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º ano)

Ficha 3 – Debate (11.º ano)

Nome: Turma: N.º: Data:

Avaliação: Professor:

Lê atentamente os itens abaixo.

Vê, com atenção, um excerto de um debate que, no


programa Falatório, da RTP, reuniu os escritores Agustina
Bessa-Luís, Luísa Costa Gomes, José Saramago e Miguel
Esteves Cardoso, a 12 de dezembro de 1996.1

Durante o visionamento, toma notas das informações


que consideres pertinentes para responder aos itens.

Até aos 10’17’’ minutos

1. Preenche a tabela com informação relativa a cada um dos escritores que intervêm no debate.

Perspetiva do autor
Arte do espetáculo relativamente à sua
Autores Obras referidas
mencionada obra e a eventuais
adaptações

Agustina Bessa-Luís

José Saramago

MPA

Luísa Costa Gomes

Miguel Esteves
Cardoso

1 Disponível em https://arquivos.rtp.pt/conteudos/escritores-parte-i/ (consultado a 4/10/2022)


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Soluções

11.º ano

Ficha 3 – Debate

Transcrição do registo vídeo


Clara Ferreira Alves (jornalista): Boa noite. Vamos falar esta noite de escritores, ou com escritores. Eu ia dizer de romancistas,
mas os meus convidados são mais do que romancistas. Já imaginaram atividade mais estranha do que passar dias, horas, dias,
meses, às vezes anos, em frente a um computador ou uma página de papel a arrumar palavras? A atividade, ainda por cima, pode
ter algum prestígio, mas não é muito bem remunerada. Para falar de escritas, de romances, estão romancistas e não só. Alguns
deles fazem também poesia, escrevem para teatro, para cinema, escrevem ensaio. Gente com muitas… como é que se diz agora?
Agustina Bessa-Luís (escritora): Muito qualificadas.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Valências! Vamos ser irónicos. Tenho a Agustina Bessa-Luís, o José Saramago, a Luísa Costa
Gomes e o Miguel Esteves Cardoso. Enfim, estes nomes dispensam mais apresentações. E não se esqueça, se está aí em casa e
quer participar neste falatório é o 795 05 93 ou o 795 05 94. Agustina, vou começar por si. A sua colaboração, o seu “casamento”,
entre aspas, com Manoel de Oliveira tem corrido muito bem. Acaba de sair o Party, portanto, o livro sobre o filme de Manoel de
Oliveira. A Agustina, quando trabalha com o cinema e para o cinema, de certo modo, não se sente um pouco desapossada da sua
qualidade de romancista? Muitos escritores que têm sido adaptados ao cinema ou que têm tentado trabalhar com o cinema têm-se
dado muito mal com a experiência e têm-se sentido, a palavra é deles, roubados. O seu caso é particular?
Agustina Bessa-Luís (escritora): Bem, eu quando me sinto roubada não é nessas circunstâncias. Já entra no capítulo dos direitos
de autor. Mas não, não sinto. Eu acho que escrever é escrever. O gosto, quem gosta de escrever e lhe põe o tal papel em branco
diante, eu acho que é sempre uma tentação, e o gosto de escrever ultrapassa todas essas, enfim, todas essas dificuldades…
Clara Ferreira Alves (jornalista): As miudezas.
Agustina Bessa-Luís (escritora): … essas dificuldades que se supõe que possam surgir. Mas eu acho que o escritor – como
diriam os nossos antepassados, de raça, não é? – não tem, enfim, essas observações a fazer.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Mesmo quando se fala mais do filme que do livro, por exemplo? A Agustina não se importa?
Agustina Bessa-Luís (escritora): Não, de maneira nenhuma. Não, porque o filme já não me pertence, exceto quando trai
demasiado aquilo que era uma ideia que nós fazemos.
Clara Ferreira Alves (jornalista): E no caso de Manoel de Oliveira, como a colaboração é muito estreita, isso não acontece. A
traição.
Agustina Bessa-Luís (escritora): Não, aconteceu um pouco… não diria traição, que é muito feio, nós não vamos aqui utilizar
palavras assim, de tal maneira capitais, não é? Não, com o Manoel de Oliveira nunca aconteceu. Aconteceu um pouco com O
Convento, mas, com este, como de resto, tenho também um auxiliar para que isso não aconteça, que é o facto de ser escrito
expressamente para o cinema.
Clara Ferreira Alves (jornalista): José Saramago, concordas com o que a Agustina acaba de dizer? Relativamente às adaptações?
No teu caso, há adaptações ainda um pouco mais ferozes, se a palavra é possível. Ópera. Escreveste In Nomine Dei de propósito e
foste adaptado do Memorial do Convento para a ópera Blimunda. Como é que te sentiste?
José Saramago (escritor): E não só. Houve uma outra adaptação que foi de uma obra de teatro de In Nomine Dei para a ópera
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que se estreou em Munster e depois passou em Ferrara e que, no princípio deste ano, será cantada em Catania. Bom, não se trata
de estar de acordo…
Clara Ferreira Alves (jornalista): Já tiveste mal com estas… também com estas experiências?
José Saramago (escritor): Não, mas é, digamos, é outra coisa… Enquanto eu sou – pelo menos, até agora tenho sido – irredutível
no que se refere às adaptações que já me foram propostas ou insinuadas de livros meus ao cinema e, nisso, resumo, digamos, todo
o tipo de resistências que tenho numa só frase que é que não quero ver a cara das minhas personagens e acabou.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Não querer ver a cara das tuas personagens?
José Saramago (escritor): Exatamente, não quero ver. Imagina tu que me põe uma Blimunda diante de mim. Quer dizer, eu não
acredito, não posso, não posso acreditar que seja aquela. Já a ópera é completamente diferente, eu não procurei isso, é um músico,
Azio Corghi, que leu o Memorial do Convento, que gosta do livro. Depois, enfim, digamos, escreveu-me dizendo “ah, gostaria tanto
de adaptar isto”. Durante seis meses, eu não lhe dei resposta, porque achei que aquilo era a chamada piada de mau gosto – agora
um tipo qualquer de Itália que te escreve de lá para um escritor português a dizer que quer adaptar um livro, um romance. Isto não
tem sentido. Ele tornou-me a escrever, passado um tempo, seis meses depois, “o que é que se passa? você não me dá resposta”. E
então aí comecei a tomar o caso mais a sério. Encontramo-nos depois, passado um tempo, umas semanas, encontramo-nos…
Clara Ferreira Alves (jornalista): Mas puseram-te na mesma uma Blimunda diante dos olhos. Só que cantava.
José Saramago (escritor): Mas essa Blimunda canta. Essa Blimunda canta. Só canta, canta e passeia-se no palco de um lado
para o outro. É outra coisa completamente diferente. Quer dizer, do livro o que é que se retira? Quatro ou cinco ou seis ou sete ou
oito momentos que se podem encadear uns nos outros. É outra coisa, é tão outra coisa que eu vejo a ópera e ouço a ópera e
assisto ao desenrolar, digamos, de toda a ação cénica, a montagem e tudo isso, como algo que me é, ao mesmo tempo, meu e
alheio. Ao passo que uma adaptação cinematográfica, que teria necessariamente, por muitas traições que lá se metessem, teria
necessariamente de acompanhar – ou pelo menos deveria acompanhar – o fio da história.
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Clara Ferreira Alves (jornalista): Não te sentirias tão confortável?


José Saramago (escritor): Não me sentiria lá.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Luísa, a Luísa Costa Gomes, ultimamente, tem escrito muito para teatro. Houve o Clamor
primeiro, creio, agora acabas de publicar as Duas Comédias.
Luísa Costa Gomes (escritora): Primeiro foi o Nunca nada de ninguém e depois é que fiz o Clamor. Mas isso os textos são do
padre António Vieira.
Clara Ferreira Alves (jornalista): São do padre António Vieira, mas depois há um trabalho teu sobre estes textos. Acabas de
publicar um livro, aliás, curiosíssimo, as Duas Comédias, que eu acabei agora de ler e que achei francamente interessante, muito
bom e muito irónico. Sentes-te melhor a trabalhar para o teatro do que te sentias a fazer novelas quase “beckettianas”, às vezes?
Luísa Costa Gomes (escritora): Não, não me sinto melhor nem pior, acontece.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Os teus romances e as tuas coisas de teatro, como é que são, dão-se bem uns com os outros
esses livros?
Luísa Costa Gomes (escritora): Eu tinha um bocado a mania, quer dizer, que a coisa séria que eu fazia era escrever romances e
que fazia teatro um pouco porque, por um lado, porque me encomendavam e, por outro lado, porque era divertido, para mim era
extremamente fácil. Até começar a escrever peças a sério e perceber que não era nada fácil, que era extremamente complicado.
Quando começou a ficar complicado, começou a ficar divertido e, pronto, isso estimulou-me para continuar a escrever. Mas não
há… quer dizer, é evidente que a linguagem é completamente diferente e eu percebo perfeitamente o…
Clara Ferreira Alves (jornalista): E as convenções são completamente diferentes.
Luísa Costa Gomes (escritora): Exatamente. Eu percebo perfeitamente quando o Saramago diz “detesto que me ponham uma
cara nas minhas personagens”, percebo isso perfeitamente. Por exemplo, escrevi… o romance que eu escrevi, os Olhos Verdes,
que é feito praticamente de uma forma quase “behaviorista” – não tem adjetivos, não tem advérbios – é praticamente só visual, é
completamente, penso eu, irrecuperável para o cinema. Quer dizer, eu, quando estava a escrevê-lo, tinha a noção de que era um
texto especificamente literário, de que era completamente impossível adaptar aquilo a qualquer forma de audiovisual.
Clara Ferreira Alves (jornalista): E, quase que deliberadamente, tu ias escrevendo nesse sentido?
Luísa Costa Gomes (escritora): Sim, sim.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Miguel.
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Clara. Eu, antes de mais, tenho de confessar que estou num estado de adoração, não é? E é
natural que seja um bocado reverencial e idólatra, porque estou na presença da única escritora contemporânea que eu venero e
admiro. Portanto, é natural que eu esteja um bocado, assim, sabes, comedido.
Clara Ferreira Alves (jornalista): E queres agradecer esta oportunidade?
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Não, ela foi a razão pela qual eu vim.
Agustina Bessa-Luís (escritora): Mas as mulheres, eu entendi que o último trabalho que fez para o teatro, que era muito irónico,
não é? Isso é um sintoma da liberdade que as mulheres tiveram, porque aqui há uns anos a mulher não se atrevia a ser irónica, que
apanhava, não é?
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Pois é.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Não se atrevia a isso, e a muito menos do que isso. Bom, depois desta declaração de amor do
Miguel à Agustina, tu já escreveste para teatro e agora estás romancista instalado. O Cemitério de Raparigas acaba de sair, é mais
um romance, aquilo é um romance? Como é que tu definirias o teu livro?
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Eu, um dia, escreverei um livro que eu hei de gostar de ler, percebes? Eu estou a fazer mais ou
menos… estou a aprender português em público desde miúdo. E pronto, um dia, eu hei de escrever uma coisa que eu gosto.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Mas tu chamarias àquilo um romance ou não? Ao teu livro.
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Se eu chamaria àquilo um romance…
Clara Ferreira Alves (jornalista): Romance é uma coisa com um certo peso institucional, portanto…
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Achas? Já foste a uma livraria?
José Saramago (escritor): Vamos lá ver, aquilo que importa é saber como é que o editor lhe chamou. Se o editor lhe chamou MPA
romance, é romance.
Clara Ferreira Alves (jornalista): Mas é que há pessoas que publicam romances, mas, depois, por uma estranha falta de
equivalência, não são considerados romancistas. Tu achas que és considerado um romancista? Tu és o Miguel Esteves Cardoso,
em primeiro lugar.
Miguel Esteves Cardoso (escritor): 99 % dos romances são maus, não é? Mas não deixam de ser romances. Os escritores são
artistas, há escritores maus e escritores bons.
Clara Ferreira Alves (jornalista): O que é tu chamas um mau romance? Um que tu não gostes de ler?
Agustina Bessa-Luís (escritora): Um que não goste.
Miguel Esteves Cardoso (escritor): Não… um romance que esteja mal escrito, que eu não goste de ler, que eu não consiga ler,
sobretudo que eu não consiga ler.

1. Agustina Bessa-Luís: obras referidas – Party, O Convento; Arte do espetáculo mencionada – cinema; Perspetiva do autor –
sente--se bem quando escreve para o cinema, mas um bocadinho “traída” quando se altera muito a ideia do livro. José Saramago:
obras referidas – Memorial do Convento; In Nomine Dei; Arte do espetáculo mencionada – ópera, teatro, cinema; Perspetiva do
autor – não se incomoda se as adaptações não forem muito próximas do livro, porque não quer “ver a cara das [suas] personagens”.
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Luísa Costa Gomes: obras referidas – Clamor, Nunca nada de ninguém, Duas Comédias, Olhos Verdes; Arte do espetáculo
mencionada – teatro; Perspetiva do autor – sente-se confortável a colaborar com outras artes, especialmente quando trabalha direta
e especificamente para o teatro. Miguel Esteves Cardoso: obras referidas – O Cemitério de Raparigas; Arte do espetáculo
mencionada – teatro; Perspetiva do autor – considera-se insatisfeito e diz que um dia há de escrever um livro de que goste.

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