#2.5 Casamento Di Piazzi

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PERIGOSAS ACHERON
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Copyright© 2019 Clara de Assis


Copyright© 2019 Editora Charme
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode
ser utilizada ou
reproduzida sob qualquer meio existente sem autorização por
escrito dos editores.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos
descritos são produtos de imaginação do autor. Qualquer
semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
1ª edição 2019
Foto de Capa: Depositphotos
Criação e Produção: Verônica Góes
Fotos: Depositphotos
Revisão: Sophia Paz
Criação do E-book: Ana Martins
CIP-BRASIL, CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DE EDITORES DE LIVROS, RJ
Clara de Assis
Casamento Di Piazzi / Clara de Assis
Editora Charme, 2019
1. Romance Brasileiro - 2. Ficção brasileira

PERIGOSAS ACHERON
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ISBN: 978-85-68056-82-0
CDD B869.35
CDU 869.8(81)-30

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— Eu preciso de saltos mais baixos. Não vou


usar nada com mais de dez centímetros, Carol.
— Ah, bem pensado. Do jeito que está
nervosa, capaz de a musiquinha ser “Lá vem a
noiva, toda de branco, lá vem a... Ué, cadê a
noiva?”. Imagine só nas filmagens. — Carol
parou para rir um pouco. — Você vem vindo, o
Théo todo sorridente, e do nada... pah! Você
some do vídeo, porque está beijando o chão.
— Quando você parar de palhaçada, pode,
por favor, pedir o par de sapatos que a Giovana
me prometeu?
Giovana tinha aprontado uma conosco antes
de chegar, por isso, agradou a mim e às outras
com mimos realmente caros.
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— Se eu fosse você, casava de tênis. De


qualquer forma, ninguém vai ver mesmo, por
baixo de tanto pano.
— Se você fosse eu, estaria casando? — Não
pude evitar o tom desdenhoso.
— Só se o noivo fosse o Théo e todo aquele
presentão por baixo da calça...
Ela conseguiu se esquivar do sapato que voou
em sua direção.
Carol nunca soube a hora de ficar calada.
— Caramba, você está violenta! Sabe que é
brincadeira... — Carol ainda sorria, enquanto
colocava o sapato que atirei nela sobre a cama.
— Hormônios, esse é o seu problema.
— Carol!
— Está bem... Eu já vou buscar o sapato com a
Giovana… Credo, quanta ansiedade. Vamos ver
qual dos mil pares extras, depois da ida à Roma,
Gio vai te dar — resmungou, deixando o quarto.
Olhei mais uma vez meu reflexo no espelho e
respirei fundo. Faltava tão pouco para me tornar
oficialmente a Sra. Anghelo Theodore Di Piazzi...
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Meu Deus.
Eu me tornaria a nova Sra. Di Piazzi.
Senti o peso da constatação me atingindo
bem no meio da cara.
A filha de dona Gema, Diná, adotou o
sobrenome do marido, e o mesmo aconteceria
com Sophia, quando se casasse, assim como foi
com a irmã do Enzo, Giuliana. No entanto, eu
estava prestes a me tornar a mais nova Sra. Di
Piazzi. A esposa do neto mais velho. Do ramo
mais antigo.
Não levei tanto tempo assim para entender a
árvore da família, aliás, dona Gema desistiu dos
mais antigos e focou em me instruir, a partir do
bisavô do Théo.
Apenas para garantir, dona Gema mantinha
um retrato com o nome de cada um, em uma
sala que parecia uma galeria de museu, cheia de
pinturas, esculturas, um monte de cartas
escritas de próprio punho, que ela tanto gostava
de guardar, e outras quinquilharias, até máquina
de costura do século XIX tinha lá.
E dona Gema não facilitaria para mim, fez
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com que eu repetisse cada um dos nomes…


Demetrio casou-se com Flora, os bisavôs de
Théo. Deles, nasceram Guido, Gaudenzio,
Guilhermo e Ester. Guido era o mais velho, e ele
se casou com Gema. Deles vieram Diná, os
gêmeos Tarso e Marco, e o caçula, Giulio.
Eu me sentia recitando uma passagem
bíblica: e Salmom gerou Boaz; e Boaz gerou
Obede; e Obede gerou Jessé…
Nada contra passagens bíblicas, aliás. E esta
foi uma outra coisa da qual fui acusada. Acho
que, se tivesse dito que deixaria o filho que
viesse a ter com o Théo escolher sua própria
religião ao invés de batizá-lo na igreja, aquela
miniatura de Stalin teria me posto para fora da
vila Di Piazzi aos pontapés!
— Você tem que zelar pela união da família.
Este será o seu legado. — Quando falou isso, eu
tremi. Não foi nada reconfortante. Foi quase
como uma ameaça velada.
E se eu não amasse com loucura aquele
italiano, teria entrado no primeiro voo de volta
para o Brasil.
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Acalmando-me aos poucos, depois de


partilhar o ocorrido com minhas amigas e ouvir
delas as mais altas gargalhadas, pensei no que
realmente significava ser a dona Gema.
Todas as suas decisões repercutiam sobre o
clã Di Piazzi. Eles... ― ou melhor, nós. Em pouco
tempo, eu seria parte de suas histórias ― Nós...
Éramos o ponto de partida para o restante da
família. Os sobrinhos-netos de dona Gema se
espelhavam na coragem e na força do Théo; no
discernimento e senso de justiça de Pietro; no
altruísmo de Sophia; na bondade de Giuliana; e
até mesmo na audácia do Enzo.
Não havia compreendido a magnitude disso
dentro da família. Até aquele momento.
Eles sobreviveram à guerra; fizeram parte da
Resistência italiana à ocupação do seu país pela
Alemanha Nazista, chamada por dona Gema de
Partigiana. E este momento da vida dos Di Piazzi
renderia muitas histórias para as gerações
vindouras.
Mantiveram suas terras, sua casa,
mantiveram-se vivos. E cresceram, e
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prosperaram.
Mas dona Gema também perdeu muito... Só
agora que eu carregava uma vida dentro de mim
pude me colocar em seu lugar. Ela perdeu o
marido e três dos seus quatro filhos.
O que eu teria feito? Quem eu seria em seu
lugar?
Duas batidas na porta me arrancaram dos
pensamentos. A voz do Théo atravessou a
madeira.
— Quero entrar.
— Estou vestida de noiva! — Eu não levava a
sério um monte de superstições, mas essa eu
não queria arriscar, meu casamento tinha que
ser perfeito. — Não entre!
— Cubra-se, eu vou entrar. Você tem dez
segundos. Nove, oito...
Puxei o edredom e o joguei sobre os ombros,
derrubando, no processo, tudo que tinha sobre a
cama: sapato, caixinha de costura e outras
bugigangas que Carol havia espalhado para
bordar o nome de nossas amigas na barra do

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vestido. Como mandava a tradição, eu deveria


estar vestida de noiva quando bordassem o
nome de quem queria se casar.
— Dois... Um.
Demorou um pouquinho mais antes de ele
colocar a cabeça pela fresta e abrir um dos olhos,
enquanto o outro ainda estava apertado com
força. O sorriso nunca deixou seu rosto e o
sinalzinho sobre o lábio quase sumia quando ele
sorria tão abertamente assim. Eu sorri também.
Seu único olho aberto encontrou o meu
semblante divertido e então ele entrou no
quarto, desfazendo a careta engraçada e
cravando o olhar direto em meu rosto.
— Por que será que tenho a sensação de que
você está mais linda por baixo desse edredom?
— Por que estou vestida com sua cor
favorita?
— Está se casando de azul? — perguntou,
franzindo o cenho.
— Théo, o que você quer? Estou no meio de
algo importante aqui.

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— Eu só não estava aguentando mais de


vontade de te ver. Primeiro, suas damas de
honra, depois, sua cunhada, depois, sua tia Ana...
Deus do céu, parece que todos os convidados
queriam dar palpite em alguma coisa
acontecendo aqui… — Ele mantinha o olhar
desconfiado.
— Nem todos os convidados, apenas as
mulheres. — Para bordarem seus nomes e de
suas filhas, pelo visto… — Todas gostam de um
bom vestido de noiva.
— Azul.
Eu sorri mais amplamente. Ele estava lindo.
Théo ficava lindo vestindo qualquer coisa:
roupas casuais… ternos… nada. Mas, naquele
momento, ele usava uma camisa branca de
botões e calça de alfaiataria.
— Acho que não tem nenhuma regra, no
Brasil, para a noiva ver o noivo vestido assim,
não é?
— Como assim, no Brasil? Do que está
falando? Esta, por acaso, não é parte da sua
roupa do casamento, certo?
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— Bom, eu ouvi dizer, mas... não sei… não


deve se aplicar, é uma superstição italiana...
— Oh, meu Deus! Não dá má sorte, não é?
— Olha... Diz a lenda que...
— Não! Não pode dar má sorte ou você não
teria vindo aqui. Seria muita burrice e você não é
do tipo que comete idiotices à toa!
— Bom, obrigado pelo elogio. Eu acho. É
sempre bom saber que não cometo idiotices à
toa, só propositalmente.
— Não foi isso que eu quis dizer, é só que...
Oh, meu Deus, estou tão nervosa! Fala logo qual
é o problema de a noiva ver o noivo, segundo os
costumes italianos.
Fiquei verdadeiramente aflita quando ele
soltou uma respiração profunda.
— Bem, por essas bandas, quando a noiva vê
o noivo no dia anterior às bodas, é duas vezes
pior do que quando é o noivo quem vê a noiva
do dia do casamento.
— Ah! E você veio aqui, e vestido, Théo! Você
tem algum problema mental, por acaso? Quer
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testar essa superstição com o nosso casamento?


Não acredito que fez isso com a gente!
— A menos que...
— A menos que o quê? — perguntei,
exasperada, apertando ainda mais o edredom
contra o corpo.
— A menos que a noiva, no mesmo dia em
que viu o noivo, dê uma chupada em seu futuro
marido — ele disse em tom solene, fazendo
minha expressão de aflição ser substituída por
uma sobrancelha bem arcada. — Eu juro! — ele
disse, sorrindo.
Semicerrei os olhos, balançando a cabeça de
um lado a outro.
— Você é sujo, Anghelo Theodore.
— Eu sei...
E lá estava aquele sorriso incrível que me
arrebatava o coração.
— Eu aqui toda preocupada e você me
fazendo de boba, como sempre. Não sei por que
ainda acredito nas coisas que fala.
— Amor, era brincadeira. Este nem é parte do
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terno do casamento, fica tranquila. Mas, ainda


assim, se quiser garantir, é melhor que me dê
um beijo.
— Lá... Imagino.
— Olha, eu não me oporia, começaríamos
muito bem a nossa união.
— Sim, claro, comigo ajoelhada na sua frente.
Não, obrigada.
— Tolice. Eu me ajoelharia agora mesmo se
não estivesse vestida para se tornar a senhora Di
Piazzi.
— Ajoelharia nada. — Tentei disfarçar a
emoção que senti ao ouvi-lo me chamar de Sra.
Di Piazzi.
— Para mim, seria começar bem o casamento,
com você na minha boca. Acontece que não
quero estragar seu vestido, minha fada azul.
— Fada azul... — repeti, sorrindo.
— Fada azul? — Carol entrou no quarto com
duas caixas nas mãos. — Que fantasia é essa de
fada azul? Vocês são pervertidos, hein? Fada
azul não era aquela que animou o bonequinho
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de madeira? Credo, gente doente. — Carol


estacou, franzindo o cenho. — Meu pai do céu,
que coisa ridícula é essa? Pra que essa coberta,
maluca?
— Para ele não ver meu vestido, oras —
respondi. Era tão óbvio!
— Eu vou fingir que não ouvi um absurdo
desses...
Carol fez uma nova careta.
— Então, gata, a Giovana escafedeu-se. Desde
cedo, ninguém a viu.
— E nem ao Enzo, imagino — resmungou
Théo.
— Isso não é da nossa conta… — cantarolei.
— Em todo caso, falei com a Amelinha e ela
pegou o par que a Giovana já tinha dito que era
para você. Eis o bendito Fendi da discórdia.
Aproveitei para bisbilhotar o que sua dama de
honra vai usar, e descobri que a cachorra tem
um Jimmy Choo dourado, com detalhe em
lavanda, malocado no fundo da mala. Isso
porque é uma pobre coitada escravizada pelos

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pais — concluiu Carol com ironia.


Ela colocou uma das caixas sobre a cama e
abriu a outra, retirando o sapato forrado de seda
perolada e renda. Era absolutamente lindo, e
tinha saltos quadrados e pequenos.
— O que houve com o sapato que comprou
em Milão? — perguntou Théo.
— Era muito alto. No dia que comprei, ainda
não sabia e, bem, agora não quero arriscar uma
queda, entende?
Théo abriu um sorriso preguiçoso e estendeu
a mão para o meu rosto, deslizando as costas de
dois dedos da minha bochecha até o queixo.
— Você já está sendo uma mãe maravilhosa
— murmurou.
— Ih, pronto, começou... Crianças, eu até me
colocaria em marcha daqui, mas, fala sério, o
noivo é que tem que sair. E que papo é esse de
fada azul? Vocês não responderam.
— Se ela vai casar comigo vestida de azul, é
minha fada azul. — Théo estava todo carinhoso.
— Hum... — Carol me deu um olhar divertido,
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afinal, meu vestido era off-white, degradê indo


da cor pérola para o champagne. — Entendo...
Bom, sem querer ser estraga-prazeres, mas que
tal você nos dar uma licencinha para eu
terminar de ajudar sua noiva, uh? Caso
contrário, não consigo concluir até amanhã, e
esse casamento tem que sair amanhã! Porque
não confio na saúde desse padre. Eu já o vi
engasgar com saliva umas duas vezes ontem, e,
depois do que aconteceu com Matusalém, o Rei
da Escultura em Isopor… melhor não arriscar.
— Tudo bem, já vou sair. Só vim aqui em
busca de um beijo.
— E para se certificar de que ela vai mesmo
fazer isso — concluiu Carol.
— Ela vai...
Ele tinha um sorrisinho convencido, agora.
— Sim, claro, só uma louca para não casar
com você... — disse Carol calmamente,
aproximando-se de mim — e sua lata de Coca-
Cola — murmurou, e eu tossi.
— O quê? — perguntou Théo.

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— Nada! — apressei-me em dizer. — E sim, é


lógico que vou me casar com você em vinte e
duas horas e quarenta minutos, senhor Anghelo.
Agora, vai! Ainda preciso prender a grinalda
para um último teste.
— Ah, sim! Que cabeça a minha... — Ele
estalava os dedos como se lembrasse de algo. —
Carol, pegou o que te pedi?
— Sim, sim. — Carol esticou a mão,
entregando a ele uma das caixas que trouxe.
Théo pegou a caixa de papel escuro, similar às
caixas organizadoras, e me olhou nos olhos.
— Pedi para Carol trazer porque não queria
arriscar não chegar aqui. Parece que o noivo
também faz parte do casamento, afinal. — Ele
sorriu. — Seu irmão me enviou fotos do
casamento dos seus pais, como pedi. Não é
segredo que eles se casaram com muita pompa e
nós estamos aqui, fazendo um casamento no
quintal da minha família e com o padre que
casou meus pais... Bem, eu mandei fazer isso.
Ele abriu a tampa e lá estava: uma tiara
idêntica à que minha mãe havia usado em seu
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casamento, envolta em um tecido fino sobre


camurça.
Tenho certeza de que meu maxilar se
deslocou. Tirei uma das mãos do edredom e a
estendi para tocar a tiara. Foi como se a peça
tivesse saltado das fotografias para a realidade.
A simplicidade do arco prateado com as três
fileiras brilhantes entrelaçadas era mesmo a
réplica exata da usada por minha mãe.
— Mandou... fazer? — perguntei com
dificuldade, o nó que se formava em minha
garganta crescendo exponencialmente.
— Sim. Queria que tivesse algo que lembrasse
seus pais; que eles estivessem aqui conosco,
simbolizando a bênção que, tenho certeza, estão
nos dando, assim como os meus.
Olhei para Carol, que assistia a tudo com um
beicinho de choro igual ou maior que o meu.
Senti meus lábios tremerem, e o nó na
garganta só aumentava.
— Théo.
Seu nome saiu como um sussurro.

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— Usa para mim? — perguntou.


Por um momento, eu quis largar o edredom e
me atirar em seus braços. Queria abraçá-lo bem
forte e chorar por culpa de uma mistura de
sentimentos: alegria, surpresa, nostalgia. Amor.
Ele conseguia me desconstruir e fazer de mim
o que bem quisesse.
Doce e acre, essa combinação era o meu Théo.
Meu.
Assenti sem conseguir formar as palavras. Ele
se antecipou e tocou seus lábios nos meus. Não
foi um beijo, mas um carinho.
— Depois que trocar de roupa para viajarmos
— prosseguiu, afastando-se e deixando a caixa
em minha mão livre, como se aquele gesto não
fosse nada —, dê a tiara ao Pietro para que
guarde no cofre. Ou melhor, Carol, pode resolver
isso para nós?
— Sem dúvida — ela respondeu.
— Cofre? — consegui perguntar, atônita.
— São diamantes, querida.
Uma pequena fortuna estava em minha mão e
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logo estaria em minha cabeça. Uma tiara de


diamantes.
Não bastasse o valor sentimental...
Esse homem quer me matar do coração.
Quando me dei conta, Carol estava falando
alguma coisa e estalando os dedos na minha
frente. Théo já havia deixado o quarto, e eu
ainda estava boquiaberta.
— Cozinheiro — murmurei.
— Hein?
— Briguei com ele por causa do cozinheiro.
Briguei com ele por causa da lua de mel, e
briguei com ele por ter de ligar para cada
parente naquela lista interminável de Di Piazzi’s,
Fanucci’s, Trevisani’s e Lo Ducas.
— Você briga demais com ele. Na verdade,
vocês brigam o tempo todo. E a lista nem era
interminável… só tem umas cem pessoas lá fora.
— Da família… Fora os amigos, vizinhos e
pessoas que “fica mal chamar fulano e não
chamar cicrano”.
— Que seja! O problema é que, quando você
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ligava para uma família, tinha que falar com cada


membro dela, contar as novidades, falar do
cardápio...
— São diamantes, Carol.
— Eu sei. Eu ouvi.
Naquele momento, a breve suspeita se
intensificou para uma quase certeza.
— Você já sabia!
— Claro que eu sabia — respondeu Carol,
imitando o meu olhar semicerrado.
— Estão escondendo mais alguma coisa?
— Ele contratou uma chuva de pétalas
quando o casamento terminar, virá de um
helicóptero e depois, das janelas da vila, subirão
aos céus centenas de balões coloridos... — Carol
se interrompeu para sorrir. — Mesmo que
tivesse, não te contaria, não é, bonita?
— Mas você é minha melhor amiga!
— Por isso mesmo.

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Luíza, minha cunhada, ajudou demais com os


detalhes do casamento. Coisas que eu não tinha
noção. Ela cortou a onda do cerimonialista
indicado por uma das primas do Théo, Eliza. O
cara era ótimo e ágil, mas tinha umas ideias que
não combinavam em nada comigo. Coisas como
uma cascata de salame ― ele mostrou a foto de
um monte de fatias presas em um isopor,
imitando uma cachoeira. Mas, o quê? De jeito
nenhum!
Depois, tive que lidar com a avó do Théo
“participando” de cada ato religioso que ela
poderia enfiar no meu casamento, o que me
irritou profundamente, mas tomei respirações
longas e recitei um mantra budista para ficar
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zen. Ela insistiu que T.O.D.A.S as mulheres Di


Piazzi se casaram com uma música da igreja.
Seria muita maldade dizer a uma senhorinha
que eu ainda me chamaria Débora Albuquerque
até o momento do “sim”?
Não era do meu feitio, mas deixei pra lá.
O jardim oeste estava lindo, eu mesma havia
inspecionado os arranjos horas antes, logo, não
foi surpresa a disposição das flores, o layout dos
bancos e do átrio.
O que me fez lembrar da discussão durante o
último jantar...
— O lógico seria cedo, pela manhã, e teríamos
o dia inteiro para comemorarmos. Casamentos
italianos ocorrem pela manhã. É regra.
— Oh, sim, Anghelo Theodore, isso seria
perfeito! Acordar às seis da manhã para me
arrumar e que se dane se o vestido não é para um
casamento pela manhã.
— Que diferença faz? — Agora ele se virou na
cadeira, de lado, ignorando os outros à mesa,
olhando-me nos olhos. — Sério mesmo. Que

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diferença faz se é vestido da manhã ou da noite


ou da madrugada? Sinceramente? Nenhuma! O
casamento é nosso, e se eu quiser casar de sunga,
na piscina?
Sara, que estava naquele momento bebendo
seu vinho, cuspiu o líquido rubro de volta para a
taça, resfolegando. Carol bateu em suas costas
para disfarçar o engasgo, e Amélia arregalou os
olhos, mantendo o garfo parado no ar, enquanto o
molho branco caía de volta no prato com um
barulhinho.
Desviei minha atenção de volta para Théo, e
nem por um minuto ele percebeu o estranho
silêncio à mesa e as pessoas se entreolhando.
— Está um puta calor! E...
— Não brinca, Théo...
— Eu não estou brincando — respondeu, sério.
Um ruído alto me fez virar o rosto. Marcello se
levantava de uma vez, arrastando a cadeira e
jogando o guardanapo sobre a mesa, enquanto
resmungava algo e deixava a sala de jantar.
Maurízio coçou o cavanhaque, disfarçando o

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riso. Pietro levantou a cabeça com as


sobrancelhas arqueadas.
— Dio, minha imaginação foi longe agora... —
intrometeu-se Enzo. — Isso serviria para as
damas também? O traje?
— Puxa vida, meus sapatos — murmurou
Giovana.
— Cazzo. Agora minha imaginação atingiu um
nível novo e perigoso. Pode usar os sapatos e
biquíni, Giovana — disse ele, inclinando-se para
olhá-la.
— O que acontece é que tem vestido para usar
à noite e modelos mais leves para usar de dia,
Théo. Não é como se a Deby estivesse fazendo
pirraça — explicou Carol.
— Não, não é como se eu estivesse fazendo
pirraça. É o óbvio de uma discussão que já
tivemos inúmeras vezes. Além disso, seria muito
injusto aparecer nas fotografias com a cara
amassada de sono.
— O que estou tentando dizer é que seria mais
divertido...

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— Seria mais divertido porque você não teria o


menor trabalho.
— Então compra a porra de outro vestido,
cazzo!
Eu não comprei outro vestido, e também
tinha exagerado um pouquinho. Apesar de ser
um vestido longo, com cetim perolado, estilo
princesa, havia mais renda Chantilly do que
brilho, e servia perfeitamente para o meio termo
no horário do casamento. Estávamos tendo
aquela discussão há semanas.
Quanta bobagem.
Teríamos casado a qualquer hora do dia. O
mais importante era oficializar o que nossos
corações já haviam decretado há tempos,
palavras dele, do meu Théo.
Tio Bento ajustou a gravata no espelho do
vestíbulo. Encontrou meu olhar e sorriu.
— Preparada para a maior emoção da sua
vida, filha?
— Não — respondi, sorrindo.
Não fazia sentido, mas estava nervosa.
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— É como andar de carro em alta velocidade.


— Tipo, perigoso e mortal?
Fiquei com medo de sua analogia.
— Hum... Não, esquece o que eu disse. — Tio
Bento franziu o cenho. — Será uma viagem
maravilhosa e segura, meu bem. Seu pai ficaria
orgulhoso, tenho certeza.
— Algum conselho de última hora, tio?
— Não, nenhum. Você está fazendo tudo
certinho até aqui. Mantenha a calma durante a
cerimônia e redobre depois dela. Tente se
divertir e pare de se preocupar com tudo. Ele é
um bom homem, vocês já são felizes, então
aproveite. É só uma festa.
— Oh, tio...
O abraço foi tão apertado.
Não era como se estivesse com medo do
passo que estava tomando, mas estava
apavorada em falhar. O gesto do Théo de
replicar a tiara usada por minha mãe foi
comentado e apreciado por todos. Ele
demonstrou o quanto estava atento aos detalhes
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que marcariam simbolicamente a nossa união.


Havia muito em jogo. Muitas vidas. E eu só
queria fazer tudo direito. Por ele, por mim, por
nossas famílias.
— Você parece uma princesa, filha. Vamos?
Assenti, e tio Bento estendeu o braço.
Segurei-me e respirei fundo.
Na antessala, Sara alisava seu vestido para
tirar uma rusga minúscula, Amélia conferia mais
uma vez o batom, e Giovana movia a perna, tão
nervosa quanto eu. Ela sorriu ao me ver e
levantei um pouco o vestido para ela notar os
sapatos que me deu. Fez sinal de positivo com os
polegares e se levantou. Conversamos um pouco
sobre o homem que a observava, tentando se
esconder, e notei um intenso brilho no olhar de
Giovana. Comecei a torcer por ela e o adorável
canalha.
Carol entrou, perguntando se estava tudo
bem. Pietro veio logo atrás, lançando-me uma
piscadela. Dona Gema já estava no altar, ao lado
do meu futuro marido.
Depois de correr atrás das crianças, Giuliana
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trouxe os filhos de volta, milagrosamente


comportados e muito solenes na tarefa de
espalhar as pétalas.
Primeiro, Carol e Pietro saíram, nossos
padrinhos.
Em seguida, nossas damas de honra:
Amélia e Livia, prima do Théo.
Sara e Giovana seguiram passo a passo.
Os pequenos me olharam para saber se já
poderiam ir. Ensaiamos algumas vezes e em
todas elas acreditei que seria uma loucura...
— Não, Dante! — gritou Giuliana. — Não pode
jogar a cestinha na cabeça da sua irmã!
— Ele me machucou! — reclamou Lucia.
— Já falei para você, Dante, se fizer isso outra
vez... — As ameaças de Giuliana raramente
surtiam efeito. Então, o menino de cinco anos
apenas balançou a cabeça freneticamente e
depois saiu correndo.
Geralmente, ele saía correndo.
Dessa vez, para valer, eles estavam
empolgados.
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E lá foram os dois. Dante, de cinco anos, e


Lucia, um ano mais nova. Tão bonitinhos
andando certinhos. Ela jogando as pétalas cor de
chá, dessa vez, as de verdade, e não os pedaços
de papel picado que usamos para ensaiar. Ele ia
com uma almofada e as alianças. Achei essa ideia
tão arriscada, mas tive que entregar nas mãos de
Deus.
Os primeiros acordes que ouvi não eram nada
religiosos. Maurízio tinha um violão elétrico e
tocava Disease na versão acústica, a música da
banda Matchbox Twenty que marcou nossa
história.
De repente, mais uma surpresa: os primos do
Théo estavam organizados em um quinteto de
cordas e acompanhavam Maurízio na música
que pontuava a minha entrada pelo jardim.
Senti a umidade em meus olhos e me esforcei
para não chorar.
Anghelo me olhou e um sorriso de lado se
estendeu no canto esquerdo de sua boca.
Ele estava tão relaxado. Como era possível?
Parecia que eu estava nervosa por nós dois. As
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mãos, nos bolsos da calça, e a cabeça inclinada


para o lado. Cada passo que eu dava em sua
direção abreviava minha vida antes de conhecer
o Théo, e era uma letra que surgia ao final do
meu nome de solteira.
Contei cada uma delas. D.I.P.I.A.Z.Z.I.
Ele estava tão seguro quando começou a
caminhar em minha direção. Tirou as mãos dos
bolsos e estendeu uma delas para cumprimentar
tio Bento.
— Eu sei que vai cuidar bem dela.
— Com minha vida. Ela é a minha vida.
E assim, seguindo o ritual, Anghelo pegou
minha mão, franziu o cenho ao percebê-la fria e
trêmula, e deu um sorriso apaziguador. O beijo
em minha testa foi singelo e me fez suspirar.
— Ti amo — ele sussurrou. — Molto.
— Eu também. Muito mais.
— Essa música... — questionei discretamente,
enquanto ele me embalava de um lado a outro,
dançando comigo, ao invés de irmos direto para
diante do velho padre.
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Ele queria me fazer relaxar?


— É para você lembrar o que te espera daqui
por diante.
Meu coração batia tão rápido quanto as asas
de um beija-flor. Como eu esqueceria? Fizemos
amor uma noite inteira embalados por esses
mesmos acordes. Então era isso? Uma promessa
de intermináveis noites de amor?
Ele dançou comigo e nossos convidados
assoviaram, gritaram e aplaudiram, e, entre uma
risada e outra, vi que todos estavam tão felizes
quanto nós.
Nosso casamento era motivo de alegria.
— Você está muito linda. — Ele admirou o
vestido e a tiara, seu presente mais do que
perfeito. — Agora eu quero colocar uma aliança
no seu dedo. Vem cá.
Um passo após outro. Sorrisos. Fotos. E eu
estava no átrio, cercada de amigos e flores,
olhando o homem da minha vida nos olhos,
enquanto o ouvia derramar seu coração durante
os votos:

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— Amore mio, nenhum de nós poderia ter


previsto o resultado daquele nosso estranho e
primeiro telefonema. Quando nos encontramos,
pensei: é ela? E hoje tenho certeza, ao te
observar fazendo as coisas mais banais ou na
forma como você conduz as situações mais
complexas: é ela! Eu pedi a Deus que, se fosse da
vontade dele, eu pudesse encontrar alguém que
virasse meu mundo do avesso. Só não fazia ideia
de que ele entenderia o pedido literalmente.
Você é a mulher que transforma minha vida,
todo bendito dia, em caos, desespero, e… — Ele
me fez rir, assim como nossos amigos. — Não
ria, isso é um fato, todos aqui são testemunhas.
E… por mais que eu tente, sinto que não consigo
ser melhor para você do que você é para mim.
Sem dúvida, eu serei fiel, por vários motivos:
porque você brava é perigosa; porque nenhuma
mulher se equipara a você; porque estou
jurando diante de um padre e não me agrada ir
para o inferno… mas o principal motivo é por
você ser minha melhor amiga; minha cúmplice;
por estar tão profundamente no meu coração
que pensar em feri-la, seja do jeito que for, acaba
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comigo. E eu te pedi em casamento porque me


considero um homem inteligente, e seria
estupidez não trazer para a minha vida a mulher
mais incrível que eu conheci, destemida, digna,
inteligente, que ama com todo o seu coração e
toda a sua alma. É assim que eu te vejo. Estou
honrado por ter aceitado estar hoje aqui comigo.
Não vou te prometer respeito, acho que respeito
não se promete, está implícito em qualquer
relação. Também não vou prometer te amar,
porque, se tivermos que nos esforçar para
termos amor, algo está errado. Sentimentos
apenas acontecem, e o meu por você é imenso.
No entanto, vou prometer cuidar do nosso amor,
e fazer de tudo para cultivar, cativar e preservar
este sentimento tão sagrado para mim. Cuidarei
e protegerei você com minha própria vida, se
preciso for. E tenho certeza, o futuro que
construiremos será tudo, menos entediante.
Respirei fundo. Era a minha vez. E eu deveria
fazer isso sem estar com a voz embargada.
Mas, Deus! Théo apertou meu coração em
cada frase.
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— Acho que, depois dessas palavras, eu vou


rasgar os meus votos, porque isso aqui não está
tão bom, não. — Nossos amigos riram e o meu
amado também. — É sério, perto dos seus votos,
os meus parecem lista de supermercado.
Devíamos ter escrito juntos, como aqueles casais
que completam a frase um do outro. Agora estou
aqui, com a missão de manter o mesmo nível
que você. Não sei se terei sucesso, mas prometo
tentar, e isso passa longe de ser uma competição
sobre quem fez o voto mais legal, ao contrário,
eu sinto que preciso me dedicar constantemente
para estar à sua altura, porque você me faz
querer ser uma pessoa melhor e… e… desculpe,
eu não quero chorar, mas é difícil controlar as
emoções quando diante de mim está a prova de
como sou sortuda. Eu conquistei o homem dos
meus sonhos, e não faço ideia de como isso foi
acontecer. Ontem, ouvi quando alguém lhe
perguntou se estava nervoso, e você
simplesmente respondeu: não. E como
explicação, acrescentou: vou apenas formalizar o
que nossos corações já decretaram faz tempo,
que ela é minha e eu sou dela. E eu queria que
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você soubesse, meu amor, que eu percebo essa


sensação de pertencimento, e ainda mais forte
quando estou em seus braços, portanto, não me
solte jamais. E é interessante, porque… antes de
virmos para a Itália, na verdade, quando
estávamos no avião, pensei: isso é louco, o que
leva uma pessoa a querer fazer parte da vida de
outra sem restrições, incondicionalmente? Se
qualquer um nos observasse superficialmente,
poderia imaginar que o escolhi pelos seus lindos
olhos, por ser o cara mais alto do recinto, e
porque seus cabelos são macios e o nariz é
perfeito, com a certeza de que esse belo homem
me dará lindos filhos. Você falou que foi
inteligente em me pedir em casamento, e, apesar
de ser aquela que discorda muitas vezes das
suas opiniões, dessa vez, isso não vai acontecer,
amore mio. Geralmente, tenho que me dedicar,
mas nisso eu te superei, fui muito mais esperta
ao aceitar ser sua esposa. Porque vi em você as
qualidades que aspiro ter e os defeitos mais
fáceis de lidar, e porque desenvolvi audição
seletiva. Você é tão incrível para mim, e tem
tantos homens magníficos em um só… você é
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companheiro, é leal, é honrado, é bravo e forte,


você também consegue ser sensível, inteligente,
o cúmplice de todos os meus segredos, além de
ser um cozinheiro maravilhoso, de forma que
prometo cuidar e ser fiel a cada um desses
homens, porque cada pedacinho de você merece
igual importância… Bem, essa parte eu estou
colando do que eu havia escrito antes. Obrigada
por ser quem eu preciso nos momentos certos, e
nos errados também. Contigo compreendi o que
é ser feliz, e senti no fundo da minha alma o que
acontece quando se é pleno, porque, quando
você me toca, é como estar no céu. Você é tudo
pra mim. É meu paraíso particular. Eu te amo.
Théo suspirou em meio a um charmoso
sorriso de lado.
E, encarando-me com olhos brilhantes,
abraçou-me.

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Maurízio manteve o vibrato vocal por um


longo período, e, de repente, deixou fluir a
primeira estrofe da canção, seguido pelos gritos
e risadas da família, pela forma como ele
começou a tarantela:
— Jammo bello, jammo belo!
Donatello largou a taça de vinho e subiu
correndo no palco, pegando o acordeão.
Anghelo tirou o terno e dobrou as mangas,
enquanto se aproximava de mim com um sorriso
enorme no rosto. Estendeu a mão, me
chamando. Fechei os olhos por um segundo e
respirei fundo, agradecendo mentalmente a
Deus. Poucas vezes vi o Théo tão feliz e tão solto,
tão ele mesmo, longe da carapuça de chefe
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exigente. Puxei o vestido e o segui. Girando e


girando em seus braços. Passando por baixo do
arco dos braços de nossos amigos e de nossa
família.
Escutei o som de sua risada misturada à
minha e o calor de nossas palmas unidas, o
movimento de seus pés e a força do seu olhar.
Seus braços em minha cintura e a maneira como
nos embalava.
— Meu mundo gravita ao seu redor, Théo —
eu disse a ele, que então parou de nos mover.
Olhou-me com uma expressão séria e pensei
por um momento que havia dito algo de errado.
— Você tem que parar de falar essas coisas
para mim.
— Por quê?
— Está roubando todas as minhas falas.
Verbalizando todos os meus pensamentos.
Desse jeito, vou ficar apenas te dizendo
inúmeras vezes que te amo.
— Também te amo, Anghelo Theodore Di
Piazzi.

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— Eu vou te fazer feliz, Débora Albuquerque


Di Piazzi. Eu juro.
Ele não precisava jurar algo que já cumpria
desde nosso primeiro beijo. Desde que surgiu
naquele bar, no centro do Rio de Janeiro, e colou
nossos lábios.
— Espere um momento, Théo. Há algo que
não fizemos e é importante.
Soltei-me de seu abraço e caminhei pelo
gramado até o palco. Maurízio fez sinal para que
eu subisse, enquanto ele cantava.
Meu marido veio para perto e esperei
Maurízio encerrar a canção e, de um jeito
engraçado, chamar a atenção dos convidados.
Olhei para frente, e todos esperavam para me
ouvir.
— Quero agradecer a presença de todos
vocês que vieram participar e alegrar ainda mais
este dia tão especial…
Seguiram-se palmas e assovios.
De um modo geral, estavam surpresos por
receberem novos agradecimentos, após os trinta
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e cinco brindes que tivemos e fizemos, alguns


fofos, outros mais inusitados… Então lembrei de
alguns...
Os momentos mais importantes da minha vida
partilhei com vocês. Hoje não seria diferente,
porque, se fosse, seria menos especial. Pietro e
Carolina, obrigado por atestarem que o que
aconteceu aqui hoje não foi uma loucura! Nós
realmente quisemos fazer isso. À Amélia, Sara,
Livia e Giovana, as damas que tanto nos
honraram e compuseram este cerimonial tão
lindamente. Ao pajem e à daminha, Dante e Lucia,
que foram perfeitos e não saíram correndo por aí.
Aos meus primos, um brinde pela adorável
surpresa, presenteando-nos com muito boa
música. Peço a todos que levantem um pouco
mais suas taças, agora, em memória dos nossos
pais, meus e os da minha encantadora esposa, que
infelizmente não estão conosco fisicamente, mas
estão olhando por nós, tenho certeza. Por isso,
também brindo aos Di Piazzi aqui presentes e aos
Albuquerque, vocês são tudo o que temos. Claro,
agora vocês ficarão em segundo plano, ou pelo

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menos, enquanto durar minha lua de mel, na qual


pretendo aproveitar cada segundo ao lado do
amor da minha vida. E… apesar de nenhum de
vocês entender o que será este gesto entre nós…
Querida, eu tenho aqui uma nota no jornal local,
veja que “coincidência” publicarem na data de
hoje… Só um instante, está no bolso do terno. Eis
aqui. Eu te amo. Quanto ao restante de vocês,
comam, bebam, aproveitem que está tudo pago!
Obrigado por virem! ― Théo.

Vocês perceberam que, durante os votos,


nenhum dos dois falou nada sobre pobreza,
doença, seios caídos, barriga de cobrir
bonequinho… o que me faz presumir, e rezar, que
se mantenham ricos, saudáveis e sarados. Aos
meus grandes amigos, pessoas a quem tenho

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certeza de poder recorrer, caso precise esconder


algum corpo. Um brinde ao casal! ― Carol.
“Quando você percebe que deseja passar o
resto da sua vida com alguém, você quer que o
resto da vida comece o mais rápido possível. Ao
resto de suas vidas juntos, Senhor e Sra. Di
Piazzi!”. E… garotas, não precisam se derreter, eu
vi isso em um filme e estive ansioso nos últimos
três anos para finalmente poder recitar. ―
Maurízio.
Anghelo, meu amigo, lhe darei um conselho
para que passe feliz pela vida de casado: Manter
um casamento é fácil, basta admitir quando
errar. E se estiver certo, fique de boca fechada!
Parabéns aos noivos! ― Tio Bento.
As pessoas se casam por vários motivos, mas
estes dois precisaram de apenas um: amor. Vamos
levantar nossas taças para Anghelo e Débora,
saúde ao casal! ― Sara.
Quando meu primo, meu irmão, meu amigo,
disse que pediria Débora em casamento, eu o
encorajei: vá lá e fale com a moça! Pois não o
aguentava mais no meu ouvido sobre isso. Mas, ao
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invés de um simples encontro, ele me respondeu


algo como: preciso pedir direito. Eu nunca vi meu
primo tão loucamente apaixonado assim. Quando
conheci sua eleita, entendi o motivo. Eles eram
perfeitos juntos. Enfim, Anghelo, Débora, por
favor, segurem suas mãos e olhem um para o
outro. Isso… Agora percebam, vocês estão
olhando nos olhos de quem, estatisticamente
falando, é a pessoa mais provável de assassiná-
los. Aos noivos! ― Pietro.
Quando pessoas ímpares se tornam um par, o
universo entra em colapso, e do caos sempre
surge algo realmente incrível. É assim que os vejo.
Podem apostar que vocês inspiraram um monte
de casais por aí, porque é lindo ver o que acontece
quando há amor. Tenho pena de quem acha que o
amor é clichê e que tudo que envolve um casal é
lugar-comum. Lamento porque essas pessoas não
têm algo como o que vocês têm. Obrigada por nos
inspirarem. Aos noivos! ― Giovana.
Não sou bom em falar em público, mas minha
esposa disse que, se o irmão da noiva não dissesse
algumas palavrinhas, ele dormiria um mês no
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sofá, e, no caso, esse pobre infeliz sou eu. Querida


irmã, nem sempre fui o melhor dos irmãos, eu
errei muito e errei com você, e falhei inúmeras
vezes em te proteger. Hoje, diante de todas essas
pessoas, posso afirmar que, se tem um cara que
vai fazer de tudo para não falhar contigo, é este
ao seu lado. Te amo muito. Sejam felizes. Aos
noivos! ― Junior.
Estávamos todos preocupados, mas graças a
Deus ela conseguiu desencalhar! Parabéns,
sobrinha! ― tia Ana.
Fiz parte da vida do casal desde que se
conheceram, inclusive, a noiva até me confundiu
com ele, afinal… somos muito parecidos, tirando
ele ser quarenta centímetros mais alto, ter os
cabelos claros, ou melhor, ter cabelos aqui no
topo da cabeça; também tirando essa minha
barriguinha, enfim, tirando tudo isso, somos
iguaizinhos. Mas é óbvio que eu fiquei satisfeito
quando eles se acertaram, porque ela não faz
muito o meu tipo. Desejo aos noivos toda a
felicidade do mundo! E para concluir, trouxe
alguns recados de pessoas que não puderam
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comparecer… Vejamos, Anghelo, o primeiro


recado é do gerente do banco. Ele lamenta a
ausência, mas promete que irá encontrá-lo tão
logo você volte da sua lua de mel. E o segundo é
do seu executivo, aquele que ficou tomando conta
da empresa, Ricardo, que diz: “Não entregue o
bilhete do gerente ao Anghelo…?” Humm… acho
que este era para mim. Esqueçam isso e vamos
brindar! ― Paulo.
Eu procurei algo nos livros, algo realmente
arrebatador para dizer, então procurei
Shakespeare, e não deu muito certo, depois de
Hamlet e Romeo, achei melhor colocar
Shakespeare de lado… Foi quando percebi que
não tem nada realmente maior e arrebatador do
que o que está acontecendo diante dos nossos
olhos. Ao amor. Felicidades, Debye e Théo! ―
Amelinha.
Nossos convidados sorriam, aguardando o
que mais eu tinha a dizer. Diante daquelas
pessoas que nos amavam tanto, senti falta de
uma, a que tanto nos surpreendeu nos últimos
dias. E que apesar de erguer sua taça para nós,
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não disse uma palavra sequer.


— Nós estamos comendo e bebendo com
fartura, participando de um dos mais deliciosos
banquetes já preparados nesta linda casa.
Portanto…
— Espera, espera… — Théo franziu o cenho,
movendo a cabeça ao negar. Ele se aproximou,
subindo no tablado até estar junto a mim. —
Pronto. Continue, amore.
Ele me fez ainda mais feliz com seu gesto,
porque era correto e justo.
Carol entendeu a situação, e rapidamente
providenciou com o garçom certo mais uma taça
de líquido rubro para as minhas mãos.
— Quero propor um brinde para o chefe Enzo
Giuseppe Di Piazzi, por nos proporcionar um
cardápio maravilhoso!
Enzo e sua promessa em forma de doces
também fizeram Dante e Lucia ficarem quietos
por alguns minutos, o bastante para que
chegassem ao altar sem qualquer problema.
— E por nos presentear com a viagem de lua

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de mel — acrescentou Théo.


Seguiram-se aplausos e exclamações
surpresas. O próprio Enzo tinha as sobrancelhas
arqueadas, mal acreditando no que ouvia.
Salute!
Dei um gole em minha bebida, e Théo,
fazendo cara feia, tirou a taça da minha mão,
sorvendo também o mesmo líquido.
A carranca se acentuou ao franzir o cenho,
depois, com jeito divertido, sorriu.
— Eu já estava em pânico, pensando que você
era completamente maluca… — falou baixinho.
— Passou a tarde toda brindando com suco de
uva?
— Claro. E eu não acabei de prometer cuidar
de cada pedacinho seu? Além do mais, foi
cortesia do Enzo, que pediu que o garçom só me
servisse este… vinho especial — concluí com
uma piscadela.
— Ah, meu amor… meu amor…
Nossa festa de casamento duraria dias, nossas
famílias e amigos foram convidados a passarem
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uma temporada no casarão ancestral, o que


sobreviveu aos bombardeios da guerra, que
testemunhou o nascimento da maioria dos Di
Piazzi, e que abrigava aquela família tão peculiar
e alegre.
Segundo Carol ao nos despedirmos, nosso
casamento foi muito chato. Nenhum barraco,
ninguém caiu sobre o bolo ou quebrou algum
presente caro, e até o Enzo se comportou, além
de cozinhar divinamente. Teve bebida gelada e
muita dança.
E a melhor parte, pelo menos para mim, foi
que me tornei a Sra. Di Piazzi.

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Ela agora usava um vestido de renda cor


champagne, como o vestido de noiva, mas este
era na altura dos joelhos, exibindo a panturrilha
que eu adorava mordiscar.
Mesmo cercado pelos meus primos,
devidamente alcoolizados, ouvindo-os gritar um
monte de bobagens sobre o que eu deveria fazer
com minha esposa na lua de mel, pude observá-
la de longe, com aquele vestido bonito, os
cabelos agora soltos, e sapatilhas azul-turquesa.
Eu adorava aquele tom de azul.
Ela não estava mais com as amigas, pelo visto,
não quiseram estar por perto enquanto minhas
primas e tias deviam estar fazendo o mesmo
pelo que eu passava naquele momento, dando-
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lhe inúmeros conselhos. Mal sabiam elas que a


minha esposa não precisava fazer nada de
diferente.
Débora era perfeita para mim.
E eu lutei muito para consegui-la. Agora não
tinha nenhuma ilusão, deveria lutar ainda mais
para mantê-la. Quem disse que casamento era o
ápice da relação não estava fazendo isso direito.
Nós dois sabíamos os dias difíceis que nos
aguardavam, e não era uma previsão pessimista,
mas a realidade. Estaríamos expondo, cem por
cento, nossos defeitos ao outro. Desencapados.
Desnudos. De corpo e alma. Ela teria o meu
melhor, mas, inevitavelmente, o meu pior
também. E eu só podia rezar a Deus para que
tenha sido sincera em seus votos, que ela fosse
capaz de amar cada pedaço meu, os bons,
certamente; mas os ruins, que fossem
suportáveis, porque insuportável seria viver um
dia sem ela ao meu lado.
As malas estavam prontas, no carro que nos
levaria à costa, onde seguiríamos no barco do
Enzo, até a Sardenha.
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Quando Enzo me deu as chaves de sua casa,


em uma evidente barganha, não imaginei que se
comprometeria com os detalhes do translado.
Aceitei suas desculpas e estaria empenhado em
passar uma borracha em nosso passado, mas
sempre com o pé atrás. Enzo parecia ser uma
fonte inesgotável de problemas.
— Alguém viu a vovó?
— Não… — tia Eulália respondeu, pensativa.
— Pois é, faz um tempinho que não encontro a
titia. — Mariza, filha, viu tua tia-avó Gema?
— Não… Você viu, Vittório?
— Não agora. Ei, Eliza, viu a vovó Gema?
— Ela não estava com a Débora?
Olhei para trás. Débora mantinha um sorriso
estático, completamente forçado e de um jeito
engraçado, enquanto ouvia sua tia Ana. Eu
apostaria minhas bolas que ela devia estar
xingando tia Ana internamente. Os olhos dela
calculavam a rota de fuga mais rápida, mas não
havia ninguém por perto para salvá-la, e eu
tinha que encontrar minha avó, que obviamente
não estava com minha esposa. Aliás, nem minhas
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primas permaneceram ao lado da minha esposa


enquanto sua tia Ana a abordava.
— Vittório — chamei. Meu primo se
aproximou. — Te dou cinquenta euros se você
tirar aquela senhorinha que está conversando
com a Débora para dançar.
Meu primo me encarou, desconfiado.
— Não tem perigo, é sério.
— Cinquenta?
— Isso.
— Só por uma dança?
— Uma só. Não duas, nem três, nem quatro.
Ele estendeu a mão, movendo os dedos.
Tirei do bolso as notas e passei para ele.
— Mas tem que ser agora, nesse instante.
— Está certo…
Enquanto Vittório livrava minha esposa de
mais um minuto conversando com sua tia, entrei
na casa e segui escada acima, à procura de
minha avó. Nunca poderia ir embora sem
despedir-me dela.

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Não estava em seu quarto, e ninguém parecia


tê-la visto.
Depois de procurar bastante, lembrei-me da
sala de leitura. Tinha o teto abobadado, com
pinturas frugais, e minha avó adorava aquele
lugar.
Após bater brevemente na porta, entrei para
ver minha avó observando a festa pela janela.
Parecia contemplativa, com o pensamento tão
longe que não ouviu minha aproximação.
Não quis assustá-la, por isso, pigarreei,
arrastando os sapatos para fazer um pouco mais
de barulho.
— Dona Gema? O que faz aí tão quietinha, uh?
Ela sorriu para mim, erguendo a mão em um
convite para me unir a ela.
— Estava vendo nossa família reunida.
— Está melancólica? Nostálgica?
Vovó franziu o cenho.
— Não. Estou feliz. E um pouco satisfeita que
Rosaria Cattaneo esteja mais caída do que estou,
decrépita quase, e tem dez anos menos. É como
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digo, não bebe vinho, nem tinha que ter se


casado com meu cunhado, Gaudenzio. E o pobre
parece cada dia mais surdo, notou?
Eu ri.
— E desde quando a senhora diz que quem
não bebe vinho não deveria se casar com um Di
Piazzi?
— Desde hoje, quando vi como aquela velha
está acabada. E era a mais bonita da nossa
época! Ecco, uma boa taça de vinho, um bom
coração, pele boa.
Passei o braço em torno dos ombros da
minha avó. Era pequena em estatura, mas tão
grande mulher. Uma das mais valentes que eu
conhecia.
— Eu vim me despedir, vovó. Já nos ligaram, o
barco tem permissão para zarpar e estão todos
nos esperando.
— Faça boa viagem, meu menino. Que Deus te
guie e te proteja nessa viagem. Você vai começar
a sua vida, de verdade, agora.
— Sim. E eu fico feliz que tenha parado de

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implicar com a minha esposa.


— Implicar? Quem?
Sorrindo, abracei minha avó mais apertado.
— Ah, dona Gema… É sério, fico muito
satisfeito que tenha parado com isso.
— Anghelo, você sabe o que aquela menina
me disse quando nos conhecemos? — Nem tive
tempo de abrir a boca antes que ela
prosseguisse: — Que não queria ter filhos! E
falou isso na minha cara, a atrevida! Como você
acha que me comportaria, uh? Tantas mulheres
gastando fortunas para conseguir engravidar, e
aquela mocinha, tão saudável…
— Esse pode ter sido a ponta do iceberg, dona
Gema, mas eu a vi implicar por qualquer coisa.
Pela roupa mais curta, pela roupa que cobria
tudo, por estar com o cabelo preso, porque ela
não queria comer tiramisù…
— Ah, já está perdoada pela desfeita com o
meu tiramisù… Receita da minha sogra, dona
Flora, uh?! Aquela demônia me fez ficar na
cozinha todas as vezes, até aprender a dar o
ponto certo! E a maldita era tão desgraçada que,
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uma vez, quando me viu comprar o mascarpone,


ao invés de fazê-lo…
— Bateu na sua cabeça com a colher de pau…
— concluí, achando graça pela milésima vez da
mesma história.
Não cheguei a conhecer minha bisavó, mas
todos, até minha tia-avó Ester, diziam que a mãe
era pior que um general.
— Bateu! Uma colherada bem no cocuruto.
Mas não se preocupe que não tenho intenção de
ser para a sua mulher como a mãe do Guido foi
pra mim. Fique sossegado, meu neto. Eu gosto
muito da sua Débora. Gosto muito.
Uma pessoa, como a minha avó, mudar tão
radicalmente e em tão pouco tempo era algo a se
desconfiar. Motivo de alerta.
Vovó foi andando com aquele seu jeito
engraçado, nem um pouco lento para a idade
que tinha, passou pela sua poltrona de leitura e
parou ao lado da mesinha redonda. Ela deu duas
batidinhas em uma folha dobrada e se virou
para mim.
— Pode fazer um favor para esta sua avó tão
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velha? Não me deixam subir no banquinho,


agora veja você. E preciso guardar minhas cartas
naquela caixa ali em cima, vê?
— Aham.
— Poderia guardar esta aqui?
— Claro, vovó.
— Obrigada. Eu vou descendo, Anghelo, te
espero no portão para lhe acenar o adeus de boa
sorte, e jogar bastante arroz na sua cara e na
daquela atrevida.
Vovó foi saindo, ignorando a risada alta que
dei. Do jeito que era implicante, ela não jogaria,
tacaria com bastante força os grãos de arroz.
Enquanto ela fechava a porta, peguei a caixa
com estampa floral, na prateleira alta; era ali que
vovó guardava as cartas mais importantes para
ela. Dona Gema tinha mania de
correspondências. Na sala onde ostentava a
linhagem dos Di Piazzi, também tinha algumas
cartas, mas estas não eram de tão grande valor
sentimental, era mais algo para perturbar minha
tia-avó Ester, ou tia Rosaria… Cartas de
admiradores, de pessoas famosas da região, e
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até de soldados.
A caixa que ela pediu que eu pegasse era
diferente. Havia correspondência entre meus
avós maternos, meus pais, seu finado marido…
Ali era como segurar os sentimentos da minha
avó nas mãos.
— Andou revisitando o passado, dona Gema?
— resmunguei para mim mesmo.
O envelope ao lado do papel era novo, e eu
reconheceria aquela caligrafia desenhada em
qualquer lugar.
Não pude resistir a uma olhadela na folha
dobrada em três partes, mal acreditando nas
palavras ali escritas, e em italiano.
Querida dona Gema,
Ainda não sou fluente no seu idioma, portanto,
peço que perdoe meus eventuais erros, e culpe o
aplicativo tradutor que baixei.
Preciso reconhecer que a senhora fez um
trabalho excelente na criação dos seus netos,
todos se tornaram homens impressionantes e
preciosos. Até mesmo o Enzo, com o qual ainda

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luta para pôr um pouco de juízo naquela cabeça.


Nos últimos dias que passamos todos juntos, na
mesma casa, quase enlouqueci. Sou mais
reservada e gosto de escolher para quem contar
alguma coisa ou o que conversar. O conceito de
“privado” não existe nesta família, e acho que vou
demorar muito tempo para me acostumar.
Afinal, teremos diferenças culturais, sempre.
Acredito que para a senhora também seja
terrível lidar com alguém tão diferente. Acho que
empatamos.
Sei o quanto gosta de cartas e em recebê-las
escritas de próprio punho, e não algo digitado em
alguma máquina, por isso escrevi esta missiva.
Para agradecê-la pelo neto maravilhoso que é o
meu noivo e, em poucas horas, será meu marido.
Hoje ganhei dele um dos presentes mais
importantes da minha vida, uma tiara, e muito
mais pelo valor material, está o sentimental, o
carinho e o cuidado que ele demonstrou com este
gesto. Isso me fez refletir muito. Principalmente,
em como foi que ele se tornou tão espetacular
assim. Sei da tragédia que se abateu em sua
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família tantos anos atrás, e que acolheu e


abraçou seus netos e os criou para se tornarem
grandes homens. E tenho certeza de que isso não
foi fácil.
Em respeito, carinho e admiração por esta
mulher impressionante, a senhora, quero contar-
lhe antes que o restante da família saiba a
novidade que esperamos para dentro de alguns
meses.
Sim, a esta altura a senhora já imagina que
falo de um filho. E está certa. Há um bebê a
caminho e, passado o susto da surpresa, estou
muito feliz, porque ele é um pedacinho do homem
que eu amo. Já havia repensado sobre isso, desde
que sofri o incidente, a senhora sabe. Mas o que
não sabia era que tinha mudado meus planos...
para o futuro, só não imaginei que seria tão
próximo.
Obrigada por concordar em nos receber em
sua casa para a festa de casamento. Se não for
pedir demais, gostaria que nos recebesse em
alguns meses, para o batizado da criança, que se
dará na capela da província de San Gimignano,
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onde seus netos foram batizados.


Se for da vontade de Deus.
Um abraço apertado e sincero,
Débora.
Guardei a carta, como pedira minha avó,
saindo apressado para encontrar aquela
senhorinha danada.
Consegui alcançá-la quando atravessava o
hall.
— Vovó!
Ela se virou ao ouvir-me, sorrindo.
— Minha nossa, como você é lento para a
leitura, hein, Anghelo…
Claro que ela sabia que eu leria a carta. Ela
queria isso.
Meu coração apertou e eu sorri de volta, feliz.
— Quando foi que…?
— Ela me entregou ontem, mas pediu que eu
lesse apenas hoje, depois da cerimônia.
— E a senhora o fez, o que é quase um
milagre.

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Vovó deu de ombros.


— Pensei que fosse algum presente.
— Oh, desculpe, eram apenas notícias…
— Foi um presente, meu neto. Um bom
presente. Por isso agradeci a ela.
— Sim, meus primos disseram que estavam
juntas, mas não pensei que… achei que haviam
se enganado… sei lá o que pensei. Mas o que
disse a ela?
— Que estava preocupada.
— Preocupada?
— Sim, que você tivesse feito uma escolha
ruim, como seu tio Giulio. Que você poderia ter
se encantado por uma boa moça italiana,
católica. Mas… foi ela.
— Vovó!
— E disse também que confiava no
julgamento do meu neto, apesar de não ser
italiana, nem católica, é uma boa moça e te ama,
meu querido. Por ora, bastava.
— Mas a senhora não dá um refresco, hein?
— Eu tinha que fazer o meu papel. Anghelo,
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acredita mesmo que as coisas nessa casa


funcionariam se eu não soubesse de tudo o que
se passa aqui? Eu já tinha percebido a cintura
dela mudar, mas tive certeza quando recusou o
cálice de vinho que eu dei a ela, e quando quase
ficou verde por conta do tiramisù. Quem é que
enjoa com tiramisù, Anghelo?
— Oh, dona Gema… a senhora é terrível!

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Sardenha
Entramos no casarão de um jeito atrapalhado.
Simplesmente, não podia tirar minhas mãos
de cima dela. Ela esteve linda e radiante durante
a cerimônia e a festa.
Agora era só minha.
Surpreendeu-me durante todo o dia. Fez o
impensado, revelando sua gravidez, depois de
esbravejar tanto ao pedir segredo. Eu morreria
antes de conseguir entendê-la.
Mas, que se dane, estava mais preocupado em
deitá-la sob meu corpo; nessa hora, era fácil
decifrá-la. Seu olhar fincava no meu e ela quase
feria os lábios, apertando-os para evitar gritar.
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Seríamos apenas ela, eu e o enorme tesão que


ameaçava explodir o zíper da minha calça.
Vestida de noiva, estava sexy, mas ali, na
penumbra do quarto, enquanto me permitia
despi-la entre um beijo e uma mordida, ela era
tudo que eu precisava.
Sentada em meu colo, sua pele arrepiava sob
meu toque, e a cada botão desfeito, a mesma
sequência de beijo, mordida e minha língua
passeando preguiçosamente por seu corpo.
Não porque a queria seduzir, e sim porque
precisava aproveitar cada segundo dela. Débora
já era minha mulher, mas era a primeira vez que
eu faria amor com a minha esposa.
Com a minha esposa grávida.
Estava explodindo de vontade de estourar
aqueles botões e transformar toda a renda em
trapo.
Ela conseguiu se superar na maldade.
Quando disse que trocaria de roupa para
irmos embora da festa, a imaginei com algo mais
simples que aquele vestido.

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— Foi muito sacana da sua parte colocar esse


vestido, amor. O vestido de noiva era bem
menos complicado — disse em seu ouvido, sem
deixar de trabalhar nos malditos botões.
— Théo — ela sussurrou.
— Hum...?
Arrastei os dentes em seu ombro.
— Tem um... um... zíper na lateral.
Parei na mesma hora e me afastei um pouco.
Ela se virou para me encontrar com o cenho
franzido.
— E você só fala isso agora?
— Estava apreciando a carícia — respondeu-
me, sorrindo.
— Você é muito cara de pau.
Mudei o peso sobre o colchão e encontrei o
bendito fecho lateral. Uma pequena oração em
agradecimento e adeus vestido de viagem.
— Uau.
Ela me deixou sem palavras. Precisei de um
tempinho organizando as ideias. Débora me
enganou, dizendo que se casaria de azul. Fiquei
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surpreso ao vê-la caminhando para o altar


vestida com cetim e renda champagne.
— Essa lingerie é ainda mais bonita que
aquela em seu apartamento...
— Obrigada. Escolhi com muito carinho para
o meu marido.
Abri um sorriso. Sei que estava com cara de
bobo, mas não pude evitar. A lingerie era no
mesmo tom de azul de seus sapatos.
— Fala outra vez.
— Gostou que te chamei de marido, não é?
— Sim, gosto disso.
— Também gosto. Acho que vou te chamar de
marido o tempo todo.
— É sério?
— Sim, marido!
Ela brincou e avançou para mim, nos
derrubando sobre a cama.
Eu gostava de quando ela me beijava com
carinho, mas adorei quando a carícia se
transformou em luxúria.
Débora tinha fome dos meus lábios e por mim
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tudo bem, porque eu queria devorá-la inteira.


Apertei sua bunda, esfregando minha ereção
em sua calcinha. Senti suas unhas em meu peito,
um segundo depois de ouvir o som de algumas
coisas caindo no chão. Afastei-me, apenas para
comprovar que a consideração que tive com
seus botões não foi recíproca, e minha camisa
estava estragada.
Foda-se.
Rolando, coloquei-a sob meu corpo, quase
gozando enquanto roçava entre suas pernas. Sua
língua encontrou meu peito e eu perdi minha
sanidade quando ela me chupou ali.
Era como se não fizéssemos amor há séculos.
Meu corpo doía pela necessidade de estar dentro
dela.
Mordisquei seu pescoço, o maxilar e a ponta
de sua orelha. Ela ficava maluca quando eu
gemia baixinho no seu ouvido.
Ela arranhou minhas costas e mordeu meu
ombro. Era bom. Era muito bom.
Desci meus beijos até o vale entre seus seios e

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deliberadamente ignorei seu mamilo


entumescido.
Fiz com que virasse de costas, tirei o que
sobrou da minha camisa e soltei o fecho do sutiã,
deslizando os dedos por suas costas. Agachei o
suficiente para morder levemente cada lado de
sua bunda e sorrir com o som que ela fez ao
arfar.
Com um esforço sobre-humano, desci da
cama para me despir em tempo recorde. Quando
Débora pensou em se virar, eu já estava em cima
dela outra vez.
— Aonde você pensa que vai?
— Só queria saber por que parou de me
beijar. — Colei meu corpo ao dela em resposta, e
ela arquejou. — Hum... está explicado. Está
muito bem explicado.
— Espero que não esteja cansada, amore mio.
— Nem um pouco.
— Bom.
Os fios escuros de seus cabelos, em contraste
com meus dedos... era tão bonito.
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Sua pele macia sob a rigidez do meu desejo...


Com a outra mão, percorri sem pressa seu
braço até entrelaçar nossos dedos.
Meu nariz resvalou suavemente em sua nuca.
— O que houve com toda aquela pressa? —
ela perguntou.
— Estou morrendo aqui, mas lembrei que é
nossa primeira noite como marido e mulher, e
não estamos sozinhos.
— O bebê está protegido, Théo. Para de
enrolar...
Eu ri.
— Ansiosa?
— Muito.
Beijei suas costas. Débora arquejou.
— Te amo. Você não faz ideia do quanto. —
Ela não respondeu com palavras. Forçou meu
corpo para longe e se virou. Olhou-me nos olhos,
um segundo antes de reivindicar minha boca.
Minha boca, pescoço, peito, era tudo
propriedade dela.
Aceitei que me virasse, tão manso quanto um
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cordeirinho.
E pouco me importei que levasse seus lábios
até abaixo do meu abdome. Não. Sendo
totalmente sincero, eu adorei.
Adorei quando o calor úmido e aveludado da
sua boca me envolveu tão intimamente.
Caralho. Fui ao céu e voltei, ao sentir a sucção
e, em seguida, os dentes arranhando minha pele,
timidamente. Ela nunca compreendeu o poder
daquele movimento, daquela exata sequência:
lambida... chupada... e os dentes. Era tão leve, era
perfeito. Ela nunca me machucou, pelo contrário,
ela me deixava maluco.
Joguei a cabeça para trás, incapaz de pensar
em qualquer coisa. Totalmente comprometido
em sentir. Cada vez que ela mergulhava a cabeça
mais fundo, almejando alcançar a base, eu quase
quicava de tanto prazer. E se eu mexia o quadril
em direção à sua boca, é porque ela me levava
na borda e me deixava pendurado, numa
avalanche de sensações.
Tudo o que eu queria era amá-la como ela
merecia, e fui impedido, naquele momento, por
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meu egoísmo.
Sem chance.
Não tinha maneira de me fazer parar. Sempre
havia sido assim, desde a primeira vez que ela,
sim, ela, me mostrou como se amava um homem
com a boca.
Quando Débora entrou em minha vida, todas
as outras mulheres se tornaram passado, do tipo
morto e enterrado. Só existia ela.
Os longos fios estavam entre meus dedos,
sem que desse conta de tê-los enrolado ali.
Acariciei sua nuca. E quase me perdi no som
diabólico de sua saliva na minha carne.
Tentei, juro. Não queria fazê-la engasgar,
então, com muito custo, soltei seus cabelos e
segurei o lençol, de cada lado do meu corpo.
Tentei retardar ao máximo, mas era impossível.
Tão quente, tão molhado, tão perfeitamente
ajustado ao meu diâmetro.
— Fermare questo. Non andremo molto
lontano in questo modo...
As palavras escapavam, verbalizando meus

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pensamentos.
Ela manteve a boca longe, mas as mãos
continuavam trabalhando em meu eixo.
— Eu entendi — ela disse e sorriu —, entendi
cada palavra.
Débora parou lentamente, olhando-me com
uma intensidade surpreendente.
— Não iremos longe, Théo. Temos a vida
toda.
Sim, ela estava melhorando bastante com o
idioma. Pedi a ela que parasse, disse que não
iríamos muito longe daquele jeito, e ela
compreendeu perfeitamente.
Essa era a minha garota. Inteligente e má.
— Se não te conhecesse tão bem, teria
passado despercebido seu sorrisinho cruel. Está
gostando de me torturar, não é?
Débora sorriu. Mordeu o lábio inferior e
moveu a cabeça, concordando.
— Eu te amo.
Quando falou, olhando em meus olhos, não
houve um traço sequer de dúvida. Estávamos
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tão ferrados. Tão perdidamente loucos um pelo


outro. E era foda me sentir amado e desejado na
mesma medida. Era. Foda.
Naquele instante, a envolvi em um abraço
apertado, virando-nos e a pondo deitada de
costas. Apoiei-me no antebraço, enquanto
acariciava seu rosto e seus cabelos.
— Eu te amo mais. — Débora já começava a
negar, movendo a cabeça, quando prossegui: —
Sim, eu te amo mais, porque eu te vi primeiro.
Ela sorriu de um jeito meigo e toda a
ansiedade e desejo se transformaram em algo
carinhoso. O vai e vem de seus dedos em minhas
costas, a força de suas coxas contra meu quadril
e o olhar, aquele que eu mais admirava. Ela se
sentia segura ao meu lado, amada.
— Acabo de mudar de ideia, querida.
— Sobre o quê?
— Eu quero fazer amor com a minha esposa,
mãe do meu filho.
— E por acaso não estamos no meio disso? —
Ela franziu a testa e deu um sorriso incrédulo. —

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Ou, estávamos — concluiu com uma risadinha


desdenhosa.
— Não — respondi, roçando nossos narizes
—, estávamos a um passo de foder como loucos,
como sempre. Só que agora, quero fazer amor
com você.
— Eu não sei se a gente sabe como é que se
faz desse jeito — ela disse com uma pitada de
sarcasmo, impossível não notar.
— Ah, eu sei, sim! — Fingi indignação. — O
problema é que você nunca permite que eu
demonstre.
Baixei o rosto para um beijo breve.
E, naquela noite, eu fiz amor pela primeira
vez... com minha esposa.

Os primeiros raios de sol entravam pela


janela iluminando parte do seu corpo, o abdome
não mais tão achatado quando ela estava deitada
de costas. Eu, que me vangloriava por ser
observador, não me dei conta das sutis
transformações.

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A princípio, tive receio de tocá-la.


Olhei para minha esposa, que dormia
preguiçosamente na cama, com a cabeça virada
para um lado e a mão esquerda relaxada, quase
na altura do rosto; a outra estava embolada no
meio dos lençóis, que cobriam parcialmente sua
nudez.
Meus dedos pairavam sobre a pele desnuda,
e, no instante de hesitação, ela tocou meus
dedos, levando-os até sua barriga, pouco abaixo
do umbigo. Meus olhos fitaram por um instante
os dedos dela nos meus, e ergui a cabeça até
encontrá-la me encarando com o olhar
sonolento e o sorrisinho de bom dia.
— Não queria te acordar — justifiquei.
Débora assentiu e tornou a fechar os olhos,
enquanto eu acariciava seu ventre. Logo estaria
visível e um punhado de orgulho masculino
invadiu meu coração. Minha descendência.
Minha semente. E com a mulher por quem me
apaixonei. Eu era um filho da puta sortudo, isso
sim.
Às vezes, parecia impossível amar tanto
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alguém. O tipo de amor que o peito chega a doer.


Agora, com um bebê a caminho, o sentimento
era muito maior.
Eu a amava por ser quem era, e a amava por
me dar um filho; por ser a companheira perfeita
nas horas de dificuldade e a parceira ideal com
quem compartilhar minhas conquistas.
Minha esposa se aconchegou em meu peito e
sua coxa passou por cima do meu quadril,
sentindo-me nu e pronto para tomá-la
novamente. E a abracei com carinho.
— Você tem certeza de que não queria me
acordar? — perguntou com a voz rouca de sono.
Beijei o topo de sua cabeça e arrastei os
dedos em suas costas num ir e vir preguiçoso.
— Acordar com minha mulher nua e gostosa,
na mesma cama, e não reagir a isso... Só se eu
estivesse doente.
— É... e você é muito saudável...
Seu tom divertido foi substituído por um
suspiro, quando me tocou por baixo do lençol.
— Continue fazendo isso e não vamos nem
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mesmo pegar o almoço, querida.


— Dane-se o almoço.
Débora subiu em mim, e, sem qualquer aviso,
me guiou para dentro dela em uma recepção
morna e úmida.
Ela mordiscou minha orelha, enquanto me
hipnotizava com os sons baixinhos que fazia,
deixando-se levar, ditando o ritmo e me
permitindo apenas apertar seu corpo ao meu.

— O que acha dessa aqui? — ela me


perguntou, virando a concha na minha direção.
— O mesmo que acho de todas as outras que
você me mostrou: bonita.
— Só isso?
— Quer que eu diga o quê? Ah, mas que linda
concha, meu amor, o que pretende fazer com
ela? Um colar, talvez? Quer ajuda com o
artesanato?
— E essa aqui?
Eu ri.
— Você faz de sacanagem, não é?
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Débora revirou os olhos e levantou o dedo


médio. Abaixou-se novamente e pegou outra
concha. Ela soltou um grito de surpresa quando
a levantei no colo, meu braço passando pelas
dobras de seus joelhos e braços.
— Que coisa feia é essa de mandar seu
marido se foder com um gesto obsceno, hein?
— Coisa feia é o marido debochar da esposa,
palhaço.
— Você é muito esquentadinha, morena. De
repente, o que precisa é um bom banho frio para
acalmar os ânimos.
— Não ouse! — exclamou e se debateu,
tentando se soltar dos meus braços enquanto eu
caminhava para a água, que tinha a temperatura
amena, nem se comparando com a água fria das
praias no Rio de Janeiro.
— Eu não vou te jogar no mar, esposa.
— Então o quê? Me ponha no chão! Olha,
estou grávida, hein?! Não pode fazer maldade
com a esposa.
— Maldade nenhuma. Vamos seguir a sua

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sugestão quando levantou esse dedinho


malcriado. Sexo. Só que na água.
Ela parou de tentar se desvencilhar e riu, uma
risada alta e divertida.
— Eu gosto de você me acalmando desse
jeito. Muito embora eu não esteja
“esquentadinha”.
— Meramente semântica, minha querida.
— Você é ridículo.
— Também te adoro, caríssima. Agora, vamos
fazer amor no mar da Sardenha.

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