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COMO DESMAMAR O PACIENTE

DA VENTILAÇÃO MECÂNICA
PROLONGADA?
Rosane S. Goldwasser

OBJETIVOS
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
▪ definir ventilação mecânica (VM) prolongada;

▪ reconhecer a fisiopatologia da falência do desmame;

▪ identificar os fatores relacionados à VM prolongada;

▪ instituir planos terapêuticos e de reabilitação.

ESQUEMA CONCEITUAL
INTRODUÇÃO
Retirar o paciente da VM pode ser mais difícil do que mantê-
lo. O processo de retirada do suporte ventilatório ocupa ao
redor de 40% do tempo total de VM, e 11% a 20% dos
pacientes não conseguem retornar para a ventilação
espontânea e permanecem em assistência ventilatória
prolongada.1,2
Alguns autores descrevem o desmame da VM como uma
“área da penumbra da terapia intensiva”3 e que, mesmo em
mãos especializadas, pode ser considerada uma mistura de
arte e ciência.4
Postergar a retirada da VM se correlaciona com
complicações como pneumonia associada a VM (PAV),
lesões laringotraqueais, repercussões hemodinâmicas,
trombose venosa profunda, atrofia muscular, lesão pulmonar
produzida pela VM (VILI) — de ventilator induced lung injury —
, assincronias paciente-ventilador, delirium e úlceras de
pressão, com aumento da morbidade e da mortalidade e
piora da qualidade de vida.5–8
Essas complicações variam com a gravidade da doença, o
tempo de permanência em prótese ventilatória e as técnicas
ventilatórias. São pacientes que permanecem longo tempo
na unidade de terapia intensiva (UTI) e que requerem
aumento dos recursos profissionais.
Pacientes com assistência ventilatória prolongada
consomem 37% dos recursos da UTI, e os custos podem
chegar a US$ 2.000 por dia.9 Além disso, aumentam a
necessidade de leitos de UTI disponíveis para o sistema de
saúde.10
Na pandemia pelo SARS-CoV-2, observou-se longo tempo de
permanência na VM e na UTI nos pacientes que evoluíram
com a forma grave de acometimento pulmonar, o que
contribuiu para a mortalidade nessa população. A idade mais
avançada, o escore SOFA na admissão, o desenvolvimento
de PAV, complicações renais e cardiovasculares foram
fatores de risco independentes para a ventilação prolongada
nos pacientes com COVID-19.11

Pacientes com COVID-19 intubados com índice de


massa corporal (IMC) maior ou igual a 30kg/m2,
especialmente com IMC igual a 40kg/m2 ou mais,
têm menor chance de extubação do que aqueles
pacientes com IMC abaixo de 30kg/m2.12

Esse fato parece estar relacionado com o impacto da


obesidade na diminuição da função pulmonar somado à
lesão pulmonar da doença, bem como à associação da
obesidade com maiores níveis de citocinas inflamatórias que
podem estar exacerbadas pela liberação de fator de necrose
tumoral alfa (TNF-α) e interleucina 6 (IL-6) dos pneumócitos
infectados.12

DESMAME DA VENTILAÇÃO MECÂNICA


O desmame da VM envolve desde o processo de liberação da
VM para a ventilação espontânea até a retirada da via aérea
artificial (tubo traqueal ou traqueostomia). Pacientes que
recuperam a causa que motivou a ida para a VM apresentam
boa troca gasosa, estabilidade hemodinâmica e nível
neurológico aceitável para proteger as vias aéreas. Eles
devem ser submetidos diariamente ao teste de respiração
espontânea (TRE).13
O TRE consiste em um teste no qual os pacientes
permanecem por 30 minutos a 2 horas em ventilação
espontânea através de um tubo em T conectado a uma fonte
de oxigênio ou com suporte pressórico de 7cmH2O, valor de
pressão capaz de vencer a resistência interna do tubo
traqueal.13
Caso não desenvolva cansaço, manifesto por taquipneia,
diminuição da consciência, hipertensão ou hipotensão
arterial, bradicardia ou taquicardia, ou sudorese, o paciente
deve ser extubado e permanecer na UTI para monitorização.
Alguns pacientes, com indicação precisa, podem ser
colocados em ventilação não invasiva (VNI) preventiva ou ser
adaptados ao cateter nasal de alto fluxo. Se nas primeiras 24
horas ele não conseguir permanecer extubado, deverá ser
reintubado e ventilado. Se o TRE for negativo, o paciente
deverá retornar para a VM e novo ter deverá ser tentado
novamente. A Figura 1 ilustra essas etapas.13
FIGURA 1: Avaliação diária de desmame. IRA: insuficiência
respiratória aguda; f: frequência ventilatória (irpm); VC:
volume corrente (L); PSV: pressão de suporte ventilatório;
VNI: ventilação não invasiva: COAF: cateter de oxigênio de
alto fluxo. // Fonte: Adaptada de arquivo de imagens da
autora.

Métodos mnemônicos podem ajudar durante as rondas


diárias à beira do leito para se melhor traçar uma estratégia
para o desmame da VM (Figura 2, Quadro 1).14
FIGURA 2: Método mnemônico representando os itens que
devem ser avaliados à beira do leito para o desmame. VM:
ventilação mecânica. // Fonte: Adaptada de Goldwasser e
David (2007).14

QUADRO 1
COMPONENTES DA ESTRATÉGIA PARA O DESMAME DA VENTILAÇÃO
MECÂNICA
Componentes Considerações
Estabilidade Ausência de sinais de má
hemodinâmica perfusão tecidual,
insuficiência coronariana, ou
de dependência de
vasopressores por
insuficiência circulatória,
ausência de arritmias com
repercussão hemodinâmica.
Sedação Ausência de agitação ou
intensa sonolência, avaliadas
pelo grau de sedação
utilizando a escala do
serviço.
Troca gasosa PaO2 > 60mmHg com FiO2 <
0,4 e PEEP < 5cmH2O.
Reversibilidade/controle Da doença que causou ou
contribuiu para a
descompensação
respiratória.
COMPONENTES DA ESTRATÉGIA PARA O DESMAME DA VENTILAÇÃO
MECÂNICA
Autonomia das vias Avaliada pela tosse eficaz, no
aéreas caso de tubo traqueal, ou pela
presença de traqueostomia e
tosse assistida.
Tobin ou índice de Razão entre a FR e o VC <
respiração rápida e 105irpm/L.15
superficial
Equilíbrio hidreletrolítico e Avaliação clínica ou por
acidobásico métodos invasivos de
monitoração hemodinâmica
(PVC, POAP), eletrólitos
séricos normais, ausência de
acidose ou alcalose
metabólica.
Glasgow escore Avaliação do nível de
consciência pela escala de
coma de Glasgow ≥ 9.
Interrupção Uma vez avaliados os
elementos anteriores, a
equipe deve definir ou não
pela interrupção da VM. A
resposta deverá ser sim ou
não.
Avaliação Caso a resposta seja
negativa e o paciente
COMPONENTES DA ESTRATÉGIA PARA O DESMAME DA VENTILAÇÃO
MECÂNICA
permaneça em VM, a equipe
deverá definir a periodicidade
da nova avaliação.
PaO2: pressão de oxigênio no sangue arterial; FiO2: fração
inspirada de oxigênio; PEEP: pressão positiva no final da
expiração; FR: frequência respiratória; VC: volume corrente;
PVC: pressão venosa central; POAP: pressão ocluída da artéria
pulmonar ou pressão capilar pulmonar; VM: ventilação
mecânica. // Fonte: Adaptado de Goldwasser e David (2007).14
No entanto, algumas questões controversas ainda
preocupam, principalmente naqueles pacientes que não têm
sucesso no TRE, são reintubados e permanecem em VM.
Uma força-tarefa de especialistas em conferência de
consenso internacional buscou responder algumas questões
sobre a epidemiologia do desmame difícil da VM, a
fisiopatologia da falência do desmame e como esses
pacientes devem ser conduzidos pela equipe
multidisciplinar. Foram definidos seis estágios de cuidados
do paciente a partir do início da VM desde quando o paciente
é admitido com insuficiência respiratória aguda (IRA) até o
desfecho, que pode ser a extubação ou a permanência na VM
(Figura 3).16
FIGURA 3: Representação esquemática dos diferentes
estágios do paciente em VM. IRA: insuficiência respiratória
aguda; TRE: teste de respiração espontânea. // Fonte:
Adaptada de Boles e colaboradores (2007).16

Pacientes com desmame prolongado tendem a


permanecer por maior tempo na UTI e a apresentar
mais PAV e menor sobrevida.17

A Figura 4 mostra a associação do tempo de desmame


(desmame simples, difícil e prolongado) com o tempo de
permanência na UTI, a PAV e a sobrevida.
FIGURA 4: O tempo de permanência na UTI e a PAV têm
relação direta com o tempo de desmame. A sobrevida é
menor nos pacientes com desmame prolongado em 90 dias,
enquanto não há diferença naqueles com desmame simples
ou difícil (Kaplan-Meier). // Fonte: Adaptada de Sellarés e
colaboradores (2012).17

FALÊNCIA DO DESMAME E DA EXTUBAÇÃO


O TRE visa a informar se o paciente tolera ou não a ventilação
espontânea. Os sinais e sintomas de intolerância aos TRE
são13
▪ objetivos:

• taquipneia;

• taquicardia;

• hipertensão ou hipotensão arterial;

• hipoxemia;

• acidose respiratória;

• arritmias.
▪ subjetivos:
• agitação;

• sudorese;

• diminuição do sensório.

Essa falência geralmente se dá por fadiga muscular


respiratória com sobrecarga do sistema cardiovascular.13
Caso o paciente não tolere o TRE, ele deve ser reconectado
ao ventilador, em um modo que ofereça conforto e descanso
muscular, e a causa da falência deve ser elucidada e tratada.
Se o paciente ainda não reúne os parâmetros para realizar o
TRE, deve ser mantido em VM.18

A falência da extubação — isto é, quando o paciente


passou no TRE, foi extubado e precisou ser
reintubado nas primeiras 48 horas — está associada
a alta mortalidade tanto pelo viés de seleção, já que
são pacientes de alto risco, quanto pelas
complicações advindas da extubação, como
aspiração, atelectasia e pneumonia. A necessidade
de reintubação está associada a um risco 4,5 vezes
maior de pneumonia nosocomial.18

Excesso de secreção, aumento da pressão arterial de gás


carbônico (PaCO2), história de falência anterior na extubação,
doença prévia de vias aéreas superiores e tempo prolongado
de VM são preditores de insucesso na extubação e devem
ser monitorados. O balanço hídrico deve ser negativado ou
zerado antes de se realizar a extubação do paciente.
As Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica
recomendam que os pacientes sejam avaliados no momento
da extubação quanto ao nível de consciência pela escala de
Glasgow, que deve ser maior que 8, e quanto à
permeabilidade das vias aéreas naqueles com maior risco de
estridor laríngeo ou obstrução de vias aéreas.19

CATEGORIAS DO DESMAME DA VENTILAÇÃO MECÂNICA


O desmame da VM é denominado simples quando o paciente
é submetido ao primeiro TRE, é extubado e se mantém em
ventilação espontânea por mais de 48 horas. No paciente
traqueostomizado, será considerado desmame simples
quando ele tiver tolerado o TRE e não precisar ser
reconectado ao ventilador nas próximas 48 horas. O
desmame difícil acontece quando o paciente falha no TRE
por duas vezes seguidas em 48 horas ou ainda dentro de sete
dias do primeiro TRE. É definido como desmame prolongado
a falha em mais de três TRE e/ou permanência por mais de
sete dias em VM após o primeiro TRE (Figura 5).
FIGURA 5: Classificação do desmame de acordo com a
quantidade de TRE e do tempo de VM. IRA: insuficiência
respiratória aguda; TRE: teste de respiração espontânea; VM:
ventilação mecânica; VNI: ventilação não invasiva. // Fonte:
Adaptada de Boles e colaboradores (2007).16

Existe, hoje, uma “nova categoria” de pacientes que são


extubados e são colocados em VNI, chamada de preventiva.
Essa é uma recomendação principalmente aos pacientes
com fatores de risco para desenvolverem nova insuficiência
respiratória após a extubação e que se beneficiam de
ventilação por pressão positiva, como os pacientes com
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).20
Cerca de 69% dos pacientes respondem ao TRE e são
extubados. Vinte por cento (20%) requerem mais de três TRE
ou estão há mais de sete dias em VM. De 11 a 15% dos
pacientes falham em mais de três tentativas de ventilação
espontânea ou superaram os sete dias de VM.1,2
Esse grupo de pacientes deve ser avaliado por uma equipe
multidisciplinar para um diagnóstico funcional da causa que
motivou a falência e para traçar um planejamento de retirada
da VM.

FATORES RELACIONADOS COM A VENTILAÇÃO MECÂNICA


PROLONGADA
Os fatores de risco relacionados com a VM prolongada
podem ser divididos em causas não modificáveis, o que
geralmente se refere às doenças de base ou comorbidades,
como a DPOC, à insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e às
doenças neuromusculares. Nesses casos, os fatores que
levaram à descompensação da doença de base podem ser
identificados e tratados.
Também há as causas modificáveis, nas quais estão
embutidos os erros de tratamento, como a sedação
excessiva, a hiperidratação, a falência em reconhecer a
situação clínica que está mantendo a disfunção
cardiovascular ou a falha na extubação, a desnutrição com a
perda de massa muscular, a miopatia do paciente crítico e
até o atraso em identificar quem poderia ter sido submetido
ao TRE (Quadro 2).

QUADRO 2
CAUSAS MODIFICÁVEIS E NÃO MODIFICÁVEIS RELACIONADAS À
VENTILAÇÃO MECÂNICA PROLONGADA
Fatores não modificáveis
CAUSAS MODIFICÁVEIS E NÃO MODIFICÁVEIS RELACIONADAS À
VENTILAÇÃO MECÂNICA PROLONGADA
▪ DPOC
▪ Insuficiência cardíaca

▪ Doença neuromuscular

Fatores modificáveis
▪ Atraso em identificar quem está apto a realizar um
TRE
▪ Desnutrição com perda de massa e força muscular

▪ Miopatia do paciente crítico

▪ Delirium

▪ Sedação excessiva

▪ Assincronia com a VM

▪ Falha em reconhecer a situação clínica adversa no

momento da extubação
DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; TRE: teste de
respiração espontânea; VM: ventilação mecânica. // Fonte:
Adaptado de Boles e colaboradores (2007).16

ATIVIDADES

1. Com relação aos fatores relacionados à busca ativa


para a realização do TRE, assinale a alternativa correta.

A) Creatinina sérica < 2,0mg%.

B) PaO2 > 60 com FiO2 < 40% e PEEP < 5–7cmH2O.


C) Lactato < 2,0mOsm/L.

D) Saturação venosa de oxigênio > 50%.

Confira aqui a resposta

2. Com relação aos sinais e sintomas objetivos de


intolerância ao TRE, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
Taquipneia.
Hipertensão ou hipotensão arterial.
Hipoxemia.
Agitação.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V — F — V — F

B) V — V — V — F

C) F — F — F — V

D) F — V — F — V

Confira aqui a resposta

3. Com relação à causa frequente de falência de


extubação, assinale a alternativa correta.

A) Balanço hídrico positivo nas últimas 24 horas.

B) Escala de coma de Glasgow > 10.

C) Febre.

D) Lactato < 1,0mosm/L.


Confira aqui a resposta

4. Com relação à definição adequada para desmame


prolongado, assinale a alternativa correta.

A) Retirada da VM após dois TRE.

B) Nova extubação após falha do TRE.

C) Falha na VNI preventiva.

D) Mais de 7 dias em VM após o primeiro TRE.

Confira aqui a resposta

5. Com relação à condição clínica que caracteriza causa


modificável no desmame da VM, assinale a alternativa
correta.

A) DPOC.

B) Miopatia do paciente crítico.

C) Insuficiência cardíaca.

D) Doença neuromuscular.

Confira aqui a resposta

FISIOPATOLOGIA DA FALÊNCIA DO DESMAME PROLONGADO


A fisiopatologia em pacientes que apresentaram falência do
desmame prolongado é complexa e pode ser categorizada
por
▪ sobrecarga respiratória,
▪ sobrecarga cardiovascular;
▪ incompetência neuromuscular (central e periférica);
▪ neuropatia da doença crítica;
▪ disfunção psicológica;
▪ aspectos nutricionais.
Além disso, nesses pacientes, as lesões sistêmicas podem
evoluir para formas irreversíveis ou as falências orgânicas
podem já se encontrar em estágio bastante avançado (como
a DPOC e a falência cardíaca), o que torna difícil ou
impossível reverter a insuficiência respiratória e estabelecer
a ventilação espontânea. Nesses casos, é fundamental que
uma equipe multidisciplinar atue tanto em um sistema de
vigilância e monitoramento como na reabilitação para tentar
atuar em qualquer fator reversível.

SOBRECARGA RESPIRATÓRIA
O sucesso do desmame dependerá da capacidade da bomba
muscular respiratória de tolerar a carga colocada sobre ela.
Essa carga respiratória é função da resistência e da
complacência da bomba ventilatória. A melhora da mecânica
ventilatória pode alertar o médico para a possibilidade de
desmame do paciente, sendo que, muitas vezes, essa
melhora não é detectada pela equipe multiprofissional.21
Esse conceito foi adotado por um modelo de desmame da
VM orientado por programa computacional (protocolo
automático de desmame). Nesse programa, os níveis de
pressão de suporte ventilatório (PSV) são automaticamente
ajustados por um algoritmo no qual a pressão de suporte é
mantida no menor nível necessário para manter um volume
corrente (VC) ≤ 8mL/kg (com pressão de platô de no máximo
30cmH2O) e uma frequência respiratória (FR) que mantenha
o conforto do paciente (zona de conforto).21
A redução da complacência pulmonar pode ser secundária a
pneumonia, edema pulmonar cardiogênico e não
cardiogênico — por exemplo, síndrome da angústia
respiratória aguda (SARA) —, fibrose pulmonar, hemorragia
pulmonar ou outras doenças que causem infiltrações
pulmonares difusas.

O diagnóstico e o tratamento adequados do


processo da doença subjacente são pré-requisitos
para a extubação. Deve-se considerar a redução da
complacência pulmonar atribuível ao edema
pulmonar cardiogênico ou não cardiogênico, com
otimização da função cardíaca e clearance da água
pulmonar.

A redução da complacência pulmonar secundária à fibrose


pulmonar (aguda ou pré-mórbida) ou a redução da
complacência da parede torácica secundária à cifoescoliose
pode ser menos favorável ao tratamento. Na SARA, a causa
subjacente deve ser tratada, e as manobras de proteção
pulmonar ventilatórias instituídas. Outras situações
extrapulmonares que alteram a complacência, como a
obesidade, a distensão abdominal ou ascites, devem ter
abordagens mais individualizadas.
Aumentos na carga resistiva também estão relacionadas ao
aumento do trabalho respiratório (WOB) — de work of breath
—, à falha do desmame e ao longo tempo de VM. Cargas
adicionais podem estar relacionadas à broncoconstrição das
vias aéreas, por vezes reversível, que deve ser tratada antes
do TRE. Pacientes com DPOC também podem manifestar
hiperinflação dinâmica e redução da conformidade quando
forçados a operar na margem superior menos eficiente da
curva de pressão-volume. Espaço morto deve ser reduzido
para diminuir o trabalho muscular.22
O próprio tubo traqueal pode impor aumento da resistência e
maior trabalho muscular naqueles pacientes com baixa
reserva funcional. Aumento de secreção das vias aéreas e
tosse ineficaz são situações que devem ser exaustivamente
trabalhadas para diminuir o esforço respiratório e serem
causas de reintubação.22
A sobrecarga respiratória pode estar relacionada, ainda, ao
fato de força muscular do paciente estar reduzida. Nesse
aspecto, a pressão inspiratória máxima (PiMáx) tem sido
usada para avaliar a força muscular inspiratória, que é
medida após a pressão negativa ser mantida por um
segundo em uma expiração forçada a partir do volume
residual ou usando uma válvula expiratória unidirecional. Um
valor da PiMáx ≤ -20 a -25cmH2O foi referenciado como um
índice preditivo para o sucesso do desmame.23
Um WOB excessivo pode, ainda, ser imposto por
configurações erradas do ventilador (por exemplo, taxa de
fluxo inspiratório inadequada ou ajuste do gatilho de fluxo),
resultando em dissincronia do ventilador. Componentes
dessa dissincronia incluem o tempo decorrido entre o início
do esforço inspiratório e o início da entrega de fluxo, esforço
respiratório após o início do fluxo, disparo ineficaz, esforço
respiratório antes da mudança da inspiração para a
expiração, e o efeito do PEEP intrínseco alto (representando
uma carga limiar).20

SOBRECARGA CARDIOVASCULAR
Pacientes com disfunção miocárdica podem responder mal
quando submetidos ao TRE. A ventilação a pressão positiva
diminui o retorno venoso e a pós-carga do ventrículo
esquerdo e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Quando
restituída a ventilação espontânea, esses pacientes
desenvolvem aumento da WOB e falha do desmame. Efeito
semelhante da ventilação por pressão positiva pode ser visto
com a aplicação de VNI nos pacientes com edema pulmonar
cardiogênico.24
A presença de PEEP intrínseca (hiperinsuflação dinâmica)
induz o cor pulmonale, diminui o enchimento do ventrículo
direito e o débito cardíaco e contribui para a falência do
desmame.25 A hiperinflação dinâmica é geralmente tratada
aumentando o tempo expiratório e colocando-se uma PEEP
extrínseca enquanto broncodilatadores, e a causa do
problema é resolvida.

Outras doenças não resolvidas, como a sepse e doenças


metabólicas, podem aumentar o consumo de oxigênio do
miocárdio, que, em um coração previamente disfuncional, vai
aumentar a sobrecarga cardiovascular.

Nesses pacientes, a ecocardiografia à beira do leito pode


ajudar no processo de desmame predizendo o sucesso ou a
falha. A ultrassonografia avalia a função ventricular, sendo
que a disfunção diastólica está mais relacionada à falência
do desmame, ao débito cardíaco e ao estado do parênquima
pulmonar, acusando a presença de edema. A medida da
função diastólica deve ser obtida durante o TRE com o
objetivo de predizer a falha, ou imediatamente após a falha,
sem reconectar ao ventilador.26
Outros indicadores laboratoriais, como a dosagem do lactato
sérico e o acompanhamento da saturação do sangue venoso
misto, podem ser de alguma valia no acompanhamento
desses pacientes com desmame difícil da VM.
Como medidas terapêuticas, alguns pacientes vão se
beneficiar de VNI imediatamente após a extubação (VNI
preventiva), devendo o desmame da VNI ser feito
progressivamente. O uso de baixas doses de agentes
inotrópicos pode ser útil para alguns pacientes com
insuficiência cardíaca enquanto se procede o desmame.25

INCOMPETÊNCIA NEUROMUSCULAR
A atividade neuromuscular deve estar preservada para
atender à demanda metabólica. Para isso, deve haver a
integridade em toda a cadeia que participa desse fenômeno,
começando a partir da geração do estímulo respiratório no
sistema nervoso central (SNC), a rede de transmissão
neuromuscular, a transmissão intacta para neurônios
motores respiratórios espinhais, músculos respiratórios até
junções neuromusculares. A interrupção de qualquer parte
dessa transmissão pode contribuir para a falha no desmame
da VM. Doenças do SNC, da junção neuromuscular, do
neurônio motor ou do próprio músculo respiratório devem ser
identificadas e tratadas.
Situações clínicas como extensos acidentes
vasculares hemorrágicos ou isquêmicos,
complicações graves de neurocirurgias e
encefalites podem causar completa ausência do
estímulo respiratório central (drive), mesmo em
situações de hipercapnia ou hipoxemia e a
impossibilidade de desmame da VM. O drive
respiratório central pode estar prejudicado por
alcalose metabólica, pela própria VM e pelo uso de
agentes sedativos ou hipnóticos.

O uso de sedativos e hipnóticos é uma prática constante nas


UTI em pacientes em VM. Pacientes com lesão renal tendem
a depurar menos os medicamentos e permanecem mais
tempo em VM. A interrupção diária da sedação, ou o
despertar diário, para fazer o TRE está estabelecida como
uma prática de desmame.27
A pressão de oclusão das vias aéreas (P0,1), medida nos 100
milissegundos no início da inspiração é considerada
importante parâmetro fisiológico devido à sua capacidade de
avaliar a atividade do centro respiratório, podendo ser
avaliada em pacientes com desmame prolongado da VM.28
Em estudo em pacientes com insuficiência respiratória por
diversas causas e em VM, o aumento dos valores de P0,1
aconteceu naqueles com maior dificuldade no desmame da
VM.29
Em 78% das ocasiões em que o desmame foi bem-sucedido,
os valores de P0,1 foram inferiores ou iguais a 4,2cmH2O,
tanto em pacientes crônicos como em não crônicos. Em 89%
das vezes em que os valores de P0,1 foram superiores a
4,2cmH2O, os mesmos pacientes necessitaram de suporte
ventilatório total ou VNI.29
Outras causas de anormalidades neuromusculares
geralmente são identificadas no momento da admissão,
como a síndrome de Guillain-Barré, a miastenia grave e as
neuropatias motoras, como distrofia muscular. Existem
causas que vão se desenvolver na estadia na UTI, como a
neuropatia da doença crítica, que será abordada a seguir.

NEUROPATIA DA DOENÇA CRÍTICA


A neuropatia da doença crítica compreende as doenças
neuromusculares periféricas mais comuns encontradas no
ambiente da UTI, que geralmente envolvem o sistema
muscular e os nervos periféricos, tendo sido primeiramente
descrita na França.30
A prevalência relatada na literatura variou de 50 a 100% e isso
tem sido associado à gravidade da doença, à disfunção
múltipla de órgãos, à exposição a corticosteroides e ao uso
de bloqueadores neuromusculares, assim como à presença
de hiperglicemia e à própria permanência prolongada na
UTI.31
A polineuropatia apresenta-se como déficit motor e fraqueza
muscular bilateral, simétrica e mais marcante nos músculos
proximais. Estudos eletroneurômicos dos membros
mostram anoxopatia sensorial com velocidades preservadas
e diminuição da amplitude dos potenciais de ação composto.
A transmissão neuromuscular é normal, exceto no caso de
uso de bloqueadores neuromusculares de forma prolongada.
Anormalidades eletrofisiológicas podem ser encontradas no
diafragma e são mais prevalentes quando a fraqueza dos
membros é bastante grave.32
A avaliação da fraqueza neuromuscular respiratória é difícil
à beira do leito. A PiMáx e a capacidade vital dependem da
compreensão e cooperação do paciente e são dificultadas
pelo tubo endotraqueal. Como resultado, muitos têm
questionado sua capacidade de detectar disfunção
neuromuscular respiratória que contribui para o desmame
prolongado.33
A pressão transdiafragmática em resposta à estimulação
bilateral dos nervos frênicos pode dar uma medida de
contratilidade diafragmática. A aplicabilidade clínica é
limitada, pois isso requer a colocação de um balão esofágico
e gástrico. Nesse aspecto, a pressão das vias aéreas no final
do tubo traqueal em resposta à estimulação do nervo frênico
foi proposta como uma medida alternativa não invasiva e
pode ter um papel no monitoramento da contratilidade
muscular inspiratória; no entanto, sua correlação com a
pressão transdiafragmática de contração foi fraca em um
estudo.34
O papel da polineuropatia crítica na VM prolongada parece
estar associado a uma maior duração do tempo de desmame
e pode ser um fator de risco independente para duração da
VM e falha no desmame, incluindo a necessidade de
traqueostomia.32,35 A disfunção neuromuscular relacionada à
polineuropatia crítica geralmente melhora ao longo das
semanas, mas alguma incapacidade pode persistir ao longo
dos meses e interferir nas atividades de vida diária.36
O papel da fisioterapia motora é fundamental desde
a internação do paciente, da mesma forma que
cuidados gerais, como a preservação da integridade
cutânea e a prevenção de PAV e da desnutrição, são
fatores ímpares na evolução favorável do paciente.
Insistir junto com o paciente e sua família
considerando a reversão do problema é importante
fator colaborador do desfecho.

DISFUNÇÃO PSICOLÓGICA
Pacientes em VM prolongada apresentam sofrimento
evidente associado a quadros de depressão.
A prevalência de ansiedade durante a UTI é relatada como
sendo de 30 a 75%, e o processo de desmame pode aumentar
esse sintoma. Dor, medo, interrupção do sono, tensão,
inabilidade de se comunicar, perda do controle, pesadelos e
solidão contribuem para a ansiedade.37
A fragmentação do sono e a ausência de qualidade do sono
durante a permanência na UTI podem estar relacionadas ao
ruído no ambiente, mas também ao fato de o paciente estar
em VM com suporte pressórico sem a ventilação de
retaguarda.38,39
Várias estratégias têm sido relatadas para reduzir a
ansiedade durante a VM, como melhoria do sono
minimizando ruídos, intervenções leves e de enfermagem à
noite e o uso de técnicas de relaxamento, como o
biofeedback. A presença de suporte psicológico e, por vezes,
o uso de medicamentos devem compor um conjunto de
terapias para esse paciente.

A dependência da VM tem repercussão com


sofrimento não somente do paciente, mas de sua
família, que deve ser acolhida.

DISFUNÇÃO NUTRICIONAL
As alterações funcionais da mecânica ventilatória
provocadas pela obesidade incluem a redução da
complacência do sistema respiratório, o efeito mecânico
direto provocado pela má distribuição da gordura corporal, a
posição diafragmática anormal, levando ao aumento da
pressão intra-abdominal, a redução da capacidade residual
funcional, formando áreas de atelectasia e shunt, e a redução
da capacidade pulmonar total e o aumento no WOB. Essas
alterações estarão exacerbadas principalmente naqueles
pacientes que apresentam doenças pulmonares ou
disfunção cardíaca concomitantes.
Esse aumento no WOB que se manifesta por taquipneia pode
ter impacto no tempo de VM e de desmame, embora, na
revisão do banco de dados do ARDS NET, a duração da VM
tenha sido semelhante nos grupos obeso versus normal (IMC
18,5 x 24,9kg/m2).40,41
Pacientes intubados e ventilados com COVID-19 e
IMC maior ou igual a 30kg/m2 apresentaram menor
chance de extubação do que aqueles com IMC <
30kg/m2.12

Da mesma forma, pacientes críticos de longa permanência


podem apresentar desnutrição — o que pode estar vinculado
à dificuldade de desmame por limitação da massa muscular.
A sarcopenia é a perda progressiva da massa muscular
associada à perda de força e função, que geralmente ocorre
naturalmente pelo envelhecimento ou secundária a doenças
como resposta inflamatória da doença crítica e inatividade.
A VM prolongada vem junto com manutenção de sedação
prolongada, balanço hídrico excessivo e nutrição
inadequada, e esses fatores agravam o comprometimento
muscular, o diafragma e a musculatura respiratória.
Estratégias nutricionais, fisioterapia e reabilitação precoce
são mudanças culturais e que podem modificar ou atenuar a
fraqueza adquirida na UTI.
O Quadro 3 mostra um resumo das principais alterações
fisiopatológicas e os mecanismos do desmame.

QUADRO 3
ALTERAÇÕES FISIOPATOLÓGICAS QUE IMPACTAM NO DESMAME DA
VENTILAÇÃO MECÂNICA
Fisiopatologia Mecanismo
Sobrecarga Assincronia paciente-ventilador
respiratória Alteração da mecânica ventilatória
ALTERAÇÕES FISIOPATOLÓGICAS QUE IMPACTAM NO DESMAME DA
VENTILAÇÃO MECÂNICA
Aumento da carga resistiva do tubo
traqueal durante o TRE
Problemas pós-extubação
Sobrecarga Disfunção cardíaca prévia
cardiovascular Disfunção cardíaca pela doença
atual: aumento da demanda
metabólica, hiperinsuflação
dinâmica, cor pulmonale
Neuromuscular Depressão central do drive
ventilatório
Disfunção da condução
neuromuscular
Mioneuropatias
Neuropatia da Imobilização prolongada
doença crítica Uso de corticosteroides
Uso de BNM
Neuropsicológica Ansiedade
Depressão
Delirium
Alterações Obesidade
nutricionais Desnutrição muscular
Sarcopenia
TRE: teste de respiração espontânea; BNM: bloqueador
neuromuscular. // Fonte: Adaptado de Boles e colaboradores
(2007).16
COVID-19 E A DIFICULDADE DO DESMAME
Muitos pacientes infectados com COVID-19 podem
apresentar despertar difícil da VM em razão de delirium. O
delirium pode ser uma manifestação decorrente de invasão
direta do SNC, indução de mediadores inflamatórios do SNC,
um efeito secundário de falha de outro sistema de órgãos,
um efeito de estratégias sedativas, tempo prolongado de VM
ou fatores ambientais, incluindo isolamento social.42 Em
pacientes que necessitam de suporte de VM, esse quadro
pode se agravar, dificultando o desmame e prolongando o
tempo de VM.
As taxas de delirium entre as populações de UTI
mecanicamente ventiladas foram de 70 a 75%, e a duração
do delirium tem se mostrado, também, um preditor
independente de longa permanência na UTI. Nesses
pacientes, é mandatório o rastreio ativo de delirium, por meio
do uso de ferramentas de avaliação como a escala
Confusion Assessment Method in an Intensive Care Unit
(CAM-ICU).
Um conjunto de ações farmacológicas e não farmacológicas
pode ser usado para o enfrentamento do delirium. A Figura 6
mostra uma série de potenciais fatores que contribuem para
o delirium no paciente ventilado com COVID-19 e possíveis
métodos de enfrentamento.
FIGURA 6: Potenciais fatores que contribuem para o delirium
(em vermelho) e como intervir (em branco). // Fonte:
Adaptada de Kotfis e colaboradores (2020).42

Um grupo de especialistas da Universidade de São Paulo


publicou a rotina daquele serviço para o controle de delirium,
usando, como preferência, a via venosa inicialmente,
conforme a Tabela 1.43

TABELA 1
FÁRMACOS UTILIZADOS PARA O CONTROLE DO DELIRIUM NOS
PACIENTES COM COVID-19 EM VENTILAÇÃO MECÂNICA
Fármaco Dose
Dexmedetomidina 0,2 a 1,4mcg/kg/min
FÁRMACOS UTILIZADOS PARA O CONTROLE DO DELIRIUM NOS
PACIENTES COM COVID-19 EM VENTILAÇÃO MECÂNICA
Haloperidol 5mg IV em bolo. Repetir a cada 30
min
Quetiapina 12,5 a 100mg VO/SNE, até a cada 8
horas (dose máxima entre 300 e
400mg);
Risperidona 0,5 a 2mg VO/SNE, a cada 12 horas
IV: intravenoso; VO: via oral; SNE: sonda nasoenteral. // Fonte:
Adaptada de Malbouisson e colaboradores (2021). 43

MODOS VENTILATÓRIOS NO PACIENTE QUE APRESENTA FALÊNCIA


NO DESMAME
Os pacientes que falham no TRE devem ser reconectados ao
ventilador e colocados em um modo ventilatório que ao
mesmo tempo ofereça conforto (demanda e oferta de carga
respiratória), evite a atrofia diafragmática e seja benéfico no
processo de desmame.
Estudos mostraram que fazer tentativas diárias com a
pressão de suporte e baixas PEEP com progressivas
reduções da PSV pode ser uma boa estratégia para o
desmame prolongado.1 A alternação entre ventilação
assistida controlada e ventilação espontânea com tubo em
T, aumentando diariamente os períodos em tubo em T, ou
seja, em ventilação espontânea, pode proporcionar a retirada
da VM.1,2,20
Para pacientes com desmame difícil e que falharam mais
vezes no TRE, parece que a PSV com reduções progressivas
de pressão de suporte é um bom modo de desmame.44
A ventilação assistida proporcional tem sido estudada em
pacientes dependentes de ventilador com DPOC. Em
comparação com o PSV e o CPAP, não houve diferença
substancial na oxigenação e em outras variáveis fisiológicas.
Somente quando o CPAP foi combinado com a ventilação
assistida proporcional houve uma mudança mais
substancial nesses parâmetros. A ventilação assistida
proporcional é um modo espontâneo que usa a equação do
movimento para oferecer pressão inspiratória proporcional
ao esforço do paciente (Pmus). Ela está disponível em alguns
ventiladores mecânicos, e sua aplicação às vezes é
considerada difícil e não há necessidades de mais estudos
no desmame da VM.45

A utilização de VNI pode ser considerada em um


grupo seleto de pacientes após a extubação,
sobretudo naqueles com DPOC, mas mais estudos
sobre os modos ventilatórios são necessários nesse
grupo de pacientes com desmame difícil.

Considerando que os fatores reversíveis tenham sido


otimizados, o desfecho do paciente com desmame dificil
dependerá da reserva fisiológica da sua doença subjacente.
Outras estratégias podem ser lançadas para acelerar a
retirada da VM, como a traqueostomia. Com o advento da
traqueostomia percutânea, salvo contraindicações, ela tem
sido cada vez mais comum nas UTI em pacientes com
desmame prolongado.
A Figura 7 mostra um organograma para o desmame de
pacientes com ventilação prolongada com redução
progressiva de pressão de suporte.

FIGURA 7: Redução progressiva de pressão de suporte como


método de desmame prolongado. IRA: insuficiência
respiratória aguda; f: frequência ventilatória; VC: volume
corrente; PSV: pressão de suporte ventilatório; TRE: teste de
respiração espontânea; VNI: ventilação não invasiva; COAF:
cateter de oxigênio de alto fluxo; VM: ventilação mecânica;
FiO2: fração inspirada de oxigênio; PEEP: pressão positiva no
final da expiração. // Fonte: Adaptada de arquivo de imagens
da autora.
ATIVIDADES

6. Observe as afirmativas a seguir sobre as formas de


categorização da fisiopatologia da falência do
desmame prolongado.
I. A sobrecarga respiratória pode estar relacionada com
o fato de a força muscular do paciente estar reduzida.
II. Pacientes com disfunção miocárdica sempre
respondem bem quando submetidos ao TRE.
III. Pacientes em VM prolongada demonstram sofrimento
evidente associado a quadros de depressão.
Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a II.

B) Apenas a I e a III.

C) Apenas a II e a III.

D) A I, a II e a III.

Confira aqui a resposta

7. Com relação à condição na qual não é recomendada a


interrupção diária da sedação para os pacientes em VM,
assinale a alternativa correta.

A) Pneumonia em regressão.

B) Hipertensão intracraniana.

C) Asma responsiva.
D) Sepse controlada.

Confira aqui a resposta

8. Com relação aos mecanismos presentes na neuropatia


da doença crítica capazes de impactar no desmame da
VM, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
Uso de BNM.
Uso de corticosteroides.
Disfunção da condução neuromuscular.
Imobilização prolongada.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V — V — F — V

B) V — F — V — F

C) F — F — V — V

D) F — V — F — F

Confira aqui a resposta

9. Observe as afirmativas a seguir sobre a relação entre


a COVID-19 e a dificuldade no desmame da VM.
I. Muitos pacientes infectados com COVID-19 podem
apresentar despertar difícil da VM em razão do
delirium.
II. O enfrentamento do delirium em pacientes com COVID-
19, para melhora do desmame da VM, exige ações
exclusivamente não farmacológicas.
III. Manuseio multidisciplinar para dor e ansiedade pode
apresentar benefícios para pacientes com COVID-19
em VM.
Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a II.

B) Apenas a I e a III.

C) Apenas a II e a III.

D) A I, a II e a III.

Confira aqui a resposta

10. Com relação aos pacientes nos quais a VNI após a


extubação tem bons resultados, assinale a alternativa
correta.

A) Hipoxêmicos.

B) Pronados.

C) Portadores de DPOC.

D) Neurocríticos.

Confira aqui a resposta

Sr. João Paulo, 75 anos de idade, com longa história de


tabagismo, DPOC e não adesão ao tratamento
farmacológico, apresentou dispneia progressiva e febre há
dois dias. Seus sinais vitais são pressão arterial 140 x
90mmHg, frequência cardíaca (FC) 122bpm, FR 32/min e
temperatura 37,5°C. Apresentava tosse produtiva. Em uso da
musculatura respiratória acessória e com sibilos difusos
bilaterais. Estava alerta, mas sem a capacidade de falar
frases completas. A gasometria arterial apresentava:
▪ pH: 7,25;

▪ PaO2: 57mmHg;

▪ PaCO2: 62mmHg.

Uma radiografia de tórax evidenciou imagem de


consolidação em lobo inferior direito.
Iniciou terapia broncodilatadora e esteroides venosos e
oxigenoterapia com cateter nasal. Foi coletada hemocultura
e cultura de secreção traqueal e iniciada antibioticoterapia.
Foi colocado em VNI e, por ter evoluído com piora do quadro
(taquipneia, diminuição do sensório), foi sedado, intubado e
colocado em ventilação invasiva.

ATIVIDADES

11. Com relação ao melhor controle de início de VM,


considerando que o peso predito do paciente
apresentado no caso clínico é 80kg, assinale a
alternativa correta.

A) Ventilação controlada a volume, VC: 600mL, FR:


15irpm, PEEP: 10cmH2O, relação I:E:1:2
B) Ventilação por pressão controlada, pressão 20, FR:
15irpm, relação I:E:1:2

C) Ventilação controlada a volume ou ventilação por


pressão controlada, FR: 12irpm, PEEP: 80% da auto-
PEEP, VC: 480mL

D) Ventilação mandatória intermitente sincronizada


(SIMV), FR: 8irpm, PEEP: 5cmH2O, VC total: 600mL.

Confira aqui a resposta

ACOMPANHAMENTO DO CASO CLÍNICO


Sr. João Paulo melhorou da pneumonia, estava afebril, e a
equipe desejou avaliar a possibilidade de desmame.
Suspendeu as drogas sedativas e fez o primeiro TRE
utilizando pressão de suporte de 7cmH2O.

ATIVIDADES

12. Com relação aos parâmetros necessários para que o


Sr. João Paulo realize o TRE, assinale a alternativa
correta.

A) Autonomia ventilatória e PaO2 > 60mmHg com


PEEP < 5cmH2O.

B) Reversibilidade da doença pulmonar crônica e


melhora do broncospasmo.
C) PaCO2 < 60mmHg e estabilidade hemodinâmica.

D) Índice de Tobin > 105irpm/L e PiMáx > -30cmH2O.

Confira aqui a resposta

RESPOSTA DO PACIENTE
O paciente não tolerou o TRE e retornou para a ventilação.

ATIVIDADES

13. Com relação ao que deve ser feito em razão da falha


no TRE, com base nas Diretrizes Brasileiras de
Ventilação Mecânica, assinale a alternativa correta.

A) Sedar e usar BNM para ventilação invasiva.

B) Tentar VNI preventiva.

C) Usar SIMV.

D) Adaptar cateter nasal de alto fluxo.

Confira aqui a resposta

FECHAMENTO DO CASO CLÍNICO


O Sr. João Paulo recebeu mais de três tentativas de TRE sem
sucesso, e o paciente voltou a ter febre e secreção purulenta.
Permaneceu em ventilação invasiva com pressão de suporte
de 10cmH2O e PEEP (8cmH2O) e baixa FiO2. Lúcido,
edemaciado, emagrecido, com perda de massa muscular. O
ecocardiograma evidenciou disfunção diastólica e
hipertensão pulmonar moderada.

ATIVIDADES

14. Com relação à categoria do desmame do Sr. João


Paulo, assinale a alternativa correta.

A) O caso do Sr. João Paulo é considerado um


desmame difícil.

B) A DPOC, observada no paciente, é uma causa


modificável da falha do desmame.

C) A sobrecarga cardiovascular pode ser uma causa


não modificável da falha do desmame.

D) Cerca de 11 a 15% dos pacientes falham em mais


de três tentativas de desmame.

Confira aqui a resposta

CONCLUSÃO
Os pacientes com VM prolongada têm maior risco de
desenvolver complicações durante a internação, como a
PAV, a trombose venosa profunda, osteoporose, úlceras de
pressão, constipação intestinal e alterações da pressão
arterial com hipotensão postural. Todos esses aspectos
devem ser revisados diariamente durante a ronda e a tomada
de decisão.
A falha em três TRE ou tempo de ventilação superior a sete
dias, a partir da data que estiver apto ao desmame,
caracteriza a VM prolongada ou desmame prolongado.
Esses pacientes são doentes críticos crônicos, uma
condição adaptativa que também tem repercussões sociais,
com sofrimento do paciente e de sua família, com longa
permanência em leitos de UTI, custo e mortalidade
aumentados.
Uma equipe multiprofissional deve ser mobilizada para
trabalhar com esse paciente, e centros especializados de
reabilitação podem apresentar resultados mais favoráveis.

Este texto foi originalmente publicado no Programa de


Atualização em Medicina Intensiva (Ciclo 19 Volume 2), em
fevereiro de 2022.

ATIVIDADES: RESPOSTAS

Atividade 1 // Resposta: B
Comentário: Para realizar o TRE não é preciso testes
laboratoriais sofisticados nem a avaliação renal, nem a
comprovação hemodinâmica de saturação venosa, nem o
teste do lactato. Somente a gasometria simples para avaliar
a troca gasosa.

Atividade 2 // Resposta: B
Comentário: A agitação é considerada um sintoma subjetivo
de intolerância ao TRE.

Atividade 3 // Resposta: A
Comentário: Deve-se negativar ou zerar o balanço hídrico
antes de extubar o paciente.

Atividade 4 // Resposta: D
Comentário: O desmame difícil acontece quando o paciente
falha no TRE por duas vezes seguidas em 48 horas ou ainda
dentro de sete dias do primeiro TRE, enquanto o desmame
prolongado é definido como a falha em mais de três TRE e/ou
permanência por mais de sete dias em VM após o primeiro
TRE.

Atividade 5 // Resposta: B
Comentário: A miopatia do paciente crítico é frequentemente
uma complicação de longa permanência na VM pelo desuso
da musculatura. O uso de bloqueadores neuromusculares e
corticoide contribui para esse dano, que é reversível,
portanto, modificável. Os demais itens não se modificam.

Atividade 6 // Resposta: B
Comentário: Pacientes com disfunção miocárdica podem
responder mal quando submetidos ao TRE.

Atividade 7 // Resposta: B
Comentário: Pneumonia em regressão, asma responsiva e
sepse controlada são doenças em regressão ou controladas.
Pacientes com hipertensão craniana estão ainda com o
quadro grave, não podendo interromper a sedação.

Atividade 8 // Resposta: A
Comentário: A disfunção da condução neuromuscular é parte
dos mecanismos neuromusculares.

Atividade 9 // Resposta: B
Comentário: Um conjunto de ações farmacológicas e não
farmacológicas pode ser utilizado para o enfrentamento do
delirium em pacientes com COVID-19.

Atividade 10 // Resposta: C
Comentário: A indicação clássica para a VNI é a DPOC. Está
nas diretrizes da Associação de Medicina Intensiva Brasileira
(AMIB).

Atividade 11 // Resposta: C
Comentário: Considerando o peso predito e a ventilação
protetora pulmonar, o VC que deve ser escolhido será de 6
mL/kg, o que corresponde a 480mL. O modo ventilatório
(SIMV) não se utiliza por se correlacionar com maior tempo
de VM. O item B não se posiciona quanto ao VC, o que deixa
essa opção incompleta.

Atividade 12 // Resposta: A
Comentário: Reverter a doença pulmonar crônica não é
possível porque se trata de doença já instalada. Diminuir a
PaCO2 abaixo de 60 não é preciso, porque os pacientes com
doença pulmonar crônica podem conviver com mais altos
níveis de CO2. O índice de Tobin deve ser < 105.

Atividade 13 // Resposta: B
Comentário: Tenta-se evitar sedação e bloqueio
neuromuscular nesses pacientes para não aumentar o tempo
de ventilação. Uso de SIMV não é mais utilizado na prática
clínica por aumentar o tempo de ventilação. A adaptação de
cateter nasal de alto fluxo não se aplica, porque o paciente
deve ser reintubado e ventilado. Tentar VNI preventiva já é
conduta conceituada pelas Diretrizes Brasileiras de
Ventilação Mecânica.

Atividade 14 // Resposta: D
Comentário: O desmame do Sr. João Paulo está na categoria
de desmame prolongado. A DPOC não é fator modificável,
porque trata-se de doença crônica já instalada. A sobrecarga
cardiovascular é uma causa modificável.

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