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Caso 4 de Sociedades Comerciais resolvido

Resolvido por: Rita Menezes, subturma 3, nº 66606


Professor regente: Menezes Leitão
Professor docente: José Ferreira Gomes

4 – Uma conhecida publicação da área do turismo e lazer fez uma reportagem sobre o Solar do
Arneiro. A reportagem em causa era bastante desfavorável ao empreendimento e divulgava
dados incorretos, alguns deles completamente falsos... A sociedade Solar Arneiro, Lda. moveu
uma ação contra a referida publicação pedindo a condenação da mesma no pagamento de
indemnização por violação do direito ao bom nome e à imagem, a fixar nos termos do art.
496.º/3 do CC. A e B, moveram igualmente uma ação contra a publicação, pedindo uma
indemnização por violação dos seus direitos de personalidade. Quid juris?

Estamos perante uma questão relacionada com a personalidade jurídica das pessoas coletivas→
As sociedades comerciais são suscetíveis de terem personalidade jurídica?- as sociedade podem
pedir indemnização com base em danos não patrimoniais?

Professor José Ferreira Gomes- pessoa coletiva é um regime jurídico que permite tutelar as
pessoas singulares que estão por trás desse regime jurídico

Resolução do caso:
No caso em apreço, está em causa averiguar se as pessoas coletivas são suscetíveis de terem
personalidade jurídica e os direitos de personalidade que daí advém (na medida do
razoável). Ou seja, está em causa determinar se a sociedade comercial Solar do Arneiro pode
pedir indemnização com base nos danos não patrimoniais causados pela reportagem bastante
desfavorável ao empreendimento, nomeadamente com base na violação do direito ao bom nome
e à imagem (a fixar nos termos do art. 496 CC)º.
Cabe averiguar:
(1) As sociedades têm direitos de personalidade?
(2) O artigo 484º tutela os direitos de personalidade das sociedades comerciais
(3) Os direitos alegadamente violados tratam-se de direitos não patrimoniais ou direitos
patrimoniais
(4) Admite-se uma indemnização à sociedade e aos sócios, e se sim, em que medida?
O Direito comercial português atribui personalidade jurídica a todas as sociedades comerciais e
civis sob forma comercial. A personalidade jurídica consiste na suscetibilidade de ser titular
de direitos e obrigações.
Segundo o professor Menezes Cordeiro, a personalização das sociedades significa, no fundo,
que os direitos e deveres dos sócios são tratados a modo coletivo. Ou seja: embora os seres
humanos sejam sempre, em última análise, os únicos destinatários possíveis de normas
jurídicas, a personalidade coletiva permite que, através de novos jogos de normas, os direitos e
deveres daí resultantes sejam exercidos e acatados através de uma organização própria (são
imputadas ao ente organizado e não às pessoas humanas e individuais que as aplicam).
A personalidade jurídica das sociedades adquire-se com o registo definitivo do contrato de
sociedade (art. 5 CSC).
Coloca-se, no entanto, a questão de saber se as sociedades podem ter personalidade jurídica
antes do registo ocorrer? O professor Costa Gonçalves 1 defende que, se se verificarem situações
de imputação concreta anteriores ao registo, então seremos obrigados a concluir no sentido da

1
Problema de aquisição da personalidade jurídica.
imputabilidade abstrata: as sociedades serão juridicamente capazes em momento anterior ao
registo definitivo do contrato.
Neste sentido, a professora Ana Perestrelo de Oliveira e o professor Menezes Cordeiro aludem a
uma personalidade jurídica rudimentar (ou parcial) anterior ao registo. 2
A personalidade jurídica permite à sociedade ser titular da generalidade das situações jurídicas.
O professor Menezes Cordeiro diz-nos que não ficam excluídos, o direito ao nome e o direito à
honra no âmbito das Sociedades Comerciais (art. 6/1 CSC e 160 CC- princípio da
especialidade).
Assim sendo, podemos concluir que a sociedade Solar Arneiro é titular de direitos de
personalidade, como também tem a necessária capacidade para intentar uma ação que garanta
que os seus direitos estejam a ser respeitados, nomeadamente o direito à imagem e ao bom
nome .
Apesar das pessoas coletivas, não terem um substrato humano que lhes permita o sofrimento da
construção da dimensão interna; tem uma dimensão externa: ou seja, a reportagem bastante
desfavorável que divulgou factos falsos, viola o direito à honra e à imagem podem acarretar
consequentes consequência negativas, nomeadamente: ao seu bom nome/reputação, a uma
diminuição de clientela; à sua possibilidade de desenvolver a atividade comercial, que acabaria
por culminar numa diminuição da rentabilidade (muito prejudicial à sociedade comercial).
Embora as sociedades comerciais não tenham “capacidade de sofrimento”, uma vez que não
padecem de dores físicas ou morais, podem ver ofendido o seu bom nome/reputação sob a
perspetiva comercial e lucrativa, e sofre uma perda de prestigio com a afetação da sua
imagem. As ofensas ao bom nome da empresa podem afastar a clientela e diminuir os lucros,
refletindo-se num dano patrimonial. Assim, parece que há lugar a indemnização nos termos
gerais (art. 496 CC).
O artigo 484º CC é extensível às sociedades comerciais? O professor Menezes Cordeiro defende
que sim, uma vez que o bom nome da sociedade influencia a sua atividade comercial.
Levanta-se a questão de averiguar se se trata de um dano patrimonial ou não patrimonial?
(artigo 484 CC).
Esta questão não se tem mostrado unânime na doutrina.
Por um lado o professor Menezes Cordeiro, entende ser um dano patrimonial. O Bom nome da
sociedade influencia a sua atividade comercial. Invocando-se o bom nome e reputação das
sociedades apenas interessam na medida da vantagem económica que deles se possa retirar.
O professor Antunes Varela, por sua vez, entende estarmos perante danos patrimoniais indiretos.
Tratam-se de danos que, embora atinjam valores ou interesse não patrimoniais (o bom nome, a
honra, a reputação), todavia se refletem no património da sociedade (diminuindo, por ex: a
clientela). Por aqui se conclui, portanto, que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação
de direitos ou interesses patrimoniais: também a violação de direitos ou interesses não
patrimoniais (como a saúde, a honra e a despesa) se podem refletir na perda de receitas ou na
necessidade de despesas.
Por outro lado, o professor António Pinto Monteiro dispõe que danos não patrimoniais não são
transponíveis para as pessoas coletivas, pois elas não tem características da pessoa humana (dá
como exemplo: sociedades não choram).

2
O reconhecimento de personalidades rudimentares ainda ligado à verificação de que existem situação
em que alguma regras atingem a entidade em modo coletivo, mas outras regras não (por exemplo, apesar
de a lei não reconhecer personalidade jurídica à pré-sociedade que inicia o seu funcionamento
anteriormente ao registo, o património social responde pelas obrigações sociais. Prof. Menezes Cordeiro
alude a um modo coletivo rudimentar. A construção tem vantagens de evitar forçar categorias,
enquadrando-as em conceitos de tudo ou nada.
Tecnicamente, não há personalidade jurídica mas existe um realidade afim da pessoa coletiva.
• A própria índole do dano não patrimonial pressupõe que a vítima possa sofrer, ter dores, ter
sentimentos e emoções. O dinheiro com que se visa compensar esse dano também pressupõe
sentimentos
• As pessoas coletivas não podem sofrer danos de natureza patrimonial, é uma posição mais
adequada ao princípio da especialidade de fim dessas pessoas.
• Portanto, não pode valer como dano não patrimonial e tem de se valorar de forma diferente,
como um dano patrimonial indireto.
Por fim, cabe averiguar se os sócios podem ser indemnizados e, se sim, em que medida?
Ora, os sócios A e B não podiam ver satisfeito o seu pedido de indemnização, em virtude do
princípio da especialidade. Os sócios não têm qualquer direito a uma indemnização
relativamente aos danos causados pela violação do direito ao bom nome e à imagem da
sociedade, apenas afeta o bom nome e a honra da própria sociedade.
Em conformidade, para que o sócio pudesse pedir uma indemnização além da pedida pela
sociedade, o ataque sofrido teria que ter repercussões em ambas as esferas jurídicas (ex.
sociedade e sócio têm o mesmo nome).
Concluindo, a sociedade Solar Arneiro Lda tem personalidade jurídica podendo mover uma
ação de indemnização com o fundamento de que foram violados alguns dos seus direitos de
personalidade, nomeadamente o direito à honra e ao bom nome (484 CC). Apenas a sociedade
poderia pedir esta indemnização e não os sócios, uma vez que os danos não foram sofridos na
sua esfera jurídica.

Bibliografia:
MENEZES CORDEIRO, António, Direito das Sociedades I- Parte Geral, 3ª edição, Almedina,
Coimbra, 2016, páginas 304 à 352
PERESTRELO DE OLIVEIRA, Ana, Lições e Casos de Direito das Sociedades, 1ª edição,
AAFDL Editora, 2023, páginas 85 à 93
COSTA GONÇALVES, Diogo, Personalidade e Capacidade das Sociedades Comerciais, 1ª
edição, PRINCIPIA, 2019, páginas 9 à 26
MENEZES CORDEIRO, António, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª edição,
Almedina, Coimbra, 2011, páginas 86 à 91
ANTUNES VARELA, João de Matos, Das obrigações em geral- Volume I, 5ª edição, Almedina,
Coimbra, informação retirada de uma nota de rodapé

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