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I - A FISIONOMIA DO MONGE
2 . Preceito e conselho
3. O máximo e o mínimo
5. As promessas de Deus
De onde eu concluo, nesta face que agora lhe vemos, que o monge é
o homem que leva muito a sério as promessas de Deus. Em outras
palavras, sua vida se desenrola perto e diante das últimas coisas.
Seu caminho de perfeição é um estado, seus meios têm as marcas
nítidas do fim, transformando-se o conselho em preceito, e sendo
esse novo preceito uma regra, como se pode verificar nas primeiras
linhas da Regra de São Bento: “Escuta, ó filho, os preceitos de um
mestre...”
O que ficou dito até agora não basta para marcar uma diferença
essencial entre o estado do monge e o que a Igreja preceitua para
todos os batizados. O moço do evangelho, fugindo embora ao
caminho do conselho, já escolhera o bom caminho. Não se pode
dizer, creio eu, que desobedecera ao Senhor, mas que não largara as
rédeas ao ímpeto da forte obediência. E é em torno deste ponto que
se estabelece uma diferença entre ele e o monge. Antão, Paulo,
Macário, foram monges, porque ouviram melhor, descobriram a nova
lei do máximo e do mínimo, levaram a sério as promessas, viveram
as bem-aventuranças e voltaram a brida solta para a casa de Deus.
7. Integridade
8. Voto e consagração
Que caráter terá então esse limiar que o monge atravessa para a sua
nova conversatio? Entre Antão e o moço que voltou contristado não
pode existir a mesma diferença que separa um pagão de um
batizado, um sacerdote de um leigo. Os sacramentos são sete. Não
há outro sinal, que opere o que significa, e que sirva para marcar a
:
transição para a vida monástica. Não há diferença de caráter entre
um secular e um monge.
II - INTERMEZZO ANGUSTIOSO
Nas linhas que ficaram para trás andamos a perseguir uma definição.
Sentindo que ela ficou imperfeita, discutível e abstrata, e que nem de
longe recobre o mistério da vida monástica, debruçamo-nos agora
sobre os textos que contam as histórias extraordinárias dos monges
antigos. Corremos os olhos pelos feitos de um Basílio ou de um
Macário; pasmamos diante de um Simeão Stilita no alto de sua
coluna; detemo-nos a considerar a luta de um Hilário que durante
vinte e tantos anos fustiga as paixões de sua mocidade.
Acompanhamos Crisóstomo na sua caverna; Atanásio, no seu exílio;
e Marcela, e Paula, e Fabíola as grandes matronas de Cristo; e
Jerônimo que impressiona tanto pelo que faz quanto pelo que conta;
:
e tantos outros cujas histórias nos empolgam, nos espantam e – por
que não dizer? – nos assustam e nos entristecem. Se muitas vezes
essa leitura revigora a alma, noutras vezes, quando menos se
espera, por causa de nossa fadiga, ou por termos apostado demais
nos recursos da imaginação, sentimos que nos invade uma
sufocante tristeza.
E nós – que temos casa, família, filhos, livros, vitrola, etc. – nós
voltamos contristados.
1. Fulgens radiatur
Foi por ouvir os homens que Bento desceu de sua solidão, e Deus
quis provar a caridade do eremita consentindo na dura decepção de
sua primeira experiência entre os homens. No dia em que os maus
filhos de Vicovaro planejaram o parricídio, e concertaram os
detalhes, e deitaram veneno no vinho que ofereceriam ao pai, houve
certamente, como na história de Job, um tremendo diálogo entre
Deus e o Príncipe das trevas. Uma aposta entre os céus e os
infernos. E Deus aceitou o desafio.
2. A obra civilizadora
O que ele tinha em mente era uma obra simples que se destinava
primordialmente a ser o que era. Das operações e das aplicações
extrínsecas desse patrimônio, que assim formava, o patriarca
certamente não cuidava. E foi justamente por isso, pela solidez de
sua própria natureza, e pela ausência de qualquer programa prévio
de apostolado e civilização, que as abadias beneditinas tiveram
sempre disponíveis enormes forças de fecundação para cada época.
Quando um grande papa, filho de Monte Cassino, planeja e organiza
nos mínimos detalhes a expedição evangélica à terra dos anglos, lá
estavam os monges para servi-lo, menos por alguma aptidão
especial às viagens do que pelo simples fato de lá estarem.
E não terá sido por mera coincidência que Tomás saiu de Monte
Cassino, para buscar no itinerário traçado por Domingos, uma
prodigiosa aplicação do patrimônio beneditino. O ser que o monge é,
Santo Tomás o aplicará, suberabundantemente, mugindo através
:
dos séculos; e quando tiver espalhado todas as sementes recebidas,
voltará ao ponto de partida, ao monte santo, e morrerá como uma
criança de quatro anos no regaço duma abadia.
4. O exemplo do abade
5. O oblato
IV - MILES STATARIUS
1. A Regra
Não foi também São Bento o primeiro a escrever uma Regra para os
monges. Antes dele, São Pacômio e São Basílio já haviam legislado
para comunidades religiosas.
Mas foi São Bento, certamente, que firmou o cenobitismo nas bases
em que até hoje se mantém. O comentário da Regra Beneditina
publicado sob os auspícios da abadia de Maredsous assinala três
elementos que para o comentador são características da obra de
São Bento. O primeiro é a precisão. Sua regra é clara e nítida. O
postulante, desde os primeiros dias, conhece “sob que lei vai militar”,
e sabe muito exatamente que compromissos toma a fazer a
profissão. O segundo elemento é a discreção. São Bento, com efeito,
não exige nenhuma austeridade extraordinária, prevê o alimento e
sono suficientes, divide as horas entre a oração, o trabalho manual e
a leitura, não sendo sua Regra concebida, nem para os heróis da
penitência, como a de São Columbano, nem para uma elite
intelectual, como a de Cassiadoro. Em suma, ele espera não
prescrever nada de rude nem de penoso em demasia. O abade deve
levar em conta a fragilidade terrestre, dispondo as coisas e
distribuindo os trabalhos com moderação e discernimento, de modo
que as almas se salvem, que os fortes desejem fazer mais do que se
:
lhes pede, e que os fracos não desanimem.
Ora, a raiz daquele vocábulo tem uma origem com sentido diverso e
quase oposto. Essa palavra, que hoje tiramos da pedra para aplica-la
figuradamente ao homem, foi na origem tirada do homem e aplicada
às vezes, figuradamente, à pedra. Realmente, se pedirmos à ciência
dos filólogos alguns dados de empréstimo, veremos que o termo
latino stabilitas vem do sânscrito stâ, que significava estar em pé.
Segundo F. Bopf (Grammaire comparées de langues indo-
européennes, trad. frac.) o verbo sânscrito era da 1ª conjugação
principal, sendo tistâmi a primeira pessoa do indicativo presente, de
onde, provavelmente, deriva o latim testis, testemunha, lembrando o
sujeito que se levanta para depor.
5. A sonolência
Não é em Catulo, nem em outro poeta pagão, mas num moderno que
encontramos esta pequena quadra citada por Unamuno:
:
Cada vez que considero
Y no me harto de dormir.
7. Sentinelas do Cristo
8. A civilização
Para nos convencermos disto, basta abrir o missal na Festa das Sete
Dores de Nossa Senhora. Logo no Intróito, a primeira palavra que
nos salta diante dos olhos é esta: “Stabant...”. Estavam em pé junto
da cruz, sua mãe, a irmã de sua mãe, etc. Vejam bem o diálogo
tremendo destas duas atitudes: o filho da cruz, de pé, pregado no
madeiro que tem aquele mesmo radical misterioso, a raiz do homem,
da sua vertical; e a mãe, e mais as outras três mulheres, de pé,
formando por assim dizer o primeiro coro, diante da cruz.
Há, porém, nas Dores de Nossa Senhora, uma atitude especial que
merece muita atenção. Passa-nos despercebida primeiro; espanta-
nos depois. E é esta: a mais dócil e obediente das criaturas humanas
não deu um só passo e não pronunciou uma só palavra no sentido
de interceder por seu filho junto ao poder de Roma. Quem
intercedeu foi a mulher de Pilatos, por causa de um sonho. Não a
Mãe de Deus. Dócil e obediente à vontade do Pai, a mulher forte, a
criatura erecta por excelência, o cedro do Líbano, não quis nunca
submeter o sacrifício de seu Filho aos decretos do Estado. Em cada
statio da via-crucis a Virgem Santíssima afirmou a isenção da Igreja
e a primazia espiritual. Sua atitude vale um tratado.
Digo por isso que as virgens consagradas desfrutam já, aqui e agora,
uma união mais perfeita do que os monges. Mas digo-o sem provas.
Não tenho certeza; e que Santa Escolástica me perdoe se deixo tão
mal esboçado o problema de suas filhas para voltar a São Bento,
terminando esta modesta homenagem que, a par a canseira e das
decepções experimentadas pelos esbarros em meus próprios
limites, trouxe-me já a recompensa de um acréscimo de veneração.
:
11. Conclusão
E a rigor, podemos dizer que a lição dos monges, não foi perdida.
Apesar de tudo, a estabilidade beneditina ajudou o mundo a se
firmar, justamente nos momentos em que parecia perdido. Compete-
nos agora continuar. Exploremos e usemos o patrimônio de São
Bento, para bem servir à sociedade e à Igreja, nestes tempos
perturbados em que os falsos salvadores nos querem arrebatar o
status para formar um monumental monólito, uma nova pirâmide
:
egípcia que será, não o túmulo de um rei, mas o sarcófago de um
povo. Firmemos pois nossos pés; sejamos mastros de vigilância;
colunas de dignidade; torres de justiça. Contra o materialismo que
nos quer prostrar, e contra o falso espiritualismo que tem a
pretensão insolente de interceder por nossa Igreja, saibamos ser
monges, firmes, inabaláveis, como os soldados romanos que
combatiam de pé, sem arredar do posto.
Mas vejo agora – um pouco tarde talvez – que posso ser acusado de
ter andado a fazer jogo de palavras. Dirão que tirei de um verbete de
dicionário, e de uma mera coincidência de palavras, abundantes
conseqüências, emprestando aos vocábulos mais do que realmente
contêm. Bem sei que isto é perigoso, e que, mesmo em relação às
Sagradas Escrituras, não convém fugir demais do sentido literal para
procurar sentidos ocultos e simbólicos.
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