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DIREITOS HUNANOS

CASO JOSÉ PEREIRA


RELATÓRIO

2. DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO/ ESCRAVIDÃO


CONTEMPORÂNEA NO BRASIL.
Uma vez ou outra, ouvimos ou lemos sobre um caso de trabalho
análogo à escravidão no Brasil. Geralmente, o caso é descoberto por algum
órgão de fiscalização após denúncias anónimas. A verdade é que a escravidão
ainda existe, hoje, de uma maneira mais sutil, e aceitável por parte da vítima,
que se vê numa situação de dependência, opressão e ameaças; o que dificulta
o rastreamento dos casos por parte das autoridades.
Após mais de cem anos da assinatura da Lei Áurea o Brasil ainda
sofre as consequências de tal barbaridade, qual seja, a exploração da mão
de obra escrava. Atualmente a escravidão reveste-se de clandestinidade e
corrupção, evidenciando a segregação social e o desrespeito aos direitos
humanos no Brasil.
A escravidão no território brasileiro pode ser dividida em dois períodos: o
primeiro é o de escravidão formal, iniciado pouco depois da chegada dos
portugueses, e o segundo que se inicia imediatamente após o fim oficializado
do primeiro, pois, em 13 de maio de 1888 a escravidão brasileira, ao
contrário do que muitos pensam, não terminou. O que aconteceu nesse dia
foi a transição de um processo de escravidão formal, regulamentado por
uma legislação, para um processo de escravidão informal, que vem sendo
modificado ao longo do tempo, mas que não perdeu a sua essência, que é a
degradação da dignidade humana.

3. DO CASO.
Em 1989, um século após a transição do processo de escravidão formal
para a informal, José Pereira Ferreira, com apenas 17 anos, foge com um
companheiro, o Paraná, da fazenda Espírito Santo.
Na fazenda, eles e outros 60 trabalhadores haviam sido forçados a
trabalhar sem remuneração e em condições desumanas e ilegais.
Os métodos utilizados para privar-lhes efetivamente de sua liberdade
são a violência pura e simples, mediante um esquema de endividamento
que é uma verdadeira armadilha. Depois que chegam à fazenda se dão
conta que as promessas feitas quando foram contratados, baseadas num
preço acordado por hectare trabalhado, são falsas visto que o trabalho em
geral é muito mais duro que o antecipado. Além disso, ao chegarem à
fazenda são informados que devem dinheiro à fazenda pelos gastos de
transporte, comida e habitação, tanto durante a viagem quanto no seu
lugar de trabalho. Quando descobrem que foram enganados, já é tarde, pois
não podem deixar a fazenda nem deixar de trabalhar, até que paguem
suas “dívidas”, e são ameaçados de morte se tentarem escapar. Em
alguns casos, devem trabalhar sob a mira de pistoleiros armados que os
vigiam. As fazendas estão distantes de qualquer tipo de transporte, o que
torna muito difícil fugir delas.
Diante da situação em que se encontram, resolvem fugir. Após a fuga,
foram emboscados por funcionários da propriedade que, com tiros de fuzil,
mataram “Paraná” e acertaram a mão e o rosto de José Pereira. Caído de
bruços e fingindo-se de morto, ele e o corpo do companheiro foram enrolados
em uma lona, jogados atrás de uma caminhonete e abandonados na rodovia
PA-150, a vinte quilômetros da cena do crime. Na fazenda mais próxima,
José Pereira pediu ajuda e foi encaminhado a um hospital.
Esse caso ficou conhecido como “caso Zé Pereira” e a sua denúncia e
divulgação levaram a importantes, mas tardios, desdobramentos para o
combate ao trabalho análogo à escravidão na sociedade brasileira.

4. DA LEGISLAÇÃO APLICADA.
No caso de José Pereira ficou demonstrado que Brasil infringiu
vários artigos da [Declaração Americana dos Direitos e Deveres], entre
eles:

Art. 1º - Direito à vida, á liberdade, á segurança e a


integridade pessoal. XIV – direito ao trabalho e justa retribuição;

XXV – Direito à proteção contra a detenção arbitrária.

E ainda os seguintes artigos da [Convenção Americana de Direitos


Humanos]:

6º proibição da escravidão e servidão;

8º garantias judiciais; 25 – proteção judicial.

Antes do desfecho desse caso, o dispositivo legal que tratava da


escravidão era o Código Penal de 1940, no seu artigo 149. O Código
anterior, de 1890, nada trazia sobre a repressão ao trabalho escravo).
Entretanto, o artigo 149 de 1940 apenas tipificava a conduta de “reduzir
alguém à condição análoga à de escravo”. Esse “alto grau de generalidade
do texto não fornecia aos juízes criminais elementos objetivos à identificação
das formas pelas quais se reduz a vítima à condição análoga à de escravo”
(COSTA, 2010 p. 33). No âmbito internacional havia naquela época duas
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o combate
aos trabalhos forçados: a convenção 29, de 1930, e a convenção 105, de
1957, ambas ratificadas pelo estado brasileiro.
O Brasil, ao assinar a convenção n°. 29, se comprometeu a extinguir
o emprego do trabalho forçado ou coercivo em todas as suas formas no
mais curto prazo possível (COSTA, 2010). O trabalho forçado é definido
nessa convenção como: todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa,
sob ameaça de qualquer penalidade, e cujo não tenha se oferecido de
espontânea vontade (BRASIL, 1957).
A convenção n°. 29 foi complementada pela convenção n°. 105 de 1957,
que prevê a proibição do trabalho forçado em cinco casos específicos,
sendo eles:
a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida
a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem
sua oposição ideológica, à ordem política, social ou econômica estabelecida;
b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de
desenvolvimento econômico;
c) como medida de disciplina de trabalho;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
.O Código Penal, em três artigos, trata especificamente do trabalho escravo e
da punição aos escravagistas. Veja:
Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 1o - Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
§ 2o - A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela


legislação do trabalho:
Pena - detenção, de um ano a dois anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem:
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado
estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em
virtude de dívida;
II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza,
mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais
ou contratuais.
§ 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de
dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou
mental.

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra
localidade do território nacional:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
§ 1º - Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da
localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional,
mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou,
ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.
§ 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de
dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou
mental.

5. DA DENÚNCIA. (Alegações e Motivações)

O caso “Zé Pereira” é uma violação dessas convenções. Esse caso


levou a grandes desdobramentos, porque foi denunciado em 1994 na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização
dos Estados Americanos (OEA). A petição foi apresentada pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT), em parceria com o Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL) e a Organização Internacional de Direitos Humanos,
Por meio dessas entidades, o Brasil foi acusado de:
Desinteresse e ineficiência na investigação e punição dos responsáveis
pelas violências e estado de degradação que o José Pereira e seus colegas de
trabalhadores foram submetidos, pois, já havia passado cinco anos sem
nenhuma sanção aos responsáveis (RAMOS, 2016).
O caso “Zé Pereira” demonstrou ao mundo que o Brasil estava infringido
outros tratados internacionais que é signatário. Dessa forma, foi enviada
uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo
alegado que:
1. Até a data da denúncia, ninguém do Estado do Pará havia sido
procurado ou condenado por este caso. (Impunidade).

2. Foi alegado, também as cumplicidades dos agentes deste Estado,


pois, tristemente em alguns casos policiais estaduais capturam e
trazem de volta para à fazenda trabalhadores que tentaram escapar
ou são omissos ao saberem da situação e simplesmente ignorarem.(
Cumplicidade de quem representa o Estado)

3. Destacando-se ainda, que nem o Ministério do Trabalho nem Polícia


Federal tomaram medidas para prevenir ou reprimir tal atrocidade.
(Falta de Prevenção e Repressão).

4. E por fim, a cumplicidade do Estado, devido ao fato de casos como


esses serem comuns nessa região e nenhum fazendeiro ou capanga ter
sido condenado. (Reincidência / Impunidade). (Omissão e
Negligência).

Foi dito ainda, que a Polícia Federal não investigou desde 1987 as
denuncias referentes à fazenda Espírito Santo, o caso José Pereira só foi
investigado após muita insistência de grupos de Direitos Humanos e só após 4
anos da denuncia do referido caso.( Omissão )

Ainda na petição foi dito que o processo do caso José Pereira foi dividido
em dois: um contra o administrador da fazenda, o qual, foi condenado por
dois anos de reclusão com prestação de serviços comunitários por dois
anos, mas não cumprida, pois, prescreveu. O outro processo contra os
outros quatro réus, que foragidos tiveram sua prisão preventiva
decretada, mas também não cumprida. (Impunidade / Ineficiência )

DOS TRÂMITES DO PROCESSO -

A denúncia foi recebida pela Comissão em 22 de fevereiro de 1994 e


encaminhada em 24 de março do mesmo ano ao Estado, que respondeu em
6 de dezembro de 1994, alegando que os recursos da jurisdição interna não
haviam sido esgotados. Ambas partes apresentaram informação adicional em
diversas oportunidades.
Em 24 de fevereiro de 1999, a Comissão aprovou um relatório tanto
sobre a admissibilidade como sobre o mérito do presente caso. Nessa
oportunidade, a Comissão declarou o caso admissível e, quanto ao mérito,
concluiu que o Estado brasileiro era responsável por violações à
Declaração Americana sobre os Deveres e Direitos do Homem, e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Neste relatório, a
Comissão efetuou as recomendações pertinentes ao Estado.

Em 24 de março de 1999, o mencionado relatório foi enviado ao Estado,


com um prazo de dois meses para que este cumprisse com as
respectivas recomendações formuladas pela CIDH. Posteriormente, a
Comissão impulsionou o início de um processo de solução amistosa.

Finalmente em 14 de outubro de 2003, foi celebrada uma nova reunião de


trabalho, durante o 118° período ordinário de sessões da Comissão, na qual as
partes apresentaram formalmente à Comissão o acordo de solução amistosa
que haviam assinado em Brasília, no dia 18 de setembro de 2003.

5. DA DECISÃO.

No dia 18 de setembro de 2003, os peticionários e o Estado assinaram


um acordo de Solução Amistosa, onde o Estado reconheceu sua
responsabilidade internacional e estabeleceram compromissos quanto ao
julgamento e sanção dos responsáveis e medidas pecuniárias de
reparação e prevenção.

O reconhecimento público da responsabilidade do Brasil teve lugar


com a solenidade de criação da Comissão Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo (CONATRAE) em 18 de setembro de 2003.

No tocante a indenização dos danos morais e materiais, o Estado


encaminhou um projeto de Lei nº 10.706 de 2003 que determinou o
pagamento de 52.000 a José Pereira.

Este caso foi um marco em relação aos direitos humanos, pois, a partir
do acordo feito entre o Estado brasileiro e a Comissão Internacional de Direitos
Humanos, várias medidas têm sido implementadas no sentido de coibir esse
tipo penal, que englobou desde modificações legislativas até.

7. CONSIDERACÕES FINAIS.
Segundo alegações das peticionárias deste caso, durante o biênio 1992-
93, anos imediatamente anteriores à denúncia, a Comissão Pastoral da Terra
(CPT), organização de direitos humanos da Igreja Católica, registrou 37 casos
de fazendas onde imperava o trabalho em condições de escravidão, que
afetavam 31.426 trabalhadores.

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