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FILOSOFIA 二 POLÍTICA

ANTÓNIO BAIÃO
antoniosaraivabaiao@gmail.com

ANO LECTIVO 22/23 二LICENCIATURA EM DIREITO

ROBERT NOZICK: LIBERDADE, Aula #10 二 Semana 02/01/2023-06/01/2023


PROPRIEDADE, Sumário:
ESTADO MÍNIMO
Contextualização histórica - Concepção de justiça libertarista - Libertarismo económico e
libertarismo ético - Liberdade como não-interferência - Anarquia, Estado e Utopia (1974) -
Direitos individuais - Interpretação neo-lockeana do conceito de auto-propriedade - A
legitimidade do Estado - Associações protectivas e associação protectiva dominante - O
monopólio da violência legítima e o Estado ultra-mínimo - O Estado mínimo - A teoria da
titularidade - Princípios de justiça na aquisição, nas transferências e na rectificação de
injustiças - Princípios de justiça históricos v. princípios de justiça padronizados e de
resultados-finais - O argumento Wilt Chamberlain - Liberdade e igualdade económica - O
enquadramento para a utopia - Rawls v. Nozick
1. ROBERT NOZICK: CONTEXTO HISTÓRICO

Nasce em 1938, em Brooklyn, nos EUA.

Licencia-se na Universidade de Columbia, em 1959, e estaria próximo de alguns círculos


socialistas, dos quais se irá afastar.

Conclui o seu doutoramento em Princeton, em 1963.

Em 1974, publica Anarquia, Estado e Utopia, que ganha o National Book Award. Com esta
obra, é responsável por legitimar academicamente o libertarismo.

Morre em 2002, com 63 anos.

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2. CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA LIBERTARISTA

Uma concepção de justiça adversária da proposta de Rawls.

Concepção de justiça libertarista. Porquê libertarista?

- O termo «libertário» está historicamente contaminado;


- A escolha do termo «libertarista» revela que estamos perante uma concepção de
justiça que não vem da tradição socialista e anarquista.

Libertarismo descende do liberalismo e põe em causa os modelos de justiça


Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, socialistas ou igualitários
2009.

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2. CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA LIBERTARISTA

Libertarismo: possibilidades de definição

- O conceito de «liberdade» utilizado está circunscrito à «liberdade negativa»


(não-interferência externa ou coerciva);
- Criação de uma esfera de direitos individuais inviolável;
- Liberdade para que cada um faça o que quiser com o seu corpo e a sua propriedade.

Dois tipos de libertarismo:

- Libertarismo económico;
- Libertarismo ético.
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009.

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3. LIBERTARISMO ECONÓMICO

Principal proponente é Friedrich Hayek:

- Liberdade como não-interferência externa justifica-se por garantir o


funcionamento mais eficaz do mercado.

Ordem espontânea

O mercado, como qualquer instituição social, é a consequência espontânea das relações


estabelecidas pelos indivíduos ao longo do tempo.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


Os anti-libertaristas, que defendem um modelo «construtivista», e uma ordem fabricada,
2009. consideram que as instituições são produtos artificiais e não-naturais

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3. LIBERTARISMO ECONÓMICO

Sociedade livre v. sociedade dirigida

Libertaristas argumentam que não existe qualquer entidade que centralize em


si todo o conhecimento necessário para uma intervenção eficaz no mercado
ou na sociedade

Na sociedade dirigida, o conhecimento está centralizado e é mais reduzido do


Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, que numa sociedade livre, em que o conhecimento está disperso e é muito
2009.
mais vasto

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3. LIBERTARISMO ECONÓMICO

Definir liberdade como não-interferência leva a que Hayek argumente que uma ordem
social onde exista interferência do Estado nas relações sociais é um
«caminho para a servidão»

Hayek agrupa qualquer ordem social onde exista interferência estatal sob o guarda-chuva
do socialismo, mesmo democracias liberais onde apenas existem alguns mecanismos de
redistribuição da riqueza.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


Para Hayek, estas ordens sociais geram menor liberdade e, por isso, menor
2009. prosperidade, pois atentam contra a ordem espontânea.

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“ 4. LIBERTARISMO ÉTICO

Os indivíduos têm direitos e há coisas


que nenhuma pessoa ou grupo lhes
pode fazer (sem violar os seus
direitos). Estes direitos são de tal Primado da ideia de liberdade como não-interferência, mas, ao contrário do libertarismo
maneira fortes e de grande alcance económico, não se trata de fazer a apologia do mercado-livre (apesar de este ser,
que levantam a questão do que o inevitavelmente, o seu corolário económico)
estado e os seus mandatários podem
fazer, se é que podem fazer alguma
coisa. Que espaço deixam os direitos
individuais ao estado? A natureza do Anarquia, Estado e Utopia, de Robert Nozick (1974)
estado, as suas funções legítimas e as
suas justificações, se as há, são a Pilar teórico desta teoria libertarista: os direitos invioláveis de cada indivíduo e a relação
preocupação central deste livro que estes estabelecem com o Estado.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, Objectivo da obra:


2009, p. 21.
averiguar sobre a legitimidade e adequada extensão do Estado

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5. DIREITOS INDIVIDUAIS

Direitos pré-políticos (anteriores ao Estado)

Apresentam semelhanças com os «direitos naturais do indivíduo», que encontrámos no


pensamento contratualista.

Características dos direitos individuais:

Negativos
(estabelecem restrições laterais ao que os outros indivíduos e o Estado podem fazer)

Absolutos
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
(não podem, em momento algum, ser violados)
2009.

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5. DIREITOS INDIVIDUAIS

Influência de Locke:

Os direitos individuais são proprietaristas

Mantêm uma relação com a noção de auto-propriedade

- Cada indivíduo tem direitos individuais de propriedade sobre a sua pessoa, o seu
corpo, a sua vida, a sua liberdade e as suas posses;

- Estes direitos são invioláveis: ninguém pode invadir a esfera jurídica de cada
indivíduo sem autorização.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009.

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5. DIREITOS INDIVIDUAIS
A interpretação neo-lockeana (e neo-kantiana) de Nozick tem o propósito de garantir que
cada indivíduo seja visto como um fim em si mesmo e não como um meio para alcançar um
determinado fim.

Concepção deontológica radical


Rawls:
concepção deontológica moderada
(indivíduos podem ser utilizados para alcançar um outro fim, como a maximização da
posição dos mais desfavorecidos, através da aplicação do princípio da diferença)

Utilitaristas:
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, concepção consequencialista
2009. (indivíduos podem ser meios para alcançar um nível superior de bem-estar médio)

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5. DIREITOS INDIVIDUAIS

Que configuração e extensão deverá ter um Estado que respeite os direitos de


cada indivíduo?

Nozick responde que será o Estado mínimo

Quais as suas funções?

- Proteger os direitos dos indivíduos;


- Garantir o cumprimento de contratos;
- Punir fraude e roubo;
- Aplicar força.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009.

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“ 6. PRIMEIRA ETAPA:
O ESTADO DE NATUREZA
[Os homens s]obrestimam a Primeiras questões: porquê um Estado mínimo? Não seria melhor a ausência
quantidade de mal ou danos de Estado, i.e., a anarquia?
que sofreram e as paixões
levá-los-ão a tentar punir os
outros para lá do que é Nozick propõe que realizemos uma experiência mental, regressando a um
proporcional e a reclamar uma estado pré-político: a um estado de natureza lockeano
compensação excessiva.

Quais as características deste estado de natureza?

- Indivíduos têm direitos naturais;


- Em caso de conflito, não existe um sujeito político que possa decidir
imparcialmente;
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
- A instabilidade do estado de natureza surge porque cada indivíduo tem o poder de
2009, p. 40 julgar e executar segundo a lei natural.

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“ 7. SEGUNDA ETAPA:
ASSOCIAÇÕES PROTECTIVAS
Podem juntar-se-lhe para repelir um
atacante ou perseguir um agressor
porque são sensíveis ao bem-estar
público, ou porque são seus amigos,
O estado de natureza é inseguro e instável.
ou porque os ajudou no passado, ou Como vão os indivíduos garantir a protecção dos seus direitos?
porque desejam que os ajude no
futuro, ou em troca de alguma coisa.
Grupos de indivíduos podem formar
associações de protecção mútua: Através de associações protectivas
todos responderão ao pedido de
qualquer membro para sua defesa ou
para fazer valer os seus direitos.
Os indivíduos associam-se para tornarem mais eficaz a protecção da propriedade de cada
um. Mas os membros das associações protectivas não podem dedicar-se totalmente à sua
protecção e à dos outros membros.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 41.

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“ 8. TERCEIRA ETAPA:
ASSOCIAÇÃO PROTECTIVA DOMINANTE
Com a pressão exercida por No estado de natureza, as associações protectivas competem entre si pela
agrupamentos espontâneos, supremacia do mercado securitário. Por isso, a instabilidade não se encontra
associações de protecção ainda resolvida.
mútua, divisão do trabalho,
pressões do mercado,
economias de escala, e o O funcionamento natural do mercado não-regulado leva a que algumas
interesse individual racional, da associações protectivas pereçam: ou porque são ineficientes ou porque outras
anarquia surge algo muito acabam por alcançar uma maior quota de mercado através de fusões.
semelhante a um estado
mínimo ou a estados mínimos
geograficamente distintos.
A tendência da economia securitária, segundo Nozick, é formar um
monopólio: surge uma associação protectiva dominante, que age
solitariamente num determinado território, pois é a mais eficaz e a que
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009, p. 46. garante um melhor serviço aos seus clientes/membros.

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“ 9. QUARTA ETAPA:
MONOPÓLIO DA VIOLÊNCIA LEGÍTIMA
Um estado ultramínimo
A associação protectiva dominante reclama ser um
mantém o monopólio sobre o
«monopólio da violência legítima»
uso da força, excepto a
necessária à autodefesa
imediata, e exclui assim a
retaliação da transgressão e a Garante apenas protecção aos seus membros, que pagam pelos serviços de
exigência de compensação segurança. Todos aqueles que habitam num determinado território, mas não
privadas (ou agenciais); mas pagam pelo serviço, não se encontram protegidos.
fornece protecção e serviços de
execução apenas àqueles que
compram a sua protecção e Estamos perante um Estado ultra-mínimo
políticas de execução.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 57. Como se alcança o Estado mínimo?

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“ 10. QUINTA ETAPA: ESTADO MÍNIMO

O estado mínimo (guarda-nocturno) é


equivalente ao estado ultramínimo O Estado ultra-mínimo só se transforma num Estado mínimo quando a associação
juntamente com um vale friedmaniano protectiva dominante garante os seus serviços a todos os indivíduos de um determinado
(claramente redistributivo), financiado território, quer sejam clientes à partida ou não.
pelas receitas fiscais. Ao abrigo deste
plano, todas as pessoas, ou algumas
(por exemplo, as que necessitam),
recebem vales financiados pelos Compensação:
impostos, que apenas podem ser O Estado mínimo (o Estado guarda-nocturno da teoria liberal clássica) nasce
usados na compra de uma política de quando a agência protectiva dominante redistribui serviços de segurança por
protecção ao estado ultramínimo.
todos os indivíduos, protegendo os seus direitos à vida, à liberdade e à
propriedade, independentemente de serem membros ou não.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, A redistribuição de serviços de segurança que protegem os indivíduos do
2009, p. 57.
incumprimento de contratos, de fraude ou de roubo, é a única forma de
redistribuição moralmente legítima, na perspectiva de Nozick

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“ 10. QUINTA ETAPA: ESTADO MÍNIMO

Não se trata da imposição injusta de


um monopólio; o monopólio de facto A formação do Estado mínimo, através da compensação aos indivíduos, por estes perderem
cresce através de um processo da mão direito aos seus poderes naturais de executar e julgar segundo a lei natural, implica a saída
invisível e por meios moralmente do estado de natureza.
permissíveis, sem que se violem os
direitos de pessoa alguma e sem que
se reivindique qualquer direito

especial que os outros não possuem. E
exigir aos clientes do monopólio de
Locke:
facto que paguem pela protecção Ao contrário de Locke, o abandono do estado de natureza não se dá através de
daqueles a quem proíbem a aplicação um pacto originário.
privada contra os clientes, longe de
ser imoral, é moralmente exigido pelo
princípio da compensação
A passagem do estado de natureza para o Estado mínimo dá-se através de um
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
mecanismo de mão-invisível: o mercado securitário é naturalmente
2009, p. 153. monopolístico e o monopólio é mais eficiente a garantir a protecção dos
direitos individuais.

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“ 10. QUINTA ETAPA: ESTADO MÍNIMO

O estado mínimo é o estado


mais abrangente que se pode
Segunda questão: para alcançar o desígnio de justiça de Nozick (preservação e
justificar. Qualquer estado mais
protecção dos direitos individuais), não seria preferível um Estado mais
abrangente viola os direitos das
extenso do que o mínimo?
pessoas.

Nozick considera que um Estado-Mais-Do-Que-Mínimo atenta contra os


direitos individuais de cada um (porque atenta contra a liberdade como
não-interferência) e, por isso, rejeita qualquer concepção de justiça igualitária
e, necessariamente, redistributiva (de recursos ou de bens sociais primários,
como em Rawls)

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 191.
Nozick propõe, assim, uma alternativa às teorias da justiça distributiva.

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“ 11. TEORIA DA TITULARIDADE

Do ponto de vista de uma teoria


da titularidade, a redistribuição
é um assunto deveras sério, Nozick propõe uma concepção de justiça assente numa teoria da titularidade, em
envolvendo, como envolve, a contraponto a uma teoria distributiva, como é o caso da rawlsiana.

violação dos direitos das


pessoas.
Elemento central da teoria da titularidade: propriedade

Em que circunstâncias é que os indivíduos têm direitos de propriedade sobre


os seus bens?

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2009, p. 213. Nozick desenvolve três princípios, que configuram a sua teoria da titularidade

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12. PRIMEIRO PRINCÍPIO:
O tema da justiça nos haveres
consiste em três tópicos principais. O PRINCÍPIO DE JUSTIÇA NA AQUISIÇÃO
primeiro é a aquisição original de Os indivíduos têm direitos legítimos de propriedade sobre algo, caso não infrinjam os
haveres, a apropriação de coisas que direitos individuais de outrem.
não são objectos de posse. Neste se
inclui as questões de como as coisas
que não são objectos de posse, o
A legitimidade da aquisição está, contudo, dependente de uma cláusula a que Nozick chama
processo, ou processos, por que as
de «restrição lockeana»
coisas que não são objectos de posse
podem tornar-se objecto de posse por
meio destes processos, a extensão
daquilo que se torna objecto de posse Locke e o princípio da suficiência: deixar em quantidade e qualidade
por um processo particular, e assim
suficientes em comum, para que os outros se possam apropriar desses
sucessivamente. Referir-nos-emos à
complicada verdade acerca deste recursos e misturar o trabalho com eles.
tópico, que não formularemos aqui,
como o «princípio de justiça na Nozick: ao contrário de Locke, não afirma que os recursos e a terra são
aquisição». originalmente propriedade comum, mas que, pelo contrário, não pertencem
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, originalmente a ninguém.
2009, p. 192.

Nozick cria uma «restrição lockeana», que determina que «ninguém fique
numa posição pior do que aquela originada pela apropriação»
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“ 13. SEGUNDO PRINCÍPIO:
O segundo tópico diz respeito à PRINCÍPIO DE JUSTIÇA NA TRANSFERÊNCIA
transferência de haveres de uma
pessoa para outra. Por que processos
pode uma pessoa transferir haveres Qualquer transferência de bens (contratos de compra e venda, doações, heranças) é legítima
para outra? Como pode uma pessoa se respeitar os direitos individuais, i.e., se for o resultado de um acto voluntário entre as
adquirir um haver a outra pessoa que diferentes partes.
detém esse haver? Neste tópico
cabem as descrições gerais da troca
voluntária, da doação e (por outro
Transferências involuntárias, como roubo ou fraude, são, por esta razão, ilegítimas.
lado) da fraude, bem como a
referência a detalhes convencionais
particulares estabelecidos numa dada
sociedade. À verdade complicada Concepção histórica de justiça: se uma aquisição ou transferência ocorridas
acerca deste assunto (...) chamaremos no passado respeitarem os dois princípios da teoria da titularidade, então são
o «princípio de justiça na
justas.
transferência».

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, pp. 192-193.
E caso não tenham cumprido os requisitos dos dois princípios?

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“ 13. TERCEIRO PRINCÍPIO:
A existência de injustiça no PRINCÍPIO DE RECTIFICAÇÃO DAS INJUSTIÇAS
passado (violações prévias dos A propriedade de cada indivíduo só é moralmente legítima se decorrer de:
primeiros dois princípios da
(1) uma justa aquisição;
justiça nos haveres) levanta o (2) uma justa transferência.
terceiro tópico principal da
justiça nos haveres: a
rectificação da injustiça nos Caso a aquisição ou transferência não cumpra os requisitos do primeiro e do segundo
haveres. princípio da teoria da titularidade, então é considerada injusta.
Como rectificar essa injustiça?

- Se a injustiça tiver sido cometida recentemente, o sistema judiciário poderá dar


conta do recado;
- Se a injustiça tiver ocorrido há muito tempo (ex: apropriação colonial), Nozick
sugere uma rectificação (ex: restituições históricas)
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009, p. 194

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“ 13. TERCEIRO PRINCÍPIO:
Embora introduzir o socialismo PRINCÍPIO DE RECTIFICAÇÃO DAS INJUSTIÇAS
como castigo pelos nossos
pecados fosse ir longe de mais,
as injustiças do passado podem Problemas com o princípio da rectificação das injustiças:
ser tais que torne necessário a
curto prazo um estado mais 1) A única forma de rectificar totalmente uma realidade social construída
abrangente, de modo a sob inúmeras aquisições e transferências injustas seria através de uma
rectificá-las. tabula rasa do presente político, restabelecendo uma sociedade de
absoluta igualdade como ponto de partida;

2) Uma rectificação que exija um ponto de partida igualitário necessitaria


de um Estado-Mais-Do-Que-Mínimo, como Nozick chega a admitir.
Isso colocaria em risco a sua proposta para uma teoria da justiça
libertarista.
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009, p. 281

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“ 14. CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
A teoria da titularidade da
justiça na distribuição é Concepção
histórica; o facto de uma liberal-igualitária de Rawls
distribuição ser ou não justa
depende do modo como surgiu. ≠
Concepção Princípios teleológicos ou
libertarista de Nozick de resultados-finais

Princípios históricos
Concepção utilitarista


Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009, p. 196
Princípios teleológicos ou
de resultados-finais

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“ 14. CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
Por contraste, os princípios
sincrónicos correntes da justiça
sustentam que a justiça de uma Princípios teleológicos ou de resultado-final. O que significa isto?
distribuição é determinada pelo A justiça depende de uma estrutura de distribuição pré-definida.
modo como as coisas estão
distribuídas (quem tem o quê) à Exemplos:
luz de algum princípio
Utilitarismo:
estrutural (ou princípios
O princípio da utilidade especifica um determinado fim para a distribuição de
estruturais) de distribuição
recursos na sociedade: maximizar o bem-estar médio na sociedade.
justa.

Rawls:
Segundo Nozick, também o princípio da diferença projecta um fim último para
a distribuição de recursos na sociedade: maximizar a posição dos mais
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009, pp. 196-197.
desfavorecidos à partida.

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“ 14. CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
Quase todos os princípios de Princípios padronizados:
justiça distributiva sugeridos
Também podem ser princípios históricos, mas, ao contrário da concepção de Nozick,
são padronizados: a cada um
definem que a justiça depende de um critério específico e excessivamente rígido.
segundo o seu mérito moral, ou
necessidades, ou produto Exemplo: a cada um segundo x
marginal, ou grau efectivo de x pode traduzir-se em «necessidades», «mérito» ou qualquer outra alegada
esforço, ou soma ponderada do virtude social ou moral.
que foi mencionado, e por aí em
diante. O princípio da
titularidade que esboçámos não
Segundo Nozick, a aplicação de princípios padronizados impõe uma
é padronizado.
distribuição específica e independente das vontades maleáveis e diferentes de
cada indivíduo.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 200.
Nozick defende princípios históricos, mas não-padronizados:
«de cada um segundo escolhem, a cada um segundo são escolhidos».

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15. O ARGUMENTO WILT CHAMBERLAIN

Nozick utiliza este argumento para desmontar sistemas de distribuição padronizados ou de


resultado-final.

Argumento Wilt Chamberlain

1. Wilt Chamberlain é um jogador da NBA.


2. Chamberlain é um jogador muito popular.
3. Chamberlain acorda com a sua equipa que irá auferir 0.25$ por cada
espectador que for ao pavilhão vê-lo jogar, durante toda a temporada.
4. Cada vez que cada espectador compra um bilhete, deixa 0.25$ numa
caixa com o nome de Chamberlain.
5. No final da época, venderam-se 1000000 de bilhetes.
6. Assim, Chamberlain deveria receber 250000$.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009.
Tem Chamberlain direito a este montante?

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15. O ARGUMENTO WILT CHAMBERLAIN

Na realidade política que conhecemos, sabemos que o Estado iria confiscar parte deste
rendimento a Chamberlain, sob a forma de impostos.

Para Nozick, esta taxação seria, literalmente, um roubo:


o Estado estaria a interferir com os direitos de propriedade de Chamberlain,
limitando-os, apesar de o seu rendimento ter sido o resultado de uma
transferência entre indivíduos conscientes.

Segundo Nozick, este imposto sobre o rendimento seria uma forma de forçar
Chamberlain a trabalhar em prol de um sistema redistributivo.
Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,
2009.

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“ 15. O ARGUMENTO WILT CHAMBERLAIN
Para manter um padrão é
preciso ou interferir
continuamente para impedir as
pessoas de transferirem
Se aplicássemos princípios padronizados ou de resultado-final, este «roubo» que Nozick
recursos à sua vontade, ou
refere estaria justificado moralmente, pois a redistribuição de recursos depende da
interferir continuamente (ou capacidade do Estado recorrer ao seu braço fiscal.
periodicamente) para retirar a
algumas pessoas recursos que
outros por alguma razão
Segundo Nozick, princípios de justiça padronizados ou de resultado-final
decidiram transferir para elas.
implicam uma interferência do Estado na esfera dos direitos individuais de
cada indivíduo e, por isso, limitam a liberdade de cada um.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 207.

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“ 16. LIBERDADE E IGUALDADE ECONÓMICA
Qualquer padrão distributivo
com qualquer componente
igualitária pode ser subvertido Para Nozick, o surgimento da desigualdade numa sociedade é natural e perfeitamente
pelas acções voluntárias de aceitável do ponto de vista moral, pois:
pessoas individuais ao longo do
D1: existe uma distribuição perfeitamente igualitária de bens e recursos;
tempo
D2: devido às transferências livres e voluntárias entre indivíduos, assistir-se-á ao
nascimento de desigualdade

- Liberdade produz desigualdade;


- Igualdade só pode ser garantida pela interferência do Estado, isto é,
pela ingerência do Estado na esfera dos direitos individuais.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 208.

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“ 16. LIBERDADE E IGUALDADE ECONÓMICA
Dado isto, se seria ilegítimo um Para Nozick, se o Estado procurasse corrigir as desigualdades em D2, estaria a atentar
sistema fiscal reter um pouco contra a liberdade individual.
do lazer de um homem
(trabalho forçado) com o fim de
servir os necessitados, como A concepção de liberdade de Nozick é, assim, proprietarista e individualista.
pode ser legítimo que um
sistema fiscal apreenda alguns
dos bens de um homem para
Rawls: a concepção de «justiça como equidade» procurava garantir um amplo
esse fim?
sistema de liberdades básicas, alavancando os mais desfavorecidos através do
princípio da diferença.

Enquanto que para Rawls a redistribuição serve para maximizar a liberdade,


Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70, Nozick vê na redistribuição a causa para a minimização da liberdade.
2009, p. 214.

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“ 17. UM ENQUADRAMENTO PARA A UTOPIA
Nenhum estado mais abrangente
do que o estado mínimo se pode
justificar. Mas será que não falta Argumento exposto na terceira e última parte de Anarquia, Estado e Utopia: Nozick procura
fulgor à ideia ou ideal do estado reinterpretar o pensamento utópico.
mínimo? Poderá emocionar o
coração ou inspirar as pessoas
para a luta ou o sacrifício? Será Tradicionalmente, o pensamento utópico é comunitarista e muito crítico da
que alguém iria para as barricadas noção de propriedade privada.
sob o seu estandarte? Parece
pálida e débil por comparação com
as esperanças e sonhos dos
defensores de teorias utopistas, Nozick procura explorar uma possibilidade de pensamento utópico que seja
tomando o extremo oposto. individualista e contraste com o socialismo utópico.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 353.

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“ 17. UM ENQUADRAMENTO PARA A UTOPIA
Não há razão para pensar que
há uma comunidade que sirva O Estado mínimo é um enquadramento para a utopia
como ideal para todas as
pessoas e muitas razões para
pensar que não há. Todas as utopias são possíveis, desde que os direitos dos indivíduos sejam
protegidos.

O Estado mínimo emerge como uma meta-utopia, um campo em aberto onde


todas as criações políticas são possíveis: sociedades liberais, comunas
socialistas, mercados sem regulação. Todos podem conviver na mesma arena
internacional, desde que não atentem contra os direitos de cada indivíduo.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009, p. 367.

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18. RAWLS V. NOZICK
Rawls apresentou o princípio da diferença para tentar superar os
inconvenientes do princípio da utilidade.

Segundo Nozick, Rawls cai na mesma armadilha que atribuía aos utilitaristas: o
de não contemplarem nas suas teorias a diferença entre indivíduos:

- Nozick afirma que Rawls procura colectivizar as características naturais dos


indivíduos, violando os seus direitos.

Para Nozick, Rawls trata os indivíduos mais talentosos como meios para
alcançar um fim distributivo que ajude os mais desfavorecidos.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009.

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18. RAWLS V. NOZICK
Para Rawls, a distribuição de talentos naturais é arbitrária: ninguém fez nada
activamente para ser mais dotado do que os outros e, por isso, ninguém deve
ser recompensado por ser mais criativo, habilidoso, talentoso ou atlético.

Nozick aceita que a distribuição de talentos naturais é moralmente arbitrária,


mas esses talentos são, de qualquer modo, propriedade do indivíduo.

Como cada um é justo proprietário de si e do seu corpo, qualquer ingerência


do Estado interfere com a auto-propriedade e com os direitos individuais de
cada um: qualquer ingerência do Estado é, por isso, injusta.

Tradução de Vitor Guerreiro, Lisboa, Edições 70,


2009.

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