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REVISTA PAULISTA
DE PEDIATRIA
www.rpped.com.br
ARTIGO ORIGINAL
a
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
b
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil
PALAVRAS-CHAVE Resumo
Obesidade; Objetivo: Avaliar as diferenças no comportamento alimentar das crianças em relação
Avaliação nutricional; ao seu estado nutricional, gênero e idade.
comportamento Métodos: Foram incluídas crianças do sexo masculino e feminino com idades entre seis
alimentar; criança e dez anos. Elas foram recrutadas em uma escola particular na cidade de Pelotas, Rio
Grande do Sul, sul do Brasil, em 2012. As subescalas do Children's Eating Behaviour
Questionnaire (CEBQ) foram usadas para avaliar os comportamentos alimentares:
Resposta Alimentar (FR), Prazer com a Comida (EF), Desejo de Beber (DD), Comer
Excessivamente Emocional (EOE), Comer Emocionalmente Insuficiente (EUE), Resposta à
Saciedade (SR), Fascinação pela Comida (FF) e Lentidão ao Comer (SE). Os escores-z do
índice de massa corporal (IMC) ajustados por idade foram calculados de acordo com as
recomendações da OMS para avaliar o estado nutricional. Resultados: A amostra do
estudo incluiu 335 crianças com idade de 87,9±10,4 meses e 49,3% tinham peso normal
(n=163), 26% estavam acima do peso (n=86), 15% eram obesas (n=50) e 9,7% eram
gravemente obesas (n=32). As crianças com excesso de peso apresentaram pontuações
mais altas nas subescalas do CEBQ associadas à "abordagem alimentar" (FR, EF, DD,
EOE, p<0,001) e pontuações mais baixas em duas subescalas de "evitação alimentar"
(SR e SE, p<0,001 e p=0,003, respectivamente) em comparação com as crianças com
peso normal. Não foram encontradas diferenças no comportamento alimentar
relacionadas a o gênero e à idade.
Conclusões: As subescalas de "abordagem alimentar" foram positivamente associadas
ao excesso de peso em crianças, mas não foram encontradas associações com gênero
e idade.
© 2014 Sociedade de Pediatria de São Paulo. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos
os direitos reservados.
*Autor correspondente.
E-mail: darlise.passos@gmail.com (D.R. Passos).
O DOI do artigo refere-se a: http://dx.doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
1984-1462/© 2014 Sociedade de Pediatria de São Paulo. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Comportamento alimentar de crianças: comparação entre crianças normais e com sobrepeso de uma 43
escola de Pelotas
PALAVRAS-CHAVE Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso
Obesidade; de peso em uma escola do município de Pelotas, RS
Avaliação nutricional;
Comportamento Resumo
alimentar; Objetivo: Avaliar diferenças no comportamento alimentar infantil em função do estado
Criança nutricional, sexo e idade.
Methods: O estudo incluiu crianças na faixa etária de seis a dez anos, de ambos os
sexos, de uma escola privada em Pelotas (RS), no ano de 2012. Para avaliar o
comportamento alimentar utilizaram-se as subescalas do questionário "Children's Eating
Behaviour Questionnaire" (CEBQ): Resposta à Comida (FR), Prazer em Comer (EF),
Desejo de Beber (DD), Sobreingestão Emocional (EOE), Subingestão Emocional (EUE),
Resposta à Saciedade (SR), Seletividade (FF) e Ingestão Lenta (SE). Avaliou-se o
estado nutricional por meio do escore-z do IMC/idade.
Resultados: Participaram 335 crianças com idade de 87,9±10,4 meses. Apresentaram
eu- trofia 49,3% (n=163), sobrepeso 26% (n=86), obesidade 15% (n=50) e obesidade
grave 9,7% (n=32). Crianças com excesso de peso tiveram maior pontuação nas
subescalas de "interesse pela comida" (FR, EF, DD, EOE, p<0,001) e menor pontuação
nas subescalas de "desinteresse pela comida" (SR e SE p<0,001 e p=0,003,
respectivamente), se comparadas às crianças com peso adequado. Não foram observadas
diferenças no comportamento alimentar segundo sexo e idade.
Conclusões: Observou-se que os comportamentos alimentares que refletem "interesse
pela comida" estão associados positivamente ao excesso de peso, mas não foi
encontrada associação com o sexo e a idade da criança.
© 2014 Sociedade de Pediatria de São Paulo. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos
os direitos reservados.
Método
Este é um estudo transversal em uma escola particular
na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, realizado de
maio a junho de 2012. Todas as crianças incluídas no
estudo tinham de 6 a 10 anos de idade, matriculadas
no 1º, 2º ou 3º ano do ensino fundamental, cujos pais ou
responsáveis deram seu consentimento para
participar do estudo (total de 359 crianças). As
crianças sem dados antropométricos foram excluídas
da amostra.
O resultado avaliado foi o comportamento alimentar,
avaliado por meio da percepção subjetiva dos pais sobre
o comportamento de seus filhos, respondendo ao
questionário CEBQ (Children's Eating Behaviour
Questionnaire),4 traduzido e validado para uma amostra
de crianças portuguesas.5 Esse questionário contém 35
perguntas divididas em oito subescalas, de modo que
quatro subescalas investigam comportamentos que
refletem o "interesse por comida" - Resposta Alimentar
(FR), Prazer em Comer (EF), Desejo de Beber (DD) e
Comer Excessivamente Emocional (EOE) - e as outras
quatro subescalas refletem comportamentos
relacionados à "falta de interesse por comida" -
Subalimentação Emocional (EUE), Resposta à Saciedade
(SR), Lentidão ao Comer (SE)
44
Comportamento alimentar de crianças: comparação entre crianças normais e com sobrepeso de uma Rodrigues dos Passos D 45
et al
escola de Pelotas
prevalência de crianças foi calculada para cada categoria de
e Fascinação por Alimentos (FF). Exemplos de perguntas
escore-z de IMC e, em seguida, comparada entre homens e
contidas no questionário são: "Se tivesse a oportunidade,
mulheres. Estatísticas
meu filho passaria a maior parte do tempo comendo"
(FR); "Meu filho adora comer" (EF); "Se tivesse a
oportunidade, meu filho passaria o dia bebendo
continuamente (refrigerantes ou sucos adoçados)" (DD);
"Meu filho come mais quando está ansioso" (EOE); "Meu
filho come menos quando está cansado" (EUE); "Meu filho
se sente cheio antes de terminar a refeição" (SR); "Meu
filho come mais e mais lentamente durante a refeição"
(SE) e "Quando lhe dão novos alimentos, meu filho
inicialmente os recusa" (FF).Os questionários foram
enviados pelos professores para que os pais ou
responsáveis os preenchessem, e as respostas foram
dadas usando uma escala Likert de cinco pontos, de
acordo com a frequência com que seus filhos
apresentavam cada comportamento, com a pontuação
variando de 1 a 5: nunca (1), raramente (2), às vezes
(3), frequentemente (4) e sempre (5). As pontuações das
perguntas que pertenciam à mesma subescala foram
somadas, de modo que cada subescala tivesse um valor
médio e um desvio padrão. Nos casos de perguntas não
respondidas, foi feito contato telefônico para obter as
informações.
Na escola, as medidas antropométricas de peso e
altura foram coletadas por nutricionistas ou estudantes
de nutrição previamente treinados e padronizados. As
crianças foram pesadas com roupas leves e descalças,
em uma balança digital de bioimpedância (Tanita
Corporation of America, Inc., IL, EUA) com capacidade
de 150 kg e precisão de 100 g. A altura foi medida com
um estadiômetro vertical portátil (Alturexata®, MG, Brasil)
com 213 cm de comprimento e precisão de 0,1 cm. O
estado nutricional das crianças foi avaliado usando o
escore-z do índice de massa corporal para a idade
(IMC/A) e classificado de acordo com os pontos de corte
propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)21 em
cinco categorias: baixo peso, peso normal, sobrepeso,
obesidade e obesidade grave. O software WHO Anthro Plus
(WHO Anthro Plus®, Organização Mundial da Saúde, GE,
Suíça) foi usado para calcular o escore z.21
A variável idade foi coletada continuamente em meses e
posteriormente categorizada nas seguintes faixas etárias:
<7 anos, entre 7 e 7,9 anos e 8 anos ou mais. Para avaliar
o nível educacional dos pais, determinamos a porcentagem
de pais que haviam concluído a faculdade/universidade. Os
dados coletados foram inseridos em duplicata no EpiData
(EpiData® Software and Templates, Organização Mundial da
Saúde, GE, Suíça), e todas as análises foram realizadas
com o software Stata®, versão 12.0. A análise descritiva dos
dados foi realizada usando a média e o desvio padrão para
variáveis contínuas e proporções para variáveis
categóricas. A análise de variância (ANOVA) foi usada para
comparar a pontuação média obtida em cada uma das
subescalas do CEBQ de acordo com as categorias de
diferentes variáveis de exposição (estado nutricional,
gênero e idade). Foi realizado um teste de tendência linear
para demonstrar a variação nas pontuações das
subescalas do CEBQ em diferentes categorias de escore z
do IMC. A regressão linear foi realizada para avaliar a
associação entre o escore z do IMC/idade e as médias das
subescalas, controlando os possíveis fatores de confusão:
sexo e idade das crianças e nível de escolaridade dos pais.
A pontuação z do IMC (categorizada) foi correlacionada à
variável gênero com tabelas de contingência. A respectiva
pontuação dessa subescala com o aumento da idade
Os testes foram baseados no teste do qui-quadrado. O
(Tabela 1).
nível de significância foi fixado em 5%.
Uma análise multivariada da associação entre cada uma
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
das subescalas e as categorias de escore z do IMC
Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade
ajustada para o gênero e a idade das crianças e o nível de
Federal de Pelotas, protocolo número 26/2012. O termo
escolaridade dos pais.
de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos
pais ou responsáveis pelas crianças.
Resultados
p = 0.002
Masculi
no
Femini
no
57%
Crianças avaliadas
p = 0.002
41%
p = 0.574 p = 0.001
(%)
28%
24%
16% 15%
14%
5%
Figura 1 Estado nutricional de crianças de 6 a 10 anos de idade de uma escola particular, de acordo com o gênero (n = 331).
Pelotas (RS), 2012.
4.50
A
4.00
Pontuações médias nas subescalas do
3.50
3.00
0.50
0.00
Peso normal Excesso de Obesid Obesidade
peso ade grave
Categorias de
IMC
B 4.50
Pontuações médias nas subescalas do
4.00
3.50
3.00
Resposta à saciedade (SR)
2.50
Lentidão na alimentação
2.00
(SE) Preocupação com a
1.50
comida (FF) Não comer
1.00
emocionalmente (EUE)
CEBQ
0.50
0.00
Peso normalExcesso de peso Obesidade Obesidade
Figura 2 Escores médios para as subescalas de "interesse por comida" (A) e "falta de interesse por comida" (B) do CEBQ, de acordo
com as categorias de índice de massa corporal das crianças (n=331). Pelotas, RS, 2012.
Tabela 1 Média ± desvio padrão das subescalas do CEBQa de acordo com as categorias de índice de massa corporal para a idade (IMC/idade),b gênero e idade das crianças.
46
Capacidade de Prazer com Superalimentaç Desejo Capacidade de Lentidão Fascinação Subalimentação
resposta a a comida ão emocional de resposta à para por emocional (EUE)
alimentos (FR) (EF) (EOE) beber saciedade (SR) comer alimentos
(DD) (SE) (FF)
IMC/idade (n=331)
Peso normal (n=163) 1.87 (0.56) 2.82 (0.78) 1.72 (0.66) 2.48 (1.03) 3.07 (0.60) 2.79 (0.57) 2.98 (0.33) 2.63 (0.92)
Excesso de peso (n=86) 2.10 (0.68) 3.03 (0.75) 1.97 (0.81) 2.52 (1.05) 2.88 (0.52) 2.62 (0.59) 2.98 (0.25) 2.68 (0.82)
Obesidade (n=50) 2.80 (0.93) 3.55 (0.81) 2.68 (0.96) 2.76 (1.17) 2.93 (0.42) 2.69 (0.45) 3.06 (0.25) 2.63 (0.82)
Obesidade grave (n=32) 3.33 (0.93) 3.94 (0.77) 2.74 (1.02) 3.38 (1.17) 2.61 (0.49) 2.43 (0.46) 2.94 (0.29) 2.45 (0.82)
p (ANOVA)c <0.001 <0.001 <0.001 <0.001 <0.001 0.003 0.254 0.637
p (teste de tendência)d <0.001 <0.001 <0.001 <0.001 <0.001 <0.001 0.752 0.450
Gênero (n=335)
Homens (n=163) 2.26 (0.83) 3.10 (0.86) 2.12 (0.87) 2.80 (1.11) 2.97 (0.55) 2.72 (0.57) 2.99 (0.28) 2.70 (0.85)
Feminino (n=172) 2.17 (0.87) 3.08 (0.87) 1.95 (0.90) 2.47 (1.07) 2.94 (0.58) 2.68 (0.54) 2.99 (0.31) 2.58 (0.90)
p (ANOVA)c 0.377 0.857 0.070 0.005 0.643 0.490 0.894 0.199
Idade (n=335)
<7 anos (n=134) 2.15 (0.79) 3.04 (0.90) 1.94 (0.84) 2.56 (1.10) 3.00 (0.57) 2.81 (0.57) 2.97 (0.32) 2.68 (0.86)
7-7,9 anos (n=119) 2.26 (0.87) 3.11 (0.90) 2.11 (0.90) 2.76 (1.08) 2.96 (0.54) 2.66 (0.56) 3.00 (0.27) 2.61 (0.86)
≥8 anos (n=82) 2.25 (0.90) 3.15 (0.74) 2.08 (0.92) 2.58 (1.14) 2.88 (0.58) 2.55 (0.49) 3.00 (0.28) 2.60 (0.90)
p (ANOVA)c 0.529 0.602 0.279 0.319 0.313 0.002 0.717 0.751
a
CEBQ (Children's Eating Behaviour): questionário para avaliar o comportamento alimentar de bebês.
b
Classificação de acordo com os pontos de corte recomendados pela Organização Mundial da Saúde (2007) para crianças com mais de 5 anos de idade.
c
Valor de p por ANOVA.
d
Valor de p pelo teste de tendência linear.
Tabela 2 Análise de regressão linear para escores-z de IMC (categoria de referência: peso normal) nas subescalas do CEBQ (n = 331).
Discussão
Os resultados do presente estudo sugerem que o
comportamento alimentar foi fortemente associado ao
estado nutricional da criança. As crianças com excesso
de peso apresentaram pontuações mais altas em todas
as subescalas do CEBQ que refletem o "interesse por
alimentos" e pontuações mais baixas nas subescalas
que refletem a "falta de interesse por alimentos", quando
comparadas às crianças com peso normal. Em geral,
não houve diferenças no comportamento alimentar entre
meninos e meninas, ou dependendo da idade.
As crianças com excesso de peso apresentaram maior
resposta à comida, prazer em comer, aumento da ingestão
de alimentos devido ao estado emocional e maior desejo
por bebidas e, por outro lado, resposta mais fraca à
saciedade e um padrão de ingestão mais rápida de
alimentos quando comparadas às crianças com peso
normal. Resultados semelhantes foram encontrados
anteriormente em estudos4-7,13 que usaram o CEBQ para
comparar o comportamento alimentar em amostras de
crianças e adolescentes ingleses, portugueses e
holandeses.
Observou-se que as crianças com IMC mais alto/idade
mais avançada tiveram pontuações mais altas nas
subescalas "Prazer em comer" e "Resposta ao
alimento", o que está de acordo com estudos que
mostram que as crianças com excesso de peso têm maior
interesse em alimentos e uma capacidade de resposta
mais pronunciada à influência de atributos externos dos
alimentos, como sabor, cor e cheiro.4,6,7,13,22 Essas duas
dimensões do comportamento alimentar também são
investigadas no Dutch Eating Behavior Questionnaire for
Children (DEBQ-C),10 na subescala "External Eating",
que indicou que as crianças com excesso de peso
obtiveram maior pontuação em "external eating" do que
aquelas com peso normal (p=0,02), semelhante aos
achados do presente estudo.
Verificou-se que as crianças com IMC mais alto/idade
mais avançada apresentaram pontuações mais altas na
subescala "Desejo de beber", que reflete o desejo das
crianças de levar consigo bebidas com baixo valor
nutricional e alta densidade energética (refrigerantes e
sucos adoçados). Estudos23,24 demonstraram uma
associação positiva entre o consumo de bebidas
açucaradas e o IMC, sugerindo que uma diminuição no
consumo de refrigerantes poderia resultar em uma
redução no número de crianças com excesso de peso.
As crianças com excesso de peso tiveram escores mais
altos na subescala "Emotional Overeating" quando
comparadas com as de peso normal, mas para a subescala
"Emotional Undereating" não foi encontrada diferença
significativa entre os grupos, semelhante aos achados do
estudo de Webber et al.13 Nossos resultados contribuem
para a discussão sobre a associação entre alimentação
emocional e estado nutricional. Tanofsky-Kraff et al.12
desenvolveram uma escala específica para avaliar o
nessa fase que as meninas começam a se preocupar com
O CEBQ geralmente mostra que a alimentação
a autoimagem corporal, o que leva a atitudes de restrição
excessiva emocional está positivamente associada ao
alimentar e maior consciência estética.28,29
IMC, enquanto a alimentação insuficiente emocional
O presente estudo não mostrou diferenças em relação ao
está negativamente relacionada ao IMC.5,6
comportamento alimentar de acordo com a faixa etária das
As subescalas do CEBQ que refletem a "falta de
crianças, com exceção da subescala "Lentidão ao comer",
interesse em comida" ("Resposta à saciedade",
na qual os escores diminuíram com o aumento da idade,
"Lentidão ao comer", "Subalimentação emocional" e
sugerindo que as crianças mais velhas tendem a comer
"Fascinação por comida") parecem caracterizar melhor o
mais rápido. Um estudo5 que avaliou indivíduos jovens em uma
comportamento alimentar de crianças abaixo do
faixa etária mais ampla (3-13 anos) conseguiu observar
peso.4-7,13 Em nosso estudo, embora não houvesse
diferenças significativas em todas as subescalas do CEBQ
crianças abaixo do peso, pudemos observar uma
diferença significativa nas pontuações das subescalas
"Resposta à saciedade" e "Lentidão ao comer" entre
crianças com peso normal e crianças com excesso de
peso, embora nenhuma diferença tenha sido
encontrada para as subescalas "Agitação alimentar" e
"Subalimentação emocional".
As crianças com excesso de peso apresentaram
pontuações mais baixas na subescala "Resposta à
saciedade" quando comparadas às crianças com peso
normal, o que corrobora a ideia de que uma diminuição
na resposta à saciedade torna as crianças menos
capazes de regular a ingestão de alimentos e,
portanto, contribui para o ganho de peso
excessivo.5,6,7,13,16,22 Outros estudos25-27 indicaram que as
estratégias usadas pelos pais para fazer com que
seus filhos comam uma refeição ou experimentem
novos alimentos podem prejudicar o aprendizado da
capacidade de regulação do apetite. Nesse estudo, as
crianças com sobrepeso tiveram pontuações mais
baixas na subescala "Lentidão ao comer",
demonstrando um padrão de alimentação mais rápido.
Um estudo experimental14 avaliou o comportamento alimentar
de 80 crianças com idade entre 8 e 12 anos durante
uma refeição-teste realizada em um laboratório, na
presença das mães, e demonstrou que as crianças
com sobrepeso comiam mais rápido e com maior
tamanho de mordida quando comparadas às crianças
com peso normal. Outro estudo experimental
semelhante realizado por Berkowitz et al.15 constatou
que o comportamento de ingestão de fast food,
caracterizado por um número maior de mordidas por
minuto durante a refeição, foi crucial para o ganho
excessivo de peso e alterações no IMC dos 4 aos 6
anos de idade, enquanto fatores como a taxa de
consumo de calorias e/ou avisos recebidos pelos pais
durante a refeição não afetaram o ganho de peso.
Em geral, meninos e meninas apresentaram um
comportamento alimentar muito semelhante em nosso
estudo, com uma diferença na média de pontos apenas
para a subescala "Desejo de beber", na qual os meninos
apresentaram pontuações mais altas. Isso está de
acordo com o estudo português,7 que avaliou 249 jovens
com idades entre 3 e 13 anos. Esse comportamento tem
sido apontado como uma das prováveis causas do
aumento da obesidade infantil.23,24 Nesse estudo, os
meninos apresentaram simultaneamente maior interesse
por bebidas açucaradas e maior prevalência de
sobrepeso e obesidade grave. Os estudos não
demonstraram consenso em relação à variação do
comportamento alimentar de acordo com o gênero da
criança.4-6 No estudo de validação do CEBQ[4], os
autores também não encontraram diferenças de
comportamento entre os gêneros e afirmam que
provavelmente é na adolescência que se observam as
maiores diferenças entre meninos e meninas, pois é
48
Comportamento alimentar de crianças: comparação entre crianças normais e com sobrepeso de uma Rodrigues dos Passos D 49 et al
escola de Pelotas
de acordo com a idade, com exceção das subescalas Referências
"Subalimentação emocional" e "Desejo de beber". Alguns
estudos4,5,30 argumentaram que, à medida que as 1. Rossi A, Moreira EA, Rauen MS. Determinantes do
comportamento alimentar: uma revisão com foco na família. Rev
crianças crescem e têm autonomia para escolher o que
Nutr. 2008;21:739-48.
querem comer e em que quantidade, seu
comportamento alimentar tende a sofrer mudanças,
entre elas um aumento na velocidade de ingestão.
A relevância do presente estudo se deve ao fato de ter
sido um dos primeiros estudos em nosso país a
investigar os aspectos psicobiológicos do comportamento
alimentar infantil por meio de um questionário validado
internacionalmente (CEBQ). Diferentemente de outros
estudos que enviaram os questionários para serem
preenchidos pelos pais, nosso estudo obteve uma alta
taxa de resposta (93%). Entretanto, este estudo tem
algumas limitações que devem ser consideradas. A
principal limitação diz respeito à amostra de conveniência
utilizada, que foi restrita a crianças que frequentavam uma
única escola particular no município de Pelotas. Crianças
com baixo peso e grupos de renda mais baixa não estão
representados neste estudo e, portanto, é preciso
cautela ao generalizar os dados aqui encontrados para
outras populações. Vale ressaltar que o comportamento
das crianças foi avaliado pela percepção subjetiva dos
pais, que foi usada como "proxy" do comportamento
alimentar, por meio de um questionário validado em uma
amostra de crianças portuguesas, e não brasileiras.
Além disso, o desenho transversal traz uma limitação
quanto à inferência causal, pois não é possível verificar se
os comportamentos alimentares avaliados foram
determinantes ou consequência do excesso de peso.
Os estudos que atualmente investigam os fatores
associados ao excesso de peso na infância ainda se
concentram nos determinantes biológicos e no estilo de
vida, sem considerar os aspectos do comportamento
alimentar que podem estar envolvidos nesse processo.
Nossos resultados indicam a existência de várias
diferenças comportamentais entre crianças com e sem
excesso de peso, embora não tenham sido encontradas
diferenças no comportamento alimentar entre gêneros ou
dependendo da idade. Vale ressaltar que estudos
longitudinais são necessários para fortalecer a base de
evidências sobre o papel dos comportamentos
alimentares na etiologia da obesidade e para entender as
possíveis diferenças comportamentais de acordo com o
gênero e a faixa etária da criança. Os resultados do
estudo podem ajudar no desenvolvimento de
intervenções nutricionais eficazes para promover
comportamentos alimentares saudáveis entre as
crianças e reduzir o excesso de peso infantil em nosso
país.
Financiamento
Conflitos de interesse