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ENCARNAÇÃO: A VIDA NO ÚTERO

por David Boadella*

Para formar o corpo de uma nova pessoa, as células germinativas que se encerram nos tecidos dos

pais primeiro devem ser libertadas para poder flutuar livremente. Esses são eventos explosivos e

extáticos. A ovulação, como pode ser observada num filme microbiológico, é um processo

espetacular, de tirar o fôlego: a visão do folículo maduro rebentando para expelir o futuro óvulo

causa palpitações de assombro e admiração naqueles que o vêem. O próprio orgasmo, durante o qual

o esperma é lançado pela ejaculação a distâncias centenas de vezes maior do que seu próprio

comprimento para começar sua jornada, é capaz de espalhar uma onda de choque de excitação em

todos os tecidos do corpo.

O espermatozóide e o óvulo, pontinhos microscópicos do plasma do embrião e portadores de uma

história pré-histórica, começam a nadar um em direção ao outro. O óvulo flutua pelo canal do

oviduto e é transportado pelas ondas peristálticas e o bater dos cílios que revestem o tubo. Cerca de

400 milhões de espermatozóides nadam contra a corrente, como salmões em miniatura forçando seu

caminho rio acima. A corrente de muco se dilui e se torna mais fluida.

Se uma gota de muco for colocada numa lâmina de vidro e esquentada cuidadosamente, serão vistos

ao microscópio padrões mais ou menos regulares à medida que o muco secar. Estes padrões atingem

seu ponto máximo na ovulação quando o muco fica mais delgado, aguado, podendo ser facilmente

penetrado pelo espermatozóide. (Nilsson, 1967)

Os padrões cristalinos, ao microscópio, se parecem com folhas de samambaia, ramos de coral,

fragmentos de flocos de neve. “Eles estão oscilando constantemente e suas linhas de sustentação

tornam-se frouxas por um momento.” Então, um espermatozóide pode aproveitar a oportunidade

para nadar no espaço livre à frente o mais rápido possível. É bastante parecido com um “corredor

polonês”. Quando se é tão pequeno quanto um espermatozóide, deve-se prestar atenção às moléculas

e às suas posições. A penetração do espermatozóide no muco cervical é muito semelhante ao

progresso de uma frota de barcos que sobe em um rio cheio de troncos invisíveis. (id., ibid.)
A corrente de muco que transporta esse cardume fantástico do espermatozóide não somente os

alimenta, como parece também lhes abrir o apetite. Algum componente das secreções lhes fornece

energia e os atrai em direção ao óvulo. O primeiro dos cerca de 400 milhões a entrar em contato com

a membrana gelatinosa do óvulo gera uma resposta: a membrana parece formar um cone e tornar-se

macia o suficiente para permitir ao espermatozóide dianteiro que adentre ao fluido interior da célula.

Tão logo ele tenha entrado, a membrana torna-se impermeável para os espermatozóides

remanescentes, que tentam abrir caminho de todos os lados.

O zigoto que flutua livremente, mas ainda não foi fertilizado, continua a sua lenta viagem pelo

oviduto. Depois de cerca de trinta horas, ele terá alcançado sua primeira divisão em suas células.

Stanley Keleman escreveu:

Se você vir uma célula se dividindo, perceberá primeiro que a célula está excitada, vibrando. Você

vê a formação de dois pólos, duas áreas de atividade interna intensa. Você realmente vê a difusão

entre um pólo e outro, e o alinhamento dos corpos dos cromossomos dentro deste corpo. A difusão

entre os dois pólos se intensifica até que se torne uma pulsação, e, depois, uma corrente. A corrente

comunica a informação mais profunda sobre a vida – como fazemos quando nos comunicamos.

Somos todos harmonizados por padrões de excitação, queríamos ou não. (Keleman, 1975)

Gastemos uns poucos minutos tentando alcançar a simplicidade do projeto que realça a estruturação

complexa do organismo humano. Do óvulo ao feto completo, haverá cerca de quarenta divisões

celulares. Durante a primeira semana o crescimento é pequeno, as células se dividem seis ou sete

vezes, a intervalos diários, grosso modo, mas ainda formam um grumo, como uma amora preta

microscópica (a mórula), não maior que o óvulo original. É mais ou menos nesse período que ele se

prende à parede do útero e começa a fazer seu ninho dentro dele.

À medida que o grumo de células de uma semana se aproxima rapidamente da parede do útero,

realiza sua primeira incrustação. No filme biológico, a implantação se parece com um pouso na lua.

R. D. Laing, na sua palestra sobre “A vida antes do nascimento”, deu grande ênfase à importância

dessa transição. Ele sugeriu que a implantação era equivalente à adoção, e que o corpo celular que se

encaixava era de algum modo sensível à receptividade do útero. O estado de livre flutuação da
consciência, conhecido em certos estados místicos e dissociados, traz consigo um medo de ser

carregado pela água. Os mitos do herói que muito cedo na sua existência é posto num repositório e

desce o rio até aportar num lugar adequado corresponderiam, sugere Laing, a esse período da

jornada dentro da trompa de Falópio. Se o útero for sentido como não receptivo, as fantasias ou

pesadelos de se estar sendo tragado por areias movediças podem assombrar uma consciência

posterior. Mai se o útero for receptivo, a massa celular efetivamente estende raízes num solo fértil.

Para o resto da sua vida no útero, o organismo em crescimento permanecerá enraizado como uma

planta, até o rompimento final da sua raiz durante o terceiro estágio do parto. Na imaginação fértil de

Laing, a parede do útero é o solo, o embrião é a semente, as vilosidades do córion são as raízes

primais, o umbigo em desenvolvimento é o caule e o feto, o fruto em desenvolvimento da planta.

Laing (1976) escreve:

Antes da implantação, as secreções do tubo uterino podem ser calmas ou tempestuosas… abundantes

ou áridas; pode-se rodopiar, girar, flutuar, voar; ele foi arremessado contra rochas; foi carregado até

a praia várias vezes antes do final da jornada. Antes da eventual implantação definitiva, muitas

aventuras podem ocorrer. Essa jornada para a implantação pode formar um modelo para os padrões

subseqüentes. Assim como a implantação pode ser cartografada por ocasião do nascimento…

O nascimento é o reverso da implantação, e a recepção, que se tem do mundo pós-natal gera uma

ressonância simpática dentro de nós com relação à nossa primeira adoção pelo nosso mundo pré-

natal.

O óvulo fertilizado, levando a sua carga de informação para formar um corpo humano, continua a se

dividir. Compreendemos pouco desse processo. Cada célula do corpo completo resulta da vontade

daquele único óvulo fertilizado, porém todas as células serão especializadas e diferenciadas. O único

e mesmo óvulo gerará células nervosas, células musculares, células sanguíneas e células ósseas. O

olho e a cabeça emergirão da mesma fonte de unidade, com a mesma linhagem. Para os geneticistas,

no começo do processo de divisão todas as células são “totipotentes”, todas têm a habilidade de

gerar a mão e o olho, o coração e o cérebro. Mas de alguma forma elas são “dirigidas” a agir apenas

com uma parte da sua cópia genética total. “Sinais” do meio ambiente da célula em divisão podem
ativar ou inibir uma dada célula-filha a se desenvolver na direção do nariz ou do dedo, do pulmão ou

do rim. As células do zigoto se dividem e se multiplicam. A “bola” de células cresce e começa a

ganhar forma. O que determina essa forma, o que organiza a configuração do humano em

crescimento e suas milhões de partes diferenciadas? Os biólogos podem descrever o que ocorre na

morfogênese – a origem da forma -, mas são capazes apenas de teorizar acerca do campo

organizador que conduz as células certas a se associar aos lugares certos para tornar possível a

função orgânica em vez do caos. O que eles descrevem é um processo de movimento protoplásmico

direcional, à medida que as células individuais migram e se repõem no corpo da “bola” que se

alonga e se invagina. Esse processo é chamado corrente morfogenética. As células fluem por

gradientes bioelétricos e químicos para lugares funcionalmente organizados no corpo, diferenciando-

se à medida que se dividem, e mantendo a sua função específica de tecido por meio do seu contato

com células adjacentes. Aquilo com que podemos apenas nos maravilhar, cujas trajetórias a genética

do desenvolvimento pode somente descrever, é um processo de autoformação.

Nas próximas duas semanas, esse grumo de cerca de cem células crescerá mil vezes, desdobrando-se

num disco alongado com uma cabeça numa ponta e um apêndice na outra, que já consiste de três

camadas: uma parte traseira, uma intermediária e uma dianteira. Ele nunca crescerá tão rápido

quanto nestas duas semanas, ocasião na qual se enrolará, transformado-se numa série de tubos. Você

precisa entender de geometria tridimensional para seguir as transformações topológicas desse

período.

Otto Hartmann (1959) descreveu como são formadas essas três camadas de disco: o embrião é

literalmente construído de dentro para fora. Formam-se duas vesículas celulares com cavidades

elípticas, o saco amniótico e o saco de sacos nadando no magma dentro de um invólucro (feita de

células trofoblastas).

Mas das células que revestem a superfície inferior do saco amniótico se desenvolve o ectoderma, a

camada exterior do corpo; das células que revestem a superfície superior do saco de vitelo se

desenvolve o endoderma, a camada interior do corpo, enquanto a partir das células do magma se

forma o mesoderma, o material de tamponamento do corpo.


A três camadas do disco original – exterior (ecto), intermediária (meso) e interior (endo) – possuem,

cada uma, um sistema tubular associado.

Ao longo da parte traseira forma-se um sulco; as bordas se dobram para dentro para formar o canal

neural, um tubo selado cheio de fluido que brevemente crescerá na ponta da cabeça formando três

protuberâncias – estamos presenciando a emergência daquilo que se tornará as três partes do cérebro

(cérebro anterior, mediano e posterior).

A dobradura descendente e o rolamento de todo o disco, que forma um cilindro comprido curvado,

provêem o tubo central do corpo, o intestino.

O trato digestivo como um todo, que começa nos lábios, não é simplesmente uma bomba cilíndrica,

mas uma estrutura ritmicamente articulada, dividindo o processo do metabolismo no espaço e no

tempo em diversas partes principais, em 13 expansão e contratação. É como se este ritmo tivesse se

tornando uma forma, e superposta a ela se encontra a peristalse do intestino, que ainda é puro

movimento. (Schwenk, 1965)

Todo os órgãos da digestão – estômago, fígado, pâncreas – irão germinar dali no tempo devido,

diferenciando-se à medida que crescem. E os pulmões também germinarão da ponta frontal deste

tubo interno, como duas pequenas vagens, que se subdividirão e ramificarão no padrão semelhante à

árvore dos tubos branquiais.

Fora da camada intermediária do mesoderma, estão brotando células dos dois lados em direção ao

centro, para formar as duas metades de um terceiro tubo que se fundirá no coração em sua forma

primitiva. Por volta dos 25 dias, num organismo pesando menos de um milésimo de um grama,

aquele coração terá começado a bater: o tubo pulsa espontaneamente.

A fundação e a forma totais do coração são um reflexo dos processos ondulatórios da água que, nos

seus movimentos de expansão e contração, é como se fossem espaços separados que estivessem se

formando continuamente… o órgão pulsa no ritmo de uma corrente de líquido a partir da qual foi

formado, tornando assim este ritmo visível, simplesmente… no coração humano, a forma e o
movimento estão inter-relacionados, unindo-se num processo rítmico no espaço e no tempo… as

fibras do coração são um eco físico dos movimentos criativos a partir dos quais começam. Elas

nadam em trajetórias espiraladas até o ápice e então erguem-se novamente na sua base. Elas fazem

os mesmos movimentos e enfatizam a corrente vortiginosa cíclica dos fluidos dentro do coração.

(id.,ibid.)

Apenas depois de passadas as primeiras três semanas esse conjunto de tubos é chamado embrião.

Embrião significa expandir-se ou germinar. Nas próximas cinco semanas, todas as estruturas

fundamentais do corpo humano terão sido assentadas. Rios de células surgirão para construir a carne,

o músculo e, algum tempo depois, o osso. Os nervos crescem a partir da espinha dorsal primitiva,

como raízes delicadas em direção aos órgãos com os quais se comunicarão. Ilhas de sangue surgem e

se alongam, juntando-se como gotas de chuva para formar riachos: o sistema vascular está se

formando.

Protuberâncias emparelhadas do cérebro (as retinas) se desenvolvem para encontrar cavidades

emparelhadas na pele exterior: as duas metades dos olhos estão fazendo contanto uma com a outra.

Em primeiro lugar, a pequena protuberância da vesícula óptica cresce no cérebro anterior. A vesícula

óptica toca o interior do ectoderma e ele, por sua vez, se torna invaginado neste ponto, em direção à

vesícula óptica, ganhando espessura para formar os cristalinos. A vesícula óptica é comprimida à

medida que abre caminho para o cristalino e adquire a forma de uma xícara ao seu redor. Os

cristalinos, deslocando-se para dentro, afrouxam então o contato com a superfície e são envolvidos

pelo recipiente óptico recentemente formado. Também pode-se entender o modo como surgem as

retinas no ser humano a partir dos princípios de fonte e escoadouro. O ponto no qual o nervo óptico

deixa o olho é como a saída, o escoadouro numa corrente de água, e a fóvea central próxima dele é

como uma nascente. (id,. Ibid.)

Em algum lugar entre o coração e a boca, germinações de carnes estão crescendo para se tornarem

cotos e, depois, braços, dos quais crescerão mãos, que se abrirão em estrelas rombudas, que se

tornarão dedos. E pouco depois as germinações das pernas se desenvolverão.


Dos lados do tronco, células estão se movendo em doze correntes horizontais para formar as

costelas. Elas se encontram na linha mediana do peito, onde ajudam a formar o esterno. No meio das

costelas e na parede do tronco perto do peito, futuras células musculares estão migrando. E logo

abaixo da superfície a pele está ganhando forma. (Nilsson, 1967)

A forma dos órgãos interiores e a distribuição externa da carne que os encerra refletem os

movimentos serpenteantes e migratórios das correntes celulares primitivas, do mesmo modo que

uma rocha preserva as linhas dos fluxos de magma derretido, ou o vidro retém as formas onduladas

que foram sopradas dentro dele:

Ao longo dos membro, correm sistemas inteiros de correntes que o músculo acompanha de modo

aproximado. Tanto os músculos quanto os vasos falam da mesma coisa: movimento de corrente em

formas espiraladas. Esse movimento corre através dos tendões dentro dos ossos. O osso ergueu um

monumento de pedra ao movimento de fluxo do qual se originou: realmente seria possível dizer que

o líquido “expressou-se” no osso. (Schwenk, 1965)

No final desses dois primeiros meses – quando se deu o formato primitivo de todos os órgãos, e a

cartilagem protetora é lentamente congelada em varetas, anéis e lamelas de osso, prontos para o

tempo em que deverá haver resistência à gravidade – o organismo contém alguns bilhões de células.

Ainda pesando menos de dois gramas, começa a fazer movimentos de natação, arqueando e

flexionando as costas e membros.

Como um astronauta na sua cápsula, o feto bóia no saco amniótico com as vilosidades da placenta ao

redor deles como uma grinalda luminosa. As nebulosas e as constelações neste firmamento são

formadas por células do sangue materno e cristais de sal das águas fetais. (Nilsson, 1967)

O período da formação dos órgãos e desenvolvimento dos tecidos termina depois de uma centena de

dias. Nos sete meses restantes de gravidez, o feto crescerá umas seiscentas vezes em tamanho, mas

basicamente não terá novas estruturas.


Os biólogos do desenvolvimento, lutando para estabelecer uma linguagem que expresse uma

organização e sincronização um milhão de vezes mais complexas na sua temporização do que

qualquer lançamento de foguete à Lua, são levados a adotar termos que soam estranhamente. Eles

falam de habilidade e compromisso, atração e contato, informação e organização, determinação e

estratégia.

Em que estágio, nesta fase de um corpo em formação, podemos falar de experiência, sensibilidade,

memória primitiva? Os ouvidos podem ouvir antes que o rosto tenha terminado de se formar, seis

semanas depois da concepção. O ato de chupar o dedo pode ocorrer antes da metade da gravidez,

quando os dedos ainda não têm ossos. É nesse período que a mãe, notando os movimentos mais

vigorosos dentro do útero quando o feto bóia na água, reconhece e sente os primeiros movimentos

do feto.

Os movimentos primitivos de natação do feto são treinos para os movimentos que ele fará na vida

pós-natal, quando aprenderá a resistir à gravidade. São os alicerces biológicos da agressão (no

sentido de mover-se para a frente), que está baseada na mobilização dos músculos da espinha dorsal.

Este é o modo como A. W. Liley descreve os movimentos fetais primitivos, à medida que o feto

muda de posição no útero:

O mecanismo por meio do qual o feto troca as extremidades no útero é simples: ele se propulsiona

ao redor dele por meio dos pés e das pernas. O mecanismo pelo qual muda de lado é mais sutil: ele

emprega uma rotação espiral longitudinal elegante e na metade do giro torce à espinha a 180º.

Primeiro, estende a cabeça e a rotaciona, depois rotaciona os ombros e finalmente a espinha lombar e

as pernas – de fato, ele está usando seus reflexos espinhais longos. Considerando que esta é a

maneira óbvia de girar, não haveria nada de notável a esse respeito a não ser que, de acordo com a

literatura sobre a função locomotora do neonato e da criança, o bebê não se vira usando seus reflexos

espinhais longos antes de completar catorze ou vinte semanas de vida extra-uterina. No entanto,

temos filmes inequívocos do feto usando este mecanismo pelo menos tão cedo quanto com 26

semanas de gestação, e é evidente que a razão pela qual não vemos este comportamento no neonato
não é a de que lhe falte coordenação neurológica, mas antes porque um truque simples num estado

de flutuabilidade neutra se torna difícil sob a recém-descoberta tirania da gravidade. (Liley)

A memória consciente mais antiga da maioria das pessoas gira em torno dos dois anos. A psicanálise

nunca penetrou antes dessa idade porque a sua ferramenta era a linguagem. Uma criança de dois

anos já teve 34 meses de experiência corporal, dez dos quais dentro do útero. Devemos acreditar que

esse período primordial rico, quando o organismo cresce mais rápido que em qualquer outra fase da

vida, não deixa pistas nos tecidos?

Em muitas formas de terapia – por hipnose, do grito primal, reichiana, com LSD – as pessoas

afirmar lembrar e reexperienciar eventos primitivos: pré-verbais e pré-natais. Há uma evidência

crescente de que os padrões 16 excitatórios do feto, agradáveis e desagradáveis, bem como os

padrões reflexos de movimento associado a eles, são retidos de alguma forma recuperável.

Nesse sentido, não precisamos limitar a memória ao cérebro. Organismos sem tecido cerebral ou

sistema nervoso têm experiências. Eles são sensíveis, respondem ao meio ambiente e atuam sobre

ele. Parece ser propriedade até de uma simples célula possuir algum sistema de memória primitiva

de estados organísmicos passados.

Muitos dos que leram os relatos de estados primitivos pré-verbais oi viram tais estados serem

aparentemente revividos aceitarão a realidade das lembranças pré-natais. Mas há reivindicações

anteriores. Sob LSD, as pessoas declaram experienciar estados embrionários primitivos, até estados

de concepção. Alguns desses eventos aparentemente “relembrados” não poderiam ter acontecido no

útero. Denys Kelsey e Joan Grant escreveram um livro chamado Many Lives, no qual afirmam ter

recuperado lembranças de mortes anteriores e experiências de vidas passadas.

Não desejo entrar aqui em controvérsias sobre a reencarnação, a natureza da consciência e a questão

da existência de uma entidade separada do corpo. Estou começando, portanto, pela concepção. Não

importa se os relatos que se seguem serão entendidos como “lembranças”, “fantasias” ou

“reconstruções imaginárias”. De qualquer modo são experiências profundas que afetam a

consciência e, com freqüência, as vidas subseqüentes daqueles que as vivenciaram. Estão mais

próximas do que jamais conseguiremos recuperar sobre as nossas origens subjetivas. Portanto,
começaremos com o sonho do esperma. A experiência que se segue foi relatada por um psiquiatra

depois de uma sessão de tratamento sob LSD.

Comecei a experienciar uma excitação estranha, diferente de qualquer coisa que jamais tenha sentido

na vida. A parte mediana das minhas costas estava gerando impulsos rítmicos e tive a sensação de

estar sendo propulsionado através do espaço e do tempo em direção a algum alvo desconhecido: tive

uma percepção muito vaga do destino final, mas a missão pareceu ser da maior importância. Depois

de algum tempo, fui capaz de reconhecer, para minha grande surpresa, que eu era um

espermatozóide, e os impulsos explosivos regulares eram gerados por um marcapasso biológico e

transmitidos a um flagelo longo que se deslocava como um relâmpago em movimentos vibratórios.

Então me dei contra de que o alvo a atingir era o ovo, penetrá-lo e engravidá-lo. A despeito do fato

de que toda essa cena parecesse absurda e ridícula à minha mente científica sensata, não pude resistir

à tentação de me envolver nesta corrida com toda a serenidade e total investimento de energia.

Ao experimentar a mim mesmo como um espermatozóide competindo pelo ovo, estava consciente

de todos os processos envolvidos. O que estava acontecendo tinha as características básicas do

evento fisiológicos do modo como é ensinado nas faculdades de medicina; havia, no entanto, muitas

dimensões adicionais que estavam longe de qualquer coisa que a fantasia pudesse produzir num

estado habitual. A consciência desse espermatozóide era todo um microcosmo autônomo, um

universo por si só. Havia uma clara percepção dos processos bioquímicos no nucleoplasma; numa

atmosfera nebulosa, pude reconhecer as estruturas dos cromossomas, genes individuais e moléculas

de DNA. Eu podia perceber sua configuração físico-química como elementos de lembranças

ancestrais, formas filogenéticas primordiais, formas nucleares de eventos históricos, mitos e imagens

arquetípicas, simultaneamente. A genética, a bioquímica, a mitologia e a história pareciam estar

inextricavelmente entrelaçadas, e eram apenas diferentes aspectos do mesmo fenômeno…

A excitação dessa corrida estava se construindo a cada segundo, e o passo héctico parecia crescer a

tal grau que lembrava o vôo de uma nave especial aproximandose da velocidade da luz. Então

chegou o ponto culminante na forma de uma implosão triunfante e uma fusão extática com o ovo.

(Grof, 1975)
A mesma pessoa relatou experiências aos eventos primitivos que se seguem à concepção, como parte

da mesma sessão. Parece-se com uma cena do filme “Fantastic Voyage”, que se passo no interior do

corpo. O filme brilhante de Motoyuka Hayashi, “The Begining of Life”, apresentado por R. D. Laing

em Londre para acompanhar a sua palestra sobre a vida antes do nascimento (em novembro de

1975), é mais colorido que qualquer cenário de filme psicodélico e intensamente comovente, uma

vez que traz à luz alguns dos grandiosos eventos da embriogênese. Eis o modo como esses eventos

foram experienciados pelo homem que teve o sonho do esperma:

Experienciei a embiogênese que se segue à concepção de um modo condensado e acelerado. Havia

novamente a plena percepção consciente dos processos biológicos, divisões celulares e crescimento

dos tecidos. Havia tarefas numerosas a serem realizadas e períodos críticos a serem superados. Eu

estava testemunhando a diferenciação dos tecidos e a formação de novos órgãos. Eu me tornei as

arcadas branquiais, o coração pulsando do feto, colunas de células do fígado e células da membrana

da mucosa do intestino. Uma liberação enorme de energia e luz acompanhava o desenvolvimento

embrionário. Senti que este fulgor ofuscante tinha algo a ver com a energia bioquímica envolvida no

crescimento precipitado de células e tecidos. (id.,ibid.)

Um estudante de 26 anos de idade, chamado Richard, que foi fazer terapia em decorrência de uma

depressão suicida, descreve uma experiência intra-uterina que pode ser verificada

independentemente.

Ele se sentiu imerso no liquido fetal e fixado à placenta pelo cordão umbilical. Estava atento à

corrente de alimentação ao redor do umbigo no seu corpo e experienciou sentimentos maravilhosos

de unidade simbiótica com sua mãe. Havia uma continuidade da circulação entre eles: o líquido de

doação da vida – o sangue – parecia criar uma espécie de elo mágico entre ambos. Ouviu dois

conjuntos de sons partindo do coração em diferentes freqüências que se fundiam em um padrão

acústico ondulatório. Isso era acompanhado de ruídos surdos e roncos, que ele identificou depois de

alguma hesitação como sendo aqueles produzidos por gases e líquidos de sua mãe durante os

movimentos peristálticos dos intestinos adjacentes ao útero. Ele estava plenamente consciente da sua

imagem corporal e reconheceu que era muito diferente da adulta: sua cabeça era
desproporcionalmente grande se comparada com as extremidades do corpo. Com base em sugestões

que ele não foi capaz de identificar e explicar, diagnosticou que era um feto bastante maduro pouco

antes do parto. (id,.ibid.)

Imerso no líquido amniótico, protegido das pressões externas e virtualmente sem peso, o feto

flutuante, preso firmemente à parede uterina, está num estado de segurança e contentamento que

nunca ultrapassará. Este é o período que Leboyer chamou de “Idade de Ouro” e que Stanislav Grof

compara ao paraíso.

Francis Mott (1948) sugere que alguns dos sentimentos libidinais mais primitivos são gerados em

todas as superfícies da pele do feto pelos movimentos da lanugem no líquido amniótico:

Estes pêlos aparecem normalmente durante o quarto mês de vida fetal e desaparecem mais

comumente antes do nascimento. Os movimentos fetais começam habitualmente no quinto mês, de

modo que há geralmente três ou quatro meses durantes os quais o corpo fetal está se movendo nas

águas do âmnio, sua lanugem ondulando minuto a minuto para trás e para a frente como pequenas

plantas num viveiro agitado pelo vento. (Mott, 1948)

Quando se recupera a condição de serenidade e tranqüilidade no útero, é experienciada como um

estado de êxtase oceânico, de fusão livre de tensão. Grof relaciona este estado às experiências de

unidade e fusão mística, às experiências culminantes da vida posterior. Freud, de modo similar, falou

de sentimentos oceânicos, e Reich, de correntes cósmicos. O útero pode ser o mais próximo que uma

pessoa possa alcançar da experiência de paraíso.

Mas, uma vez que o bebê em desenvolvimento está incrustado dentro da mãe, o seu corpo nutrido

como um dos seus próprios órgãos, este sentimento corporal positivo apresenta um pré-requisito

essencial: que a mãe estiver tensa, estressada ou cheia de sentimentos corporais ruins, eles podem ser

comunicados ao feto?

Baseado na recuperação de lembranças de experiências fetais, Grof (1975) conclui que o feto é

sensível não apensas a distúrbios consideráveis na sua existência, tais como pressões mecânicas,
sons altos e vibrações intensas, mas ao distresse, se sua mãe estiver doente, exausta ou intoxicada.

Sabemos que os efeitos da nicotina atravessam a barreira placentária e reduzem o nível do oxigênio

no sangue do feto.

Até mais surpreendentes são as afirmações, numerosas e independentes, de que o feto está atento ou

partilha dos estados afetivos da sua mãe; alguns relataram uma participação do feto nas crises de

ansiedade da mãe, choques emocionais, acessos de agressão o ódio, estados depressivos e excitação

sexual; ou, inversamente, nos seus sentimentos de relaxamento, satisfação, amor ou felicidade. Outro

aspecto interessante desta categoria de fenômenos são relatos da troca de pensamentos entre mãe e

criança no útero, que adquirem a forma de comunicação telepática… Esta comunicação em

múltiplos níveis com a mãe os torna agudamente atentos no que diz respeito a serem queridos e

amados ou indesejados e rejeitados. (Grof, 1975)

Existe até uma sensibilidade fetal à luz. Leboyer descreve o modo como o feto percebe a luz, um

halo dourado resplandecendo através da parede abdominal, se a mãe estiver despida sob um sol

forte. De acordo com Smythe, do University Collage, Auckland, raios de luz projetados na parede

abdominal da mãe produziram flutuações na taxa de batimento cardíaco do feto (Liley).

Os sons também impressionam a consciência do feto. Considerando que depois do nascimento ele

pode ser aclamado pelo som do batimento cardíaco, parece claro que esse som já foi gravado desde o

tempo da sua vida no útero.

A partir da 25º semana, o feto pulará em sincronia com a atuação de um timpanista na apresentação

de uma orquestra… Elias Canetti aponta que todos os ritmos de tambor no mundo pertencem a um

ou outro de dois padrões básicos: o tamborilar rápido das patas dos animais ou o batimento rítmico

do coração humano. O padrão de batida da pata do animal é fácil de compreender por meio do ritual

e da mágica simpática da cultura de caça. Todavia, curiosamente, o ritmo do batimento cardíaco é

mais difundido no mundo, mesmo em grupos como os índios Plains, que caçaram as grandes

manadas de bisão. Esse ritmo estaria profundamente gravado na consciência humana desde a vida

fetal? (id.,ibid.)
Experimentos realizados na Suécia, segundo Janov, mostraram que o feto responde a um ruído de

intensidade média aumentando a taxa de batimento cardíaco:

Só porque o feto não pode conceituar o estresse, isto não significa que não foi atingido per ele ou

que o estresse não está tendo efeitos duradouros no seu comportamento posterior. (Janov, 1973)

Outro relato notável da sensibilidade do feto ao som é fornecido pelo sujeito de estudo de Grof,

Richard:

Neste estado, ele ouviu repentinamente barulhos estranhos provenientes do mundo exterior. Tinham

uma qualidade de eco muito incomum, como se ressonassem numa grande sala ou viessem através

de uma camada de água. O efeito que deles resultava lembrou-o do tipo de som que os técnicos de

música produzem através de instrumentos eletrônicos nas gravações modernas. Finalmente, concluiu

que a parede abdominal e o líquido fetal eram responsáveis pela distorção e que esta era a forma pela

qual os sons exteriores atingiam o feto. Ele tentou identificar o que produzia os sons e de onde

vinham. Depois de algum tempo, pôde reconhecer vozes humanas rindo e gritando, e sons que se

pareciam com trombetas de carnaval. De repente, imagina que isto deveria ter sido a feira anual que

acontecia na sua cidade natal, dois dias antes do seu aniversário. (Grof, 1975)

A mãe foi entrevistada independentemente, sem ser informada sobre o relato de Richard. Ela

realmente tinha ido ao carnaval da aldeia antes do nascimento dele e acreditava que a excitação e o

barulho ajudaram a precipitar o parto dois dias depois.

A consciência do feto está provavelmente mais perto da consciência do sonho do que qualquer outra

coisa. De fato, há evidencias de que o feto sonha muito mais do que o bebê recém-nascido, do

mesmo modo que o bebê sonha mais que o adulto. Bebês prematuros gastam 85% do seu tempo de

sono no estágio do sonho, como foi demonstrado pelos movimentos rápidos dos olhos, enquanto um

bebê gasta a metade do seu tempo de sono desta forma, e um adulto, aproximadamente um quarto.

Howard Roffwarg e seus colegas no Hospital Montefiore, em Nova York, argumentaram que o

estado de sonho pode estar alimentando o sistema nervoso em desenvolvimento do feto. O tempo de

sonho é um tempo, de acordo com Gay Luce (1971) no seu livro sobre ritmos biológicos, no qual
O bebê às vezes pode parecer atento, pois ele chuta, fazendo pequenos movimentos de contração dos

dedos, e pode sugar, sorrir e fazer careta… tal vez tenha tido uma prática pré-natal de

comportamento de sobrevivência, tal como chutar e chupar o dedo durante estados de movimentos

rápidos de olhos. (Luce, 1971)

O útero é a mãe dos sonhos. Nos mitos aborígines, quando querem se referir às suas origens, eles

falam do tempo de sonho. Muitas pessoas, dormindo como adultos, reassumem a posição fetal que

adotaram por último no útero.

O feto também responde aos estados de sonho da mãe, sincronizando com freqüência seus estados de

atividade ao ciclo de sonho da mãe, segundo a pesquisa de Starman (apud Luce, 1971).

Dentro do útero, o embrião transpõe estados de imagem de dezenas de milhares de anos anteriores

ao seu desenvolvimento. Neste estado, supõem-se que o feto em desenvolvimento esteja, no melhor

dos casos, sujeito às imagens da mãe, que pode estar tentando desesperadamente se livrar delas. As

suas comunicações para a imagem sensível do feto devem ser seguramente algo diferentes daquelas

da mãe que está dando as boas-vindas à nova vida, cultuando a imagem do seu desenvolvimento no

seu coração.

Durante a metade da vida fetal, o recipiente (âmnio) está crescendo mais rápido do que o conteúdo;

mas no últimos poucos meses da vida fetal, a situação muda drasticamente à medida que o feto

cresce e se expande para fazer contato com as membranas que o envolvem. O oceano uterino possui

praias.

Este é o modo como Frederich Leboyer (1975) conceitua a descoberta pelo fato de que ele vive,

durante este período, num universo reduzido:

O bebê comença a se sentir fechado; o universo está se contraindo. O que era antigamente um espaço

sem fronteiras se torna mais confinado a cada dia. Foi-se o oceano sem limites dos dias mais

precoces – e felizes; aquela liberdade absoluta não existe mais. E um dia o bebê se acha…
prisioneiro. E dentro de tal prisão. A cela é tão pequena que o corpo do prisioneiro toca as paredes –

todas de uma vez. Paredes que se aproximam cada vez mais o tempo todo. Até o ponto em que um

dia as costas da criança e o útero da mãe parecem estar fundidos. (Leboyer, 1975)

O bebê está encerrado pela primeira vez num abraço de carne. Não há motivos para afirmar que este

aperto terrestre tão próximo, depois de amplos espaços de água, seja desagradável. Dependerá muito

do tônus do útero e das sensações corporais da mãe, do mesmo modo como, na primeira infância, a

criança gosta de ser estreitamente apertada, e abraçada pelos pais, ou repele angustiada; isso

dependerá da qualidade do abraço.

Durante o nono mês, as paredes que o envolvem estão ensaiando os movimentos de contração. Janov

sugere que as contrações têm por função estimular a pele do bebê, que por sua vez estimula os

sistemas corporais de que precisará depois do nascimento, do mesmo modo que os animais

estimulam a pele da cria lambendo-a.

“Uma vez que a criança tenha se restabelecido do seu susto inicial”, escreve Leboyer (1975), “ela

vem a gostar delas. A esperar pelas contrações, a desejá-las”. “Quando chegam – abraçando a

criança, acalentando-a -, ela se rende a elas; arqueia as costas, estremece de prazer nesse jogo

sensual”.

Pesquisas recentes sugerem que o feto escolhe sua posição dentro do útero e o momento do parto:

Longe de ser um passageiro inerte dentro de uma mãe grávida, o feto está prioritariamente no

comando da gravidez e induz todas as formas de mudanças na fisiologia para fazer dela ma anfitriã

adequada. É o feto que, sem ajuda, resolve o problema homográfico – sem dúvida uma proeza se

refletimos que, biologicamente, é possível para uma mulher carregar mais do que o próprio peso de

seu corpo em bebês, todos estrangeiros imunológicos, durante sua carreira reprodutora. É o feto que

determina a duração da gravidez. É o feto que decide como ele ficará na gravidez e de que modo

apresentará o trabalho para o parto. Se ele escolher flexionar os joelhos, o feto se apresentará pelo

vórtice, já que a cabeça forma um pólo menor do que as costas, coxas, barrigas das pernas e pés e
que esta disposição corresponde à polaridade da cavidade uterina. Se, no entanto, ele escolher

estender os joelhos, ficará mais bem assentado, já que seu tronco afundado e suas coxas formam um

pólo menor do que a sua cabeça, barrigas das pernas e pés. A percepção de que o próprio feto

determina a maneira como ficará durante a gravidez e se apresentará no trabalho de parto, fazendo o

melhor que pode o espaço e da configuração disponíveis a ele, coloca a prática da anteversão sob

nova perspectiva; atualmente, é menor o número de obstetras que assume saber melhor que o feto

como ficará mais confortável. É claro, ao selecionar uma posição de conforto no final da gravidez, o

feto pode ter escolhido uma posição que é difícil ou impossível para o parto vaginal. Nesse sentido

ele pode ser acusado de falta de visão, mas este não é um traço desconhecido dos adultos. (Liley)

O corpo desenvolvido do bebê está no seu líquido amniótico. Está pulsando com a vida, e a única

cultura que conhece é o oceano uterino. Ele está pronto para penetrar no mundo gravitacional da

terra caminhável e do céu respirável, embora vinte anos se passarão antes que o desenvolvimento

lento dos tecidos e o preenchimento da forma chamada crescimento sejam completados. A criança se

prepara para sua viagem de quinze centímetros dentro do mundo, além das paredes do útero.

PARTO: o descenso do não-nascido

Quando o feto está pronto, ele ou ela induz o trabalho de parto. Isso parece ser preparado também

pelo relógio biológico, ligado à idade da placenta, que assegura que em algum momento per volta da

40ª semana depois da ovulação, as contrações adequadas serão desencadeadas no útero. O primeiro

estágio do trabalho de parto começa. Lamaze comparou as contrações uterinas com o fluxo e refluxo

das marés:

Crescimento da contração: maré ascendente

Apogeu da contração: remanso

Decréscimo da contração: maré descendente

Dick-Read (1946), um dos pioneiros no estudo do nascimento natural de crianças, argumentou

enfaticamente que seria surpreendente se o nascimento fosse a única função natural que tivesse uma
conexão orgânica com o sofrimento. Não há motivo para afirmar que o nascimento é para o bebê

uma experiência traumática, como Rank sugeriu. “Apenas o nascimento traumático é traumático”,

lembra-nos Janov.

O nascimento que é dolorosa para a mãe será provavelmente estressante para o bebê. Vale lembrar

as dinâmicas da dor no primeiro estressante para o bebê. Vale lembrar as dinâmicas da dor no

primeiro estágio do trabalho de parto.

O útero possui três camadas de músculos: uma exterior de músculos longitudinais, uma

intermediária de fibras musculares correndo em várias direções e uma interior de músculos

circulares. A função dessas três camadas é a seguinte: a tração dos músculos longitudinais abrem a

boca do útero, dilatando o cérvix e abrindo o canal de nascimento para que o bebê comece o seu

descenso. A fibras da camada intermediária são estreitamente emparelhadas; as fibras mais

importantes são entrelaçadas em “forma de oito” e envolvem os grandes vasos sanguíneos. As fibras

apertam os vasos sanguíneos quando se contraem e os abrem para oxigenar o útero quando relaxam.

A camada interior de músculos fecha a boca do útero. Os músculos longitudinais são governados

pelo sistema nervoso simpático. O modo como esses sistemas se adaptam um ao outro, ou não, se dá

da seguinte forma: uma mãe que está relaxada e não sofre de estresse consciente ou inconsciente

estará sob a influência predominante do parassimpático. Os músculos longitudinais dilatarão o

cérvix, os músculos em forma de oito abrirão os vasos sanguíneos para retirar os produtos químicos

do esforço e trazer oxigênio fresco; e os músculos circulares relaxarão. Tais contrações não

deveriam ser dolorosas, com exceção possivelmente da última meia hora ou algo no gênero, quando

o cérvix está no seu estiramento máximo antes que o segundo estágio comece.

À medida que cada contração se aproxima, sente-se como que uma onda avolumando-se a distância.

Ela ajusta automaticamente seu ritmo respiratório para ir ao encontro dela e, à medida que esta vem

em sua direção, “nada” acima dela com braçadas rítmicas cuidadosamente deliberadas, direto acima

da crista; então começa a senti-la desaparecer e sua respiração se torna mais suave e ela descansa.

No final de cada contração, ela fax umas poucas respirações profundas. (Kitzinger, 1972)
Um bebê deveria experienciar essas contrações como um abraço cada vez mais próximo, uma

massagem cada vez mais firme, mas de modo algum como uma pressão esmagadora. Montagu

(1971) escreve:

Durante esse período, as contrações do útero proporcionam estimulações massivas à pele do feto…

Essas estimulações são mais intensificadas durante o processo do trabalho de parto, a fim de preparar

os sistemas de sustentação para o funcionamento pós-natal de maneiras diferentes daquelas

necessárias no meio ambiente aquático em que o feto viveu até então. (Montagu, 1971)

Uma mãe tensa, estressada ou com medo da dor, será governada pelo sistema nervosos simpático,

dominante nos estágios de tensão e ansiedade. Isso significa que o cérvix se contrairá, bloqueando a

saída do útero. Os músculos em forma de oito se contrairão, apertando os vasos sanguíneos,

diminuindo o fluxo de sangue e o suprimento vital de oxigênio às paredes uterinas.

O aperto dos vasos sanguíneos afeta os terminais nervosos. “Nota-se dor no útero”, indica Casserley

(1975), “quando os terminais nervosos não são irrigados suficientemente pelo sangue. Um útero

tenso extrai o sangue à força e 24 disso resulta a dor”. Uma conseqüência adicional à ação do

simpático é que os músculos longitudinais recebem um menor número de impulsos do sistema

parassimpático. Ele continuará se contraindo, no entanto, porque é governado em primeiro lugar pelo

hormônio oxitocina, que o estimula a se contrair.

Temos agora uma situação em que o útero procura fazer duas coisas antagônicas ao mesmo tempo:

tentando abrir, sob a influência do relógio biológico que atua através do hormônio, que por sua vez

prepara o caminho para que o bebê nasça; e, ao mesmo tempo, tentando permanecer fechado, sob a

influência dos nervos simpáticos levados a agir pelo medo. É como tentar dobrar o braço e estirá-lo

ao mesmo tempo: o braço tem um espasmo e fica dolorido. É exatamente isso que ocorre no útero da

mãe incapaz de relaxar e condicionada a esperar pela dor. Quais são os efeitos sobre o bebê? Ele está

agora numa situação intolerável, na qual o que poderia ter sido uma massagem firme começa a

parecer um esmagamento até a morte. Grof (1975) escreve esta experiência como a de “sem saída”,

ou inferno. Um sujeito em terapia relembrou esse estado com estas palavras:


Eu estava totalmente submergido numa situação da qual não haveria escapatória, a não ser

morrendo. Sentia que faria qualquer coisa para escapar, mas havia algum modo de espaçar?… Eu me

sentia preso num labirinto do qual não havia regresso. Estava impedido de prosseguir e este era meu

destino, estar em algum lugar que não era a criação para a vida, mas sendo pego na roda do

sofrimento… Era como se eu fosse um prisioneiro num campo de concentração e, quanto mais

tentasse sair dele, mais seria batido; quanto mais lutasse para me libertar, mais apertados se

tornariam os grilhões. (Grof, 1975)

As pessoas que entram em contato com experiências ruins nesse estágio do trabalho de parto as

associam com sentimento de terror intoleráveis, alienação total, desamparo e desesperança. Grof

distingue estes sentimentos das dificuldades encontradas o segundo estágio do trabalho de parto pela

ênfase única do “papel da vítima e o fato de que a situação é insustentável, sem escapatória e eterna

– não há como sair dela, quer no espaço ou no tempo”.

Parece não haver saída, mas, até numa mãe tensa, as marés inexoráveis das contrações uterinas

vencerão eventualmente os relutantes músculos constritores, que agarrarão o cérvix se ela for

incapaz de relaxar. Facilmente ou com dificuldades, o cérvix finalmente ficará aberto e o caminho

estará livre para que o bebê desça. O segundo estágio do trabalho de parto está para começar.

De agora em diante, cada contração uterina exerce uma pressão sobre o bebê, à qual ele pode ceder à

medida que, centímetro por centímetro, começa a se deslocar pelo canal abaixo. A mãe pode

participar mais ativamente agora: enquanto o relaxamento era-lhe exigido no primeiro estágio,

requisita-se dela, nesse momento, um esforço ativo. Segurando a respiração para ancorar o

diafragma, ao “abaixar” ela pode ajudar e facilitar o processo de dar à luz o bebê.

Mas, de novo, há um erro perturbador no qual pode cair: os músculos do diafragma e os do assoalho

pélvico são antagônicos um em relação ao outro: enquanto a contração dos músculos abdominais no

“abaixamento” ajuda o parto, o assoalho pélvico é requisitado a relaxar. Muitas pessoas,

particularmente aquelas que têm um caráter “agressivo e constritor”, comprimem os músculos do


assoalho pélvico involuntariamente e, assim, impedem seu próprio livramento. Vellay (1959) explica

o processo:

Uma mulher que empurra deste modo durante o trabalho de parto cria um obstáculo à passagem do

bebê pela vagina. Esse esforço não apenas falha em preencher as necessidades do momento, mas é

contrário a elas. Você não pode empurrar assim. É claro que de qualquer modo o bebê nasceu. Ele

consegue transpor este obstáculo simplesmente porque as três forças juntas – a contratação do útero,

o trabalho dos músculos abdominais e a pressão do diafragma – realizam uma força maior que a

contração da cavidade vaginal pelos músculos do assoalho pélvico. Mas o obstáculo foi vencido à

força, o que significa que a mulher tem de produzir esforços muito maiores e principalmente mais

prolongados. (Velley, 1959)

Kitzinger (1972) explica que a ação dos músculos abdominais é realmente não apenas desnecessária,

mais indesejável:

A ação por meio da qual o bebê é empurrado pelo canal deveria ser semelhante a um pistão, com

toda a pressão sendo exercida de cima para o fundo do útero, e os músculos do assoalho pélvico

completamente relaxados. Se você segurar um cilindro do papelão e pressionar uma bola de gude por

ele partindo do alto (com o dedo da outra Mao realizando o papel do diafragma), a jornada será

bastante dificultada se você prender o cilindro firmemente em vez de soltar a pressão. Se a parede

abdominal for retesada e apertada sobre o útero, e desse modo a pressão de cima não poderá fazer

efeito plenamente. (Kitzinger, 1972)

A pesquisa de Benyon (1957) sobre o segundo estágio do trabalho de parto mostrou que os

nascimentos mais fáceis ocorrem quando a mãe economizou esforços musculares e não era

estimulada a empurrar de qualquer forma, exceto quando a pressão para fazê-lo era involuntária. Seu

trabalho começou por um estudo dos casos cardíacos, nas quais era proibido fazer força durante o

trabalho de parto e que tiveram seus bebês mais facilmente como resultado. Ela escreve:
Além do mais, em quase todos os casos, um endurecimento, uma tensão reflexa, se desenvolve no

períneo, e isto em si apresenta dificuldades. É uma situação muito incômoda porque, durante o parto,

a cabeça do bebê deixa o útero, pressiona por trás dos tecidos do períneos e, à medida que progride,

empurra todos estes tecidos na frente dele. Estes tecidos se tornam, aos poucos, consideravelmente

esticados, mas apenas sob uma condição. Para que um tecido se torne esticado, ele deve permanecer

elástico. Agora, quando as mulheres empurram do modo errado, esses tecidos perdem a elasticidade

e criam um obstáculo para o progresso da cabeça. Você pode entender porque as mulheres são

dilaceradas. Esses músculos e tecidos não podem se esticar e chega um momento em que cedem a

passagem. (Benyon, 1972)

Uma conseqüência disso é que alguns médicos usam a episiotomia (incisão do períneo)como medida

padrão, considerada preferível ao “rasgo”. Mas ambos são evitáveis, se a mãe for ajudada a relaxar e

o nascimento não for apressado. Dr. Petersen, em seu livro Experience in Obstetrics, escreve o

seguinte:

Nunca fui capaz de ver nenhuma lógica nas episiotomias, e certamente não vejo utilidade para elas

antes do parto. Porque, sob quaisquer circunstâncias, cortar um ponto em que os vasos sanguíneos,

os nervos e os músculos devem ser rompidos? Mais de uma mulher com uma episiotomia se queixou

anos depois de insensibilidade abaixo da linha do corte, como resultado de um rompimento

importante de nervos… Foi apenas depois de anos de experiências dolorosas que descobri que se eu

tornar o parto mais lento, dando todo o tempo para que as duas partes realizem o estiramento,

deixando o períneo bem por último, não há necessidade de laceração. (Petersen)

Estamos descrevendo os resultados de um segundo estágio tenso e forçado. Como são

experienciados pelo bebê? Grof compara-o à uma luta de vida ou morte, com um clima de luta

titânica, mais próximo do conceito de purgatório do que de inferno. Ele vê a luta como ocupando

uma zona marginal entre agonia e êxtase. É uma experiência vulcânica, em comparação com os

estágios oceânicos dentro do útero. As manifestações físicas que descreve incluem:

Uma pressão enorme na cabeça e no corpo, choque, sufocação e estrangulamento; dores torturantes

em várias partes do organismo; distresse cardíaco sério, alterando calafrios e ondas súbitas de calor;
transpiração abundante; náusea e vômito em jato; movimentos das vísceras aumentados; pressa para

urinar, acompanhada de problemas de controle esfíncter e tensão muscular generalizada,

descarregada em diversos tremores, contorções, sacudidelas; solavancos e movimentos complexos

de torção. (Grof, 1975)

Um relato muito completo de experiências subjetivas de revivència do nascimento foi dado por

Frank Lake.

Essas experiências traumáticas não precisam ocorrer se as forças que auxiliam o descenso do bebê

atuarem em harmonia. Uma força adicional pode ser usada e é surpreendente que não se tire mais

vantagem dela: a força da gravidade.

Yunker (1975), num artigo sobre procedimentos de parto, descreve a posiçap gravitacional para o

parto deste modo:

A posição natural para um nascimento humano é a de mulher agachada, ou, depois que a civilização

criou a obstetrícia, sentada num assento destinado ao nascimento com as costas apoiadas.

Atualmente, a posição habitual, que começou quando os médicos começaram a atender aos partos

das mulheres de classe mais alta, por volta do século XVII, é colocar a mulher em trabalho de parto

deitada sobre as costas, com as pernas levantadas.

Infelizmente, nessa posição a gravidade está trabalhando contra a mãe em vez de trabalhar a seu

favor. O peso do útero pressiona a veia central do corpo mais baixo. Isto lentifica a pressão

sanguínea da mãe que, por sua vez, pode tornar mais lento o coração da criança. A artéria principal

que leva oxigênio ao bebê também é pressionada. Se a mãe estiver de lado, sentada ou andando, o

sangue circula livremente. (Yunker, 1975)

Norma Casserley (1975), uma parteira que realiza partos normais e fez o parto de milhares de bebês

por métodos mais naturais, trabalha regularmente com a mãe estendida sobre uma cadeira ou numa

posição semi-reclinada.
“Presa nas próprias costas com as pernas nos estribos é a pior posição possível para dar à luz”, diz

Casseley. “As veias e artérias principais estão ao longo da espinha, e nessa posição o peso do bebê, o

útero e o líquido amniótico ficam atrás. Os coágulos de sangue são freqüentes nessa posição.”

Uma mãe que pode participar harmoniosamente do segundo estágio do nascimento da sua criança

não realiza uma luta titânica, embora esteja totalmente comprometida em ajudar o descenso do bebê.

Uma paciente em terapia bioenergética, uma mulher de 35 anos, casada, mãe de quatro filhos,

desenvolveu juntas doloridas e dores em outras partes do corpo, especialmente na região dos

ombros. Selinger (1975), o terapeuta, descreveu o modo como seus estados de medo e pânico

aumentaram com palavras chorosas. Eis como descreveu o que ocorreu depois:

Um mês atrás ela confessou, com algum embaraço, um sentimento que vinha tendo há dois meses. O

sentimento era quase uma visão; ela estava para entrar num tubo negro muito assustador. “Parece

loucura, mais isto é o que me deixa tão doente.” Durante a investigação posterior, ela começou a

“ver” que o tubo tinha uma pequena abertura na outra ponta e que havia luz nessa abertura.

Os comentários me trouxeram à mente os artigos de Nandor Fodor (Psychiatric Quarterly, 1946) e

seu livro Search for the Beloved (Hermitage Press Inc., Nova York, 1949) uma investigação clínica

do trauma de nascimento e condicionamento pré-natal. Também me lembrou das minhas

experiências com a análise por hipnose durantes as quais, na regressão, alguns pacientes

espontaneamente se sentiam em cavernas escuras com água e aberturas com luz brilhando através

delas, reexperienciando o que os pacientes e eu acreditávamos ter sido um trauma de nascimento.

Reviver as experiências era de grande benefício para os pacientes.

Esses pensamentos e lembranças me conduziram a pedir à paciente que se deitasse de costas sobre a

cama, com os joelhos levantados. Sentei na borda da cama segurando sua cabeça entre as mãos e

pressionando levemente de ambos os lados. O seu vértice, onde costumavam ficar as fontanelas,

estava muito dolorido, uma condição que ela nunca experienciara quando eu havia trabalhado nela

antes. Encorajei-a a entrar no tubo. Ela se sentiu entrando lentamente dentro dele e se movendo em

direção à abertura. Estava assustada e sentiu uma grande dor na cabeça. Continue encorajando-a à
medida que aplicava uma pressão maior sobre a cabeça. Depois de dois ou três minutos, começou a

sentir uma grande força nas pernas empurrando o corpo em direção à abertura. Ficou aterrorizada. À

medida que eu girava sua cabeça, senti a mesma força na paciente enquanto ela continuava

empurrando na minha direção, sua cabeça saindo da cama e para baixo em direção ao chão.

Enquanto que eu sustentava sua cabeça, seus movimentos corporais me trouxeram à memória partos

que eu havia realizado.

De repente, ela relaxou completamente, se pôs sobre os cotovelos lentamente e então sentou-se,

sorrindo e parecendo muito satisfeita. Ela retomou sua experiência passo a passo, ficando

especialmente impressionada pela força que sentiu no seu corpo à medida que empurrava a si mesma

para fora do tubo e dentro da luz. Não sentiu mais dor e pressão na área do vértice. Ela saiu do

consultório de bom humor, algo que não ocorria há muito tempo.

Os Ritter (1954), num artigo importante sobre nascimento, ressaltaram i prazer associado ao

nascimento saudável e resumiram as seguintes características semelhantes entre nascimento e

orgasmo:

1. A natureza involuntária dos movimentos, isto é, as contrações e convulsões

envolvendo todo o organismo.

2. A tensão e a carga ascendentes constatadas apenas na mãe, pela natureza das coisas.

3. O alívio e prazer intermediários marcantes e notáveis experienciados entre as

contrações, correspondendo aos picos menores da excitação no fazer amor.

4. O êxtase sentido depois do ápice do coroamento.

5. A mesma ansiedade e medo da morte, irrompendo e cindindo, como na ansiedade

extrema da cópula durante o orgasmo das pessoas incapazes de suportar o prazer

total.

6. Os rostos totalmente radiantes, pulsando e satisfeitos da mãe e da criança depois de

um nascimento saudável (transfiguração, como Dick-Read chamou) tão evocativos

das faces dos amantes depois de uma união desinibida; ou o anticlímax neurótico
altamente deprimido do nascimento não-saudável, que corresponde aos resultados

da relação sexual inibida. (Ritter, 1954)

Um dos acontecimentos do parto natural é que ele pode induzir com freqüência ao orgasmo na mãe

quando ela está dando à luz: “Ao eliminar a dor e no ambiente agradável do lar, é importante para

mãe esquivar-se dele”, afirma Casserley (1975): “Ao passar pelo canal, um bebê toca e estimula as

mesmas áreas que são estimuladas na relação sexual.”

Mas é mais que isso. Estamos lidando, como os Ritter mostraram no seu clássico artigo, com a

superposição e clímax e dois sistemas de energia. Wilhelm Reich lembrou-nos há muito tempo que o

feto era outro sistema de energia dentro da mãe. Os Ritter descrevem novamente o processo do

seguinte modo:

As convulsões de “eu quero sair” do feto são uma força, e as convulsões do “eu quero que você saia”

da mãe, outra. As primeiras agem de dentro do útero no primeiro momento e podem ser deduzidas

ou observadas como uma ação positiva pelo feto durante o parto, particularmente no coroamento da

cabeça. A força o “eu quero que você saia” é a pressão involuntária das contrações dos músculos

uterinos em conjunção com as forças auxiliares. O ponto de encontro é o períneo.

Diagramaticamente, as duas forças representam dois braços de espiral superpondo-se e fundindo-se

neste ponto. A urgência para sair e os esforços para empurrar a criança para fora atingem um clímax.

A tensão, no seu ponto mais alto, é seguida após o coroamento por um tremendo relaxamento nos

dois sistemas, primeiramente fundidos e posteriormente como dois organismos separados.

Este nascimento, que pode ser uma experiência orgástica tanto para a criança assim como para a

mãe, também é confirmado por lembranças subjetivas na terapia pré-verbal. Muitas pessoas que

reviveram seu nascimento descrevem sentimentos de correntes poderosas de energia percorrendo

todo o corpo. Um dos pacientes de Grof (1975) descreveu a sua re-experiência de parto com as

seguintes palavras:

Tornou-se muito claro para mim que não havia diferenças entre sexo e o processo de nascimento, e

que os movimentos de deslizamento do sexo eram idênticos aos movimentos de deslizamento do

nascimento. Aprendi facilmente que cada vez que a mulher me apertava, eu tinha simplesmente que
permitir e deslizar para o lugar onde ela me empurrava. Se eu não me esforçasse e não lutasse, o

aperto se tornava intensamente agradável. Às vezes eu me preguntava se haveria um final sem saída

e se eu iria sufocar, mas cada vez que era empurrado e meu corpo se contorcia fora da forma, eu

deixava acontecer e deslizava facilmente para onde estava sendo mandado. Meu corpo estava

coberto com o mesmo muco viscoso que antes, durante a sessão, mas não era mais um pouco

nojento. Era o lubrificante divino que tornou tão fácil abrir caminho e ser empurrado e guiado. Por

várias vezes tive a experiência de que “isto é tudo que há para isso” e “é tão incrivelmente simples”

que todos os anos de luta, de dor, de tentativa de entender, de tentar elaborar eram todos absurdos e

que todo o tempo esteve bem aqui na minha frente; que era muito simples. Você simplesmente deixa

acontecer e a vida te aperta e te empurra e te facilita e te guia através desta jornada.

A mãe que puder participar plenamente do clímax convulsivo do reflexo de orgasmo estará mais

bem preparada para o impulso energético do reflexo de expulsão. Ela da à luz. O bebê não é tirado

dela. Permite-se que o bebê, como o orgasmo, chegue.

Silvert (1955), um colega de Reich que estava particularmente preocupado com as condições de um

nascimento sadio, escreveu o que segue sobre o parto satisfatório:

O encorajamento constante da mãe para que ceda às suas contrações conduz a um progresso

gratificante do bebê através do canal. É especialmente admirável a resposta do feto, em termos de

sua taxa de batimento cardíaco e movimento, às contrações suaves semelhantes às ondas, em

contraste com as contrações que não apresentam esta qualidade… A mãe capaz de ceder ao processo

de nascimento se segura levemente a uma parede acima do peito para se sustentar, o cotovelo

dobrado e relaxado. A cabeça cai para trás e o peito desce suavemente à medida que Lea respira, a

pelve vem para a frente num movimento sugestivo de rendição sexual, joelhos dobrados e suspiros

suaves surgem na boca parcialmente aberta. A cor é rosa, os olhos brilham e os pensamentos são

igualmente expressivos: “Porque isto é bom como sexo. Estou realmente gostando. Por que as

pessoas não sabem disso? É maravilhoso. Estou tão feliz.” (Silvert, 1955)

Se o clímax do coroamento é o ato final no processo do parto, é também o primeiro momento no

processo de chegada. O bebÊ abre os olhos pela primeira vez, se prepara para aterrissar.
CHEGADA: o estabelecimento do recém-nascido

Uma criança ao nascer faz transição entre dois mundos: o amniótico e o terrestre – o mundo de quase

ausência de peso e fluidez e o mundo da gravidade e da solidez. A última vez em que ele fez uma

aterrissagem, era um zigoto microscópico de apenas uma semana de idade, plantado na parede

uterina. Aquela primeira aterrissagem era uma implantação, um deitar de raízes. A aterrissagem que

ele faz agora envolve um desenraizamento radical: o sistema de raízes do bebê, a placenta, que foi a

única fonte de alimentação durante a sua existência depois da primeira semana, está morrendo. A

mudança de existência é quase total, tão dramática quanto a mudança do oceano para a terra na

evolução, e isto levou milhões de anos para terminar, O bebê transita em menos de um quarto de

hora. É deste modo que Schwenk (1965) a descreve:

A criança antes do nascimento está num envoltório protetor de água, antes da sua entrada final

dentro da esfera da atividade terrestre. Embora dentro de uma esfera, ele modela a sua forma ainda

líquida, que se torna gradualmente mais condensada. Ao nascer, deixa o espaço esférico da água e

entra numa relação com as forças direcionais da terra. Quanto mais ele cede a essas forças, mais o

seu corpo se torna solidificado, o que é essencial para ficar de pé e aprender a andar. (Schwenk,

1965)

O paralelismo entre a vida no útero num modulo espacial foi descrito por muitas pessoas, mas foi

particularmente bem capturado no poema “Cosmonauta” de Geoff Roberts:

Atemporal, sem peso

Flutuo livremente na órbita

Confortavelmente encapsulado

Na escuridão com ar-condicionado

Seguramente isolado
Mas com os meus delicados instrumentos de precisão

Esperando para serem usados

Todos os cinco

Preso ao sistema de intercomunicação, aquecido, alimentado,

Ouvindo o bombeamento

Do mecanismo,

Flutuando livremente na órbita, a cabeça

Para baixo, esperando pelo empurrão

E deixando para outro alguém

Todas as considerações

Dos problemas da reentrada

No final dos nove meses

Eis como uma criança de onze anos expressou sua percepção da emergência do mundo das águas:

O bebê escorrega para fora da mãe como uma lontra desliza da água. Quando o bebê está fora da

mãe, está tão viscoso como um pedaço de alga marinha, As mãos estão enroladas como conchas do

mar cheias de água. As costelas fazem com que pareça como se ele tivesse uma gaiola de pássaro

comprida dentro dele. Os olhos são como ostras fechadas. O cordão é tão enrolado quanto uma

trepadeira, com uma torção de veias leitosas e vermelhas. O cabelo é tão liso quanto uma capivara.

Ele abre a boca e deixa sair seu primeiro som. Ele parece muito novo e lustrado. (Bowditch, 1971)
Pelo menos quatro transições diferenciadas estão em curso, e cada transição pode ser experienciada

como uma expansão prazerosa ou um choque catastrófico, de acordo com o modo pelo qual a

chegada do bebê será manejada.

A transição sensorial

A criança sai da obscuridade e entra num mundo de luz ofuscante. Deixa um mundo no qual, se não

havia silêncio, pelo menos todos os sons eram diluídos pelo efeito de amortecimento da água, e

penetra num mundo de sons ensurdecedores. Frederich Leboyer, no seu poema em prosa Brith

without Volence, mostra a importância de luzes parcialmente obscurecidas e sons abafados no

começo das suas recomendações para a humanização e sensibilização das condições nas quais o

recém-nascido chegam se quisermos evitar um choque desnecessário ao sistema sensorial. Pois os

olhos podem sentir-se queimados por uma luz excessiva, assim como os ouvidos podem se sentir

agredidos pelo barulho demasiado.

O líquido amniótico está na temperatura do sangue. A sala de parto média não tem provavelmente

uma temperatura maior que 70ºF. A queda de temperatura é da ordem de 30º. Os processos de

regulagem da temperatura no cérebro são disparados pelo ato do nascimento, mas passam-se muitas

semanas antes que se tornem eficientes. O perigo de hipotermia é real para alguns bebês, Leboyer

recomenda dois modos de reduzir o choque da queda de temperatura no recém-nascido: a colocação

da criança com o rosto contra a pele do abdome da mãe imediatamente depois do nascimento e o uso

de um banho quente como uma experiência sensorial aprazível. Leboyer (1975) escreveu:

Vamos colocar ou, melhor dizendo, recolocar a criança dentro da água. Pois o bebê emergiu da água,

as águas maternas o carregaram, acariciaram e embalaram. Torne-o leve como um pássaro. Foi

preparado um banho numa bacia. Na temperatura do corpo ou ao redor dela 98º ou 99ºF. Colocamos

a criança dentro dela. Novamente com extrema lentidão. À medida que a criança afunda, torna-se

sem peso e é libertada do corpo que o está esmagando – este corpo, bem como toda a sua carga de

novas e rudes sensações. (Leboyer, 1975)

As vantagens de se colocar o bebê recém-nascido imediatamente em contato com o abdome da mãe

são muitas: primeiramente, isto pode ser feito antes que se corte o cordão umbilical. Depois, é o
lugar mais seguro em que o bebê pode estar, barriga contra barriga com o corpo que o encerrou por

toda a sua existência até aquele momento.

Que melhor lugar poderia haver, Leboyer pergunta. “A sua barriga com o formato e dimensões

exatas da criança. Dilatada pouco antes, oca agora, a barriga parece ficar ali esperando como que o

próximo. E o seu calor e flexibilidade, à medida que sobre e desce com o ritmo da sua respiração, a

sua maciez, a vida irradiando das suas peles, tudo se une para criar o melhor lugar de repouso para a

criança” (id.,ibid.).

A pele é o maior órgão no corpo e oferece a maior área a experiência sensorial. Pelas experiências

primitivas do contato da pele, a criança aprenderá em que mundo entrou: o que acaricia e aquece ou

aquilo que a enregela. Janov (1973) sugeriu que a sensibilidade à temperatura na vida posterior pode

depender parcialmente dessas experiências primitivas.

Pode bem ser que o parto difícil mais o choque da queda de temperatura no nascimento prejudiquem

permanentemente o funcionamento adequado dos mecanismos de controle da temperatura, de modo

que a pessoa fica depois acalorada ou friorenta.

A transição circulatória e o nascimento da respiração

Nos dez meses anteriores, a criança foi oxigenada com o ar que a mãe respirou. Para o resto da sua

vida, ela respirará o próprio ar. Embora seu coração estivesse bombardeando o próprio sangue pelo

corpo desde os 25 dias após a concepção, muito pouco foi para os pulmões e uma grande quantidade

passou pela placenta. Tudo isso deve mudar agora.

As mudanças que ocorrem no sistema circulatório nos primeiros poucos segundos e minutos depois

do nascimento são revolucionárias. O sistema vascular deve ser recanalizado. A melhor maneira de

entender é olhar cuidadosamente para o que está acontecendo nos quatro compartimentos do coração

antes e depois do nascimento.

Antes do nascimento, na circulação placentária, o coração recebe e expele o sangue como se segue:
Ventrículo esquerdo: quando este ventrículo se contrai, dirige o sangue através da aorta e pelo corpo

do feto; mas uma grande proporção do fluxo descendente caminha através das duas artérias

umbilicais para a placenta, onde é reoxigenado.

Aurículo direito: este compartimento do coração coleta o sangue que retorna a partir de duas fontes:

o corpo do feto e a placenta. O sangue recentemente oxigenado que volta da placenta flui através da

veia umbilical, passando para o coração quer pelo fígado, quer por um desvio da conexão principal

do corpo, chamado duto venoso.

Ventrículo direito: este toma parte do sangue que sai e dispõe dele da seguinte forma: um fio flui

através das artérias pulmonares para os pulmões, mas a maioria flui através de outro fio, o duto

arterioso, para se unir ao fluxo principal da aorta para o corpo.

Aurículo esquerdo: apenas um fio entra nos pulmões, pela veia pulmonar.A maior parte do

suprimento entra no aurículo direito através de uma abertura membranosa entre os aurículos, o

forâmen oval (se este permanecer completamente aberto depois do nascimento, formará o “sopro no

coração”).

Depois do nascimento, os impulsos reflexos de vasodilatação abrem o fluxo vascular para os

pulmões e, ao mesmo tempo, os impulsos reflexos de vasoconstrição fecham o duto arterioso. O

efeito disso é aumentar a pressão do sangue fluindo no aurículo esquerdo a partir dos pulmões. As

artérias umbilicais também se contraem, reduzindo a pressão do sangue entrando no ventrículo

direito através da placenta. Esses dois efeitos conduzem a pressão no aurículo esquerdo a exceder a

do aurículo direito, e isto fecha a membrana entre os aurículos, o que, alguns dias depois, se

solidifica como uma barreira permanente entre os dois Laos do coração.

O primeiro grito da criança expande os pulmões e põe essas mudanças circulatórias reflexas em

movimento. Elas são rápidas, mas não instantâneas. O cordão pode continuar pulsando por diversos

minutos depois do nascimento. 34 O fluxo final de sangue da placenta corre de volta para o corpo

nascido do bebê. Se o cordão for cordato antes que tenha parado de pulsar, a criança experienciará

um choque duplo: um choque circulatório e um choque respiratório. O choque circulatório provém

do sangue ainda pulsando na artéria umbilical que está sendo desligada, criando o que R. D. Laing

denominou efeito de “lavagem para trás”, uma pressão posterior na circulação geral do corpo
efetuando um estresse desnecessário no funcionamento recente do coração. O corte das poucas

últimas pulsações do fluxo da placenta na veia umbilical priva o bebê de um oxigênio valioso e pode

diminuir o número de células vermelhas em circulação. O choque respiratório surge da necessidade

de aspirar todo o oxigênio de uma vez através dos pulmões recém-expandidos.

Leboyer (1975) explica isso da seguinte forma:

Dois sistemas funcionando simultaneamente, um auxiliando o outro: o velho, o umbilical, continua

suprindo oxigênio para o bebê até que o novo, os pulmonar, tenha assumido plenamente o seu lugar.

No entanto, uma vez que o bebê tenha nascido e saído da mãe, ele permanece ligado a ela por esse

cordão umbilical, que continua a bater por diversos longos minutos: quatro, cinco, às vezes mais.

Oxigenado pelo cordão umbilical, protegido da anoxia, o bebê pode se acomodar à respiração sem

perigo e sem choque. Descansado, sem pressa.

Adicionalmente, o sangue tem todo o tempo para abandonar seu velho caminho (que conduz à

placenta) e preencher progressivamente o sistema circulatório pulmonar.

Durante esse tempo, de modo paralelo, um orifício se fecha no coração, que sela o velho caminho

para sempre.

Em síntese, em média por quatro ou cinco minutos, o recém-nascido navega em dois mundos.

Conduzindo oxigênio de duas fontes, ele se liga gradualmente de um ao outro, sem uma transição

brutal. Mal se ouve um grito. (Leboyer, 1975)

Os que viram um bebê nascendo pelo método Leboyer, ao vivo ou num filme, terão notado como,

em vez de um choro com distresse, envolvendo um uso instantâneo plenamente alimentado de

sangue dos pulmões, não dando tempo aos tecidos sensíveis para se aclimatar aos sopros ressequidos

de ar, a respiração do bebê chega a isto lenta e hesitantemente. Ele provê pequenas quantidades de

prazer; as ondas da sua respiração são redemoinhos e pequenas ondulações, em vez de vagalhões.
Se a experiência do parto tiver sido traumática, como é para muitas crianças, maiores são as razoes

para que as condições de chegada e transição sejam as mais suaves, calmas e harmoniosas possíveis.

Não há nada melhor do que o notável livro de Leboyer, com sua ênfase nas qualidades de gradação

do toque e do manuseio, e o respeito total pela sensibilidade do recém-nascido. Para ele, a chegada

de cada bebê é a verdadeira natividade.

A transição gravitacional

Leboyer (1975) chama assim esse quarto passo na trajetória do nascimento, quando o bebê recém-

nascido entra em contato com a terra firme. Eis o modo como descreve este momento:

Deixando a água, o bebê encontra um outro professor, um outro tirano: o peso da gravidade, o novo

peso do seu próprio corpo.

Por nove meses o bebê foi um eterno viajante: o seu mundo em mutação nunca parou de mover-se.

Às vezes gentilmente, às vezes violentamente. O corpo da mãe não estava sempre em movimento? E

mesmo quando ela estava quieta ou adormecida, sempre havia o grande ritmo da sua respiração, do

seu diafragma. O bebê viveu em movimento perpétuo. Agora, uma mudança verdadeiramente

aterradora, tudo pára. Pela primeira vez. Nada se move. O mundo congelou, morreu. É o

desconhecido. (id,.ibid)

O modo como esta experiência de contato com o solo é sentido dependerá da maneira como

introduzimos a criança no solo. Para alguns, é uma experiência de completo abandono e desolação.

A criança se sente assustada pela vastidão do espaço com a gelitude do solo. Ele se sente como

caindo aos pedaços. Esta é a base da sensação de agorafobia, o medo de espaços abertos, de não ter

limites, sem útero, exatamente contrária à experiência claustrofóbica, que é a de estar

superconfinado e comprimido, preso no útero antes do nascimento. No entanto, se a criança for

introduzida em terra firme gradualmente, como sugeriu Leboyer, a experiência pode ser insólita. Eis

algo firme e que não cede, que ela aprende a empurrar. Contra sua solidez, ela testa os ritmos da vida

do seu próprio corpo e aprende a distingui-los dos ritmos de vida de outras pessoas. As pessoas que

de alguma maneira não têm uma base firme, esquivando-se de testar a sua força contra a solidez do
solo, refreando a sua agressão, tendem a ter fronteiras do ego deficientes, a ser inseguras de onde

começam e a outra pessoa terminar. Elas são invadidas mais facilmente.

Na criança pequena, esse sentido de gravidade está relacionando à experiência de cair. Se ela for

pega com segurança e embalada ou levantada e abaixada, os movimentos de ausência de peso

temporários recapturam as sensações de estar sendo embalada nos fluido uterinos dentro da mãe.

Brincar com a gravidade é então semelhante a voar.

A criança insegura, por outro lado, tem medo de cair. A gravidade é um susto, o solo é o lugar do

abandono, ou a superfície dura na qual irá bater se for jogada. Nenhuma criança pode cair dentro do

útero. Mas pode cair fora dele. O medo de cair conduz a uma concentração organísmica, ao

congelamento das sensações de correntes de energia e correntes aprazíveis no corpo, e à impressão

dos reflexos primitivos de sobressalto que subjazem a todos os padrões posteriores de tensão

neurótica. Eis o modo como Wilhelm Reich (1948) descreveu a ansiedade de cair numa criança de

três semanas:

O final da terceira semana de vida havia uma ansiedade aguda de cair. Ocorreu quando a criança foi

tirada do banho e colocada de costas sobre a mesa. Não ficou imediatamente claro se o movimento

de deitá-la foi muito rápido, ou se o esfriamento da pele precipitou a ansiedade de cair. De qualquer

maneira, a criança começou a chorar violentamente, colocou os braços para trás como que para

conseguir apoio, tentou trazer a cabeça para frente, mostrou uma ansiedade intensa nos olhos e não

podia ser acalmada. (Reich, 1948)

No dia seguinte, Reich notou que a lâmina do ombro direito e o braço direito estavam recuados e

menos móveis que o braço esquerdo. Durante sua ansiedade, a criança estava apertando os músculos

como que para manter o controle.

Reich relaciona que está acontecendo com o desvio súbito da bioenergia (orgone) da periferia do

corpo em direção ao centro:


A sensação de queda é a percepção interna imediata da imobilização da periferia do corpo, da perda

de equilíbrio. Segue-se que o equilíbrio do corpo no campo da gravidade é uma função da pulsação

orgonômica plena a periferia do sistema orgonômico. (id,.ibid.)

As implicações plenas de ansiedade de cair serão desenvolvidas em outro contexto. No momento,

basta estabelecer padrões básicos no modo como ela mantém seu corpo, a sua organização muscular,

à medida que resiste e se opõe ou se rende à gravidade.

A transição alimentar

A quarta transição crucial é a transição alimentar, quando a criança toma sua primeira alimentação

externa e seu sistema digestivo aprende a funcionar suavemente. Esta é uma transição mais duradora,

que pode levar semanas para se efetuar. Sua realização é referida habitualmente como o

estabelecimento. Enquanto a conexão umbilical assegurava um suprimento constante de

alimentação, o bebê recém-nascido tem apenas uma conexão temporária: o acoplamento da boca e

do mamilo. A criança deve aprender a coordenar os movimentos de beber e respirar para não

engasgar e levar leite aos pulmões, ou desenvolver dor de estômago levando ar aos intestinos. Suas

tendências de auto-regulação podem funcionar apenas na presença de uma mãe suficientemente

sensível aos seus próprios ritmos para ajustar o fluxo de alimentação à demanda, aprendendo a

distinguir o choro de fome do choro de desconforto, devido talvez a gases. O distresse nesse período

é tão comum que é conhecido como “a cólica dos três meses”.

O pediatra neozelandês Bevan-Browne descreveu como a relação de aleitamento é a primeira

experiência realizada pelo bebê, na qual ele tem de procurar ativamente a fonte de alimentação e

prender-se a ela. O termo “enraizado”, que descreve os movimentos da cabeça do bebê de um lado

para o outro enquanto busca o bico do seio, enfatiza que ele está restabelecendo, por meio da boca, o

enraizamento que estava garantido para ele dentro do útero, pelo cordão umbilical. Escreve Bevan-

Browne (1950) :

Chamamos este instinto ou tendência, uma tendência copulativa. Isto pode ser observado nas

criaturas tão antigas quanto o protozoário… Nos mamíferos e no homem essa tendência copulativa é
de suprema importância nos primeiros meses de vida. Estamos buscando mostrar que a criança tem

uma necessidade urgente de copular com uma pessoa, a saber, a mãe, por intermédio do mamilo e da

boca; e isso precisa transcender a mera necessidade de sustento químico. Em outras palavras, sugar é

uma experiência sensual que inclui:

1. Sensações intensas derivadas do contato dos lábios, língua e palato com o bico do

seio.

2. Sensações oriundas do contato do nariz e da face com o peito.

3. Sensações gerais de maciez e calor.

4. Sensações de ser envolvido, apoiado e pego ou abraçado.

5. Odores corporais da mãe.

6. Sensações de satisfação na boca, faringe, esôfago e estômago, por receber o leite

quente.

7. Sons de qualidade apropriada pela mãe.

8. Sensações nas mãos da carícia, pressão e afago do peito.

9. Impressões visuais da expressão facial da mãe.

As crianças que têm a sorte de experimentar a alimentação no peito neste sentido pleno e

plenificador mostrarão com freqüência uma resposta corporal total, que é o protótipo do orgasmo no

adulto: o reflexo de sucção se desenvolve em tremores de todo o corpo, braços e pernas – um

orgasmo oral.

Biólogos do Peckham Health Centre reconheceram as sutilezas do processo de aprendizagem em

relacionar não apenas o estado emocional da mãe, mas a entrada de alimentação externa. Eles

escrevem:

Uma vez nascida, a criança deve alimentar, através do seu próprio canal de alimentação, todos os

órgãos que estão formados e prontos para uso no momento do nascimento. Mas ela não pode

dominar instantaneamente o uso desses órgãos, não mais do que, quando nasce, pode usar

imediatamente suas pernas para andas ou seus olhos para ver. É um aprendiz desde o momento do

nascimento, assim como foi um aprendiz no útero. A criança deve ainda aprender o processo de
assimilação do leite através do seu aparato de alimentação. Este, portanto, um dos primeiros sinais

que o biólogo procura na vida do recém-nascido, o seu estabelecimento, significa por isso que ele

dominou o processo de digestão do leite de sua mãe.

O estabelecimento é reconhecido pelo aspecto geral da criança que perde o que às vezes é um

semblante ansioso e sempre preocupado e adquire a serenidade. O corpo se dilata; a pele agora se

ajusta à sua figura minuciosamente; os olhos se abrem amplamente quando ela está desperta e, como

um filhote de cachorro satisfeito, ela dorme profunda e serenamente nos intervalos. (Pearse, 1943)

Um bebê recém-nascido satisfeito altera períodos de sucção a períodos de sono, mas experiência

também que qualquer processo é atemporal. O acoplamento ao peito é um processo ativo-receptivo –

capaz de estabelecer o fundamento para o contato e o fim do contato na vida posterior. Período de

imersão no fluxo de leite e o contato com o peito se alteram com períodos acordados de contato geral

e manejo com a mãe, que são simplesmente básicos para o desenvolvimento de um sentido

de self bem enraizado. Diz-se que o contato com a mãe pelos olhos freqüentemente não se

desenvolve até pelo menos quatro semanas depois do nascimento, mas o trabalho de Leboyer sugere

que pode estar presente muito mais cedo. Este é o modo como Miriam Dror descreveu os olhos da

sua filha Alissa:

Senti um corpo escorregadiço maravilhoso cheio de vida vindo para fora, e ali estava ela no topo de

mim levantando-se sobre as pequenas mãos e olhando direitamente nos meus olhos como eu nunca

havia sido olhada antes. E é este olhar que eu ainda tenho de capturar em palavras. O entanto, ela

ainda não havia tomado um sopro de ar do mundo, ainda estava conectada ao meu corpo e

respirando através do cordão, mas… com uma sabedoria muito além da compreensão. O olhar firme

e firmemente dirigido fez com que eu parasse de repente. Estou certa de que me coração pulou um

pouco e que nós duas paramos no espaço fora do tempo para aquela breve troca.

Dores da transição

As transições mencionadas até agora são básicas para o sentido emergente de si da criança recém-

nascida fora do útero. Elas podem ser experiências que alimentam e preenchem o corpo do nascido

bebê ou experiências que o estressem e o dobrem em nós de tensão e lamentos de dor e sofrimento.
Uma paciente de Francis Mott teve um pesadelo no qual vivenciou quatro medos específicos:

1. O pavor do relâmpago de luz.

2. O pavor do soar do trovão.

3. O pavor dos ventos acelerados.

4. O pavor da água arremessando ondas nervosas através de uma fenda nas colinas de

areia.

Mott (1948) comenta sobre a origem biológica desses medos da seguinte forma:

A razão pela qual ela permaneceu tão amplamente “não-nascida” é que reagiu com medo demasiado

à abertura dos orifícios da sua cabeça no nascimento. Ela temeu a luz nos olhos, o som nos ouvidos,

a respiração nos pulmões e a comida na sua boca. Esses medos que foram redespertados pela

tempestade. O relâmpago evocou novamente o medo da luz no olho. O trovão redespertou o medo

do som no ouvido. Os ventos acelerados redespertaram o medo do leite precipitando-se na boca.

Minha paciente, em síntese, nunca se abriu para a recepção livre e sem medo do mundo, e, desse

modo, manteve-se um indivíduo fetal. (Mott, 1948)

Mott construiu toda uma teoria do desenvolvimento humano – que chama biossíntese – a partir dos

seus insights sobre a natureza das transições do útero para o mundo externo. Pois se o enraizameto

básico de uma pessoa no mundo se transforma numa experiência chocante ou traumática, de modo

que os órgãos de contato são apenas hesitantemente estendidos, a base da segurança no mundo, o

próprio corpo – ou o corpo dos outros – é solapado, enfraquecido ou destruído.

Antes do nascimento da linguagem, antes que qualquer palavra seja dita, o sentido básico de

identidade, ou a sua ausência, já está formando. Ele flui da matriz das pulsações umbilicais que

param quando o cordão é cortado e substituído pelos ritmos da respiração e da sucção. É acariciado

no ser pelo contato da pele sobre a pele, que substitui o movimento do fluido do útero pela lanugem,

e é elevado e aprofundado pelo acender dos olhos no prazer e pelos sons rítmicos da voz acariciando

o seu ouvido. Nasce fora dos movimentos espontâneos do corpo que o contiveram por nove meses

nos fluidos protetores do útero, agora esticado e experienciando a finalidade imensurável e a solidez

da terra, as tensões e relaxamentos dos músculos reagindo à gravidade.


A criança recém-nascida chegou à terra e é manejada pelos seus pais. O relacionamento social

complexo desta parte específica do mundo está à sua volta, mas ela não está atenta a ele ainda.

Despido de cultura, ela espera pelo processo de condicionamento que conduzirá à formação do

caráter.

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* Formado em neuropsicologia e embriologia na Open University, trabalhou muitos anos como

orientador em psicologia humana na Antioch University Internacional. É o criador da Biossíntese e

editor da revista Energia e Caráter.

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