Você está na página 1de 75

"- Mas, meus cuidados, não falei pra você não secundar c�ntiga

de passarinho! falei sim, pois então! ..." 13: "ALAPIZEMA UNO DIE SONNE" -
Aliás, em ambos os mitos a explicação também é indireta, um "ALAPIZEMA E A SOL" - (relatado por
mencionando a proibição ligada a "bicho" e outro, a "fantasma". Arekuná Akuli)
A nota marginal para a ressurreição do herói recebe uma segun­
da utilização no romance de Mário de Andrade. É no capítulo 13, P. 51: Nota M.A.: três cruzes à margem do título e a chamada "(1)".
"Teque-teque, chupinzão e a injustiça dos homens", quando Macunaí­ No pé da página, e comentário marginal: "Aproveitar bem esta lenda
ma novamente morre e revive. O herói vive ali, ao inverso, a aventura
pra demonstrar a falta de caráter e o cinismo de Macunaíma."
de Konewo, lenda n.o 49 de Vom Roraima zum Orinoco, p. 140 .
Konewo mata a onça e o macaco mata Macunaíma, o qual, por artes Aproveitamento em Macunaíma: Mário de Andrade utiliza integral­
do irmão feiticeiro volta à vida: " ...assoprou fumaça de cachimbo no mente a ação do mito, variando apenas cenas e situações e vivificando
defunto herói. Macunaíma foi se erguendo muito desmerecido.Deram
o episódio com a linguagem brasileira. É o capítulo 8 do romance,
guaraná pra ele e d'aí a pouco matava sozinho as formigas que ainda o
"Vei, a Sol", ps.103 a111. O relato começa, em Koch-Grünberg e em
mordiam."- p.193.
Macunaima, com a árvore muito alta e muito importante. No mito ela
é a morada de Volomã, o sapo, o qual, perseguido por Alapizema,
Comentário: Roquette Pinto e Teschauer, autores lidos por Mário de
vinga-se, jogando-o na ilha dos urubus. Em Mário de Andrade, Volomã
Andrade, falam das virtudes revigorativas do guaraná na medicina
é a própria árvore, que vale como a Dzalaura-iegue dos outros mi­
popular da Amazônia, daí talvez, sua utilização pelo escritor. O termo
tos(4). A árvore vinga-se do herói que o despojara dos frutos sem seu
"desmerecido", que substitui "fraquinho, fraquinho", da anotação
assentimento, lançando-o também, na ilha dos urubus.
marginal e que é novamente usado no capítulo 13, corresponde à
utilização de expressões do falar cotidiano brasileiro, de diversas
Comentário: A substituição do sapo pela árvore dá oportunidade de
regiões, que fundido, dinamiza a linguagem num todo nacional.
serem postos em cena elementos dos mitos 1 e 2 de Vom Roraima
No episódio da primeira morte de Macunaíma, é preciso ainda,
zum Orinoco em que frases mágicas transformam a resistência das
fazer-se referência à expressão de admoestar, "Não falei para ...",
árvores, bem como práticas de propiciação às plantas, da magia
encontrada nas lendas de Koch-Grünberg, que corresponde ao uso
popular. Representa um enriquecimento do ponto de vista folclórico,
corrente. Mário de Andrade a emprega também em Macunaima, mas
para o romance.
todas as vezes em que ela se refere ao herói, aparece atenuada pelo
complemento: "ineus cuidados", porque Macunaíma, apesar de suas
estrepolias sempre é olhado com indulgência por aqueles que o acom­ P. 52: Trecho: ''Da wurde es warm. /Denn es war schon spat gewor­
panham nos episódios. Assim o faz Vei, capítulo 8, p. 11 O, Maanape, e den/."
o macaco, capítulo 13, página 193. Essa fórmula, entre séria e diver­
tida, ressalta o caráter de Macunaíma, infantil e irresponsável. Tradução: "Então o calor foi aumentando. Porque já o dia se adi­
antava."
Nota M.A.: pequeno círculo marcando o final da frase, ligado por um
traço à seguinte· anotação à margem:
4.Proença, M. Cavakanti - op. cit., p. 185: já se refere à alteração.
44
45

Os textos desses autores, bem como a divulgação do lendário tar o brasileiro, nem sequer o índio, pois Mandu, piá catequizado e
indígena feita por Barbosa Rodrigues, Couto de Magalhães, Capistrano robinson em uma ilha, é o modelo das virtudes cristãs em que o autor
e Teschauer são do conhecimento de Mário de Andrade que os reuniu acredita. É personagem esquemática, demonstrativa.
1/
em sua biblioteca e os cita como fontes.Conhecendo pois, diretamen­ Apesar de seus desvios, Pennafort é importante para o estudo de
te através desses últimos escritores, a narração oral indígena e compa­ Macunaíma, pois comunicou a Mário de Andrade urna noção de língua
rando-a com suas assimilações eruditas, Mário pôde perceber os pontos viva no povo brasileiro:
em que falhava a Literatura Brasileira de veleidades nacionais, na assi­
milação desejada do lastro cultural do índio. Entendeu então a inter­ "A Língua falada hoje no Brasil, corno ob­
ferência consciente e inconsciente dos valores "civilizados". tempera o insígne auctor de "O Selvagem", já não é o
. Para melhor explicar o problema é preciso trazer à tona um português de Camões, João de Barros ou Frei Luís de
herói indígena pouco .conhecido, nascido na província com a fina­ Souza; está em sua gramática, em seus sons e em centenas
lidade de por em prática a tese de Alencar, conforme a entendera seu de termos populares, cruzada com a língua tupy ou
autor. É o herói de muito caráter, Mandu, da obra catequética do "nheengaçú".( 7 )
Cônego Ulisses de Pennafort, Mandu - (O Eremícola): Romance A afirmação do cônego cearense, evidentemente despida de seu
Jndo-Brasileno, editado no Ceará em 1901. O livro faz parte da facciosismo indianista, pode ter servido de reforço histórico às teses
biblioteca de Mário de Andrade. modernistas de renovação da linguagem literária e à síntese da expres­
Pennafort, no Prefácio a que chama de "Prelúdio", expõe os são nacional em Macunaíma, quand6 estudada por Mário.
objetivos de uma literatura nacional, baseado nas idéias de Alencar, Quanto ao herói, Mandu, apesar de ser, muito mais que Pery, o
mas sempre se atendo aos problemas da linguagem: anti-Macunaíma, fundamenta em seu romance a mesma tese de comu­
"O filho dos trópicos deve escrever numa nicação nacional da rapsódia modernista. Por essa razão, Mandu é um
linguagem sua própria, deve ser indianista por índole e herói importante: demonstra uma concepção, mas de forma exterior e
mesmo por "birra"; seu estilo deve ser suave e rrtelífluo acadêmica; é a prática não válida, principalmente porque despreza a
como o gorgeio de seus pássaros; doce como o néctar de contribuição do negro e força a narração a empregar palavras tupis.
seus fructos; magestoso como a densidão de suas mattas; Já Mário de Andrade não conhece barreiras e tabus, incorpora
ardente como o sol que o abrasa, soberbo como o fe. também o negro e tudo que o caracteriza como expressão oral, con­
nomeno das "pororocas", ( ...) inebriante como o per­ forme as necessidades do contexto. Aliás, evita muito bem o perigo de
fume de suas flores." (5) se tomar um exemplificador de três elementos culturais (branco,
negro e índio), pois torna a fusão dos três, sempre, uma dependência
Literatura Brasileira é pois, aquela que _focaliza em "rude da espinha dorsal do enredo.
linguagem", como Jracema e Mandu, a vida do Brasil e de sua nature­ Pennafort quer apresentar um herói indígena, mas não o conse­
za, em suas "longínquas paragens" e "tapuianas", através da "figura gue porque isola Mandu de sua cultura. Mário planta Macunaíma
estupefaciante • do indo-brasileno". (6) Pennafort assim faz em seu como índio-negro tapanhuma, mas, já anunciando nele "o herói da
romance, intercalando na narração, a cada momento, descrições da nossa gente". Nasce negro e cresce brasileiro porque o lendário indí­
natureza e abundantes palavras indígenas. Mas, nunca chega a apresen- gena, revelador de nossas origens culturais é integrado na sociedade
5.Pennafort; IBisses de - Mandu (O Eremícola): romance indo-brasileno - brasileira, em suas instituições, costumes, quadro racial, valores, resul­
Ceará; Louis Cholowiecki, 1901, p. V. O autor se entitula: Membro da Academia tando num instrumento de visão crítica.
Romana·e da Academia Cearense. Urgia moldar uma compreensão do homem nacional, já que os
6 e 7.Pennafort, Ulisses de - op. cit., p. XV e p. XXI. modelos anteriores a Mário de Andrarle não significavam integralmen-
78 79

Você também pode gostar