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O evoluir das modas

Homero Ferrinho era um engenheiro agrónomo liberal, católico convicto e


profundamente preocupado com o desenvolvimento das comunidades «indígenas». Nos
anos 1950 advogava a constituição de cooperativas de camponeses pobres, em particular
de mulheres, como solução para o desenvolvimento rural. Deve-se a ele a constituição
das primeiras cooperativas que surgiram no vale do Rio Limpopo [Ferrinho, 1965].
Alguns anos mais tarde, os padres de Burgos e os Capuchinhos de Puglia
desenvolveram experiências idênticas com os camponeses de Manica, Sofala e
Zambézia [Cappuccini, 1991]. Entre os padres havia um jovem barbudo italiano
chamado Prosperino que já faleceu, que era a favor da independência e defendia com
convicção o cooperativismo. Hoje o Padre Prosperino entrava logo pela manhã na casa
em frente à minha, senta-se atrás de uma mesa enorme cheia de papéis desarrumados,
gritam com tudo e com todos e diziam «<agora estamos numa economia de mercado, é
preciso produzir galinhas para ter dinheiro». Assim dirigiu a maior organização não-
governamental do País, a União Nacional de Cooperativas.

Ferrinho e Prosperino viam no cooperativismo a chave para o desenvolvimento das


comunidades rurais. Era a moda de então. Uma moda que era seguida por todos e um
pouco por toda a parte, uma moda que não tinha cor política. Até o governo norte-
americano se juntou a uma das maiores organizações não-governamentais do seu país, a
Fundação Ford, no apoio financeiro à formação de cooperativas para o desenvolvimento
rural, por exemplo, em Comilla no Pakistão Oriental [Raper, 1970].

As modas são assim, têm a sua retórica que tende a ser universal mas sempre efémera
[Barthes, 1967]. A moda não tem lógica, tem poética e por isso apaixona e é
transportada até aos lugares do mundo.

Quando no início dos anos 1970 Schumacher escreveu Small is Beautiful, doadores do
Norte mergulharam na descoberta de tecnologias apropriadas, saborearam as
tecnologias doces

Ensinaram aos receptores do Sul a racionalizar as suas tecnologias básicas


[Schumacher, 1973). Também em Moçambique tivemos um Centro de Tecnologias
Básicas para o Aproveitamento Racional da Natureza, onde trabalhei por mais de cinco
anos.
E outras modas surgiram na procura de uma forma e de um receptor que fosse o agente
do desenvolvimento acelerado do mundo rural do Sul. Especialistas em miséria,
profissionais da ajuda e práticos de terreno, foram criando novas teorias e
desenvolvendo novas práticas que povoaram o globo. A globalização da economia
começou pela universalização do pensamento económico do Norte sobre o Sul. O
objectivo era descobrir a força motriz do desenvolvimento do Norte para se actuar na
mesma área no Sul.

Arthur Lewis, na sequência de Marx e de Rostow, diz existir um excedente de força de


trabalho no campo que deveria ser orientado para a indústria [Lewis, 1955]. As teorias
sobre a rápida industrialização multiplicaram-se e a América Latina de Prebisch foi
apontada como exemplo a ser seguido por África. Para Schultz, a transformação da
agricultura tradicional teria de passar pelo investimento na formação do capital humano
[Schultz, 1964]. Como consequência, a UNESCO expandiu-se por toda a parte e os
Estados recém-criados do continente africano receberam dinheiro, ajudas e donativos
para expandir o sistema educacional.

À medida que os dinheiros iam diminuindo e a dívida externa do continente


aumentando, o objectivo do desenvolvimento foi substituído pelo da eliminação da
pobreza e da miséria. Paul Streeten advoga a urgência de se atender às necessidades
básicas [Streenten, 1981], Gunnar Myrdal defende a plena utilização do trabalho através
do autoemprego [Myrdal, 1968], Uma Lele põe-se do lado dos pequenos agricultores e
reconhece que em África a mulher tem um papel particular que não pode ser ignorado
na concessão de créditos [Lele, 1975] e Ester Boserup estabelece a ligação entre o
crescimento populacional, o desenvolvimento tecnológico e a necessidade de construção
de estradas [Boserup, 1970]. Para cada uma destas modas foram concebidos projectos,
foram criados novos órgãos nas Nações Unidas, foram mobilizadas ONG's
internacionais e foram recrutados especialistas na arte de escrever relatórios.

A moda das ONG'S

Entretanto, reconheceu-se que também os animais e o meio ambiente padeciam de


«ajuda de emergência». Uma nova escrita e ideologia vestiram a retórica da moda. O
uso de energias renováveis, a sustentabilidade dos recursos e, mais tarde, o discurso do
desenvolvimento sustentável, passaram a ser preocupações comuns [Lélé, 1991]. Os
camponeses foram chamados de comunidades rurais e o seu desenvolvimento deixou de
ser objectivo em si, mas instrumento na preservação da biodiversidade [IUCN, 1980).
Esta moda, ainda em voga, dita que o desenvolvimento sustentável só é possível se as
comunidades participarem na identificação das suas necessidades.

Uma ONG a dizer que é preciso ter titulo de terra é mais uma moda, é a moda de hoje. E
a moda que ostenta muita sociedade civil e ONG's, que pede abertura ao investimento
externo e que exige segurança de propriedade. Douglass North descobre ser a
propriedade privada a instituição que fez mover a história do desenvolvimento [North,
1973). A ele se juntam as teorias monetaristas neoclássicas que têm na paridade
internacional da moeda nacional e na atracção de investimentos privados a fórmula do
desenvolvimento.

Desde sempre que a moda determina qual o pacote de acções a serem desenvolvidas
junto das comunidades rurais. Ao longo das décadas foram-se organizando cooperativas,
disseminando tecnologias simples de construção, de transformação de produtos, de uso
de energias, construindo escolas abrindo poços, cavando latrinas melhoradas, em suma,
fazendo coisas concretas» que os práticos mostram com orgulho e os relatórios
demonstram com fotografias. Embora muitas vezes as organizações sejam críticas em
relação à moda ou aos seus autores, o facto é que a actuação no terreno segue, quase que
invariavelmente, a mesma tendência em toda a parte enquanto a moda está em voga.

Esta disparidade entre a critica da moda e a sua adopção deve ter atingido o ponto
máximo nos nossos dias. Nunca houve uma critica tão cerrada aos fazedores da moda,
acompanhada de uma prática tão próxima dos ditames da moda. Como me dizia uma
economista que se senta num dos gabinetes do prédio África do Banco Mundial em
Washington «criticam, mas todos seguem o nosso modelo, não há alternativas. Tenho de
reconhecer que tem razão não há modelo alternativo para fazer desenvolvimento rural.

Segundo o Banco Mundial, o desenvolvimento de África tem de passar pelo aumento da


produção agrícola na ordem dos 4% ao ano. Para que se alcance esta taxa de
crescimento anual da agricultura têm de ser satisfeitas algumas condições. São elas:

 Os preços têm de se mover livremente sempre que haja alteração das condições
do mercado;
 O fornecimento dos inputs, a comercialização, o processamento e a exportação
devem residir no sector privado, e os controlos de carácter administrativo devem
ser significativamente reduzidos;
 As instituições financeiras privadas, incluindo cooperativas e uniões de crédito,
devem providenciar formas de crédito atractivas, mas aplicando taxas de juro
reais;
 Os sistemas de atribuição da terra devem orientar-se para a concessão de titulos
de terra (incluindo a codificação dos direitos consuetudinários) de forma a que a
segurança propriedade encoraje o investimento produtivo;

Se se quiser ver com isenção e desapaixonadamente, conclui-se que tanto as não-


governamentais como as grandes agências de apoio ao desenvolvimento suportadas
pelos Estados do Norte, usam este vestuário da moda. As modas mudam ao longo dos
tempos mas tendem sempre a ser universais.

Se olharmos para as tendências de mudança ao longo dos últimos cinquenta anos,


podemos identificar algumas alterações positivas no tratamento da questão do
desenvolvimento rural. O objecto é o desenvolvimento de processos que permitam dar
aos cidadãos oportunidades e a cinquenta anos atrás o objecto do desenvolvimento rural
eram os produtos e a subsistência, hoje o aumentar os rendimentos, individual e
colectivamente. A segurança de acesso e de posse da terra pela mulher rural africana é
disso um exemplo claro de como a moda evoluiu positivamente.

Os mitos sobre eles

A universalização é perigosa porque assenta em pressupostos construídos em


determinados locais que depois são aplicados noutros com condições diferentes.
Normalmente, a construção de pressupostos é feita a partir de estudos de caso e da
identificação das regularidades comportamentais. Desse tipo de estudos, África é
deficitária e, consequentemente, assumem-se muitas vezes comportamentos,
especulações que nada têm a ver com a realidade.

Entre o que é assumido como certo sem nunca se ter confirmado, há os mitos que a
documentação administrativa e os estudos coloniais foram elaborando ao longo da
primeira metade do presente século e há os modelos economicistas que, em lugar de
representarem a realidade, tentam forçá-la a encaixar-se numa relação causal entre duas
variáveis. “Se a realidade não se conforma com o modelo, mude-se a realidade
aplicando o modelo” dizia um expert do FMI. Quando a evidência empírica não
confirma uma teoria científica e os modelos perdem a sua capacidade de previsão, o que
é cada vez mais usual no domínio da economia de desenvolvimento, surgem então
novas teorias e novos modelos; no entanto, a reflexão teórica sobre África raramente
questiona os pressupostos.

Entre os pressupostos que derivam de mitos, temos quatro que são mais comuns: o mito
da subsistência; o mito da insuficiência de capital; o mito da estagnação tecnológica e o
mito da comunidade homogénea. O mito da subsistência surgiu com a antropologia
cultural nas primeiras décadas do século como forma de justificar a necessidade da
presença colonial. Embora haja inúmeras evidências da participação das comunidades
rurais africanas no mercado internacional há mais de dez séculos e muito já se ter
escrito para combater este mito, é usual continuar-se a ouvir dizer que em África o povo
tem uma economia de subsistência. Diziam os colonos que “o negro não tem
racionalidade económica, não tem sentido de mercado”, diz-se hoje que “é preciso
monetarizar a economia. Dar o sentido do dinheiro aos camponeses não é sinónimo de
economia de subsistência.

Um outro mito que se embrenha no quotidiano é o da insuficiência de capital. Toma-se


por dado certo que não há capital acumulado quando se estabelecem os sistemas de
crédito rural, esquecendo-se dos inúmeros esquemas de poupança informal que são
desenvolvidos pelas populações de toda a África. Se é verdade que ao nível
macroeconómico existe falta de capital, não significa que haja uma total falta de capital
ao nível microeconómico. Não há festa de casamento no campo que não represente
investimento de grandes quantidades relativas de capital. O crédito à família rural não
pode ser visto como ausência de poupança ou de desconhecimento das regras de
colateralidade para a concessão.

Faz parte da moda em voga a referência às comunidades rurais e suas instituições como
unidades coesas, estáveis e estáticas. Não há comunidade nenhuma no mundo que tenha
estas características, e em Moçambique, quanto mais não seja, as guerras que varreram
todo o território nacional o um exemplo claro de como as coesões são condicionadas
pela história e como as mudanças são na constante. Confunde-se a dinâmica dos
sistemas de direito consuetudinário e a sua capacidade incorporação das mudanças, com
a idílica “sociedade tradicional africana”.

Um ponto de partida diferente

Ter como ponto de partida as características comportamentais da família rural africana


de pressupostos construídos a partir de informação incompleta ou de regularidades
encontradas em outras partes do mundo, é um ponto de partida diferente. Todavia, é
mais fácil dizê-lo do que tê-lo. Há, no entanto, algumas elaborações teóricas sobre o
comportamento económico e social família rural africana que permitem ter uma base
mais sólida do que a dos mitos para o desenho de acções de desenvolvimento rural
[Low, 1986; Russell, 1992; Negrão, 1996].

Entre as características já identificadas, destaca-se a referente à divisão do trabalho.


quanto nos países desenvolvidos a divisão do trabalho pela agricultura, indústria,
serviços se faz ir grupos sociais constituídos por famílias, em África a divisão do
trabalho é feita entre indivíduos, membros da mesma família, quer seja nuclear ou
alargada. Ou seja, a família africana caracteriza-se por distribuir o trabalho dos seus
membros por todos os sectores económicos de onde venha rendimento.

Uma segunda característica é a de que a família rural usa o tempo de trabalho disponível
a função da fonte de rendimento ser em espécie ou em numerário e de acordo com o
género e a idade de cada um dos seus membros. Isto significa que as famílias, ao
adjudicarem o tempo de trabalho de cada um dos seus membros, têm em consideração:

 A necessidade de haver produção em espécie (produtos agrícolas, lenha, água,


caniço, peças de caça, peixe, animais de criação e utensílios domésticos).
 A necessidade de haver dinheiro para a aquisição de produtos por ela não
produzidos e para poupança e investimento.

Dinheiro que é adquirido através da venda de subprodutos de cajueiro, mangueira,


mafurreira e palmeiras, da venda de carvão, da venda de artesanato, da participação no
mercado informal e recebido dos familiares que migram sazonalmente à procura de
emprego.

Onde e como actuar

Têm-se, pois, três pontos de partida baseados naquilo que é regular acontecer entre as
famílias rurais moçambicanas:

 Assegurar a produção de rendimentos em espécie e garantir o acesso rápido à


terra, à água, à lenha e à escola.
 Garantir a produção de rendimento em dinheiro perto de casa e com pouco
consumo de tempo.
 Criar fontes de rendimento elevado em dinheiro perto de casa.
Estes objectivos gerais podem ser especificados em função das condições e das
oportunidades, constituindo-se pacotes de acções e de actividades a desenvolver junto
dos beneficiários.

A construção dos pacotes de actuação fica dependente das possibilidades e


potencialidades de desenvolvimento de cada um destes pontos de partida. A questão a
levantar é: porquê investir numa motobomba e não num camião? Porquê alimentar um
posto de saúde com água corrente e não uma machamba? Quais os critérios para a
aplicação do dinheiro?

Os pontos de partida são critérios gerais que têm por objectivo responder a este tipo de
perguntas. Eles podem ser especificados em função das condições e das oportunidades.
Entre as especificações podem constar algumas das seguintes acções e actividades a
serem implementadas pelas ONG'S.

Ponto de partida 1: assegurar a produção de rendimentos em espécie:

 Garantindo a segurança de acesso à terra, aumentando a produtividade usando a


mesma quantidade de tempo de trabalho, diminuindo as perdas resultantes de
pragas e de doenças nas machambas e nos celeiros, assegurando que a
recolecção se processa de forma sustentável, diminuindo as distâncias relativas
de casa para os pontos de produção e de recolecção através da melhoria da rede
de estradas e de transportes, e por fim, dando escolarização, assistência sanitária
e água em quantidade o mais perto possível.

Ponto de partida 2: garantir a produção de rendimento em dinheiro perto de casa e com


pouco consumo de tempo:

Incentivando os sistemas de pequena poupança informal, procurando novos mercados e


envolvendo novos agentes comerciais, incentivando a produção de novos produtos,
promovendo a transformação primária de produtos locais, encorajando o uso colectivo
de meios mecânico e estimulando a capacidade de regateio e negociação dos termos de
troca.

Implementação

Grande parte do sucesso de um programa depende da estratégia, dos princípios e dos


mecanismos relacionados com a implementação. Não há muito tempo atrás, alguns
doadores viam análise custo-benefício a fórmula para a minimização dos riscos de
implementação [Ray, 1984]. Muito foi escrito sobre as limitações da análise custo-
benefício, em particular no que se refere, por um lado, às actividades não-mensuráveis
(cultura, educação, etc.) e, por outro lado, à efectividade dos multiplicadores. Mais
recentemente, foi desenvolvida toda uma argumentação teórica sobre a necessidade de
se fazer o acompanhamento e de se medirem os resultados através da aceitação,
envolvimento e participação da mulher, entre outros indicadores aplicados junto dos
beneficiários.

A melhor forma de ser ecléctico é procurar definir princípios sobre os quais o programa
irá desenvolver-se, sem dar a exclusividade a este ou àquele método. Entre os princípios
a adoptados são mencionáveis:

1. Assegurar os direitos de acesso à terra, promover a competição nos mercados


agrícolas e contribuir para a manutenção de ambientes macroeconómicos
apropriados.
2. Apoiar no alívio da pobreza, nos cuidados de saúde primária e na assistência
sanitária, na melhoria nutricional e na gestão dos recursos naturais.
3. Contribuir para o acesso à educação primária, aos cuidados de saúde, à
informação sobre planeamento familiar, à água potável e às condições de higiene
comunitária etc.

Torna-se igualmente relevante que se adopte uma estratégia de implementação que, pelo
lado da oferta, assegure a minimização dos riscos e, pelo lado da procura, garanta a
satisfação das necessitados beneficiários. Da estratégia poderão constar os seguintes
pontos:

 Obter o máximo aproveitamento dos fundos a disponibilizar.


 Garantir transparência, como forma de minimizar os riscos de corrupção e de
desvio de fundos.
 Diminuir os custos administrativos.
 Alcançar efeitos multiplicadores contando com o envolvimento dos beneficiários
e dos órgãos do Estado aos vários níveis etc.

Procura de terras e a nova lei


Aumento da procura de terra nos últimos anos tem-se verificado um aumento
significativo da procura de terras em Moçambique por razões tanto de natureza
estrutural como conjuntural. As razões estruturais desta procura derivam de:

 A introdução do programa de reajustamento económico no final da década de


1980, que privilegia o investimento produtivo por privados.
 O processo de conversações entre a Renamo e o Governo que culminou com a
assinatura do acordo de paz em 1992 e viabilizou as intenções de investimento
por parte de nacionais e estrangeiros.

As razões conjunturais prendem-se com a queda do sistema do apartheid na África do


Sul e o agravamento das tensões entre farmeiros brancos e governo no Zimbábwè.
Ambos os casos apontam para uma forte possibilidade de o capital fundiário dos países
vizinhos se estender e mesmo transferir para Moçambique onde o acesso à terra é
gratuito, por força da sua nacionalização em 1975, e por o governo, eleito em 1992, ter
adoptado um atractivo pacote para os investimentos estrangeiros.

Características da procura de terra

A procura caracteriza-se pela:

i. Diversidade das finalidades.


ii. Diversidade das formas de propriedade e exploração.
iii. Concentração junto de infraestruturas e com facilidade de acesso ao mercado
regional.
iv. Forte tendência para o açambarcamento com fins especulativos.
v. Débil dinâmica empresarial no uso dos recursos que já foram atribuídos.

A diversidade é notável em relação às finalidades, há pedidos nas áreas da agricultura,


da pecuária, da silvicultura e do turismo de veraneio e turismo cinegético. Também as
formas de exploração são distintas, existindo a exploração exclusiva sujeita a titulação e
a concessão de direitos de exploração sem necessidade de título. A emissão de título de
uso e aproveitamento da terra é requerida para casos como por exemplo o regadio do
Sabié e as terras do Programa Mozagrius em Niassa.

A concessão de direitos de exploração sem necessidade de titulo pode recair sobre:

i. Uma cultura produzida pelo sector familiar, por exemplo, algodão e tabaco.
ii. A concessão da exploração de um recurso natural, por exemplo, florestas
indígenas.
iii. Uma sociedade com o Estado, por exemplo, as sociedades de capital misto.
iv. Com as famílias rurais residentes na zona, como foi o caso da Blanchard
Mozambique Enterprise em Matutuine e da recém-constituída Sociedade para a
Gestão e Desenvolvimento da Reserva de Niassa.

Virar aqui### Implicações para o capital

Sendo o capital também uma relação social, o seu crescimento está dependente da
articulação que se estabelece entre o produtor e o detentor dos meios de produção, ou
seja, da estabilidade e acuidade das instituições a todos os níveis. A segurança de posse
de terra e a disponibilidade de tra balho, por si só não são suficientes para que o
desenvolvimento tenha lugar, são necessários capital público (infra-estruturas e
investigação), capital físico (equipamentos e organização da produção), capital técnico
(tecnologia, inovação e investigação aplicada) e capital humano (qualificação, escola-
rização e saúde).

Só o investimento, público e privado, poderá tornar disponível o capital necessário para


que a taxa média de poupança da família rural cresça e o desenvolvimento venha a
acontecer. Por essa razão, a Campanha Terra desenvolveu a mensagem das parcerias
entre o sector privado e o sector familiar. Diz o texto:

«Moçambique tem já uma longa tradição de articulação entre o sector empresarial e o


sector familiar que interessa sistematizar, recolher opiniões sobre a sua opera-
cionalidade e formular propostas concretas para que não se reproduzam os erros do
passado e se desenvolvam os aspectos positivos. O planeamento do uso da terra é
imperativo para que se desenvolvam formas de articulação como as que acontecem nos
casos do algodão, do caju, do tabaco e se prevêem para o açúcar e o café. Formas de
parceria inteligente que se devem alargar à exploração dos recursos florestais e
faunísticos, tal como já vem acontecendo em Tchuma-Tcha- to, na floresta de Licuáti e
se esboça para a reserva do Niassa, para o parque nacional da Gorongosa e na reserva de
Maputo. Até na área da exploração dos recursos minerais, como o ouro, já se levanta a
hipótese de o pequeno e médio produtores serem parceiros dos investimentos
empresariais» in: texto do projecto da Campanha Terra p. 3, 1997, MIMEO, Maputo.

TERRA E DESENVOLVIMENTO RURAL EM MOÇAMBIQUE


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Há parcerias que actuam sobre a produção, como é o caso da produção do algodão e do


abaco pelo sector familiar com fomento do sector comercial. Há parcerias que actuam
sobre a enda dos empreendimentos como acontece no projecto de Tchuma-Tchato e do
Bazaruto, onde or cada turista visitante é estipulada uma percentagem para distribuição
junto da comunidade e eu uso em função das prioridades por si estipuladas. Desenham-
se ainda parcerias que irão actuar obre os lucros na forma de sociedades de
desenvolvimento, onde o sector familiar é accionista, omo é o caso da Blanchard
Mozambique Enterprise e da Sociedade para a Gestão e Desenvolvi- ento da Reserva de
Niassa.

Modelos de parcerias em Moçambique:

Participação na renda.

Participação nos lucros.

• Participação na produção.

Mas a transformação passa também pelo crescente assumir pelos produtores das
tomadas de ecisões o que implica a alteração do papel do Estado de interveniente na
definição de parcerias, ara motivador do seu exercício em livre mercado e em justa
competitividade. Também as organi- ições da sociedade civil devem assumir o papel de
facilitadoras das dinámicas epistémicas de upo, ou seja, do crescimento e consolidação
das instituições locais. É por causa disso que a men- gem menciona a necessidade de se
estabelecerem contratos directos entre o produtor e o investi- or responsável pelo
fomento, podendo o produtor escolher com quem, em que condições e sobre le
actividades quer estabelecer uma relação laboral. Tal não tem sido, porém, a prática do
Estado le determina por acordo com os investidores sem ouvir nem responsabilizar os
produtores sobre áreas de influência e produtos. A mensagem menciona ainda a
diversificação de acordos por odutos, combatendo, assim, a tendência para a
monocultura/produto que as parcerias actuais ferem. O caso do algodão é um exemplo
claro da necessidade que se tem de reverter esta tendén- 1. A cotação actual do algodão
no mercado mundial é sensivelmente um quarto do seu valor após recebia. segunda
Guerra Mundial; hoje o país produz cerca do dobro mas recebe metade do que or outro
lado, a população triplicou, ou seja, o rendimento per capita proveniente do algodão é je
seis vezes menor do que era há cinquenta anos atrás.

Implicações para o trabalho

Enquanto nos países desenvolvidos a divisão do trabalho pela agricultura, indústria,


serviços se faz por grupos sociais constituídos por famílias, na África Subsaariana como
em muitas outras partes do terceiro mundo, a divisão do trabalho é feita entre indivíduos
membros da mesma família, quer seja nuclear ou alargada. A família africana
caracteriza-se por distribuir o trabalho dos seus membros por todos os sectores
económicos de onde provenha rendimento. Tal implica que quanto mais perto estiverem
as terras das famílias rurais dos postos de trabalho não-agrícolas e dos centros de
comércio, menor é o tempo de ausência do lar e maiores são as possibilidades de
aumentar os rendimentos em actividades agrárias.

Uma segunda característica é a de que a família rural usa o tempo de trabalho disponível
em função da fonte de rendimento ser em espécie ou em numerário e de acordo com o
género e a idade de cada um dos seus membros. Isto significa que as famílias ao
adjudicarem o tempo de tra- balho de cada um dos seus membros têm em consideração:
(i) a produção em espécie e (ii) a gera- ção de dinheiro. Há, porém, uma correlação
negativa entre a adjudicação do tempo de trabalho para a obtenção de rendimentos em
espécie e para a obtenção de rendimentos em dinheiro, isto é, quanto mais tempo de
trabalho for empregue na procura de dinheiro, menos tempo a família tem para a
produção de rendimentos em espécie. Mais ainda, face aos baixos rendimentos
auferidos pela família nuclear, a segurança de reprodução social passa pelo
estabelecimento de complexas redes de aliança de linhagens através do casamento, de
obrigações mútuas e de outros mecanismos que implicam a interdependência entre
famílias. Por essa razão, a segurança de posse e de acesso à terra está muito mais
dependente das relações de linhagem, manifestas nos direitos consuetudinários, do que
das formas de propriedade formais expressas nos títulos de uso e aproveitamento da
terra. Este padrão de distribuição do tempo de trabalho tem importantes consequências
sociais, que podem ir desde a perpetuação da mulher no papel de produtora de alimentos
à sobreutilização da força de trabalho infantil. Enquanto o custo de oportunidade de
utilização do tempo de trabalho na procura de fontes de rendimento em dinheiro não
anular a produção de rendimentos em espécie, este padrão tenderá a perpetuar-se. Isto
quer dizer que fica mais barato produzir comida do que «produzir>> dinheiro para
comprar comida, ou seja, nas condições actuais, a segurança alimentar passa,
obrigatoriamente, pela mulher como produtora para autoconsumo. O mesmo acontece
em relação à colecta de recursos como a lenha, caniço, estacas, alimentos silvestres e
plantas medicinais, em que a quantidade de tempo de trabalho para a sua recolecção é
menor do que a quantidade de trabalho que teria de ser empregue para se conseguir
dinheiro para a sua aquisição. Assim, a pri- meira implicação para o trabalho é assegurar
a produção de rendimentos em espécie.

Na área das fontes de rendimento em dinheiro há que distinguir entre aquelas que
derivam da exploração agrária feita junto da casa e as que implicam a saída temporária
do lar. As mulheres em idade reprodutiva somente têm acesso às primeiras, enquanto os
homens podem optar entre umas ou outras de acordo com o nível dos rendimentos
previstos e as oportunidades que surgem.

32A comunidade doadora tem insistentemente defendido a necessidade de se garantir às


famílias rurais o acesso à terra, sus- tentando que só a demarcação das áreas
comunitárias conduzirá à segurança de posse indispensável para que o desenvol-
vimento tenha lugar. Esta posição, baseada em vários estudos sobre o dinamismo dos
direitos consuetudinários africanos [Bruce, 1993; Platteau, 1996; Sjaastad & Bromley,
1997], peca ao fazer da terra a variável determinante para o desenvolvi- mento rural em
África, ignorando a necessidade de investimento no trabalho sobre os recursos naturais.
Embora a segu- rança de posse fosse um facto nos bantustões sul-africanos, o
desenvolvimento não teve lugar.

Pressupostos para Moçambique

Em termos simples, nas condições específicas de Moçambique, o desenvolvimento tem


por objectivos:

• Aumentar a produção em quantidade e qualidade para consumo e para o mercado,


garan-

tindo a sustentabilidade do uso dos recursos.

• Melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.


• Permitir uma participação crescente e consciente no processo de tomada de decisão
sobre

o próprio desenvolvimento.

São vários os pressupostos sobre os quais se pode aplicar o novo paradigma de


desenvolvi-

mento rural em Moçambique:

A taxa de crescimento populacional tende a manter-se estável a curto prazo e, eventual-


mente, tenderá para uma ligeira diminuição a médio prazo. Ou seja, continuará a
aumen- tar o número de cidadãos a necessitarem de terras.

78

JOSÉ NE

A taxa de crescimento da economia nacional não permite prever-se, a curto e me médio


prazo, a oferta de postos de trabalho nos sectores da indústria e serviços que acompa
procura. Ou seja, haverá mais força de trabalho que postos de trabalho.

A estrutura do salário médio nacional tende a manter-se inalterável a curto e a médio p


Ou seja, o salário continuará a não cobrir todas as despesas da família. O salário
somente vai uma parte das despesas em dinheiro, permanecendo a produção agrícola da
mulher rural co principal garantia de segurança alimentar para o agregado familiar.

A segurança de acesso e posse de terra tem de ser garantida para o sector familiar, em
cular para a mulher rural e para o investidor.

Implicações para a terra

Como atrás foi referido, a Campanha Terra tinha um terceiro objectivo que se prende c
que poderá ser o sistema de uso da terra em Moçambique. A reflexão conjunta sobre a
situaça conflitualidade crescente que se vive nos países vizinhos entre o sector familiar
e o sector co cial, bem como a tendência para a concentração de terras nas mãos de uma
minoria, levou à mulação do objectivo de fomentar a integração entre o sector comercial
e o familiar na utiliz do mesmo espaço físico.

Para este objectivo, fomentar a integração, foi criada a mensagem «Juntos em Parce
onde se sugere a articulação de interesses de carácter económico entre os sectores famili
comercial no mesmo espaço físico. A mensagem dá alguns exemplos de formas
alternativa aumentar a riqueza individual e colectiva sem necessidade de se ter um
espaço físico dividido e os sectores familiar e comercial.

A Campanha Terra pretende defender três características que um novo sistema de us


terra deve ter em Moçambique: ser ecléctico, integracionista e transformista. Um
sistema ecléc é um sistema não exclusivista, que não aposta somente no sector familiar
ou no comercial. E sistema que tende a assegurar a produção de alimentos, de
excedentes e de culturas industr tanto pelo sector familiar como pelo sector comercial, é
um sistema que igualmente tende a aum tar a oferta de emprego, não como substituto
mas como complementar de outras fontes de re mento em dinheiro da família rural.

Um sistema integracionista é o que faz subordinar o desenvolvimento da dependên


mútua dos dois sectores. O uso comum dos recursos com base nas vantagens mútuas é a
essência mensagem sobre parcerias.

74

JOSÉ NEGRÁC

expropriado o pagamento pelo aluguer da terra através da venda do produto. Se no


modelo ante rior havia crescimento sem desenvolvimento em territórios separados, aqui
havia produção com manutenção da pobreza em terras alugadas pelos «sem terra». Em
África, a aplicação deste model tornou-se tanto mais dificultada por a possibilidade de
compra dos pacotes tecnológicos ser pratica mente nula e por a terra, devido à
abundância, não ter valor de mercado que justificasse venda [Roberts, 1989].

Nas décadas de 70 e 80, surgiram em paralelo duas escolas de pensamento teórico sobre
o desenvolvimento rural: a escola do desenvolvimento rural integrado e a escola das
necessida

des básicas.

O desenvolvimento rural integrado defendia a complementaridade entre a agricultura e a


agro-indústria devendo para tal utilizarem-se formas de trabalho intensivo nas grandes
machambas de propriedade estatal ou privada. Era a tentativa de incorporação do
dualismo sectorial estrutura lista no modelo de desenvolvimento rural.

Justificar-se-ia, assim, a divisão das terras, a segurança de posse para a produção de


alimen tos estaria definitivamente assegurada e o acesso aos rendimentos em moeda
viria via emprego nas grandes empresas agro-pecuárias. Acontece, porém, que a taxa de
crescimento da oferta de emprego tendia a ser menor que a da procura uma vez que a
eficiência da empresa aumenta exponencial mente com a adopção da mecanização. Não
se justificava, assim, a necessidade de incorporar for- mas de trabalho intensivo nas
operações agrícolas da empresa. Por outro lado, o salário médio agrícola era tão baixo
que não se podia apresentar como um substituto viável à necessidade de aumento de
rendimentos na machamba familiar.

O Estado ficou perante o dilema de pressionar as empresas a adoptarem formas de


trabalho intensivo com salários mais altos para resolver um problema social, mas
aumentar os custos da produ- ção por unidade ou tirar os rendimentos do aumento da
produção e aplicá-los mais tarde no desen- volvimento comunitário. A prática veio a
demonstrar que somente em condições muito particulares e com forte intervenção
exógena é que a complementaridade harmoniosa entre sectores veio a resultar uma vez
mais não houve desenvolvimento mas perpetuação do status quo do dualismo sectorial
[UNIDO, 1978).

Era uma posição defensiva e passiva em relação às camadas mais pobres ou mais
marginaliza- das do sector familiar. Defensiva porque se auto-propos de proteccionista
dos interesses do Estado dos privados nos mega-projectos como o dos 400 000 ha e
outros do Plano Prospectivo Indicativo Passiva porque não induziu ao investimento no
sector familiar mas tão-somente à preservação do status quo produtivo, ou seja, dos
baixos níveis de produtividade, da dependência dos produ tos convencionais de
consumo e de exportação e da perpetuação da baixíssima taxa média de

poupança.

A teoria das necessidades básicas tinha por objectivo principal o alívio da pobreza em
pro gramas especiais orientados para os pequenos agricultores e outros grupos
vulneráveis das comuni lades rurais. Era um modelo orientado para dentro, resolver as
carências de consumo alimentar ndependentemente da integração no mercado. O
campesinato não-capturado» pelo mercado que e contenta com a auto-suficiência,
estudado por Chayanov no início do século na Rússia, nada tem ver com o campesinato
africano que, pelo menos desde o século X, participa em complexas redes le comércio à
distância que hoje se manifestam no preponderante papel do mercado informal

conomia doméstica [Chayanov, 1966; Hill, 1979; Streeten, 1982].

Trata-se de um macroplano de desenvolvimento de Moçambique para as décadas de 80-


90 no âmbito e com as caracteris

ticas da economia centralmente planificada. Uma das principais aberracões fi

para a gestão de 400 000 ha de algodão no Norte d

is, por sua vez, são instituições locais que se expressam através de um conjunto de
regras, nas e costumes, e que se servem de instrumentos próprios para moldar os direitos
e as obri- jes da interacção das pessoas que os reconhecem [Gunnarsson, 1992].

Como a definição do sistema é uma função política, ela incorpora as relações sociais
que se nvolvem entre grupos, nacionalidades, entidades, estratos, famílias, classes ou
raças. À medida o Estado aumenta o raio de acção da efectividade da sua legislação
sobre o território nacional, istemas de uso da terra tendem a unificar-se sob um chapéu
comum que reflecte as relações ais do país. Assim sendo, o sistema de uso da terra,
incorpora a problemática da terra sob qua- ingulos:

A terra como factor de produção.

A terra como recurso.

A terra como agente social.

A terra como fonte de rendimento.

Teorias de desenvolvimento e sistemas de uso da terra

Ao longo das últimas décadas, os sistemas de uso da terra africanos vêm


sistematicamente ectindo as várias teorias de desenvolvimento rural que foram sendo
aplicadas em África.

Nos anos 50 e 60, o modelo de desenvolvimento rural era o da modernização. Para este
adigma, o desenvolvimento era fruto do crescimento económico que na agricultura se
alcançava vés da mecanização, agricultura de escala e exploração intensiva do recurso
terra. Aos agricul- is tradicionais foram reservadas as terras marginais onde o objectivo
era a sua reprodução como ja de trabalho para a indústria, a proletarização do
campesinato. O paradigma da moderniza- não teve cor política, tanto foi adoptado por
países capitalistas como pelos socialistas indy, 1979; Amin, 1973].

A adopção deste modelo teve por consequência um crescimento divorciado do


desenvolvi- nto. O crescimento das grandes propriedades agrícolas foi acompanhado do
empobrecimento famílias rurais. Embora os produtores familiares tivessem a segurança
de acesso e de posse nas ras que lhes foram reservadas, o facto é que a sua produção não
aumentou, houve um declínio quantidade de produtos fornecidos per capita devido ao
esgotamento dos solos e ao rápido nento populacional. A poupança não teve lugar e,
consequentemente, não houve investimento. is ainda, a discriminação da mulher na
tomada de decisões económicas no seio da família ten- 1 a aumentar com a migração
masculina para os centros urbanos à procura de emprego face ao 50 cada vez mais baixo
da agricultura na economia familiar [Moyo, 1995].

Nas décadas de 60 e 70, a Revolução Verde levou ao surgimento do modelo


produtivista. estratégia adoptada para os produtores do sector familiar era a
maximização dos rendimentos a to prazo, independentemente da qualidade nutricional,
das taxas de alfabetização, dos níveis da >rtalidade infantil e das redes de assistência
médica e infra-estruturas sanitárias. Assumiu-se que gricultura tradicional embora não
fosse eficaz era «<pobre, mas eficiente»>, bastando tão-somente omover-se a
transferência tecnológica através da distribuição de pacotes tecnológicos pela exten- o
rural [Todaro, 1989].

Mas os pobres29 não tinham dinheiro para comprar os pacotes tecnológicos e cedo,
onde a evolução Verde teve lugar, tiveram de começar a vender a sua terra aos
latifundiários. O contrato venda da terra dava ao latifundiário a obrigação de fornecer os
pacotes tecnológicos e ao

Para este efeito considera-se como pobre todo aquele cujo retorno por unidade de
trabalho não permite a poupança, em ermos agregados serão todos cujos rendimentos
estão abaixo da linha de pobreza absoluta [Sen, 1983].
2. Terra, a ponta do iceberg

Sistemas de uso da terra

Há uma diferença entre uso da terra e sistema de uso da terra. Enquanto o uso da terra é
acto, a forma ou o direito de uso, o sistema de uso da terra é um conjunto de normas e
de disposi ções legais inter-relacionadas que estabelece os termos de acesso, posse e
transmissão de parcelas as regras para a preservação de áreas. O sistema de uso da terra
é, pois, a representação da estrate- gia de desenvolvimento rural adoptada.

O estabelecimento do direito de acesso pode ser algo tão simples como a permissão de
pas- sagem ou tão complexo como a possibilidade de ter a terra como colateral da
segurança social das famílias rurais. A definição da posse traz implícito o papel
económico desempenhado pelo

uso da

terra, enquanto fonte de matérias-primas, área agrícola, espaço habitacional, zona de


pastos e ambiente de lazer. A delimitação da transmissão baseia-se no potencial de
rendimento ou fonte de lucro para aquele que possua a terra ou parcelas. O sistema pode
permitir ou não a transmissão dos direitos do detentor da terra através de concessão,
alienação, herança, hipoteca ou arrendamento. tem por

finalidade que a utilidade per capita se mantenha a mesma entre gerações.

sistema de uso da terra. A definição de um sistema é uma função política exercida pelo
Estado A parcela, a machamba ou a área é, pois, um factor de produção sobre o qual se
constrói o através da legislação escrita. Esta função pode, e usualmente assim acontece,
ser também exercida pelas autoridades locais (régulos, mwenes, inhacuauas, secretários,
padres, Shes, etc.) através dos direitos consuetudinários ou costumeiros reconhecidos
pelos cidadãos e «tolerados»> nelo Estado.

As duas faces da nova lei de terras

Face ao aumento da procura em Moçambique, o Ministério da Agricultura preparou


então olítica nacional de terras e uma proposta de ante-projecto de uma nova lei de
terras que preco- ava a segurança de posse de terra para o sector familiar através da
delimitação e titulação das ras ocupadas. Tal como nos países vizinhos, era proposta
como solução a divisão física do espaço ritorial entre sector familiar e sector comercial,
a economia dualista deveria ser consagrada num aço físico dualista [MAP, 1995; MAP,
1996]. Surgiram várias vozes discordantes que manifesta- n diferentes visões sobre o
que fazer com a terra em Moçambique:

• Visão epistémica - a gestão da terra deve ser feita ao nível local não fazendo sentido,
por- tanto, uma política nacional.

• Visão integrativa - titulação imediata de toda a gente.

• Visão participativa - as comunidades são proprietárias e podem negociar a terra com os


investidores.

⚫ Visão estruturalista - privatizar a terra e punir o açambarcamento.

• Visão neoliberal - estabelecimento do mercado de terras.

• Visão basista - demarcar as terras do sector familiar para o proteger.

Visão histórica - a demarcação é o retorno às reservas indígenas27.

Desde logo se verificou um grande envolvimento de organizações não-governamentais,


igrejas ssociações, que debateram como garantir o acesso e a posse da terra pelo sector
familiar. O ectro da guerra preocupava a todos, quer por o reassentamento estar em
curso, quer por o mbarcamento ameaçar o clima de paz que se tinha alcançado. As
posições nunca se chegaram a emar e por isso mesmo o debate caracterizou-se pela
enorme clareza sobre o que não se queria indefinição sobre o que é que se queria.
Dentro do governo e dos partidos representados no amento (1994-1999) defendem-se
posições diferentes. Entre os doadores não há uma posição orme sobre o que deve ser
feito e a sociedade civil congrega-se em torno de princípios defendi- pela negativa: não
deve haver ninguém sem terra, o acesso à terra não deve ser limitado pela la e o sector
familiar não pode ser confinado em terras marginais.

A nova lei de terras28 acabou assim por ser mais uma plataforma de entendimento entre
os os actores, preocupações e interesses do que uma das bases para a aplicação de uma
estratégia lesenvolvimento no referente ao uso dos recursos naturais. A nova lei não
privatiza a terra mas arantias totais para a segurança do investimento, não demarca o
sector familiar mas permite venha a acontecer ao abrigo das chamadas terras
comunitárias, não restringe os direitos de tava-se de áreas para uso exclusivo dos
«indígenas» onde os direitos de acesso e uso eram regidos pelos direitos con- tudinários.
Embora não fosse passível de titulação havia total segurança de posse. Em Moçambique
foram instituídas o Decreto de 9 Setembro de 1909, na África do Sul em 1913 e no
Zimbábwè na década de 1930. in.o 19/97, de 1 de Outubro, que entrou em vigor no mês
de Janeiro de 1998.

70

JOSÉ NEGRÃO

Perto das estradas, em zonas irrigadas ou próximo da África do Sul e do Zimbábwè,


foram as terras mais cedo registadas. A fraca rede de estradas, as poucas condições de
armazenagem e as deficientes redes de abastecimento de água potável e de energia
eléctrica levaram à concentração dos pedidos em regiões onde as famílias rurais
residem. Para as terras marginais não foram orienta- dos investimentos nem pelo Estado
nem pelos operadores, salvo raras excepções como, por exem. plo, a exploração do
algodão pela LOMACO em Montepuez26.

A procura de terra pelo capital fundiário da África do Sul e do Zimbábwè conduziu


rapida. mente ao açambarcamento de terras por moçambicanos. Fazer negócio com terra
nacionalizada foi a visão de muitos mais do que aqueles que eventualmente poderão vir
a concretizar a sua intenção. Usar a terra como capital em sociedades com estrangeiros
foi a visão de negócio por parte de mui. tos que requereram milhares de hectares em
terras não marginais [Quan, 1998]. Tal como aconte- ceu no início dos anos 1970, em
que somente 15% dos cerca de 3 000 000 de hectares concedidos eram explorados,
Moçambique torna a trilhar a perigosa via do açambarcamento de terras.

Entre o empresariado há uma forte aversão ao risco que resulta em fraco investimento e
em percentagens mínimas das terras já concedidas. As razões são várias, entre elas
destacam-se a insi- piência das associações empresariais, a descapitalização da maioria
dos empresários, as elevadas taxas de juro aplicadas pela banca na concessão de
créditos, a convicção de muitos de que se pode gerir uma empresa à distância, a falta de
incentivos para que se procurem novos mercados, novos produtos e novas formas de
acrescentar valor ao que é produzido.

Ter o máximo de recursos possível em nome da empresa, investir o mínimo para


justificar a concessão perante ambições de terceiros, recuperar o capital investido de
imediato e esticar as taxas de lucro aos limites do mercado, são máximas de muitos dos
que têm terra em seu nome.

Este conjunto de características da procura fez perigar, um pouco por todo o lado, a
segu- rança de acesso e de posse da terra pela unidade produtiva familiar que, no seu
conjunto, emprega 63% dos homens e 92% da força de trabalho das mulheres,
representa mais de 80% do valor da produção agrícola e contribui em cerca de 25% no
PIB nacional. Esta situação tornou-se matéria de preocupação crescente por parte da
sociedade civil, da comunidade internacional e do governo.

Comportamento da oferta e procura na África Austral

No contexto regional, onde o valor da terra é deter- minado pela oferta e pela procura, o
mercado de terras está a ser objecto de intervenção política que leva a uma profun- da
alteração do seu funcionamento. A intervenção dos Esta- dos, (conforme fig.1, ponto e),
tende não só a congelar, mas mesmo a fazer diminuir aceleradamente o valor da terra no
mercado muito embora a procura esteja a aumentar signifi- cativamente.

Figura 1

Tendência actual do mercado de terra na África Austral

Procura/tempo

26 LOMACO, empresa afilhada da britânica Lonrho, com direitos de exploração do


algodão junto do sector alguns distritos de Cabo Delgado e de Nampula

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