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As modas são assim, têm a sua retórica que tende a ser universal mas sempre efémera
[Barthes, 1967]. A moda não tem lógica, tem poética e por isso apaixona e é
transportada até aos lugares do mundo.
Quando no início dos anos 1970 Schumacher escreveu Small is Beautiful, doadores do
Norte mergulharam na descoberta de tecnologias apropriadas, saborearam as
tecnologias doces
Uma ONG a dizer que é preciso ter titulo de terra é mais uma moda, é a moda de hoje. E
a moda que ostenta muita sociedade civil e ONG's, que pede abertura ao investimento
externo e que exige segurança de propriedade. Douglass North descobre ser a
propriedade privada a instituição que fez mover a história do desenvolvimento [North,
1973). A ele se juntam as teorias monetaristas neoclássicas que têm na paridade
internacional da moeda nacional e na atracção de investimentos privados a fórmula do
desenvolvimento.
Desde sempre que a moda determina qual o pacote de acções a serem desenvolvidas
junto das comunidades rurais. Ao longo das décadas foram-se organizando cooperativas,
disseminando tecnologias simples de construção, de transformação de produtos, de uso
de energias, construindo escolas abrindo poços, cavando latrinas melhoradas, em suma,
fazendo coisas concretas» que os práticos mostram com orgulho e os relatórios
demonstram com fotografias. Embora muitas vezes as organizações sejam críticas em
relação à moda ou aos seus autores, o facto é que a actuação no terreno segue, quase que
invariavelmente, a mesma tendência em toda a parte enquanto a moda está em voga.
Esta disparidade entre a critica da moda e a sua adopção deve ter atingido o ponto
máximo nos nossos dias. Nunca houve uma critica tão cerrada aos fazedores da moda,
acompanhada de uma prática tão próxima dos ditames da moda. Como me dizia uma
economista que se senta num dos gabinetes do prédio África do Banco Mundial em
Washington «criticam, mas todos seguem o nosso modelo, não há alternativas. Tenho de
reconhecer que tem razão não há modelo alternativo para fazer desenvolvimento rural.
Os preços têm de se mover livremente sempre que haja alteração das condições
do mercado;
O fornecimento dos inputs, a comercialização, o processamento e a exportação
devem residir no sector privado, e os controlos de carácter administrativo devem
ser significativamente reduzidos;
As instituições financeiras privadas, incluindo cooperativas e uniões de crédito,
devem providenciar formas de crédito atractivas, mas aplicando taxas de juro
reais;
Os sistemas de atribuição da terra devem orientar-se para a concessão de titulos
de terra (incluindo a codificação dos direitos consuetudinários) de forma a que a
segurança propriedade encoraje o investimento produtivo;
Entre o que é assumido como certo sem nunca se ter confirmado, há os mitos que a
documentação administrativa e os estudos coloniais foram elaborando ao longo da
primeira metade do presente século e há os modelos economicistas que, em lugar de
representarem a realidade, tentam forçá-la a encaixar-se numa relação causal entre duas
variáveis. “Se a realidade não se conforma com o modelo, mude-se a realidade
aplicando o modelo” dizia um expert do FMI. Quando a evidência empírica não
confirma uma teoria científica e os modelos perdem a sua capacidade de previsão, o que
é cada vez mais usual no domínio da economia de desenvolvimento, surgem então
novas teorias e novos modelos; no entanto, a reflexão teórica sobre África raramente
questiona os pressupostos.
Entre os pressupostos que derivam de mitos, temos quatro que são mais comuns: o mito
da subsistência; o mito da insuficiência de capital; o mito da estagnação tecnológica e o
mito da comunidade homogénea. O mito da subsistência surgiu com a antropologia
cultural nas primeiras décadas do século como forma de justificar a necessidade da
presença colonial. Embora haja inúmeras evidências da participação das comunidades
rurais africanas no mercado internacional há mais de dez séculos e muito já se ter
escrito para combater este mito, é usual continuar-se a ouvir dizer que em África o povo
tem uma economia de subsistência. Diziam os colonos que “o negro não tem
racionalidade económica, não tem sentido de mercado”, diz-se hoje que “é preciso
monetarizar a economia. Dar o sentido do dinheiro aos camponeses não é sinónimo de
economia de subsistência.
Faz parte da moda em voga a referência às comunidades rurais e suas instituições como
unidades coesas, estáveis e estáticas. Não há comunidade nenhuma no mundo que tenha
estas características, e em Moçambique, quanto mais não seja, as guerras que varreram
todo o território nacional o um exemplo claro de como as coesões são condicionadas
pela história e como as mudanças são na constante. Confunde-se a dinâmica dos
sistemas de direito consuetudinário e a sua capacidade incorporação das mudanças, com
a idílica “sociedade tradicional africana”.
Uma segunda característica é a de que a família rural usa o tempo de trabalho disponível
a função da fonte de rendimento ser em espécie ou em numerário e de acordo com o
género e a idade de cada um dos seus membros. Isto significa que as famílias, ao
adjudicarem o tempo de trabalho de cada um dos seus membros, têm em consideração:
Têm-se, pois, três pontos de partida baseados naquilo que é regular acontecer entre as
famílias rurais moçambicanas:
Os pontos de partida são critérios gerais que têm por objectivo responder a este tipo de
perguntas. Eles podem ser especificados em função das condições e das oportunidades.
Entre as especificações podem constar algumas das seguintes acções e actividades a
serem implementadas pelas ONG'S.
Implementação
A melhor forma de ser ecléctico é procurar definir princípios sobre os quais o programa
irá desenvolver-se, sem dar a exclusividade a este ou àquele método. Entre os princípios
a adoptados são mencionáveis:
Torna-se igualmente relevante que se adopte uma estratégia de implementação que, pelo
lado da oferta, assegure a minimização dos riscos e, pelo lado da procura, garanta a
satisfação das necessitados beneficiários. Da estratégia poderão constar os seguintes
pontos:
i. Uma cultura produzida pelo sector familiar, por exemplo, algodão e tabaco.
ii. A concessão da exploração de um recurso natural, por exemplo, florestas
indígenas.
iii. Uma sociedade com o Estado, por exemplo, as sociedades de capital misto.
iv. Com as famílias rurais residentes na zona, como foi o caso da Blanchard
Mozambique Enterprise em Matutuine e da recém-constituída Sociedade para a
Gestão e Desenvolvimento da Reserva de Niassa.
Sendo o capital também uma relação social, o seu crescimento está dependente da
articulação que se estabelece entre o produtor e o detentor dos meios de produção, ou
seja, da estabilidade e acuidade das instituições a todos os níveis. A segurança de posse
de terra e a disponibilidade de tra balho, por si só não são suficientes para que o
desenvolvimento tenha lugar, são necessários capital público (infra-estruturas e
investigação), capital físico (equipamentos e organização da produção), capital técnico
(tecnologia, inovação e investigação aplicada) e capital humano (qualificação, escola-
rização e saúde).
Participação na renda.
• Participação na produção.
Mas a transformação passa também pelo crescente assumir pelos produtores das
tomadas de ecisões o que implica a alteração do papel do Estado de interveniente na
definição de parcerias, ara motivador do seu exercício em livre mercado e em justa
competitividade. Também as organi- ições da sociedade civil devem assumir o papel de
facilitadoras das dinámicas epistémicas de upo, ou seja, do crescimento e consolidação
das instituições locais. É por causa disso que a men- gem menciona a necessidade de se
estabelecerem contratos directos entre o produtor e o investi- or responsável pelo
fomento, podendo o produtor escolher com quem, em que condições e sobre le
actividades quer estabelecer uma relação laboral. Tal não tem sido, porém, a prática do
Estado le determina por acordo com os investidores sem ouvir nem responsabilizar os
produtores sobre áreas de influência e produtos. A mensagem menciona ainda a
diversificação de acordos por odutos, combatendo, assim, a tendência para a
monocultura/produto que as parcerias actuais ferem. O caso do algodão é um exemplo
claro da necessidade que se tem de reverter esta tendén- 1. A cotação actual do algodão
no mercado mundial é sensivelmente um quarto do seu valor após recebia. segunda
Guerra Mundial; hoje o país produz cerca do dobro mas recebe metade do que or outro
lado, a população triplicou, ou seja, o rendimento per capita proveniente do algodão é je
seis vezes menor do que era há cinquenta anos atrás.
Uma segunda característica é a de que a família rural usa o tempo de trabalho disponível
em função da fonte de rendimento ser em espécie ou em numerário e de acordo com o
género e a idade de cada um dos seus membros. Isto significa que as famílias ao
adjudicarem o tempo de tra- balho de cada um dos seus membros têm em consideração:
(i) a produção em espécie e (ii) a gera- ção de dinheiro. Há, porém, uma correlação
negativa entre a adjudicação do tempo de trabalho para a obtenção de rendimentos em
espécie e para a obtenção de rendimentos em dinheiro, isto é, quanto mais tempo de
trabalho for empregue na procura de dinheiro, menos tempo a família tem para a
produção de rendimentos em espécie. Mais ainda, face aos baixos rendimentos
auferidos pela família nuclear, a segurança de reprodução social passa pelo
estabelecimento de complexas redes de aliança de linhagens através do casamento, de
obrigações mútuas e de outros mecanismos que implicam a interdependência entre
famílias. Por essa razão, a segurança de posse e de acesso à terra está muito mais
dependente das relações de linhagem, manifestas nos direitos consuetudinários, do que
das formas de propriedade formais expressas nos títulos de uso e aproveitamento da
terra. Este padrão de distribuição do tempo de trabalho tem importantes consequências
sociais, que podem ir desde a perpetuação da mulher no papel de produtora de alimentos
à sobreutilização da força de trabalho infantil. Enquanto o custo de oportunidade de
utilização do tempo de trabalho na procura de fontes de rendimento em dinheiro não
anular a produção de rendimentos em espécie, este padrão tenderá a perpetuar-se. Isto
quer dizer que fica mais barato produzir comida do que «produzir>> dinheiro para
comprar comida, ou seja, nas condições actuais, a segurança alimentar passa,
obrigatoriamente, pela mulher como produtora para autoconsumo. O mesmo acontece
em relação à colecta de recursos como a lenha, caniço, estacas, alimentos silvestres e
plantas medicinais, em que a quantidade de tempo de trabalho para a sua recolecção é
menor do que a quantidade de trabalho que teria de ser empregue para se conseguir
dinheiro para a sua aquisição. Assim, a pri- meira implicação para o trabalho é assegurar
a produção de rendimentos em espécie.
Na área das fontes de rendimento em dinheiro há que distinguir entre aquelas que
derivam da exploração agrária feita junto da casa e as que implicam a saída temporária
do lar. As mulheres em idade reprodutiva somente têm acesso às primeiras, enquanto os
homens podem optar entre umas ou outras de acordo com o nível dos rendimentos
previstos e as oportunidades que surgem.
o próprio desenvolvimento.
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JOSÉ NE
A segurança de acesso e posse de terra tem de ser garantida para o sector familiar, em
cular para a mulher rural e para o investidor.
Como atrás foi referido, a Campanha Terra tinha um terceiro objectivo que se prende c
que poderá ser o sistema de uso da terra em Moçambique. A reflexão conjunta sobre a
situaça conflitualidade crescente que se vive nos países vizinhos entre o sector familiar
e o sector co cial, bem como a tendência para a concentração de terras nas mãos de uma
minoria, levou à mulação do objectivo de fomentar a integração entre o sector comercial
e o familiar na utiliz do mesmo espaço físico.
Para este objectivo, fomentar a integração, foi criada a mensagem «Juntos em Parce
onde se sugere a articulação de interesses de carácter económico entre os sectores famili
comercial no mesmo espaço físico. A mensagem dá alguns exemplos de formas
alternativa aumentar a riqueza individual e colectiva sem necessidade de se ter um
espaço físico dividido e os sectores familiar e comercial.
74
JOSÉ NEGRÁC
Nas décadas de 70 e 80, surgiram em paralelo duas escolas de pensamento teórico sobre
o desenvolvimento rural: a escola do desenvolvimento rural integrado e a escola das
necessida
des básicas.
Era uma posição defensiva e passiva em relação às camadas mais pobres ou mais
marginaliza- das do sector familiar. Defensiva porque se auto-propos de proteccionista
dos interesses do Estado dos privados nos mega-projectos como o dos 400 000 ha e
outros do Plano Prospectivo Indicativo Passiva porque não induziu ao investimento no
sector familiar mas tão-somente à preservação do status quo produtivo, ou seja, dos
baixos níveis de produtividade, da dependência dos produ tos convencionais de
consumo e de exportação e da perpetuação da baixíssima taxa média de
poupança.
A teoria das necessidades básicas tinha por objectivo principal o alívio da pobreza em
pro gramas especiais orientados para os pequenos agricultores e outros grupos
vulneráveis das comuni lades rurais. Era um modelo orientado para dentro, resolver as
carências de consumo alimentar ndependentemente da integração no mercado. O
campesinato não-capturado» pelo mercado que e contenta com a auto-suficiência,
estudado por Chayanov no início do século na Rússia, nada tem ver com o campesinato
africano que, pelo menos desde o século X, participa em complexas redes le comércio à
distância que hoje se manifestam no preponderante papel do mercado informal
is, por sua vez, são instituições locais que se expressam através de um conjunto de
regras, nas e costumes, e que se servem de instrumentos próprios para moldar os direitos
e as obri- jes da interacção das pessoas que os reconhecem [Gunnarsson, 1992].
Como a definição do sistema é uma função política, ela incorpora as relações sociais
que se nvolvem entre grupos, nacionalidades, entidades, estratos, famílias, classes ou
raças. À medida o Estado aumenta o raio de acção da efectividade da sua legislação
sobre o território nacional, istemas de uso da terra tendem a unificar-se sob um chapéu
comum que reflecte as relações ais do país. Assim sendo, o sistema de uso da terra,
incorpora a problemática da terra sob qua- ingulos:
Nos anos 50 e 60, o modelo de desenvolvimento rural era o da modernização. Para este
adigma, o desenvolvimento era fruto do crescimento económico que na agricultura se
alcançava vés da mecanização, agricultura de escala e exploração intensiva do recurso
terra. Aos agricul- is tradicionais foram reservadas as terras marginais onde o objectivo
era a sua reprodução como ja de trabalho para a indústria, a proletarização do
campesinato. O paradigma da moderniza- não teve cor política, tanto foi adoptado por
países capitalistas como pelos socialistas indy, 1979; Amin, 1973].
Mas os pobres29 não tinham dinheiro para comprar os pacotes tecnológicos e cedo,
onde a evolução Verde teve lugar, tiveram de começar a vender a sua terra aos
latifundiários. O contrato venda da terra dava ao latifundiário a obrigação de fornecer os
pacotes tecnológicos e ao
Para este efeito considera-se como pobre todo aquele cujo retorno por unidade de
trabalho não permite a poupança, em ermos agregados serão todos cujos rendimentos
estão abaixo da linha de pobreza absoluta [Sen, 1983].
2. Terra, a ponta do iceberg
Há uma diferença entre uso da terra e sistema de uso da terra. Enquanto o uso da terra é
acto, a forma ou o direito de uso, o sistema de uso da terra é um conjunto de normas e
de disposi ções legais inter-relacionadas que estabelece os termos de acesso, posse e
transmissão de parcelas as regras para a preservação de áreas. O sistema de uso da terra
é, pois, a representação da estrate- gia de desenvolvimento rural adoptada.
O estabelecimento do direito de acesso pode ser algo tão simples como a permissão de
pas- sagem ou tão complexo como a possibilidade de ter a terra como colateral da
segurança social das famílias rurais. A definição da posse traz implícito o papel
económico desempenhado pelo
uso da
sistema de uso da terra. A definição de um sistema é uma função política exercida pelo
Estado A parcela, a machamba ou a área é, pois, um factor de produção sobre o qual se
constrói o através da legislação escrita. Esta função pode, e usualmente assim acontece,
ser também exercida pelas autoridades locais (régulos, mwenes, inhacuauas, secretários,
padres, Shes, etc.) através dos direitos consuetudinários ou costumeiros reconhecidos
pelos cidadãos e «tolerados»> nelo Estado.
• Visão epistémica - a gestão da terra deve ser feita ao nível local não fazendo sentido,
por- tanto, uma política nacional.
A nova lei de terras28 acabou assim por ser mais uma plataforma de entendimento entre
os os actores, preocupações e interesses do que uma das bases para a aplicação de uma
estratégia lesenvolvimento no referente ao uso dos recursos naturais. A nova lei não
privatiza a terra mas arantias totais para a segurança do investimento, não demarca o
sector familiar mas permite venha a acontecer ao abrigo das chamadas terras
comunitárias, não restringe os direitos de tava-se de áreas para uso exclusivo dos
«indígenas» onde os direitos de acesso e uso eram regidos pelos direitos con- tudinários.
Embora não fosse passível de titulação havia total segurança de posse. Em Moçambique
foram instituídas o Decreto de 9 Setembro de 1909, na África do Sul em 1913 e no
Zimbábwè na década de 1930. in.o 19/97, de 1 de Outubro, que entrou em vigor no mês
de Janeiro de 1998.
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JOSÉ NEGRÃO
Entre o empresariado há uma forte aversão ao risco que resulta em fraco investimento e
em percentagens mínimas das terras já concedidas. As razões são várias, entre elas
destacam-se a insi- piência das associações empresariais, a descapitalização da maioria
dos empresários, as elevadas taxas de juro aplicadas pela banca na concessão de
créditos, a convicção de muitos de que se pode gerir uma empresa à distância, a falta de
incentivos para que se procurem novos mercados, novos produtos e novas formas de
acrescentar valor ao que é produzido.
Este conjunto de características da procura fez perigar, um pouco por todo o lado, a
segu- rança de acesso e de posse da terra pela unidade produtiva familiar que, no seu
conjunto, emprega 63% dos homens e 92% da força de trabalho das mulheres,
representa mais de 80% do valor da produção agrícola e contribui em cerca de 25% no
PIB nacional. Esta situação tornou-se matéria de preocupação crescente por parte da
sociedade civil, da comunidade internacional e do governo.
No contexto regional, onde o valor da terra é deter- minado pela oferta e pela procura, o
mercado de terras está a ser objecto de intervenção política que leva a uma profun- da
alteração do seu funcionamento. A intervenção dos Esta- dos, (conforme fig.1, ponto e),
tende não só a congelar, mas mesmo a fazer diminuir aceleradamente o valor da terra no
mercado muito embora a procura esteja a aumentar signifi- cativamente.
Figura 1
Procura/tempo