à satisfação do consumidor e à valorização do funcionário e da
cultura empresarial.

As inovações organizacionais, que surgiram, mudararam o perfil da gestão dos


negócios. Novos métodos economizam tempo e materiais (just-in-time e kanban),
definem novos processos de trabalho (células de trabalho, círculos de controle e redução
das hierarquias) e criam um novo domínio da gestão – a qualidade – com métodos
próprios para o controle estatístico da produção, controles e garantias para qualidade
total e programas de zero-defeito. Os parâmetros e objetivos não são mais
exclusivamente os da empresa, também são fornecidos pelos concorrentes, fornecedores
e clientes e eles não são mais fixos, estão constantemente evoluindo e devem ser
permanentemente reavaliados.

Apesar da evolução teórica, até recentemente, a noção de qualidade ficou restrita


ao ambiente da firma e aos métodos de controle interno à empresa. A qualidade do
mercado como um todo e os custos da falta de qualidade em termos mais agregados e,
mesmo em termos nacionais, só muito recentemente atraíram estudiosos e acadêmicos.
No mercado de combustíveis automotivos, a busca pela qualidade por parte do conjunto
de empresas decorre fundamentalmente de disposições legais para a proteção do
consumidor e do meio ambiente. A evolução das especificações sobre as emissões dos
combustíveis foi a principal responsável pela melhoria da qualidade ambiental retratada
no Gráfico VII. O custo extremamente elevado incorrido pelo refino para a continua
melhoria ambiental verificada também pode ser observado no gráfico. Em virtude do
seu elevado custo e dos benefícios gerados serem essencialmente sociais (i.e.,
dificilmente apropriáveis), esta melhoria dificilmente partiria de iniciativas individuais
das empresas.

Gráfico VII: Evolução das emissões

C u s to s d a e v o lu ç ã o d a s
e s p e c ific a ç õ e s
(r e fin o )
U S $ 1 ,5 b ilh õ e s

U S $ 3 ,0 b ilh õ e s

U S $ 1 ,0 b ilh ã o
1988

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

F o n te : e s tim a tiv a a p a r tir d e


a p r e s e n ta ç õ e s d a P e tr o b r á s

Apesar de estarem associadas à elevação dos custos empresariais, não é difícil


demonstrar que as despesas com a qualidade (entendida como a conformidade às

24
ANP, Assessor D-G, LEDD

especificações) geram benefícios privados, fiscais e sociais de elevada monta e, em


razão deste retorno, não devem ser consideradas como um custo irrecuperável, mas,
sim, como um investimento. Após a publicação do Total Quality Control de Armand
Feigenbaum, em 1951, a “cultura” da qualidade foi disseminada e, hoje, admite-se que a
qualidade total reduz as perdas com as vendas de 20-25% para 5-7%. Em termos mais
agregados (como para longas cadeias produtivas, metrópoles, estados e países), as
perdas decorrentes da falta de qualidade representam entre 25 e 30% do produto. Em
um país como Israel, de avançado estágio tecnológico, logístico e administrativo, as
estimativas indicam perdas com a falta de qualidade de até 30% do PNB.10

Um indicador do grau de envolvimento das empresas e da sociedade com a


cultura da qualidade e mais recentemente com a busca pela excelência é a importância
concedida pelas políticas industrial, de ciências e de tecnologia às áreas de metrologia,
normalização e qualidade dos produtos e serviços. No Brasil, foi durante a década de
1980, que o estado assume a coordenação das atividades de certificação e metrologia,
com o Inmetro atuando como maior referência. No mercado de combustíveis
automotivos, o papel coube sempre ao Conselho Nacional do Petróleo, que editava as
normas de conformidade, as especificações para transporte, abastecimento e consumo,
inclusive dispondo de capacidade laboratorial própria para fazer ensaios e testes. O
Departamento Nacional de Combustíveis e, posteriormente, a Agência Nacional de
Petróleo herdaram as funções, registros e o laboratório em Brasília (Cepat).

O Programa de Monitoramento da Qualidade de Combustíveis da ANP,


doravante PMQC, foi iniciado em 1998, gradualmente ganhou amplitude, hoje, envolve
18 estados e tem um custo anual aproximado de 20 milhões de reais. No começo, os
testes indicavam entre 17 e 20% de não conformidade para a gasolina comum (tipo “c”).
A alarmante falta de qualidade foi o que determinou a criação do programa naquela
oportunidade. Após sua implantação, ocorreu uma evolução bastante positiva, embora
ainda insuficiente. Em 2000, o nível de não conformidade observado já estava em
12,5% e, três anos depois, em agosto próximo passado, a não conformidade desceu para
5,9%. Para o final de 2003, as informações revelam que a incidência de gasolina fora de
especificação esteve abaixo de 5%. O benefício mais imediato da iniciativa foi
justamente dispor de um indicador seguro sobre os resultados dos esforços em favor da
qualidade, em um segmento de comércio – distribuição e revenda de combustíveis
automotivos – onde essa variável passou a ter um peso fundamental.

Supondo como correta a relação entre a implementação do Programa de


Monitoramento e a sensível melhora da qualidade, seria interessante avaliar o benefício
gerado. A partir da experiência brasileira, um exercício simples de engenharia
econômica permitiria quantificar os ganhos com o retorno à conformidade e distinguir
os beneficiados. Um interesse especial do estudo seria fazê-lo do ponto de vista
econômico e não apenas sob a ótica empresarial. A avaliação de custo e benefício sendo
positiva, estar-se-ia confirmando a importância do problema “informacional” em
mercados submetidos à intensa competição e o papel do estado como provedor de
sinais.

10
Naveh,E. e Halevy,A. (1999) How much do we lose on non-quality? In Total Quality
Management, v.10, n.07, pp 1037-1045.
,

25
ANP, Assessor D-G, LEDD

3.3 Hipóteses de trabalho e o custo da qualidade

A suposição mais importante é que, verificada entre 1998 e 2003, a significativa


queda da incidência de gasolinas não conformes (às normas editadas pela ANP) é
resultado dos esforços despendidos em favor da qualidade; o PMQC tendo sido a peça
central e mais visível deste esforço. Levando-se em conta que, entre as duas datas, não
ocorreu aumento algum do número de fiscais, que o consumo de combustíveis teve um
crescimento anual expressivo até 2001, assim como o número de postos de revenda
abertos e que a carga de tributos também cresceu, tornando ainda mais rentável a
adulteração e as fraudes, como explicar que, em cinco anos, tenha-se conseguido sair de
níveis entre 20 e 17% de não conformidade, para patamares onde a ocorrência de não
conformidade varia entre 6 e 4%?

Entre 1997 e 1999, não existe nenhum fator que possa ter motivado este
significativo aumento dos padrões de qualidade a não ser o PMQC, que desencadeou
um intenso esforço fiscalização realizado não só pela ANP, mas também pelas
Secretarias de Fazenda e pelo Ministério Público. O PMQC deslanchou igualmente a
movimentação dos diversos segmentos de atividades envolvidos com o abastecimento, a
distribuição e a revenda. Na seqüência da iniciativa da Agência, com objetivos
específicos e menor escopo, foram criados os programas de controle da qualidade das
distribuidoras e, nas associações patronais, surgiram os programas de orientação e apoio
à melhoria da qualidade. Assim, a hipótese de que exista uma relação direta entre a
implantação do programa e a melhoria da qualidade dos combustíveis encontra suporte
histórico e merece ser explorada um pouco mais profundamente.

A segunda suposição importante é sobre a definição dos benefícios e, por


conseguinte das perdas. Os ganhos são definidos como sendo as economias nas
despesas incorridas em conseqüência da melhoria na qualidade dos combustíveis. Em
termos econômicos, os benefícios são “custos evitados”, gastos que deixam de ser
feitos. Como foi mencionado na Parte I, uma outra perda importante, que deve ser
computada, é a tributária; a adulteração tendo como efeito o não recolhimento dos
impostos e contribuições. Neste caso, o ganho é o incremento da arrecadação com a
redução da sonegação.

Para efeitos de cálculo, é necessário também a definição precisa do que vem a


ser o custo da qualidade. Resumidamente, a definição convencional decompõe o custo
da qualidade em duas partes: o custo de controle e o custo da não conformidade, como
pode ser observado na Equação I. O primeiro inclui a prevenção de acidentes,
manutenção dos equipamentos e a fiscalização do processo de produção e distribuição
(Eq.II). É arcado exclusivamente pelo produtor, enquanto o segundo corresponde a um
somatório de danos arcados por terceiros (Eq III). De fato, o principal retorno de um
programa de qualidade está, de início, em monitorar a variável e, em seguida, em
sugerir aonde as perdas decorrentes da ausência de qualidade são significativas e, por
fim, em avaliar quais os benefícios gerados pela maior atenção na qualidade dos
processos.

26
ANP, Assessor D-G, LEDD

Custo da qualidade = custo de controle + custo da não conformidade (Eq I)


Onde,
Custo de controle = custo de prevenção + custo de fiscalização + custo de monitoramento
(Eq II)
E
Custo de não conformidade = custo individual + custo empresarial + custo fiscal
+ custo ambiental (Eq III)

Pelo que foi revisado neste estudo, a incidência de combustíveis fora das
especificações deve ter tido um efeito significativo precisamente no aumento do
segundo componente do custo: o custo de não conformidade. É este componente que
revelará o impacto da má qualidade dos combustíveis automotivos na economia e quais
os ganhos gerados pela sua gradual melhoria a partir de 1998. Segundo a natureza das
perdas identificadas anteriormente, o custo de não conformidade foi decomposto
conforme a Equação IV. Trata-se da soma de quatro categorias de despesas decorrentes
da falta de qualidade: custos individuais, empresariais, fiscais e ambientais. As duas
primeiras despesas são de caráter privado e as duas restantes são sociais; isto é, arcadas
pelo Estado, pelos contribuintes e pela coletividade.

Equação IV

Social
Custo da Individual Empresarial Fiscal
não = reparação + custos de + + saúde
conformi- + reparação de Perda pública
dade horas veículos de +
perdidas profissionais Arreca- danos
dação ambientais
+ +
dano moral lucros cessantes
de
proprietários de
postos

danos à imagem
de prop. de
postos

O principal dano individual é o custo da reparação do veículo e o tempo perdido


com o evento. A perda empresarial tem dois componentes: por um lado, os custos e o
lucro cessante dos proprietários de frotas de veículos profissionais e, por outro, o lucro
cessante daqueles proprietários de postos autuados e/ou interditados por
comercializarem combustíveis fora das especificações. O custo fiscal diz respeito às
perdas de arrecadação tributária decorrente da adição de outros componentes ao
combustível para aumentar seu volume.

27
ANP, Assessor D-G, LEDD

Um elemento essencial na avaliação econômica sobre a eficiência das despesas


com o programa de monitoramento se refere às externalidades positivas geradas pela
significativa melhoria da qualidade dos combustíveis. Os benefícios sociais podem ser
observados mais claramente na saúde pública e no meio ambiente. Embora intangíveis
e, por isso, de maior dificuldade na valoração, estes danos são significativos e tem um
efeito cumulativo impossível de ser avaliado monetariamente. Foge do escopo deste
texto apreciá-los, mas não resta dúvida que estes custos sociais devem ser objeto de
valoração mais precisa para sua inclusão na avaliação de custo e benefício e, assim
obter-se a maior correção possível da análise, como ensinam as boas regras da
engenharia econômica.

A decomposição do custo da não conformidade feita na Equação IV discrimina


cada uma das quatro categorias de despesas. A representação esquemática visa realçar
que, nos resultados apresentados nesta estudo, somente está sendo considerada uma
parcela do total de custo derivado da falta de qualidade - a mais evidente e facilmente
estimada. Nos custos individuais, em relação ao tempo perdido, apenas foram levadas
em conta as três horas de trabalho perdidas pelo proprietário do veículo em
conseqüência da pane e da reparação e foi deixada de fora a perda de produção
decorrente de sua ausência ao local de trabalho. No caso dos custos empresariais, não se
contam os lucros cessantes dos proprietários de postos e também não foi considerado o
dano moral daqueles que tiveram suas bombas lacradas, ou seus postos interditados,
assim como o dano moral dos proprietários de frotas profissionais em razão de
compromissos assumidos e não realizados em decorrência das panes. Fica bastante claro
que, mesmo dentro das categorias de custo avaliadas nesta nota, muitas perdas
decorrentes da não conformidade não foram incluídas, por exigirem estudos
econométricos, sem acrescentarem muito mais ao que se concluiu nas primeiras
aproximações.

Por último, para se fazer uma avaliação de custo e benefício é preciso


dimensioná-los no tempo e atribuir um valor a este tempo; ou seja, definir a taxa de
desconto utilizada para a atualização. Para efeito de cálculo, foi considerado um período
de cinco anos precedido de um ano de instalação (to). Ademais, considerou-se apenas os
problemas derivados da falta da qualidade na gasolina, o principal combustível atingido
pelas adulterações, como já foi colocado. O PMQC teve início em 1998 (to) e seus
efeitos foram sentidos a partir de 1999 (t1) e até 2003 (t5). Em seguida, também para
efeito de cáculo, foi feita uma simplificação quanto à evolução da não conformidade da
gasolina no prazo de análise. Esta evolução é suposta ocorrer de forma escalonada no
tempo, como pode ser observado pela Tabela XI.

Tabela XI: Evolução da não conformidade da gasolina entre 1999 e 2003. Efetiva e
escalonada para efeitos de cálculo.
Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Observada 20-18% 12,5% 9,2% 7,3% 5,9%
Escalonada 20% 17,5% 15% 12,5% 10% 7,5%

Na verdade, a melhoria dos indicadores foi maior que a utilizada para cálculo e
evidentemente não ocorreu uniformemente a cada ano. Os dados aferidos pelo
monitoramento, durante o período considerado, encontram-se também na tabela. O fato

28
ANP, Assessor D-G, LEDD

do limite inferior estipulado ser menor que o observado em 2003 serve para compensar
o elevado limite superior inicial. Efetivamente, em 1998, logo no início do programa,
quando as poucas informações eram muito localizadas, os testes indicaram uma não
conformidade da gasolina próxima a 20%, mas que, talvez, não represente o que se
verificava em todo o país. De qualquer forma, estas suposições não alteram de forma
significativa os cálculos e seus resultados.

Ao contrário, a definição da taxa de desconto é uma questão central e,


certamente, polêmica. A utilização de uma taxa de desconto, per si, já é uma decisão
que revela as premissas do julgamento. Por menor que seja, ela significa um valor
presente mais elevado que o mesmo valor no futuro, o que, se em economia faz sentido,
em termos ambientais, para muitos, não somente, é fora de propósito, mas também,
equivocado. E, quanto mais elevada for a taxa de desconto, mais ela privilegiará o
presente, depreciando fortemente os danos ambientais derivados do projeto, que só se
revelarão anos ou décadas depois. Do ponto de vista de programas de indiscutível
interesse público, ou com elevado custo e prazo de instalação, a utilização de elevadas
taxas de desconto também é criticada pela mesma razão. Nestes casos, quanto mais
elevadas as taxas, menos apreciados serão os benefícios que se acumularão ao longo do
tempo e apenas a partir do início das operações.

Contudo, para efeitos de cálculo, a inserção do programa dentro contexto brasileiro


torna indispensável o uso de uma taxa de desconto e, embora incorreta em termos
ambientais, uma taxa de desconto bastante elevada. A razão primeira é a escassez de
recursos no Brasil. A taxa de juros brasileira está entre as mais altas taxas de juros no
mundo. No período considerado, a taxa básica da economia do país (Selic), portanto, a
taxa mais baixa, oscilou entre 17 e 28% ao ano. Em operações quotidianas, a taxa de
juros paga por comerciantes e consumidores é sensivelmente mais elevada. Pelo lado
das despesas públicas, o custo-oportunidade dos gastos provavelmente é ainda maior,
tendo em vista que o Ministério da Fazenda realizou seguidos contingenciamentos no
Orçamento da União, particularmente a partir de 2000. Em virtude deste contexto, a
taxa de desconto escolhida para trazer os valores para o presente foi de 20% aa. Por ser
extremamente alta, a priori, deve ser considerado que o resultado obtido é
extremamente conservador, tanto em termos econômicos, quanto financeiros, definindo
uma rentabilidade mínima. Em outras palavras, o benefício líquido gerado pelo PMQC
está sendo subestimado e, assim, muito provavelmente, ele é bem maior do que o
calculado.

3.4 Os benefícios individuais

Em razão do uso de gasolina fora das especificações, os principais custos arcados


pelos proprietários de veículos são decorrentes da eventual pane e conseqüente
reparação. Além da despesa com a oficina mecânica, foi incluído também o tempo
perdido com o evento. O valor considerado para cada reparação foi de R$ 270,00 e foi
estimada a perda de três horas nestas circunstâncias. Sabendo que os proprietários e
condutores de veículos são escolarizados e dispõem seguramente de uma renda superior
a média, o valor monetário correspondente a três horas de trabalho pode ser estimado
em pelo menos R$ 30,00; i.e., R$ 10,00 por hora. A soma de ambos levaria o custo
total da pane para os indivíduos proprietários de veículos a R$ 300,00.

29
ANP, Assessor D-G, LEDD

Custo de uma reparação por pane decorrente da não conformidade = R$ 270,00


3 horas de trabalho perdidas = R$ 30,00
Custo total da pane por indivíduo = R$ 300,00

É importante lembrar que trata-se da pane menos onerosa e mais freqüente


decorrente do consumo de gasolina adulterada. Como foi colocado anteriormente (seção
3.1), além do entupimento da bomba de combustível, problemas mais graves podem
ocorrer no bico injetor e com o acumulo de resíduos no motor. No último caso, após
kilometragens superiores a 5.000 km, o motor pode fundir, elevando os custos da
adulteração a dimensões muito maiores. Repare que mesmo o preço para a reparação da
bomba, considerado para o cálculo, está abaixo do cotado pelo mercado.

Em seguida, é preciso relacionar a incidência de não conformidade com a


freqüência das panes. A melhor alternativa seria obter informações com ensaios e testes
em laboratórios para, em seguida, extrapolar os dados de forma a considerar o tamanho
efetivo da frota e a kilometragem média rodada por um veículo. Contudo, não foram
encontrados estudos que relatassem testes de motores em bancada de maneira a
relacionar a não conformidade e a freqüência da pane. Suficiente para os objetivos desta
avaliação, uma relação aproximativa pode ser definida a partir da experiência e opiniões
de especialistas. Segundo um ponto de vista conservador, pode-se estimar que, em cinco
anos, exposto a um índice de não conformidade da gasolina em torno de 20%, em cada
dois proprietários de automóvel, pelo menos um terá uma pane do motor provocada pela
má qualidade da gasolina e que resulta no entupimento da bomba de combustível.
Supondo que a queda da não conformidade da gasolina provoca uma redução linear e
proporcional nas panes, é possível construir a tabela a seguir relacionando a não
conformidade e o número de reparos.

Tabela XII : não conformidade e o número de reparos, para cinco anos de uso
Freqüência de não conformidade Número de panes por veículos particulares
20% 0,5000
17,5% 0,4375
15% 0,3750
12,5% 0,3125
10% 0,2500
7,5% 0,1250

É certo que existem diferenças significativas entre os estados brasileiros com


relação à incidência de não conformidade na gasolina: Pernambuco e São Paulo são
estados como os maiores problemas, com médias muito superiores às nacionais. Além
disso, com certeza, um habitante da Zona Sul do Rio de Janeiro, que limita seus
itinerários aos bairros próximos, tem muito menor probabilidade de adquirir gasolina
fora das especificações. Considerar as fortes disparidades regionais e sociais exigiriam
ponderações estatísticas trabalhosas que, muito provavelmente, acentuariam os custos
para aqueles consumidores distantes dos centros das principais capitais, mais sujeitos ao
risco de comprar o produto adulterado. Assim, estariam sendo realçados os efeitos
distributivos bastante negativos derivados da falta de qualidade, que aqui foram
ignorados.

Por fim, faltaria considerar o tamanho da frota nacional. Para fins imediatos, no
cálculo, o tamanho da frota foi estipulado em 15 milhões de automóveis e foi

30
ANP, Assessor D-G, LEDD

desconsiderado qualquer aumento de seu número durante o período estudado. Ela é,


portanto, menor que a frota nacional que, hoje, estaria em aproximadamente 18 milhões.
As razões para considerar este número foram: a existência de veículos movidos a outros
combustíveis (GN, GLP, diesel e álcool), a existência de veículos em unidades da
Federação que não foram objeto do PMQC (6 estados a Oeste do país) e a existência de
veículos profissionais (de propriedade das empresas) e do serviço público. O fato de não
ter sido considerado o aumento da frota no tempo não deverá trazer modificações de
substância, tendo em vista o crescimento relativamente reduzido das vendas de
automóveis a gasolina a partir de 1999. Com estas informações é possível relacionar
níveis diferentes de não conformidade e seus custos para os indivíduos e famílias,
conforme pode ser observado na Tabela XIII.

Tabela XIII: Não conformidade e custos individuais


Não conformidade Custo da pane Frota de veículos Freqüência da ∑Custo individual
pane
20% 300,00 15.000.000 0,5000 2,25 . 109
17,5% 300,00 15.000.000 0,4375 1,969 . 109
15% 300,00 15.000.000 0,3750 1,688 . 109
12,5% 300,00 15.000.000 0,3125 1,406 . 109
10% 300,00 15.000.000 0,2500 1,125 . 109
7,5% 300,00 15.000.000 0,1250 0,843 . 109

A redução dos custos individuais corresponde precisamente ao ganho decorrente


da melhoria da qualidade da gasolina, verificada a partir da queda do índice de não
conformidade. Ano a ano, a despesa total com a pane diminui e a despesa evitada é
computada como um ganho para o consumidor. Assim, as diferenças entre o somatório
do custo individual em ti e em ti+1 representam os benefícios totais apropriados por
aqueles que possuem automóveis movidos a gasolina.

Tabela XIV: não conformidade e o somatório dos benefícios individuais


Ano não conformidade Σ benefícios individuais (em R$)
T1 (1999) de 20% p/ 17,5% 281.250.000,00
T2 (2000) de 17,5% p/ 15% 281.250.000,00
T3 (2001) de 15% p/ 12,5% 281.250.000,00
T4 (2002) de 12,5% p/ 10% 281.250.000,00
T5 (2003) de 10% p/ 7,5% 281.250.000,00
Total 1.406.250.000,00
Valor Presente a 20% 841.109.664,35

A importância das perdas no consumo incorridas pelos indivíduos e famílias que


adquirem gasolina adulterada está refletida nos elevados valores da tabela acima.
Apesar de ter sido utilizada uma frota de automóveis privada menor que a existente, de
ter sido considerada apenas uma pane (a menos onerosa), dentre as três aventadas
anteriormente, e de ter sido estipulado um custo total de reparação relativamente baixo,
com uma melhoria de 2,5% na conformidade da gasolina, o ganho anual estaria em
torno de R$ 281 milhões. Em cinco anos, sem a atualização dos valores, a redução de
não conformidade da gasolina de 20% para 7,5% teria gerado cerca de R$ 1,4 bilhão de
economias para os proprietários da frota particular de automóveis. Mesmo a uma taxa

31
ANP, Assessor D-G, LEDD

de desconto de 20% por ano, o somatório dos benefícios apropriados por esses
consumidores alcança o total de R$ 841 milhões.11

A magnitude dos ganhos é tamanha, mesmo levando em conta os rigores dos


parâmetros e critérios, que permite antever um resultado líquido positivo para qualquer
programa que propicie uma melhoria da qualidade dos combustíveis tão significativa e
em tão curto espaço de tempo.

3.5 Benefícios empresariais

Para o cálculo do benefício dos proprietários de automóveis de frotas


profissionais foram utilizados os mesmos procedimentos que o utilizado para o cálculo
dos ganhos dos proprietários particulares, com algumas modificações em certas
relações. Neste caso, trata-se de estimar quais seriam as economias das empresas que
consomem gasolina “c” derivadas da melhoria na conformidade do combustível. A
primeira alteração a ser feita está na relação entre a não conformidade e o número de
panes por veículos, considerando um período de cinco anos de uso. Sabendo que a
quilometragem média dos veículos de frota é seguramente muito maior que a
quilometragem média dos veículos privados, pode-se supor que o número de panes seja
também significativamente maior. Em tese, contudo, as frotas profissionais devem ser
menos expostas ao risco de adquirir gasolina adulterada em razão de serem
(provavelmente) mais criteriosas em suas despesas e utilizarem seu maior volume de
compra para garantir a qualidade de seus fornecimentos. Considerando esses fatores,
pode-se supor que o número de panes nas frotas seja ao menos o dobro do considerado
entre os proprietários privadas. A relação entre o nível de não conformidade e as panes
em automóveis profissionais, para efeito de cálculo, encontra-se na tabela a seguir.

Tabela XV: não conformidade e o número de reparos, para cinco anos de uso
Freqüência de não conformidade Número de panes por veículos profissionais
20% 1,000
17,5% 0,875
15% 0,750
12,5% 0,625
10% 0,500
7,5% 0,375

Em relação ao cálculo dos benefícios apropriados pelos particulares, uma


segunda mudança diz respeito ao custo total da reparação. O custo de reparação da pane
é um pouco menor que o considerado anteriormente: R$ 250,0012. Contudo, é razoável
supor que, mesmo sem considerar os danos morais relativos aos compromissos com
terceiros não cumpridos a contento devido à pane, o custo direto incorrido pelo capital é

11
Observe que, se fosse reduzida em metade a relação entre panes e não conformidade, isto é,
que um em cada quatro proprietários tenha uma pane de motor em cinco anos, quando um
quinto da gasolina está fora do padrão, os ganhos apropriados pelos consumidores individuais
seriam ainda bastante elevados: metade dos valores contidos na Tabela XIV.
12
O desconto é atribuído a um provável contrato de longo prazo, ou à credibilidade da relação
estabelecida entre o proprietário da frota e dois ou três oficinas mecânicas.

32
ANP, Assessor D-G, LEDD

elevado e é maior que o estimado para os particulares. No mínimo, inclui o custo de


substituição imediata do automóvel e ao longo do período em que ele estiver
imobilizado para conserto. Supondo que o veículo fique parado por um dia de trabalho
em razão da reparação, seria razoável estipular que o custo de substituição estaria em
torno de R$ 250,00. Assim, para as empresas, o custo total da pane estaria em cerca de
R$ 500,00. Uma última especificação a ser feita é sobre o número de veículos a
considerar. A frota de automóveis de propriedade das empresas, ou de uso profissional,
foi estimada em 2,5 milhões e considerada fixa no decorrer do período de análise. As
modificações realizadas e os cálculos dos custos empresarias, segundo a faixa de não
conformidade, estão resumidos abaixo.

Custo de reparação veículo profissional = R$ 250,00


Custo de substituição do veículo (1 dia de trabalho) = R$ 250,00
Custo total da pane por veículos profissionais = R$ 500,00

Tabela XVI: Não conformidade e custos empresarias


Não conformidade Custo da pane Frota de veículos Freqüência da ∑Custo
pane empresarial
20% 500,00 2.500.000 1,000 1,25 . 109
17,5% 500,00 2.500.000 0,875 1,09375. 109
15% 500,00 2.500.000 0,750 0,9375 . 109
12,5% 500,00 2.500.000 0,625 0,78125 . 109
10% 500,00 2.500.000 0,500 0,625 . 109
7,5% 500,00 2.500.000 0,375 0,46875 . 109

O somatório do custo das empresas cai na medida em que diminui a não


conformidade da gasolina. Atente-se para o fato que, neste caso, as economias geradas
pela melhoria de qualidade do combustível significam uma redução nos custos de
produção. O “custo evitado” graças a maior conformidade é, portanto, um ganho
econômico apropriado, ano a ano, pelas empresas. O benefício anual (a diferença entre ti
e ti+1) e também os valores totais envolvendo os proprietários de automóveis
profissionais estão discriminados na Tabela XVII.

Tabela XVII : não conformidade e o somatório dos benefícios empresarias


Ano não conformidade Σ benefícios empresariais (R$)
T1 (1999) de 20% p/ 17,5% 156.250.000,00
T2 (2000) de 17,5% p/ 15% 156.250.000,00
T3 (2001) de 15% p/ 12,5% 156.250.000,00
T4(2002) de 12,5% p/ 10% 156.250.000,00
T5(2003) de 10% p/ 7,5% 156.250.000,00
Total 781.250.000,00
Valor Presente a 20% 467.283.146,86

A falta de qualidade da gasolina nacional gera perdas empresarias substanciais,


embora sejam menores que as verificadas pelos indivíduos e famílias proprietárias de
automóveis. Por ano, se a conformidade for restabelecida de forma contínua e uniforme,

33
ANP, Assessor D-G, LEDD

as economias alcançariam R$ 156 milhões. Em cinco anos, a economia total chegaria a


R$ 781 milhões. Atualizando a uma taxa de 20% ao ano, o ganho total seria de R$ 467
milhões. Cabe sublinhar que este custo é um componente do que se denomina “custo
Brasil”. É mais um fator que, de forma difusa e pouco perceptível, tende a encarecer o
custo de produção da mercadoria elaborada no país.

Tabela XVIII : Primeiro total de benefícios gerados,


Somatório dos benefícios privados (em R$)
Tipo de benefício Valores para cinco anos e i=20%ªª
Benefícios individuais 841.109.664,35
Benefícios empresariais 467.283.146,86
Total de benefícios privados 1.308.392,811,21

É interessante observar ainda que, embora menores, os benefícios empresariais são


da mesma ordem que os benefícios estimados para os indivíduos e as famílias. A Tabela
XVIII contém as estimativas dos ganhos com a melhoria de qualidade para cada um dos
dois grupos de proprietários. Para ambos, tratam-se de economias realizadas no
consumo e, pelo menos teoricamente, são benefícios que podem ser rapidamente
apropriados. Não é apenas a magnitude de ganhos totais, mas também, a repercussão
direta no orçamento das famílias e das empresas proprietárias de automóveis, na forma
de menores gastos associados ao transporte, que deve ser realçada. Observe também
que, sob o ponto de vista distributivo, o benefício marginal apropriado com a melhoria
da conformidade é especialmente importante para as pequenas empresas e para os
orçamentos familiares menores.

3.5 Benefícios tributários

As perdas tributárias com a adulteração da gasolina são de natureza distinta das


perdas dos consumidores, sejam eles famílias ou empresas. São impostos e
contribuições que deixam de ser recolhidos ao Tesouro Nacional e aos tesouros
estaduais porque outros componentes foram adicionados ao combustível. Como foi
visto anteriormente, estas perdas são significativas devido ao peso dos tributos no preço
final da gasolina. De imediato, vale sublinhar que o cálculo do benefício tributário com
a melhoria da conformidade do combustível foi feito a partir das mesmas posições
conservadoras que predominaram nas avaliações dos benefícios privados.

O conservadorismo da avaliação se revela já na hipótese inicial que define a perda


de arrecadação em um litro de gasolina fora de especificação em 10% de seu preço na
bomba. Ora, pelas informações da Tabela X, p. 14, tem-se que um litro de gasolina com
30% de álcool anidro pode chegar ao consumidor 3,3% mais barato e um litro de
gasolina com 30% de solvente pode ser vendido 16,8% mais barato. Essas são
adulterações clássicas, mas os níveis de mistura podem variar muito e em geral são bem
superiores ao apontado. Além disso, foi considerado que nem toda a gasolina não
conforme estaria fora das especificações por motivos de fraude fiscal. Assim, um
décimo do volume de gasolina fora de conformidade estaria nesta situação em razão de
manipulações indevidas, vazamentos de tanques, acidentes e erros de análise nos testes.

34
ANP, Assessor D-G, LEDD

Ainda para efeito de cálculo, o preço final da gasolina foi estipulado em R$ 2,00 por
litro, que corresponde ao valor médio na bomba durante o mês de dezembro de 2003. A
participação dos tributos no preço pago pelo consumidor foi definida como 50%,
sabendo-se que, nos últimos dois anos, ela tem variado pouco em torno deste patamar.
O volume de gasolina comercializada foi estipulado em 55 milhões de litros por dia. Ele
é menor que o efetivamente movimentado em todo país13. As razões para estabelecer
um volume menor já foram mencionadas: a implementação do PMQC foi gradual e
ainda hoje o programa não atinge seis estados do país. Assim, o volume de gasolina
considerado parece ser adequado aos propósitos da avaliação e ao período em análise.

De posse dessas informações, é possível estimar qual a perda de arrecadação


tributária de acordo com os diferentes patamares de não conformidade. Os dados e o
raciocínio que conduzem à próxima tabela estão esquematizados em seguida.

Dados:
Consumo diário estimado em 55 milhões de litros por dia
Preço por litro estipulado em R$ 2,00
Perda de arrecadação por litro definida em 10%
Participação dos tributos no preço final definida em 50%

Perda de arrecadação = 9,9 .106 l/dia x R$ 2,00 x 0,1


20% de ñ conf (gas. ñ conf c/ obj de fraude) (preço por litro) (perda fiscal por litro)

Perda de arrecadação = R$ 1.980.000/dia x 365 dias = R$ 720 . 106 /ano


20% de ñ conf

Perda de arrecadação = R$ 990.000/dia x 365 dias = R$ 360 . 106 /ano


10% de ñ conf

Se 20% da gasolina são constados não conforme, isto resultaria em 11 milhões


de litros por dia fora das especificações. Se 90% desse volume estão relacionados às
fraudes fiscal, o volume no qual se verifica perdas tributárias seria de 9,9 milhões de
litros por dia. Como se pode observar pela Tabela XIX, a perda de arrecadação a este
nível de não conformidade seria assim de R$ 1,98 milhão por dia, ou R$ 722,7 milhões
por ano. Ao passo que, se a não conformidade for em torno de 10%, por dia, as perdas
seriam de R$ 990 mil e, por ano, alcançariam R$ 361 milhões. A gradativa melhoria da
conformidade da gasolina reduz de maneira significativa as perdas do estado com o não
recolhimento de tributos. Supondo que a não conformidade passe de 20% para 7,5%, em
cinco anos, essas perdas cairiam de R$ 722,7 milhões para R$ 271 milhões por ano. A
recuperação das contribuições e impostos incidindo na gasolina seria em torno de R$ 90
milhões por ano e totalizaria 451 milhões no final do período. Atualizado à taxa de 20%
ao ano, o incremento da arrecadação alcançaria a soma de R$ 270 milhões.

13
Pouco mais de 60 milhões de litros por dia.

35
ANP, Assessor D-G, LEDD

Tabela XIX: Não conformidade, perdas e benefícios tributários em


R$
Taxa de Volume Perda por Perda anual Benefício
não conformi// Não conforme dia (em R$) Tributário

0,2 9.900.000 1.980.000 722.700.000


0,175 8.662.500 1.732.500 632.362.500 90.337.500
0,15 7.425.000 1.485.000 542.025.000 90.337.500
0,125 6.187.500 1.237.500 451.687.500 90.337.500
0,1 4.950.000 990.000 361.350.000 90.337.500
0,075 3.712.500 742.500 271.012.500 90.337.500
Total 451.687.500
Valor Presente
a 20%aa 270.164.424

As estimativas acima devem ser vistas como uma primeira aproximação dos
valores envolvidos com a sonegação e sua relação com a não conformidade. Ela se
refere à perda de arrecadação na comercialização de combustíveis automotivos que
resulta da adulteração apenas da gasolina. Comparados aos valores sugeridos durante a
CPI do Congresso sobre os combustíveis e veiculados pela imprensa, os cálculos
resultam em valores menores. As informações são que, na comercialização de todos os
combustíveis automotivos, a sonegação estaria em torno de R$ 3,3 bilhões, sendo R$ 1
bilhão, relacionado à adulteração da gasolina. Segundo a tabela acima, se 20% da
gasolina estiver fora das especificações, o que define um patamar de não conformidade
relativamente elevado, a estimativa a que se chegou das perdas tributárias (R$ 722,7
milhões) seria cerca de 30% menor que o aventado na CPI.

A primeira vista, portanto, as perdas tributárias calculadas foram subestimadas.


E, se este foi o caso, entre os parâmetros utilizados, aquele que mais fortemente pode ter
influenciado o resultado é a razão estipulada para a perda fiscal por litro de gasolina. Ela
foi fixada em 10% por litro e observe que, mesmo elevando esta razão para 20%, o
resultado ainda estaria distante dos valores sugeridos na CPI, principalmente se forem
considerados os patamares inferiores de não conformidade. Para que sejam alcançados
os níveis de sonegação aludidos, mantidos os demais parâmetros de cálculo, a perda
tributária por litro de gasolina adulterada deveria ser muito maior, de pelo menos 50%.
De qualquer forma, a distância entre o que foi calculado e o aventado na Comissão do
Congresso como perda fiscal anual assegura que o resultado obtido é bastante
conservador. Por outro lado, este valor permite estabelecer um limite inferior das perdas
tributárias. Consequentemente, as somas reproduzidas na Tabela XIX são os valores
mínimos, que podem ser recuperados pelo estado com a melhoria da conformidade da
gasolina.

3.6 Somatório dos benefícios e resultado líquido

A partir das estimativas calculadas até aqui é possível se chegar ao valor total
dos ganhos gerados pelo PMQC com a melhoria da gasolina comercializada no país. A
seguir, a Tabela XX contém os benefícios gerados e apropriados pelos dois tipos de
consumidores antes distinguidos: as famílias proprietárias de automóveis particulares
movidos a gasolina e as empresas proprietárias de frotas de uso profissional. A tabela

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ANP, Assessor D-G, LEDD

também contém os benefícios acumulados pelo estado em virtude do aumento da


arrecadação tributária na gasolina.

Tabela XX: Somatório dos benefícios totais (em R$)


Tipo de benefício Valores para cinco anos e i=20%ªª
Benefícios individuais 841.109.664,35
Benefícios empresariais 467.283.146,86
Benefícios tributários 270.164.424,00
Total de benefícios 1.578.557.235,21

Embora tenham sido usados critérios conservadores e uma taxa de desconto


extremamente elevada, o valor total dos ganhos é bastante significativo. Em cinco anos,
trazida para o presente, a soma dos benefícios alcança cerca de R$ 1,578 bilhão. A
maior parte, 83% do total, refere-se aos benefícios privados e o restante ao ganho
tributário do estado. Portanto, é o consumidor o principal beneficiado pela melhoria da
qualidade da gasolina. Apesar de menor, comparado aos consumidores, e de estar
provavelmente subestimado, o ganho no recolhimento de tributos ainda é significativo,
o que justifica o interesse especial dos organismos de fiscalização e arrecadação nos
esforços para diminuir o nível de adulteração do combustível.

Para fins do cálculo da rentabilidade do programa de monitoramento, além dos


benefícios gerados, é preciso ainda considerar os custos anuais incorridos pela ANP
para sua implantação. As informações que se seguem sintetizam as despesas com o
PMQC desde seu início. As despesas realizadas em 1998 foram consideradas como
custo de instalação e a atualização dos valores refere-se às despesas realizadas entre
1999 e 2003 e, que, então são somadas ao custo de instalação.

Tabela XXI: Despesas com o Programa de Monitoramento dos Combustíveis


(em milhões de R$).
Ano 1998(T0) 1999(T1) 2000 2001 2001 2003(T5) Total
Despesa 8 12 16 20 20 20 96
Valor presente a 58,4
20%ªª

Algumas considerações devem ser feitas, antes de se cotejar os benefícios frente


aos custos do programa. Observe que o PMQC não se reduz ao monitoramento da
gasolina, envolvendo também ensaios e testes com álcool hidratado e óleo diesel.
Evidentemente, não seria fácil distinguir dentro das despesas informadas acima, os
custos que poderiam ser imputados exclusivamente à gasolina. Além disso, os custos do
PMQC incluem as despesas com análises laboratoriais de amostras de combustíveis
solicitadas por outros órgãos de fiscalização e pelo Ministério Público. Está incluída
ainda a análise da presença de marcadores nos combustíveis. Portanto, esses custos
envolvem outras atividades que não estão diretamente ligadas à melhoria observada na
conformidade da gasolina. Ao considerar a totalidade do custo do PMQC, mais uma
vez, estar-se-ia subestimando seus benefícios, já que não foram computados os ganhos
gerados com a melhoria da conformidade dos outros combustíveis.

37
ANP, Assessor D-G, LEDD

Tabela XXII: Resultado líquido do PMQC (em R$)


Tipo de benefício Valores para cinco anos e i=20%ªª
Benefícios privados 1.308.392.811,21
Benefícios tributários 270.164.424,00
Total de benefícios 1.578.557.235,21
Total dos custos 58.400.000,00
Resultado líquido 1.520.157.235,21
Rentabilidade total 26,0/1
Rentabilidade tributária 4,6/1

Como se pode observar pelas informações da Tabela XXII, o resultado do


programa de monitoramento é completamente favorável do ponto de vista da avaliação
de seus custos e benefícios econômicos. Atualizadas a uma taxa de desconto de 20% ao
ano, sempre considerando o período de cinco anos e mais um ano de instalação, as
despesas com o PMQC somaram pouco mais de R$ 58 milhões. Neste mesmo período,
as economias geradas por esse gasto alcançaram R$ 1,578 bilhão, fazendo com que o
resultado líquido atingisse R$ 1,520 bilhão. O resultado francamente favorável pode ser
mesurado a partir da rentabilidade dos gastos públicos com o programa. Para cada real
despendido, o benefício gerado chega a 26 reais. Mesmo excluindo-se os ganhos
apropriados privadamente e, portanto, apenas considerando a perspectiva de perdas e
ganhos fiscais, a rentabilidade é bastante elevada. Cada real de despesa no PMQC teria
permitido a recuperação de 4,6 reais em recolhimentos de tributos e contribuições.
Assim, embora o benefício tributário tenha sido fortemente subestimado, o programa já
teria se pago e gerado um excedente significativo somente considerando o ponto de
vista do orçamento público.

Em relação ao estado, com o fito de precisar ainda mais a avaliação até aqui
feita, deveriam ser considerados, além das perdas tributárias, pelo menos três outros
elementos que não foram mencionados:
i) a redução dos custos internos à ANP, uma vez que o monitoramento abasteceu a
fiscalização de informações, aumentando a inteligência no planejamento das ações e a
eficácia das operações e, portanto, deve ter resultado em menores custos internos para a
agência;
ii) os benefícios apropriados pelos participantes do programa, institutos de pesquisa e
universidades que montaram laboratórios de testes e ensaios de dedicação exclusiva,
contrataram técnicos e profissionais altamente especializados e desenvolveram
programas de capacitação, formação e pesquisa completamente inseridos na realidade
do mercado de combustíveis. Para os laboratórios de química que formam a rede de
centros de monitoramento, o benefício marginal auferido com o programa deve ter sido
ainda maior, quando associado às bolsas e aos financiamentos oriundos do CTPetro;
iii) e o efeito multiplicador do programa na indústria, que foi extremamente importante,
Na seqüência da iniciativa da agência, todas as distribuidoras criaram programas de
qualidade. A despeito de estarem mais próximos dos programa de “fidelização” de
clientes e revendedores do que de um plano de controle total da qualidade, os
investimentos privados nestes programas podem ser vistos como complementares às
primeiras despesas públicas e eles também contribuíram para a gradual melhoria na
conformidade da gasolina brasileira.
A devida inclusão destes últimos custos e benefícios vale a pena ser feita, primeiro,
porque são tangíveis, mensuráveis e, no caso dos dois primeiros, rapidamente
apropriados, seja pela ANP, seja pelos participantes do programa e, em seguida, para

38
ANP, Assessor D-G, LEDD

ilustrar a excelente economicidade do programa. Certamente, eles não têm a mesma


magnitude dos ganhos individuais, empresariais e fiscais, mas estarão sempre apontando
para a mesma direção.

39
ANP, Assessor D-G, LEDD

Memória de cálculo da atualização dos valores


de receita e custo do Programa de Monitoramento

Ano 1 2 3 4 5
Fluxo de Caixa Particulares 281.250.000 281.250.000 281.250.000 281.250.000 281.250.000
Fluxo de Caixa Empresas 156.250.000 156.250.000 156.250.000 156.250.000 156.250.000
Fluxo de Caixa Tributário 90.337.500 90.337.500 90.337.500 90.337.500 90.337.500
Depesas de Monitoramento da ANP -12.000.000 -16.000.000 -20.000.000 -20.000.000 -20.000.000

Fator de Desconto @ 20% 0,833333333 0,694444444 0,578703704 0,482253086 0,401877572


Totais

Fluxo de Caixa Particulares com Desconto 234.375.000 195.312.500 162.760.417 135.633.681 113.028.067 841.109.664
Fluxo de Caixa Empresas com Desconto 130.208.333 108.506.944 90.422.454 75.352.045 62.793.371 467.283.147
Fluxo de Caixa Tributário com Desconto 75.281.250 62.734.375 52.278.646 43.565.538 36.304.615 270.164.424
Depesas de Monitoramento da ANP com Desconto -10.000.000 -11.111.111 -11.574.074 -9.645.062 -8.037.551 -50.367.798
Investimento Inicial (To) -8.000.000

Total dos valores


c/ desconto
841.109.664
467.283.147
270.164.424

Total despesas -58.367.798


V.A.L. 1.520.189.437
40
ANP, Assessor D-G, LEDD

Gráfico: Receita gerada e custo do monitoramento, com valores atualizados @ 20%a.a.


em R$

250.000.000
VPL @ 20% = R$1.520.157.235,00
Ganhos particulares = R$ 841,109.664,35
Ganhos empresarias = R$ 467.283.146,86
Ganhos Tributários = R$ 270.164.424,00
Despesas da ANP = R$ 58.400.000,00
200.000.000

150.000.000

100.000.000

Particulares

Empresarial
50.000.000

Tributos

0
1 2 3 4 5
Ano
Despesas ANP

-50.000.000

41
ANP, Assessor D-G, LEDD

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