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Mulher no Climatério: reflexões sobre desejo

sexual, beleza e feminilidade1


Women in the Climacteric: reflections on sexual desire,
beauty and femininity

Cecília Nogueira Valença Resumo


Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Enfer-
magem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O climatério é um período abrangente da vida fe-
Bolsista CAPES. minina, caracterizado por alterações metabólicas
Endereço: Av. Ayrton Senna, s/n. Cond. Serrambi V, bl. 08, apto. e hormonais que trazem mudanças envolvendo o
203, Nova Parnamirim, CEP 59151-905, Parnamirim, RN, Brasil.
E-mail: cecilia_valenca@yahoo.com.br
contexto psicossocial. Tendo como referência as
alterações de sexualidade vivenciadas no climatério,
José Medeiros do Nascimento Filho
este trabalho tem por objetivo refletir sobre desejo
Acadêmico do 10º período da graduação em Medicina da UFRN.
Endereço: Rua Valter Fernandes, 3555, Capim Macio, CEP 59082-
sexual, beleza e feminilidade da mulher nessa fase.
090, Natal, RN, Brasil. A metodologia adotada consistiu em estudo biblio-
E-mail: medeiros_ufrn2@yahoo.com.br gráfico, em livros e artigos publicados, entre 1999
Raimunda Medeiros Germano e 2009. A exigência exacerbada pela beleza eterna
Doutora em Educação; Docente dos cursos de graduação e pós- e jovialidade é agravada no climatério, no qual o
graduação em Enfermagem da UFRN; Coordenadora do grupo corpo feminino não tem o mesmo vigor físico pelas
de pesquisa “Caleidoscópio da Educação em Enfermagem” do alterações decorrentes do envelhecimento. A mulher
Departamento de Enfermagem da UFRN. climatérica vive o mito da perda do desejo sexual,
Endereço: Rua João Vilar da Cunha, 2542, Lagoa Nova, CEP 59077-
todavia, continua a sentir prazer, não devendo deixar
070, Natal, RN, Brasil.
E-mail: rgermano@natal.digi.com.br de manifestar amor e sexualidade. A visão social es-
tereotipada sobre o papel da mulher (esposa e mãe)
1 Artigo integrante do projeto de pesquisa de iniciação científica pode interferir negativamente na visão das mulheres
intitulado “A visão de mulheres de um centro de saúde reprodutiva sobre si mesmas e no seu relacionamento com as
sobre climatério e menopausa”, financiado pelo CNPq através de
pessoas e o mundo. Nesse sentido, é importante que
bolsa PIBIC e produzido no grupo de pesquisa “Caleidoscópio
da Educação em Enfermagem” na Universidade Federal do Rio as mulheres tenham acesso à informação em saúde
Grande do Norte (UFRN). para a compreensão das mudanças do período de
climatério/menopausa, contemplando e ressignifi-
cando tal fase como integrante de seus ciclos de vida
e não como sinônimo de velhice, improdutividade e
fim da sexualidade.
Palavras-chave: Climatério; Menopausa; Saúde da
mulher; Sexualidade.

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Abstract Introdução
The climacteric is a long period of a woman’s life, O climatério, segundo Silva e colaboradores (2003),
characterized by metabolic and hormonal altera- é definido como um período de transição entre os
tions that bring changes involving the psychosocial anos reprodutivos e não reprodutivos da mulher,
context. Having as reference the sexuality altera- que acontece na meia-idade. É caracterizado por
tions experienced in the climacteric, this literature alterações metabólicas e hormonais que, muitas
review aims to reflect on women’s sexual desire, be- vezes, podem trazer mudanças envolvendo o con-
auty and femininity in this phase. The methodology texto psicossocial. Repetidas vezes o climatério é
involved a bibliographic study of papers and books reportado como menopausa.
published between 1999 and 2009. The exaggerated Esse evento pode acontecer também de forma
need of eternal beauty and youth is aggravated in “não natural”, através de intervenção cirúrgica com
the climacteric, when the female body does not have a realização de ooforectomia bilateral associada, ou
the same physical vigor due to alterations deriving não, à histerectomia. É importante frisar que o cli-
from aging. The climacteric woman lives the myth matério é um período abrangente da vida da mulher
of loss of sexual desire; however, she continues to por não significar unicamente a última menstruação
feel pleasure and must not stop manifesting love – menopausa (Pinotti e col., 1995). Landerdahl (2002)
and sexuality. The stereotyped social view about afirma que o climatério constitui em processo amplo
the woman’s role (wife and mother) can interfere de transformações de âmbito físico, social, espiritual
negatively in women’s view of themselves and in e emocional, o qual pode ser mais ou menos extenso
their relationship with people and the world. The- para cada sujeito.
refore, it is essential that women have access to Em consonância com os conceitos apresentados
health information to understand the changes of por esses autores, o climatério pode ser interpre-
the climacteric/menopause period, viewing and re- tado como um processo de transformação físico-
signifying this phase as part of their life cycles and emocional fisiológico, não patológico, apesar de
not as synonymous with old age, non-productivity apresentar manifestações clínicas de acordo com a
and end of sexuality. queda gradual dos hormônios e, principalmente, da
Keywords: Climacteric; Menopause; Women’s He- individualidade da mulher.
alth; Sexuality. Assim, outros fatores podem agravar o estado
físico e emocional dessas mulheres, tais como:
condições de vida, história reprodutiva, carga de
trabalho, hábitos alimentares, tendência a infec-
ções, dificuldade de acesso aos serviços de saúde
para obtenção de serviços e informações, assim
como outros conflitos socioeconômicos, culturais
e espirituais associados ao período da vida e às
individualidades.
As mudanças ocorridas no organismo das
mulheres no climatério também perpassam as
influências psicossociais, culturais e situacionais
que irão influenciar sua sexualidade (Favarato e Al-
drighi, 2001). É fundamental ter um olhar holístico
da mulher climatérica, contemplando-a como um
ser único, dotado de dimensões “biopsicossocial-
espirituais”. Entre as mudanças que podem ocorrer
no climatério/menopausa, algumas são devidas à
brusca queda ou desequilíbrio hormonal (dimensão

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biológica) e outras se relacionam ao estado geral da res/alterações de ordem biopsicossocial-espiritual
mulher e ao estilo de vida adotado até então. A autoi- relacionados a conotações negativistas acerca da
magem (dimensão psicológica), o papel e as relações sexualidade nesse período da vida. Nesse sentido,
sociais (dimensão social), as expectativas e projetos a educação em saúde da mulher no climatério pode
de vida (dimensão espiritual) também contribuem ser uma ferramenta importante para desenvolver
para o aparecimento, duração e intensidade da “sín- um novo olhar sobre a mulher climatérica.
drome climatérica”: denominação dada ao conjunto A revisão bibliográfica realizada abrangeu várias
de sinais e sintomas geralmente apresentados por questões relativas ao climatério, porém não se tratou
mulheres nesse período. de uma revisão exaustiva sobre o tema. Assim, bus-
A temática deste estudo é motivada pela pre- cou-se identificar os trabalhos que contribuíssem
sença significativa dos transtornos da síndrome para uma melhor compreensão dos mecanismos,
do climatério em uma grande parcela da população obstáculos e desafios atuais e futuros da saúde da
feminina; fato agravado pela pequena qualificação mulher no climatério e menopausa, visando elabora-
dos profissionais, reforçada pela ausência de polí- ção de ferramentas para a melhoria da qualidade de
ticas públicas voltadas para o acolhimento e para vida sexual da mulher nesse período da vida.
a resolutividade desse tipo de queixa. Além disso, Este artigo envolve a expectativa de uma atu-
ainda existe uma diminuta quantidade de estudos ação mais holística, no sentido da autonomia, e a
na área de saúde da mulher nesta etapa da vida transformação da psique dos sujeitos envolvidos
num olhar mais holístico e menos biologicista, no “processo climatério”. Sendo assim um tema
ou seja, estudos que considerem a abrangência do que se reveste de relevância para os profissionais
climatério nas diversas dimensões que constituem que atuam na atenção à saúde coletiva, da mulher
a mulher que o vivencia, tal como um ser complexo, e da família.
pleno e singular que deve ser contemplado em sua
integralidade.
A relevância científica e social deste trabalho
Metodologia
consiste em permitir um novo olhar acerca do cli- Esta revisão bibliográfica refere-se aos conceitos
matério e da menopausa no âmbito da saúde sexual, de beleza, desejo sexual e feminilidade durante a
considerando fatores importantes nessa questão, síndrome do climatério.
como: feminilidade, beleza e jovialidade, fertilidade Como fontes de informações foram utilizados
e libido, capazes de ressignificar a visão da mulher alguns capítulos de livros sobre o climatério e,
sobre si mesma e sobre o mundo nessa fase. Essa principalmente, artigos científicos de periódicos
problemática de transformações nas mais diversas sobre saúde da mulher e envelhecimento indexados
esferas do contexto feminino se constitui, portanto, no Scientific Electronic Library Online (SciELO)
num desafio para os profissionais de saúde. e no BDENF (Banco de Dados de Enfermagem),
Diante do exposto, são questões de pesquisa que utilizando, em inglês e português, os Descritores
orientaram esta investigação: Que fatores estão em Ciências da Saúde (DeCS): beleza, fertilidade,
relacionados às conotações de perda no climatério, climatério. As expressões jovialidade, feminilidade,
no tocante à sexualidade? Quais alterações de ordem menopausa e libido também foram utilizadas em
biológica, psicológica e social as mulheres sofrem associação com as anteriores por sua aproximação
no climatério a ponto de interferirem na qualidade com o tema. Também foi abordada a educação em
da vida sexual? Como é possível ao profissional de saúde no climatério, visto ser uma alternativa ou
saúde intervir na tentativa de suplantar esse nega- uma ferramenta relevante no tocante ao cuidado e
tivismo acerca da sexualidade no climatério? à assistência à saúde da mulher nessa fase.
Este estudo teve como referência as alterações de As fases da pesquisa ocorreram, respectiva-
sexualidade vivenciadas no climatério, objetivando mente, a partir da identificação e localização de
refletir sobre desejo sexual, beleza e feminilidade referencial teórico que abordasse o tema em estudo;
da mulher nessa fase da vida e identificar fato- do fichamento e do arquivamento do material encon-

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trado; da obtenção das informações pertinentes ao gênio, constituindo-se numa doença de escassez
estudo; e, por fim, da redação do trabalho. Na análise hormonal reforçada pelas numerosas publicações
bibliográfica foi utilizada a abordagem qualitativa, especializadas ou leigas (Vigeta e Bretãs, 2004). Até
uma vez que esta permite um aprofundamento na a década de 1980, utilizava--se a palavra climatério
essência do tema proposto. Foram utilizadas outras para designar o período que antecedia o fim da vida
fontes de pesquisa bibliográfica, além dos artigos, reprodutiva, e menopausa para nomear o cessar
tais como livros e resumos de trabalhos científicos definitivo do menstruo, porém, em 1980, um grupo
de congressos, desde que respondessem aos ques- científico de investigação da menopausa da Organi-
tionamentos do estudo. zação Mundial da Saúde (OMS) propôs a padroniza-
Tendo em vista a atualidade da temática, prio- ção da terminologia, sugerindo abandonar o termo
rizaram-se as publicações entre 1999 e 2009, por climatério pra substituí-lo por perimenopausa. A
ser um período histórico-cultural mais próximo vivência da menopausa, como fenômeno socializado
da realidade atual. Contudo, na caracterização do e compartilhado, passa a ter visibilidade sobretudo
tema climatério foi imprescindível a recuperação a partir do século XX (Trench, 2004).
da trajetória histórica desse conceito, realizada no Alguns trabalhos mostram a existência de novas
início do artigo. significações sociais decorrentes das inegáveis
Em termos quantitativos, na pesquisa biblio- transformações que o ser, o signo mulher, passa
gráfica realizada entre os artigos da SciELO foram durante o período do climatério e da menopausa.
encontrados e incluídos na pesquisa, por termo Motta-Maués (1994) traz o caso da população de
(encontrados, incluídos): beleza (67, 4), fertilidade Itapuá, no Pará, cidade ribeirinha onde o menstruo
(789, 0), climatério (102, 15). Já na pesquisa realizada é vinculado a uma série de restrições às quais a
na BDENF houve os seguintes resultados: beleza (11, menina, pós-menarca, está sujeita (proibições ali-
0), fertilidade (9, 0), climatério (23, 14), menopausa mentares, novas relações com ambientes quentes ou
(22, 12). Dos 45 artigos selecionados a partir dos frios etc.). Nessa perspectiva, a menopausa é encara-
resumos, prevaleceram como referências os que da como um evento libertador, onde a mulher pode
respondiam aos objetivos do trabalho. readquirir os privilégios perdidos em sua mocidade:
Este estudo, portanto, foi construído com base o fim do período fértil da mulher, em Itapuá, ao mar-
em reflexões sobre conceitos de sexualidade; beleza car a abolição de todas as restrições que a menarca
e jovialidade; feminilidade versus fertilidade; desejo representou para ela, realiza o retorno à situação
sexual e suas implicações na vida conjugal, conside- em que tais restrições inexistiam. Porém, quando a
rando aspectos sociais e biológicos do climatério; e mulher deixa de ser ‘visitada’ (menstruada), diz-se
educação em saúde no climatério, como estratégia que ela ‘já é homem’, embora isso sempre seja dito
de promoção da melhoria da qualidade de vida sexual em tom de brincadeira entre as mulheres, indica
da mulher nessa fase. uma redefinição no sentido do desempenho social
da mulher (Motta-Maués, 1994).
Visões Acerca do Climatério e da Segundo Oliveira e colaboradores (2008), em
estudo qualitativo realizado com oito mulheres usu-
Menopausa na História árias de uma Unidade de Saúde da Família de Juiz de
A palavra climatério se origina do grego klimacter Fora/MG, no ano de 2004, a imposição dos padrões
cujo significado é período crítico. Trench (2004), de beleza eterna e os questionamentos quanto à
sobre a origem dos conceitos de climatério e meno- sua sexualidade nessa nova fase foram pontos im-
pausa, discorre que o conceito de menopausa surgiu portantes levantados pelas mulheres. O climatério,
a partir de um artigo publicado em 1816, denomi- em especial a menopausa, é visto como um marco
nado La menopausie. Menopausa é a soma de duas de envelhecimento, repercutindo negativamente na
palavras gregas que significam mês e fim. autoimagem.
Após 1920, o modelo biomédico passou a definir Essa visão é bem representativa do papel que
a menopausa como escassez da produção do estro- a sociedade ocidental contemporânea destinou à

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mulher após a perda de sua capacidade reprodu- Na visão de Pinotti e colaboradores (1995), a
tiva, como descrevem Lima e Angelo (2001). Ao sexualidade envolve o delineamento social dos pa-
realizar um estudo com 25 mulheres em hospital péis do homem e da mulher: o processo de envelhe-
de referência da cidade de São Paulo, esses autores cimento que atinge homens e mulheres; todavia, a
identificaram dois fenômenos vivenciados pelas responsabilidade simbólica da reprodução humana
mulheres climatéricas: 1) a rejeição às mudanças, ca- é delegada mais à mulher do que ao homem. Nesse
racterizado pela perda de perspectivas, ausência de olhar, o homem exerce uma dominação sobre a
encanto pela vida e por uma insatisfação constante mulher, construída sob valores culturais, sociais,
diante das mudanças; 2) a superação das mudanças, econômicos e políticos, no que se refere à sexuali-
no sentido de encontrar na sua internalidade formas dade. Esses autores afirmam ainda que a relação
de combater as novas situações que vivenciam. O fe- entre os gêneros masculino e feminino resulta não
nômeno prevalente em cada mulher vai depender das do encontro do desejo, do amor, da paixão, mas sim
suas experiências de vida prévias e do seu arcabouço do acréscimo das práticas políticas, econômicas e
social atual, sendo uma experiência individual. culturais que necessitam, para sua plena realização,
A percepção da menopausa e de sua medicali- das mediações dos processos das relações sociais
zação, disseminada pelo discurso médico, pelos (Pinotti e col., 1995).
laboratórios farmacêuticos, pela mídia e até por As mulheres ainda desempenham múltiplos
ramos do discurso feminista, tem como público-alvo papéis sociais, entre os quais ser mãe, ser esposa,
uma mulher privilegiada social e economicamente, ter aparência saudável e ser atraente para o sexo.
com tempo e dinheiro disponíveis para cumprir nu- Adquiridos no decorrer da história, esses papéis
merosos rituais de saúde e beleza atribuídos a ela: apresentam-se diretamente relacionados à sexuali-
exercícios físicos, cremes e vitaminas, alimentação dade feminina. Muitos desses padrões de visão do
balanceada, entre outros. Essa percepção pressupõe corpo e da sexualidade feminina ainda podem estar
que a menopausa e o envelhecimento se apresentam presentes, ainda que discretamente, na percepção
da mesma forma a todas as mulheres, negando sua atual da mulher (Cruz e Loureiro, 2008).
individualidade e contextos socioeconômico-cultu- Na vida das mulheres existem marcos visíveis
ral (Trench e Santos, 2005). no corpo físico que sinalizam fases ou passagens,
Portanto, no enfoque da visão da sociedade oci- tais como a menarca, a ruptura do hímen, a última
dental capitalista sobre o climatério e a menopausa, menstruação. Apesar de tais marcos serem rubrica-
entretanto, esta tende a ser vivida pelas mulheres dos em cada cultura, é possível identificar um traço
como um dos marcos mais visíveis e temíveis de aparentemente comum e presente em diferentes
suas existências, por deparar-se não só com ques- sociedades e épocas históricas: a valorização da
tões relativas ao fim de sua vida reprodutiva, mas mulher na fase reprodutiva e a sua desvalorização
também com o envelhecimento e com inúmeras na fase não reprodutiva (Trench e Santos, 2005).
fantasias associadas ao fim de sua sexualidade e Refletir sobre climatério e suas manifestações de
feminilidade. sexualidade causa uma inquietação que vai além dos
elementos e categorias geralmente utilizados para
estereotipá-lo em sua classificação e normatização.
Sexualidade: reflexões Portanto, é essencial que a mulher no climatério
A sexualidade vai além do ato sexual propriamente passe a desfrutar de sua sexualidade respeitando
dito, pois envolve e influencia a forma de sentir todas sua subjetividade na busca do conhecimento de seus
as coisas, considerando o seu potencial de penetrar e próprios pensamentos, emoções, valores e desejos,
atravessar continuamente a subjetividade de um ser em vez de relegá-los a segundo plano em vista de
holístico em diversas perspectivas. Para se pensar parâmetros pré-fixados na sociedade, nos campos da
a saúde da mulher e a elaboração de políticas que economia, da política e da cultura, apenas para citar
contemplem uma visão mais abrangente de saúde, algumas dimensões da vida. Mais importante do que
a perspectiva de gênero é fundamental. romper agressivamente com tais representações

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sobre a imagem feminina, é a mulher se conhecer A forma de cuidado ao corpo feminino pode ser
e se respeitar para desenvolver sua sexualidade de vista como agente da cultura e como um lugar prá-
forma saudável e prazerosa. tico de influência social. A exigência exacerbada e
desgastante pela eternidade da beleza e da jovia-
lidade se agrava no climatério, período no qual o
Beleza e Jovialidade corpo das mulheres não tem o vigor físico de outrora
Durante a vida, o ser humano e sua visão sobre o pelas alterações decorrentes do inevitável processo
próprio corpo delineiam-se de acordo com uma de envelhecimento. Em consequência, elas podem
conjuntura sócio-histórico-cultural, ou como melhor viver um estado de insegurança emocional perante
conceituaria Ferreira (1994), o corpo é emblemático tais transformações, conforme discorreram Favarato
de processos sociais. Ao considerar a beleza e a jo- e Aldrighi (2001): ao afetar a autoestima negativa-
vialidade como integrantes das exigências sobre as mente, essas mulheres podem se considerar menos
mulheres em todas as fases de suas vidas, é válido atraentes e desejáveis, tornando-se inseguras,
refletir sobre a compreensão do corpo feminino. prejudicando muitas vezes seu convívio familiar,
Assim, o corpo das mulheres nunca foi tão disci- conjugal e social.
plinado e normalizado quanto nessa época. Busca-se Sobre o reflexo na relação com o parceiro na visão
um ideal de feminilidade evanescente, homogenei- da mulher sobre seu corpo nessa fase da vida, Trench
zante, sempre em mutação, que exige uma busca (2004) cita o livro Identidade, de Millan Kundera.
infindável e incansável; transformando os corpos Neste romance, a bela, mas não tão jovem, protago-
femininos no que Foucault chama de “corpos dó- nista explicita claramente a seu companheiro o que
ceis”. Estes têm suas forças e energias habituadas algumas mulheres sentem quando o olhar do outro
ao controle externo, à sujeição, à transformação e se ausenta: “Vivo num mundo em que os homens já
ao aperfeiçoamento. Induzidas por tal disciplina, as não se viram pra olhar para mim”. O companheiro
mulheres memorizam em seus corpos o sentimento é incapaz de compreender a princípio a fala de sua
e a convicção de carência e insuficiência, levando as esposa, depois é tomado de imensa compaixão por
práticas de feminilidade a casos extremos de abso- esta mulher que ele ama e que está envelhecendo.
luta desmoralização, debilitação e morte (Trench, Ele compreende que os olhares do amado podem
2004). não bastar a uma mulher, pois a confirmação de um
Algumas mulheres ancoram o climatério no sig- profundo núcleo da intimidade feminina depende do
no velhice, reproduzindo todas as significações ne- olhar de homens desconhecidos.
gativas (preconceitos, mitos, medos) circulantes na As mulheres ancoradas em valores predetermi-
sociedade brasileira referentes a essa fase. Num país nados, normatizados e temporais temem envelhecer
de população até bem pouco tempo predominante- porque esse processo provoca sentimentos ignomi-
mente jovem e inserida no consumismo, a juventude niosos em relação ao desejo de ser amada, desejada e
ainda é valorizada por todos os meios de comunica- reconhecida como pessoa em sua totalidade. Adashi
ção, aceita como um valor universal e padrão estético e Hillard (1998) acrescentam que a menopausa pode
a ser preservado a qualquer preço: culto aos corpos ser vista como uma transição da meia-idade para a
esculpidos artificialmente, inúmeras marcas de pro- senilidade que, para muitas, causa o sentimento de
dutos de beleza cada vez mais milagrosas, clínicas negação, estresse, diminuição da libido, preocupa-
de estética, cirurgias de lipoaspiração, academias ção e insônia. A depressão pode estar mais relacio-
de ginástica, regimes para emagrecimento rápido e nada às alterações do relacionamento com os filhos,
tantos outros recursos apregoados como de última estado conjugal e outros eventos da vida.
geração, “última palavra” em rejuvenescimento ou Para as mulheres, o mais assustador não são os
retardamento dessa fase “indesejável”. Tudo isso sintomas físicos ou doenças associadas ao envelhe-
cria uma paisagem “assustadora” e “dolorosa” para a cimento e ao climatério, mas sim a vivência de algo
mulher que, supostamente, inicia a sua trajetória de que para elas é desconhecido: a perda da imagem de
“decadência” e “envelhecimento” (Oliveira, 2001). si mesmas e o medo de que o outro não as reconheça,

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como ser ou existência (Trench, 2004). a juventude e a fecundidade da mulher, ou seja, a
Portanto, o ideal da eterna juventude é buscado capacidade continuada de regeneração e a promessa
pela maioria das mulheres, não em função de um de uma nova maternidade (Pinotti e col., 1995). A
olhar sobre si mesmas de autocuidado e de respeito menstruação é significativa por lembrar à mulher
ao próprio corpo, mas num olhar de perfeição física sua feminilidade e juventude, embora sua capaci-
construído por valores culturais e socioeconômicos. dade reprodutora, sua fertilidade, não tenha sido
A perda da beleza ou do vigor resultante do processo utilizada.
fisiológico de envelhecimento é tida como vergonho- Portanto, a mulher no climatério pode sofrer
sa e degradante. Assim, toda mulher exerceria sua conflitos acerca da cessação do menstruo enquanto
feminilidade na luta desenfreada contra o relógio signo da fertilidade/feminilidade, da manutenção
em detrimento da compreensão de seu corpo como da capacidade de gerar filhos, a qual se consagra
instrumento de amor e prazer em qualquer momento pelo “ser mãe”. No entanto, acerca da maternidade
da vida. como parte do imaginário do “ser mulher”, é válido
Vale a observação de que a perspectiva apresen- questionar se ela, enquanto condição que se segue
tada aqui é variável dentro do universo de mulhe- à fertilidade, resume-se à capacidade de gerar filhos
res estudadas, mas, obviamente, ao se contrastar biologicamente.
formações culturais distintas haverá uma nítida A mulher que não se realizou na maternidade
relativização da vivência do feminino diante do também costuma sofrer no climatério. Pinotti e
fim da sua jovialidade. Nesse aspecto, o peso que o colaboradores (1995) citam um estudo de Langer
critério “beleza” representa enquanto signo emerge mostrando que por mais que a mulher negue cons-
inevitavelmente, como mostra Motta-Maués (1994) cientemente a necessidade de ter filhos, esse desejo
em estudo sobre a população ribeirinha de Itapuá, existe inconscientemente e a menopausa, frus-
estado do Pará, onde a liberdade trazida pela não trando assim a sua concretização, trará conflitos,
menstruação superpõe-se à perda da jovialidade, estes, sim, indesejados. Essa autora sustenta que
culminando numa aceitação positiva da menopausa a menopausa traz à mulher muitas dúvidas quanto
e da perda da jovialidade. à sua pessoa e as suas possibilidades futuras. Daí
Considerando o envelhecimento como parte a importância tanto de sua estrutura psicológica
da vida, é fundamental que a mulher nessa fase como de sua aceitação pelos que estão à sua volta.
considere seu corpo desejável e bonito, apesar da Ressalta que a dificuldade de superar esse período
diminuição do vigor físico da juventude, e forta- adequadamente é importante na gênese de fenôme-
leça a sua autoimagem corporal. Esse estímulo à nos somáticos que ocorrem nessa fase.
autoestima reflete-se na busca pelo amor próprio, Neste sentido, percebe-se que a vivência da ma-
demonstrando feminilidade e maturidade, apesar ternidade é uma construção social, não limitada ao
de não se encontrar mais no período reprodutivo da biologicismo, mas dependente de uma rede de apoio
mulher (fertilidade). nos âmbitos socioeconômico, emocional e espiritual.
A menopausa, enquanto signo do fim da fertilidade,
sobretudo para as mulheres que não vivenciaram a
Feminilidade Versus Fertilidade experiência da maternidade, não deve significar o
Para Miranda e Figueira (1999), o climatério é o fim ou a redução da feminilidade.
período que tem início com a perda progressiva da Na meia-idade não é discutível apenas a meno-
fertilidade e com as alterações menstruais até a se- pausa ou o cessar do ciclo ovariano ou reprodutivo,
nescência. A perda da possibilidade de ser mãe gera mas sim o entrecruzamento de diferentes discursos
um sentimento de perda da feminilidade e da capa- culturais em relação à mulher, reprodução, sexua-
cidade de se relacionar com o mundo externo, tendo lidade e ao envelhecimento (Trench, 2004). Dessa
repercussões relevantes no psiquismo da mulher. forma, a mulher, ao chegar à maturidade, enfrenta
A menstruação significa a perda da esperança medos e inseguranças em relação ao seu corpo, à
da maternidade, entretanto, simboliza, igualmente, sua capacidade de seduzir e ao seu papel de mãe, já

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que na menopausa ela deixa de procriar (Favarato e amor e sexualidade.
Aldrighi, 2001). A menopausa, no entanto, significa Em um estudo sobre o tema, procurou-se identi-
apenas o fim do período de fecundidade. Não é e nem ficar as alterações biopsicossociais mais frequen-
deve ser o fim da vida nem da capacidade produtiva tes no climatério, tendo como enfoque principal
e tampouco o fim da sexualidade, manifestada ou conhecer e contribuir para a solução dos problemas
não através da qualidade da vida sexual e da libido de um grupo de mulheres nessa fase. A coleta de
apresentadas pela mulher nessa fase. dados foi realizada através de entrevistas, das quais
participaram 36 mulheres na fase do climatério que
frequentavam o Centro de Saúde da rede pública, em
Desejo Sexual Fortaleza-CE. Destas, 25 mulheres referiram irrita-
A mulher climatérica é martirizada diante de um for- bilidade; 23, fadiga; 22, ansiedade; 19, diminuição
te mito: o da perda indubitável de seu desejo sexual, da libido; 21, estresse; 20, insônia; e 20, depressão.
secundário ao seu processo de envelhecimento e da Ressalta-se que 24 mulheres sentiram mudanças
ressignificação de sua sexualidade num período pós- diversas relacionadas ao companheiro, indicando
reprodutivo. A problemática reside nessa identifica- a frigidez sexual do casal, abuso e isolamento do
ção do signo mulher enquanto objeto da procriação parceiro e diminuição da libido, associadas aos des-
e da incapacidade de transcender a metamorfose confortos no ato sexual (Silva e col., 2003).
física para uma nova esfera psíquica e social. A influência do meio sobre o desejo sexual é re-
Conforme a Federação Brasileira das Socieda- velada também em outro trabalho, no qual mulheres
des de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo, 1995), no climatério residentes em Fortaleza, capital do
há mulheres que apresentam redução da libido na Ceará, tinham uma sexualidade mais sadia do que
pós-menopausa, cuja explicação está na redução de aquelas que moravam em Umirim-CE, município
testosterona, não de estrogênio. No entanto, a queda do interior. Diferentes signos para a menopausa
da produção de estrogênio torna lenta a lubrificação e maior estrutura de atendimento a essa clientela
vaginal; a atrofia vaginal (por diminuição das di- na capital do que no interior foram propostos como
mensões e da capacidade expansiva da vagina) pode fatores influenciadores (Araújo e col., 2006).
provocar dispareunia; cistites podem ser causadas Outros fatores também são tidos como consti-
por uma maior exposição à ação mecânica do coito tuintes do desejo sexual nesse período da vida. A
no adelgaçado coxim tissular da parede superior da vida conjugal se revela como temática importante
vagina, que serve de proteção à uretra e à bexiga. para diversos autores. O tipo de companheiro é capaz
Em resumo, as alterações físicas interferem no de revelar muitos aspectos da batalha travada entre
ato sexual. Adashi e Hillard (1998) complementam a mulher e sua sexualidade. Relações de poder, de
dizendo que a atrofia vaginal e o desconforto sexual atividade-passividade, manifestações e papéis cultu-
são fatores que podem contribuir para a diminuição rais são apenas alguns fatores a serem considerados
da satisfação sexual. na tríade jogo marital – sexualidade – climatério.
Estudos revelam que particularmente a testos- Fernandez e colaboradores (2005) realizaram um
terona aumentou a libido e a resposta sexual, mas estudo para identificar os aspectos que as mulheres
não a capacidade orgástica nem a frequência coital atendidas em um Serviço de Ginecologia e Obste-
(Pinotti e col., 1995). Nesse particular, é interessante trícia consideraram como positivos e negativos no
referir que os efeitos terapêuticos hormonais são exercício de sua sexualidade, na fase do climatério.
mais evidentes quando a relação marital é satisfató- As 45 mulheres entrevistadas mencionaram 86 situ-
ria em termos de intimidade. É perceptível que o ser ações, sendo 41 (47,7%) consideradas positivas e 45
humano, pleno e singular, não pode ser meramente (52,3%) negativas. As situações foram classificadas
apreendido por uma dimensão puramente fisiopa- em três categorias: relacionamento a dois, ato sexual
tológica. Compreende-se que a mulher climatérica e mulher – ser social. Os resultados evidenciaram
continua a sentir prazer, seu corpo continua erótico que elas priorizam a valorização da qualidade do
e erotizável, não devendo deixar de manifestar seu relacionamento e da manifestação da emoção no

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contexto romântico. Destacaram a insatisfação com sexualidade com o cônjuge. Como são realizadas as
a autoimagem e a presença da dominação sexual do relações sexuais? Existe uma participação iguali-
homem sobre a mulher. tária, ou predomina sempre o desejo de um sobre o
Em um estudo com o objetivo de averiguar as outro? A mulher tem orgasmo? Questões importan-
modificações fisiológicas da menopausa que in- tes sobre o sexo são conversadas de maneira direta
fluenciam o padrão sexual da mulher; conhecer se a e aberta entre os parceiros?
frequência da atividade sexual mudou após a meno- Considerando a forma como esse casal se re-
pausa e investigar os fatores agravantes ou atenuan- laciona ou mesmo as pessoas que não têm uma
tes na vida sexual durante essa fase, participaram 16 vida marital, pressupõe-se que algumas mulheres
mulheres do Centro de Saúde Almerinda Lomanto, vivenciarão o climatério com maior dificuldade se
em Jequié-BA. Os resultados indicam mudanças forem estabelecidas pouca ou nenhuma intimidade
no relacionamento sexual após a menopausa, tais na relação conjugal ou parceira. Assim, a informação
como diminuição da libido, incompreensão do com- em saúde torna-se um aspecto fundamental para
panheiro, algumas referiram ausência de alterações essas mulheres; informação sobre o seu corpo, o
e outras, uma mudança positiva em qualidade das autocuidado e o relacionamento com o companheiro
relações sexuais. Foram motivos que favoreceram etc., a fim de vencer os conflitos que permeiam essa
as mudanças: alterações fisiológicas no ato sexual, fase da vida feminina.
cefaleia, náuseas, fogacho, menorragia, falta ou
diminuição do prazer e alterações psicológicas.
As autoras concluíram que durante o climatério
Educação em Saúde no Climatério
e após a menopausa podem ocorrer modificações Apesar de sofrerem com os vários sinais e sintomas
fisiológicas capazes de influenciar o padrão do ato climatéricos, é notável que as mulheres nesta tran-
sexual, cabendo aos profissionais de saúde a busca sição entre a fase reprodutiva e a não reprodutiva
pela promoção da saúde sexual e de atitudes e com- desconhecem ou não identificam a maior parte das
portamentos visando romper mitos e tabus (Aderne alterações hormonais, fisiológicas e emocionais
e Araújo, 2007). envolvidas no processo de decréscimo da produção
Percebe-se, então, que a questão do desejo sexual hormonal e cessação de ciclos menstruais. Esse
no climatério não segue uma linearidade fácil de desconhecimento pode estar associado a outros
ser mensurada. É, contudo, um intrincado emara- conflitos socioeconômicos, culturais e espirituais
nhado de fatores: biológicos, psicológicos, sociais que, somados ao período da vida e à individualidade
e espirituais, tudo isso encarado numa perspectiva dessas mulheres, agravam seu estado físico e emo-
histórica. Faz-se necessária, no manejo das mulhe- cional. A visão social estereotipada sobre o papel da
res que estão sentindo os efeitos dessa síndrome, mulher (esposa e mãe) pode interferir negativamen-
uma abordagem que permita a expressão de todas te na visão das mulheres sobre si mesmas e no seu
essas dimensões, com uma terapêutica capaz de relacionamento com as pessoas e com o mundo.
responder a todas elas. Nas sociedades emergentes pós-modernas, a
Nesse aspecto, é possível questionar: que tipo mulher no climatério é apresentada com imagens
de parceiro esta mulher escolheu para ser seu com- que a retratam como uma fase em que a juventude,
panheiro? Em relação às situações cotidianas da a vitalidade, a sexualidade e a atratividade podem
vida conjugal, podem ser levantadas as seguintes ser mantidas mediante condutas de promoção de
questões que evocam conflitos: será que um pensa- saúde: estímulo aos exercícios físicos, alimentação
va e resolvia tudo enquanto o outro passivamente saudável, controle ponderal, combate ao tabagismo,
aguardava o resultado? Ou será que houve uma entre outras. Tais modificações nos hábitos de vida
divisão adequada em termos de resoluções de todas são úteis tanto quanto à reposição hormonal (Vigeta
as situações em que os dois deveriam ter um senso e Bretãs, 2004).
comum? Houve respeito mútuo entre os parceiros? Silva e colaboradores (2003) asseveram que a
Nessa conjuntura, outro ponto importante é o da principal atitude do profissional de saúde diante da

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mulher climatérica deve ser preventiva, mediante a cial de melhorar a qualidade de vida das mulheres,
promoção do esclarecimento e do autoconhecimen- apesar de não interferir nos sintomas da síndrome.
to, tendo em vista a preparação dessa mulher para Apesar de se tratar de estudo de realidade social e
enfrentar e superar as modificações e transtornos cultural distinta da brasileira, esse estudo aponta
que possam ocorrer. para uma linha condizente com a literatura nos seus
A educação em saúde, numa perspectiva de referenciais teóricos aqui analisados.
promoção à saúde para a melhoria na qualidade de Um outro estudo, dessa vez transversal, realizado
vida, pode ser uma ferramenta eficaz de intervenção por Huston e colaboradores (2009) com 765 mulhe-
dos profissionais de saúde junto às mulheres no res norte-americanas, concluiu que, na amostra
climatério. Nessa perspectiva, Pinotti e colabora- analisada, os médicos generalistas foram tidos
dores (1995) reforçam a importância da educação como fonte maior de informações do que os outros
em saúde no climatério como uma preparação para profissionais da saúde, devido a uma sensação de
a menopausa, fornecendo-lhe informações adequa- maior conhecimento desses primeiros profissionais
das, expectativas realistas, apontando a existência por parte dos sujeitos dessa pesquisa. Isso se revela
de tratamentos, o que possibilita encarar a nova como um fator preocupante se aplicável na realida-
situação com outra de maior controle no seu manejo, de brasileira, tendo em vista que nos serviços de
tudo para proporcionar à mulher uma sensação de saúde nacionais, em especial na Estratégia Saúde
bem-estar nessa fase. da Família, é o enfermeiro o principal profissional
Diante dos problemas do climatério, o profissio- a dialogar com essas mulheres.
nal de saúde deve refletir e buscar uma percepção No Brasil, a escolaridade enquanto fator pro-
geral das mudanças e sintomas dessa fase, a fim de motor de maior conhecimento esteve relacionado
construir um trabalho participativo junto às mu- à melhoria da qualidade de vida de mulheres no cli-
lheres que propicie educação e suporte emocional. matério, como mostrou De Lorenzi e colaboradores
Faz-se necessário compreender e vivenciar uma (2006) em trabalho quantitativo. Em contrapartida,
assistência holística, considerando sua realidade so- estudo conduzido por Silveira e colaboradores (2007)
cial, econômica, cultural, educacional e emocional. É no estado do Rio Grande do Norte apresentou as
importante registrar que as mulheres climatéricas mulheres no climatério alfabetizadas e de zonas
são negligenciadas no atendimento de Saúde Públi- urbanas como possuidoras de pior qualidade de
ca, o qual deve ser direcionado às suas prementes vida do que as não alfabetizadas e de zonas rurais.
necessidades de orientação e ao desenvolvimento Todavia, uma análise mais acurada permite enxergar
de um programa de atenção que contemple a troca que não é a educação em saúde que se apresenta
de informações e das experiências vividas e permita como um elemento promotor dos aspectos negativos
acesso aos meios disponíveis, para que elas alcan- do climatério. Nessa situação, são os aspectos cul-
cem a autovalorização e a autoestima, fundamentais turais que potencializam os sintomas climatéricos
para o resgate do bem-estar e de vida longa, digna e (alimentação, estresse, sedentarismo, tabagismo,
saudável (Silva e col., 2003). etilismo). A Educação em Saúde está acima dessas
Para Landerdahl (1997), dialogar sobre as mudan- discrepâncias e deve ser aplicada a todas as mulhe-
ças biológicas, emocionais, sociais e espirituais que res, levando em conta as peculiaridades históricas
ocorrem com essas mulheres, bem como fazer uma de cada uma delas.
reflexão a respeito dos mitos e inseguranças sobre Mendonça (2004) enfatiza a necessidade de os
o climatério, possibilitará um novo significado para médicos prestarem informações adequadas sobre a
essa nova fase. Síndrome do Climatério às usuárias dos serviços de
Em estudo quantitativo realizado com 39 mulhe- saúde que os procurem com queixas relacionadas.
res japonesas pós-menopausa, Ueda e colaboradores Do contrário, atitudes negativas ou mesmo zombe-
(2009) mostraram que um programa de Educação teiras permitem o cultivo de ideias falsas ou meias-
em Saúde realizado durante 6 semanas teve o poten- verdades obtidas de fontes inseguras. Apesar de se

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tratar de uma fala voltada para a classe médica, a organismo, existentes em menor ou maior grau por
atitude suscitada pelo autor pode se estender aos uma singularidade biológica, interferindo na vida
demais atores do fazer saúde, indubitavelmente. Isso da mulher e em sua qualidade de vida.
por ser um espaço onde dúvidas podem ser sanadas O próprio processo de compreensão da síndrome
e um processo terapêutico que se inicia da aceitação como uma etapa da vida gera conflitos de ordem
do climatério como evento natural do ciclo de vida psicológica, igualmente desafiadores se comparados
da mulher. aos sintomas biológicos. Contudo, os equipamentos
Logo, o diálogo entre os profissionais da área de e as instituições de amparo social – família, amigos,
saúde e as mulheres pode contribuir bastante para a ambiente de trabalho, lideranças religiosas – cons-
melhoria da qualidade de vida e saúde no climatério, tituem importantes componentes da forma como o
por permitir a troca de conhecimentos, saberes e climatério será encarado na vida de cada mulher,
experiências na busca de uma assistência integral, determinando esse processo para cada uma das mu-
individualizada e humanizada. lheres. O apoio dos filhos, a superação da síndrome
do “ninho vazio”, comum nessa idade, o diálogo com
o cônjuge e o envolvimento em atividades que lhe dão
Considerações Finais prazer são fatores capazes de atenuar o sofrimento
Diante da revisão de literatura realizada, verificou- da mulher e de dar um novo significado aos sintomas
se que a profundidade das alterações sofridas pela porventura presentes.
mulher no climatério, por sua complexidade, pode O aumento da expectativa de vida e seu impacto
revolucionar todo o seu ser. Seria limitado tomar sobre a saúde da população feminina tornam impe-
toda a complexidade das transformações ocorridas riosa a necessidade de adoção de medidas com vistas
no climatério apenas como mudanças na esfera da à obtenção de melhor qualidade de vida durante e
beleza, da sexualidade e/ou da feminilidade. Entre- após o climatério. Portanto, é imprescindível que
tanto, a revisão bibliográfica desses três aspectos essas mulheres tenham acesso à informação em
revelou a importância deles para a compreensão saúde, para uma melhor compreensão das mudanças
do climatério, abrindo perspectivas num universo do período de climatério e menopausa, e sejam ca-
conceitual mais amplo e profundo. pazes de contemplar tais fases como integrantes de
No que tange aos fatores relacionados às seus ciclos de vida e não como sinônimos de velhice,
conotações de perdas ocorridas no climatério, à improdutividade e fim da sexualidade.
sexualidade e ao olhar do outro, à inexistência da Nesse contexto, os profissionais de saúde podem
capacidade reprodutiva e às alterações libidinosas, intervir e/ou colaborar na tentativa de suplantar
soma-se a perspectiva existencial negativa. Con- concepções errôneas, preconceituosas e excludentes
tudo, a introspecção, a busca pela compreensão de sobre essa fase da vida, apropriando-se da educação
sua própria subjetividade e ressignificação de si em saúde como uma estratégia que pode envolver as
mesma são processos que podem ajudar as mulhe- mulheres e até mesmo seus parceiros na compreen-
res a encontrar, nessa fase de suas vidas, um novo são desse processo e no desenvolvimento de um novo
desabrochar, levando a um crescimento emocional olhar sobre essa fase da vida feminina.
e espiritual capaz de suplantar as conotações das O acolhimento, a escuta qualificada, a formação
perdas orgânicas e psicológicas. de grupos de apoio e a relação dos profissionais com
As alterações de ordem biológica que culminam as usuárias são ferramentas que os profissionais
em alguns sintomas e sinais da síndrome do clima- de saúde precisam utilizar nesse contexto. Dessa
tério acabam exigindo da mulher uma readaptação forma, assumindo essas considerações, o climaté-
no sentido de compreender como o seu corpo passa a rio pode ser conduzido com um ‘novo olhar’ para
funcionar nessa fase da vida. Alterações da mucosa muitas mulheres: um momento de redescoberta, de
vaginal, a amenorreia, as cefaleias e os fogachos são construção de outros/novos sonhos e um instigante
exemplos de alterações, variáveis de organismo para recomeço.

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Recebido em: 10/10/2008


Reapresentado em: 31/08/2009
Aprovado em: 24/09/2009

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