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Pecadinho e pecadão

Essa frase se tornou um jargão no meio evangélico, entretanto apresenta incoerências


que podem ser apontadas pela Bíblia.
Primeiro: de fato, não existem pecadinhos. Todos os pecados são dignos da “ira e
maldição de Deus, tanto nessa vida como na vindoura, por mais triviais que nos
pareçam. Nenhum pecado é pequeno quando é cometido contra o grande, santo e
benevolente Deus. E não podem ser expiados senão pelo sangue de Cristo.
Por outro lado, no entanto, existem sim pecados maiores e mais graves que outros, e
a gravidade de cada transgressão depende uma série de fatores. As Escrituras deixam
muito claro isso, os textos são praticamente infindáveis. Mas, vejamos alguns
exemplos:
No Antigo Testamento, existe claramente uma classificação de pecados. Levítico 20,
reordena as ofensas sexuais do capítulo 18 conforme a severidade da ofensa/pena,
com as ofensas sexuais mais graves agrupadas primeiro (20.10-16).
Após o episódio do bezerro de ouro, Moisés disse aos israelitas: ‘Cometestes um
grande pecado. (Êx 32.30)
Números 15.30 refere-se às ofensas praticadas com ‘punhos cerrados’
(deliberadamente e, talvez, em tom de desafio) como se fossem de natureza mais
séria do que pecados involuntários (15.22,24,27,29).
Em João 19.11, Jesus disse a Pilatos: ‘Nenhuma autoridade terias sobre mim, se do
alto não te fosse dada; por isso, aquele que me entregou a ti incorre em pecado
maior’. A referência é a Judas (6.71; 13.2,26-30; 18.2-5) ou ao sumo sacerdote Caifás
(18.24,28). ‘Pecado maior’ naturalmente implica que a ação de Pilatos é pecado
menor.
Se todo pecado é igualmente grave para Deus, por que Paulo destacou a ofensa do
homem incestuoso em 1Coríntios dentre todos os pecados dos coríntios como motivo
para exclusão da comunidade?
Primeira João 5.16-17 diferencia entre ‘pecado que não é para morte’ (pelo qual a
oração pode surtir efeito e salvar a vida do pecador) e ‘pecado para a morte’ (pelo qual
a oração não surtirá efeito).
Certo, vimos que a Bíblia deixa claro que existem pecados mais graves que outros.
Mas no que distinção “mais e menos grave” acarreta?
Bem, na vida de um ímpio, incrédulo isso redundará em uma punição maior no inferno.
No inferno nem todos recebem o mesmo castigo! Embora todas pessoas estarão
igualmente separadas de Deus (que é o castigo de perda), ninguém experimentará o
mesmo castigo de sentir. Os graus de castigo são baseados sobre a quantia de luz
recebida e sobre as obras da pessoa.
Um conhecimento maior de Deus traz consigo uma maior responsabilidade. Isto
significa que quanto maior a quantidade de luz rejeitada, maior o julgamento. Isto é
evidente em Mateus 11:21-24. Aqueles de Cafarnaum teriam um julgamento mais
severo porque tiveram mais luz. Este é talvez um conceito preocupante para aqueles
de nós nos Brasil, onde há pelo menos três vezes mais Bíblias do que pessoas.
Em Lucas 12:42-48 Jesus é também claro que haverá graus de castigo no inferno. No
final de Sua parábola, Jesus distingue os castigos de “muitos açoites” e “poucos
açoites” baseado sobre a quantia de conhecimento que os servos infiéis (que
representam os perdidos) tiveram da vontade de seus senhores. O princípio básico é
que “a quem muito é dado, muito se lhe requererá; e a quem muito é confiado, mais
ainda se lhe pedirá”
Paulo diz em Romanos 2:5 que os incrédulos estão “entesourando ira para si
mesmos”. A palavra usada para ira nesta passagem é a mesma palavra usada quando
Jesus encoraja os crentes para “ajuntar tesouros no céu” (Mateus 6:20). Assim como
algumas pessoas têm mais tesouro “ajuntado no céu” por causa de sua obediência à
Deus, assim também algumas pessoas têm mais ira “entesourada” para eles mesmos
por causa de sua expressa desobediência e rejeição de Deus. Julgamento de acordo
com as obras garante que o castigo “conforme o crime” e que o perdido será castigado
em proporção com os seus pecados.
Mas, e na vida do crente?
João em sua primeira carta escreve: “Se afirmarmos que estamos sem pecado,
enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1.8). No entanto,
também escreve: “Aquele que pratica o pecado é do diabo” (3:8), e “Todo aquele que
é nascido de Deus não se dedica à prática do pecado, porquanto a semente de Deus
permanece nele e ele não pode continuar no pecado, pois é nascido de Deus” (3:9).
Isto, a princípio, parece uma contradição. No entanto, no 3º capítulo João está
tratando de pecados premeditados que, portanto, são um tipo mais grave de pecado.
Ele está demonstrando que há uma diferença entre ter pecado e cometer pecado. Este
último é mais sério do que o anterior.
Nesta vida o crente nunca estará totalmente livre do pecado, a natureza adâmica, a
carne permanece dentro si, mesmo que este caminhe agora pelo Espírito. No entanto,
no capítulo 1, João está tratando de pecados não premeditados. A prática continua,
persistente e impenitente do pecado, de forma deliberada e consciente é um sinal de
alerta e pode apontar para uma necessidade de novo nascimento, pois “aquele que é
nascido de Deus não se dedica à PRÁTICA do pecado”.
No entanto, quando o Cristão peca deliberadamente (e isso infelizmente ainda pode
ocorrer), uma correção é aplicada (Pv 3:12; Hb 12:5-9) parte dessa correção é uma
quebra de comunhão com Deus (Sl 39:10,11; 51:1,10-12). A quebra de comunhão é
eficaz, pois o Cristão, pela vida nova, não se associa bem com o mundo, pois o mundo
aflige a sua consciência (II Pe 2:7). Quando, pelo pecado, a comunhão com Deus é
quebrada por entristecer o Espírito Santo, o Cristão está mesmo em apuros. Ele não
pode recorrer ao mundo e nem tem liberdade com o Senhor Deus (mesmo que não
deixe de ser Seu Filho justificado). Pode ser parte da razão por que Pedro chorou
amargamente (Mt 26:75). Aquele que conhece a comunhão íntima com Deus sabe
como a quebra de tal é uma vara de correção eficaz. A única solução é a confissão,
arrependimento e abandono do pecado (II Cr. 7:14,15; Sl 51:1-4; Pv. 28:13; I Jo 1:9).
“Enquanto escondi os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois de
dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se esgotando como em
tempo de seca. Então reconheci diante de ti o meu pecado e não encobri as minhas
culpas. Eu disse: "Confessarei as minhas transgressões ao Senhor", e tu perdoaste a
culpa do meu pecado.” Salmos 32:3-5
Todos os pecados são perdoáveis? E o pecado imperdoável?
Finalmente, há o pecado imperdoável. Que para teologia reformada se trata da
resistência obstinada à luz do Espírito acerca da divindade e graça de Jesus Cristo,
que leva a retirada de qualquer possibilidade de fé e arrependimento, e sua
consequência letal. A incredulidade até a morte. Sua natureza está evidente em
Mateus 12:31-32 e Marcos 3:28-30.

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