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O Conceito de Interpretação

No capítulo anterior, erros perpetua e aprofunda a


ocupamo-nos dos instrumentos doença; e, vice-versa, qualquer
da psicoterapia, que dividimos dado que traga melhores
em quatro grupos, dos quais elementos para compreender a
estudamos os que servem para realidade (ou a verdade) deve
influenciar o paciente e para ter um caráter terapêutico.
lhe solicitar informação. Em seu sentido estrito, a
Agora, cabe-nos estudar o informação refere-se a algo que
terceiro grupo, que compreende o paciente desconhece e
os instrumentos para informar, deveria conhecer, ou seja, tenta
dentre os quais se encontra a corrigir um erro que provém da
interpretação. Como se informação deficiente do
recordará, existe ainda uma analisando. Aplica-se, a meu
quarta categoria, os parâ- ver, por definição, a co-
metros. nhecimentos extrínsecos, a
dados da realidade ou do mun-
do, não do próprio paciente.
INSTRUMENTOS PARA Assim delimitada, a informa-
INFORMAR ção aumenta o conhecimento
De todos os instrumentos do analisando, mas não se
que formam o arsenal do refere especificamente a seus
psicoterapeuta, há três que têm problemas, e sim a um des-
uma entidade distinta e também conhecimento objetivo que, de
uma dignidade diferente: a algum modo, influi sobre ele.
informação, o esclarecimento e Em casos muito especiais (e
a interpretação. Essas três digamos que também muito
ferramentas são essencialmente escassos), o analista pode
uma e única, mas convém legitimamente dar essa
distingui-las, mais por seu informação, corrigir esse erro.
alcance do que por suas Não é difícil encontrar exem-
características. plos na prática, em nossa
Em um extremo está a própria prática, e a primeira
informação, que opera como coisa em que pensamos, sob a
um autêntico instrumento de influência do severo superego
psicoterapia se a oferecemos psicanalítico, é que cometemos
para corrigir algum erro. Se de uma transgressão; entretanto,
algum modo a neurose provém se damos essa informação com
de um erro de informação, e o objetivo de que o paciente
especificamente de erros de tenha um dado que lhe faz falta
informação em termos de e do qual carece por motivos
relações interpessoais, é lógico que lhe são fundamentalmente
pensar que qualquer afirmação alheios, essa informação é
que perpetue ou aprofunde os pertinente e pode ser útil.
2 R. HORÁCIO ETCHEGOYEN

Não se oculta para mim, com as constantes do enquadre


por certo, o risco que se corre e sobre as quais o analista pode
ao dar esse tipo de informação. não se sentir na obrigação de
O paciente pode tomá- la informar.
equivocadamente por apoio, As vezes se justifica, por
sedução, desejo de influenciá- exemplo, dar alguma infor-
lo ou de controlá-lo, etc.; mação médica a um analisando
porém, de qualquer maneira, se que não a tem e nem sequer
o analisando sofre de uma sabe que não a tem. Na mesma
ignorância que o afeta e nós lhe semana em que sua mulher
trazemos o conhecimento que entrou no climatério, um
lhe falta com a intenção apenas analisando que sempre
de modificar essa situação, invejava as prerrogativas do
penso que estamos operando sexo frágil teve uma pequena
legitimamente, conforme a hemorragia retal. Interpretei
arte. esse sintoma como o desejo de
Certamente se poderá ser ele, agora, aquele que tinha
dizer que, nesses casos, é sem- a menstruação, na dupla
pre viável subministrar o perspectiva de sua reconhecida
mesmo informe por meio de inveja à mulher e de seu desejo
uma interpretação que o de reparar. Pude, ao mesmo
contenha, mas para mim isso é tempo, colocar esse material,
um artifício que não se de maneira válida, na linha de
compadece da técnica e menos sua transferência homossexual
ainda da ética. E valer-se de e também de seu desejo de se
nossa ferramenta mais nobre liberar de mim, terminando
para fins que não lhe repentinamente a análise, como
competem e que não podem se fosse um aborto. Informei-
senão depreciá-la. Não se deve lhe, ainda, que o sangue nas
perder de vista que o ana- matérias fecais podia ser um
lisando captará, mais cedo ou sintoma de enfermidade
mais tarde, que estamos orgânica e pedi-lhe que
transmitindo-lhe um consultasse. Infelizmente, meu
determinado dado através de temor confir- mou-se e, uma
um artifício e, então, poderá semana depois, o paciente foi
supor que sempre operamos operado de um carcinoma de
com segundas intenções, sem sigmóide.
que possamos simplesmente Nem sempre, mas talvez
lhe interpretar sua desconfiança em casos especiais, se não for
(paranóica) ou seu desprezo legítimo ao menos pode ser
(maníaco). perdoável dar a um colega em
E necessário destacar análise, que quer seguir a
aqui que me refiro a um des- carreira, algum dado geral
conhecimento do analisando sobre certos requisitos, por
que não está relacionado com o exemplo, que o período das
contrato, com o enquadre, entrevistas inicia e termina em
como perguntas sobre o prazos definidos, embora o
feriado, as férias, os mais provável, nesses casos, é
honorários, etc., porque, nesse que se tenha de interpretar ao
caso, é claro que a informação aspirante os motivos neuróticos
é inevitável. Refiro-me a ques- de sua desinformação.
tões que não se relacionam
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Um paciente pode pesando todas as


consultar pelo que ele chama circunstâncias, não lhe dar a
de ejaculação precoce e tratar- informação teria sido
se de um desajuste de outro descomedido de minha parte.
tipo. Há muitos anos, tomei em Em muitos desses casos,
análise uma mulher "frígida" e coloca-se para o analista uma
depois, quando pude obter situação delicada, porque essas
dados sobre sua vida sexual falhas "objetivas" de infor-
durante o tratamento, inteirei- mação são freqüentemente
me de que seu marido produto do recalque, da nega-
ejaculava adportas. Foi um ção ou de outros mecanismos
erro, então, não lhe perguntar de defesa. Nesses casos, é mais
nas entrevistas por que ela operante (e mais analítico)
considerava que era frígida, a interpretar que ele sabe algo
que ela chamava de frigidez. que não quer ver
Embora fosse certo que a (recalcamento), cuja existência
mulher em questão precisava nega (negação) ou que quer
de análise, era por outros que eu (ou seja quem for) saiba
motivos, entre eles por seu por ele (projeção, identificação
desconhecimento da vida se- projetiva).
xual, pela idealização do Novamente, não há regra
marido e por suas auto-recrimi- fixa nesses casos. Tudo de-
nações quase melancólicas. pende do momento, das
Há algum tempo, circunstâncias, de muitos
um/uma colega jovem fatores. Não estaremos em falta
comentava com entusiasmo se o que buscamos é informar o
que, ao sair da sessão, iria ao analisando e não nos
seminário de um eminente congraçarmos com ele, apoiá-
analista que nos visitaria. Eu lo ou influenciá-lo, e sempre
sabia que a viagem havia sido que pensemos que seu déficit
cancelada de última hora e de informação deve ser
preferi dar essa informação a corrigido diretamente e não
meu/minha analisanda, em vez interpretado, que dessa maneira
de deixar que se abalasse até a ampliamos o diálogo analítico,
associação para só então se em vez de encerrá-lo.
inteirar. Essa história, ao que Comete-se um erro
parece nada transcendente, lamentável quando se acredita
contém, entretanto, toda uma que, ao dar esse tipo de
teoria da informação no setting informação, contribuímos para
analítico. Eu não era, uma mudança no paciente.
evidentemente, obrigado a Apenas lhe damos a oportuni-
suprir seu déficit de dade de ver seus problemas de
informação, mas sabia que outra perspectiva, ao me: mo
ele/ela não era o único tempo que evitamos que veja
ignorante da suspensão de nosso silêncio como uc;
última hora da viagem. Eu confirmação do que ele
mesmo tinha dado a ordem de pensava.
que se avisassem membros e Para terminar, quero
candidatos da circunstância trazer o melhor exemplo de quí
imprevista e supunha que nem recordo de minhas leituras. No
todos poderiam ter sido clássico trabalho de Ruti Mack
avisados. Parece-me que, Brunswick, "Análise de um
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caso de paranóia. Delíri: de não apenas à nossa meta-


ciúmes" (1928b), em que se psicologia. Os ontoanalistas,
mostra pela primeira vez a por exemplo, não admitem, de
fixação patológica de uma fato, uma diferença entre
mulher à etapa pré-edípica, £ consciente, pré-consciente e
paciente comenta com muito inconsciente, mas não
desembaraço que as cadelas objetarão se digo conhecimento
não têm vagina, e seu analista ou emprego a palavra
dá-lhe a informação pertinente consciência no sentido geral de
(p. 619 da ed. cast.). ter consciência, de se
O esclarecimento busca responsabilizar ou saber de si
iluminar algo que o individue mesmo. A informação refere-se
sabe, mas não distintamente. O a algo que o paciente ignora do
conhecimento existe; porém, mundo exterior, da realidade,
diferentemente da informação, algo que não lhe pertence; a
aqui a falha é um tanto mais interpretação, ao contrário,
pessoal. Não é que lhe falte um assinala sempre algo que
conhecimento de algo pertence em propriedade ao
extrínseco, e sim que há algo paciente, mas do qual ele não
que não percebe claramente de tem conhecimento. A diferença
si mesmo. Nesses casos, a é muito grande e servirá para
informação do terapeuta é definir e estudar a
destinada a esclarecer o que o interpretação.
paciente disse. C Diz-se, às vezes, que a
esclarecimento não promove, interpretação pode referir-se
em meu entender, insight. mas não apenas a algo que pertence
apenas um reordenamento da ao indivíduo, mas também a
informação; essa opinião, seu ambiente. Esta é uma
contudo, não é a de Bibring extensão do conceito que não
(1954), para quem c processo compartilho. Por isso, insisti
implica o vencimento de uma em definir e legalizar a
resistência (seguramente no informação propriamente dita
sistema Prcc). para não, confundir com o
No esclarecimento, a conceito de interpretação. Só se
informação pertence ao pacien- interpreta o paciente: as
te, mas ele não pode apreendê- "interpretações" a familiares ou
la, não pode captá-la. amigos são interpretações
silvestres.
Do mesmo modo, quando
A INTERPRETAÇÃO Winnicott (1947) diz que o
No outro extremo desse analista deve interpretar ao
espectro, a interpretação sem- psicótico o ódio objetivo que
pre se refere, a meu ver, alguma vez teve dele, utiliza a
também por definição, a algo idéia de interpretação muito
que pertence ao paciente, mas frouxamente. Com vistas às
do qual ele não tem conheci- precisões que estamos esta-
mento. Não utilizo a palavra belecendo, o que se faz, nessas
consciência, porque desejo circunstâncias, é informar algo
definir esses três instrumentos que em certo momento
em termos aplicáveis a qual- sentimos, mas nunca inter-
quer escola psicoterapêutica, e pretar. Interpretar seria dizer-
lhe que, naquelas circuns-
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tâncias, ele fez algo para que que têm todas as tardes reunião
eu o odiasse, ou que ele sentiu de diretoria ou entre as
que eu o odiava; todavia, dizer- mulheres que saem sós e bem
lhe que eu o odiei é somente arrumadas, nos sábados à
uma informação.1 noite". Basta colocar assim
Anos atrás, consultou-me para que todos nos demos
um colega sobre uma mulher conta de que uma intervenção
que estava em um evidente desse tipo não tem sentido, é
impasse, porque não havia ridícula. As "interpretações" de
forma de torná-la consciente de meu colega não soavam
que seu marido a enganava. O ridículas, mas eram totalmente
analista havia-lhe interpretado ilógicas, careciam de método (e
reiteradamente, e com base em de ética), já que ele não podia
fatos objetivos, esse engano saber, de verdade, se esse
notório e os mecanismos de homem andava com outras
defesa da paciente para não se mulheres, nem tampouco a
dar conta disso. "Você não quer análise ocupa-se de averiguá-
ver que seu marido a engana. lo.
Você dá as costas à realidade, De qualquer maneira,
não quer ver o evidente. Nin- meu colega me consultava por-
guém pode pensar que um que o caso estava detido.
homem que sai todas as noites Depois das "interpretações",
e volta de madrugada, sob os sua paciente interpelava seu
mais diversos pretextos, que se marido, ele negava e ela
arruma em excesso para ir terminava por acreditar nele,
fazer negócios, que há meses para desespero de seu analista.
suspendeu sua vida conjugal Quando iniciei essa
com você", etc. Disse de ime- supervisão, mostrei a meu cole-
diato a meu jovem colega que a ga seu erro metodológico e, por
paciente tinha razão ao não minha vez, não fiz nenhuma
aceitar seus pontos de vista, conjectura sobre se o marido
que ele chamava de in- enganava ou não sua mulher.
terpretações. Na realidade, não posso sabê-
Essas pretensas lo, e isso tampouco me
interpretações não são mais do incumbe como analista (ou, no
que opiniões (e as opiniões são caso, como supervisor).
algo que pertence àquele que as O analista começou a
emite, não ao receptor) ou, na prestar mais atenção à forma
melhor das hipóteses, como a paciente contava as
informações (já que pertencem saídas do esposo, que logo lhe
ao mundo exterior, à realidade deram uma pauta. Ela o
objetiva). Em suma, meu esperava presa por uma
jovem colega poderia ter dito à angústia muito intensa e por
sua obstinada paciente: "Desejo grande excitação, assediada
informar-lhe que há uma alta pela imagem de vê-lo na cama
incidência de engano com outra mulher. No final
matrimonial entre os homens dessa longa agonia, terminava
masturbando-se. Ou seja, tudo
1 Não estamos aqui discutindo a isso lhe provocava um prazer
escoptofílico e masoquista
validade da técnica de Winnicott,
mas precisando o conceito de muito intenso. Quando isso lhe
interpretação. foi interpretado, houve uma
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mudança dramática, em que a interpretação deve ser


primeiro lugar porque a mulher desinteressada. Se temos outro
responsabilizou-se pelo que interesse que não o de
acontecia com ela e, em se- proporcionar conhecimento,
gundo, porque pôde colocar então já não estamos
esta situação de outra forma estritamente interpretando, mas
para seu marido. Assim, sugerindo ou apoiando,
lentamente, começou a pôr-se persuadindo, manipulando, etc.
em marcha de novo a análise. Convém esclarecer aqui dois
Vale a pena assinalar aqui, de fatos importantes.
passagem, o conflito de Em primeiro lugar, estou
contratransferência, à medida referindo-me à atitude que tem
que a paciente colocava seu o emissor, o analista; pouco ou
analista na posição do terceiro nada importa, no caso, o que
que imagina a cena primária. faça o receptor. O analisando
A interpretação não pode pode dar a nossas palavras
referir-se senão ao paciente - e outro sentido, mas isso não as
por vários motivos. Antes de muda. Se o destinatário utiliza
mais nada, porque nem mal o conhecimento que lhe foi
metodologicamente, nem dado, terei de voltar a
eticamente podemos saber o interpretar e certamente
que faz o outro. Só sabemos o apontarei, agora, a mudança de
que se passa no hic et nunc, no sentido que minha escuta
aqui e agora; só consta, para operou. Em segundo lugar,
nós, o que nos diz o paciente. refiro-me ao objetivo básico da
Essa posição não muda, em comunicação, sem pretender
absoluto, se o analista pudesse ser um analista quimicamente
ter acesso à realidade exterior puro, livre de toda
(objetiva), já que essa realidade contaminação e de posse de
não é pertinente; o único fato uma linguagem ideal, na qual
pertinente é aquilo que provém não existam o equívoco ou a
do analisando. imprecisão. As vezes, essas
inevitáveis notas, acrescentadas
à interpretação em sentido
INFORMAÇÃO E estrito, são a única coisa que o
INTERPRETAÇÃO analisando capta para criticar,
Tentamos aproximar-nos com maior ou menor razão,
do conceito de interpretação a uma interpretação.
partir do fato de que é uma No conceito de
maneira especial de informar. interpretação (e, em geral, no
Por informar, a interpretação de informação) coincidem o
tem de ser, antes de tudo, método psicanalítico, a teoria e
veraz. Se uma informação não a ética, porquanto nos é dado
é veraz, não é objetiva, não é interpretar, mas não ditar a
certa, obviamente deixa de sê- conduta alheia. Isto só pode ser
la por definição. Também está decidido por cada um, nesse
dentro de suas notas caso o paciente. Lacan (1958a)
definidoras que sua finalidade tem razão ao protestar contra o
não seja outra senão a de analista querer ser aquele que
informar, a de compartilhar define a adaptação ("A direção
conhecimento. Por isso, insisto do tratamento", p. 228 e passim
da ed. cast.).
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Além de veraz e interpretação é uma explicação


desinteressada, a interpretaçãoque o analista dá ao paciente (a
também deve ser uma partir do que este lhe comuni-
informação pertinente, isto é, cou) para lhe proporcionar um
dada em um contexto em que novo conhecimento de si
possa ser operativa, utilizável,
mesmo. Lõwenstein diz, em
embora finalmente não o seja. resumo, que a interpretação é
A interpretação deve ser uma informação
oportuna, deve ter um mínimo (conhecimento) que se dá ao
razoável de oportunidade. paciente, que se refere ao
Estou introduzindo aqui, pois, paciente e que provoca as
outra nota definidora da inter-mudanças que conduzem ao
pretação, a pertinência insight.
(oportunidade), que para mim Essa definição só difere
não é sinônimo de timing. O da que demos no item anterior
conceito de timing é mais por incluir o efeito da
restrito e mais preciso que o de
interpretação. Nesse ponto,
oportunidade, que é mais concordo com Sandler e
abrangente. Uma interpretação colaboradores (1973) quando
fora de timing não deixa de sê-dizem que seria melhor definir
lo; uma intervenção
a interpretação por suas inten-
impertinente não o é por ções, e não por seus efeitos.
definição. Portanto, a
Nesse sentido, a definição de
oportunidade refere-se ao Lõwenstein seria mais
contato com o material, ao aceitável se dissesse que a
posicionamento do analista interpretação é destinada a (ou
frente ao paciente. tem a intenção de) produzir
Definimos, pois, a insight, e não que deve
interpretação como uma produzi-lo. Porque, de fato, até
informação veraz,
mesmo a interpretação mais
desinteressada e pertinente, perfeita pode ser inoperante se
que se refere ao receptor. o analisando assim o quiser. E
melhor então, em conclusão,
que a definição apóie-se na
INTERPRETAÇÃO E informação que o analista dá, e
INSÍGHT não na resposta do paciente.
Por um caminho Enfim, Sandler, Dare e
diferente do que percorremos, Holder propõem, como alter-
Lõwenstein chegou, em 1951, nativa, que a interpretação está
a uma definição da inter- destinada a produzir insight.
pretação similar à recém- Concordo, então, com a
exposta. Lõwenstein distingue sugestão deles, já que, nesse
as intervenções preparatórias caso, informar é o mesmo que
do analista, endereçadas a li- procurar fazer com que o
berar as associações do paciente adquira insight.
analisando (isto é, a obter A relação com o insight,
informação), da interpretação apesar de ser importante, é
propriamente dita, intervenção complexa; por isso, que preferi
especial que produz as não incluí-la na definição. Se
mudanças dinâmicas que assumíssemos o desejo de que
chamamos de insight. A o analisando responda com
insight, perderíamos algo de
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nossa atitude de impar- INTERPRETAÇÃO E


cialidade. 0 insight deve ser SIGNIFICADO
algo que suqa por obra de Em uma tentativa de
nosso trabalho, sem que nós o definir a interpretação a partir
busquemos diretamente. Feitas de outra perspectiva que
essas ressalvas e com as complementa a anterior, preste-
precisões de Sandlere e mos agora atenção ao seu valor
colaboradores, podemos semântico. O analista, afirma
acrescentar, como uma de suas David Liberman (1970-1972),
notas definidoras, que a dá um segundo sentide ao
interpretação é destinada a pro- material do paciente. O novo
duzir insight. sentido que a interpretação
Além dos aspectos outorga ao material leva-me a
metodológicos, que me compará-la com a vivência
parecem decisivos, a relação delirante primária (Jaspers,
entre a interpretação e o insight 1913).
é muitc complexa. Talvez se Jaspers definiu
possa inclusive sustentar que genialmente a vivência
nem toda interpretação é delirante primária como uma
destinada a produzir insight, ao nova conexão de significado:
menos c insight ostensivo. 0 de imediato, o indivíduo -
insight é um processo muito inexplicavelmente para Jaspers
específico, é a culminação de (mas nãc para Freud), ou seja,
uma série de momentos de de uma forma em que a
elaboração por meio de um empatia torna-se impossível
longo trabalho interpretativo. para o observador
Este £ um tema apaixonante, fenomenológico. porque
que discutiremos mais adiante, efetivamente, no plano da
especialmente no Capítulo 50, consciência, seria in-
e que não se refere estritamente compreensível - faz surgir uma
à presente discussão. Estamos nova relação, uma nova
buscando as nota: definidoras conexão de significado, uma
do conceito de interpretação, outra significação.
sem nos pronunciarmos ainda A interpretação é também
sobre suas relações com o uma nova conexão de sig-
insight e a elabc- ração. Esse nificado. O analista toma
modo de pensar apóia diversos elementos das associa-
novamente a idéia cí que o ções livres do paciente e
insight figure entre as notas produz uma síntese que dá um
definidoras, sem per isso estar significado diferente à sua
entre as finalidades imediatas experiência. Essa nova conexão
do analista quar.- do ele é, sem dúvida, real, simbólica2
interpreta. Como veremos logo e, certamente, não é delirante.
mais, o efeito buscado pela
interpretação é decisivo quando
a definime: operacionalmente. 2Essa definição pode ser
enquadrada perfeitamente nas
idéias de Bion (1963) sobre a
conjunção constante e o fato
selecionado.
*N. de R.T. Em francês, como no
original.
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Em contraste com a não é retificada; a hipótese, ao


vivência delirante primária, a contrário segundo Popper
interpretação chega a um (1953,1958,1962,1972), nunca
significado pertinente e é confirmada e continua válida
realista; além disso, e tal fato até que seja refutada. Portanto,
parece-me decisivo, a a interpretação pode ser
interpretação têm duas notas considerada uma proposição
que nunca podem aparecer com científica, uma sentença
a vivência delirante primária, a declarativa, uma hipótese que
qual sempre desqualifica e não pode ser justificada ou
é retificável. refutada, e isso a separa
A interpretação não totalmente da vivência
desqualifica; se o fizesse, já delirante primária.
não seria interpretação, e sim Em resumo, enquanto
uma mera manobra defensiva nova conexão de significado, a
do analista (negação, interpretação informa e dá ao
identificação projetiva, etc.) analisando a possibilidade de
mais próxima da vivência organizar uma nova forma de
delirante primária do que da pensamento, de mudar de
informação. A interpretação ponto de vista (Bion, 1963).
nunca desqualifica; a vivência
delirante primária sim.
Em meio a uma grave DEFINIÇÃO
crise conjugal, o analisando OPERACIONAL DA
INTERPRETAÇÃO
afirma que não se divorcia por
causa de seus filhos. Apoiado Até agora, definimos a
em um material amplo e interpretação de duas formas
convincente, o analista inter- distintas e, de certo modo,
preta-lhe que projeta nos filhos coincidentes, como um tipo
sua parte infantil que não quer especial de informação e como
separar-se da mulher, que uma nova conexão de sig-
representa a mãe de sua nificado. Do primeiro ponto de
infância. O que quer dizer essa vista, a interpretação é uma
interpretação, o que busca com proposição científica, um ponto
ela o analista? Procura dar ao já estudado, há alguns anos,
analisando uma nova por Bernardo Alvarez (1974);
informação sobre sua relação do outro ponto de vista, a
com sua mulher e seus filhos, interpretação caracteriza-se por
mas não desqualifica suas ter um valor semântico, por
preocupações de pai. Pode ser conter um significado.
que o paciente resolva esse E importante incluir aqui,
conflito deixando de projetar nesse ponto, as idéias de
em seus filhos sua parte infantil Bernardo Alvarez Lince sobre
e que, no entanto, decida o conceito de interpretação em
finalmente não se divorciar psicanálise. Sua consistente
pensando em como ficariam investigação inicia-se em 1974,
seus rebentos. com a idéia de que a
Outra diferença em interpretação psicanalítica é
relação à vivência delirante pri- uma proposição científica,
mária é que a interpretação é adquire precisão quando estuda
sempre uma hipótese e, como a forma como a interpretação é
tal, retificável. A idéia delirante posta à prova (1984) e culmina
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em um valioso livro, a condição de uma ciência da


recentemente publicado (1996). natureza.
A interpretação é sempre uma Devemos agora
hipótese e, como tal, exposta à considerar uma terceira forma
refutação; porém, quando de definir a interpretação, que é
formulada, adquire outra a operacional. Como bem diz
dignidade, torna-se autônoma. Gregorio Klimovsky, no
Já não pertence nem a quem a Capítulo 35, a interpretação
propõe, nem a quem a escuta: não é apenas uma hipótese que
fica, antes, à consideração de o analista constrói, mas uma
ambos para ser validada ou hipótese que é feita para ser
refutada e traz conseqüências, dada, para ser comunicada.
às vezes, não previstas e Embora possamos reter a
sempre independentes de nossa interpretação, em casos
criação. Desse modo, especiais a condição de ter de
estabelece- se um sistema comunicá-la ao paciente é
aberto de retroalimentação e inevitável porque, como
regulação entre o homem e o hipótese, a única forma de
mundo 3 (Alvarez Lince, 1996, testá- la é comunicando-a.
p. 78). Assim como Popper de Logo, está incluída na
Conhecimento objetivo (1972), definição de interpretação que
Alvarez Lince considera que a ela deve ser comunicada;
interpretação psicanalítica não contudo, ao ser comunicada, é
pertence ao mundo dos estados também operativa, ou seja,
físicos (mundo 1), nem ao promove alguma mudança, e
mundo dos estados mentais isso é o que nos permite testá-
(mundo 2), mas ao mundo 3, la. Desse modo, reabre-se o
que é o mundo do inteligível, debate do quarto item e
das idéias em sentido objetivo, comprova- se a razão de
isto é, o âmbito das teorias em Sandler, quando inclui entre as
si mesmas e de suas relações qualidades definidoras da
lógicas (Popper, 1972, Cap. 4). interpretação sua intenção
Disso decorre que Alvarez (mais que seu efeito, como
Lince (1996) considere que Lõwenstein) de produzir
nem -eticamente, nem insight.
epistemologicamente, o Essas três notas - a
analista pode aferrar- se à sua informação, a significação e a
interpretação, recorrendo a uma operatividade - são os três
hipótese ad hoc ou a um parâmetros com os quais se
raciocínio de tipo circular para define a interpretação.
defendê-la, já que essa Como dissemos antes, a
interpretação realmente se definição operacional da in-
tornaria irrefutável e deixaria terpretação não implica que
de sê-lo. "O uso de teorias ad esse efeito seja buscado de
hoc para reinterpretar as forma direta pelo analista. Ele
respostas do paciente que sabe empiricamente, porque
refutam as interpretações sua práxis lhe demonstrou
quebra o método científico" (p. muitas vezes, que, se a in-
85). Desse modo, Alvarez terpretação é correta e o
Lince si- tua-se na linha analisando a admite, esta vai
daqueles que, como Freud, operar em sua mente. Todavia,
reivindicam para a psicanálise isso não muda a atitude com
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que o analista interpreta. Sua sua habitual precisão: a


atitude continua sendo de- psicanálise não pretende
sinteressada, pois ao que ele se resolver conflitos, e sim
propõe é dar ao analisando promover o crescimento
elementos de juízo para que mental.
possa mudar, sem ficar O paciente pode tomar
pendente de suas mudanças, nossa informação como su-
sem exercer nenhuma outra gestão, apoio, ordem, ou o que
influência senão a do seja. Não digo que o paciente
conhecimento. A informação não possa fazer isso e nem
do analista é desinteressada, na sequer digo que não seja bom
forma como Freud propunha- que o faça. E a atitude com que
nos em "Conselhos ao médico", nós damos a informação, não a
com aquela frase do cirurgião atitude com que a recebe o
que dizia: "Je le pansai, Dieu le analisando, o que define nossa
guérit"". Não é outro o sentido prática. E parte de nossa tarefa,
com que damos ao paciente a além disso, levar em conta a
interpretação, atitude de atitude com que o paciente
liberdade para o outro, não de pode receber nossa informação
coação: de desinteresse, não de e, na medida do possível,
exigência. Não há nessa atitude predizer sua resposta, evitando,
nenhum desinteresse afetivo, quando estiver a nosso alcance,
porque a informação é dada sermos mal-entendidos.
com afeto, com o desejo de que Podemos inclusive nos abster
o analisando tome para si a de interpretar, se pensarmos
informação para que depois, e que não seremos
por sua conta, reajuste, ressitue compreendidos, se prevermos
ou questione sua conduta. A que nossas palavras serão
modificação da conduta não distorcidas e utilizadas para
está incluída em nossa intenção outros fins. No momento em
ao informar, e talvez esta seja a que estamos propondo um
essência do trabalho analítico. aumento de honorários, uma
INTERPRETAÇÃO E interpretação das tendências
SUGESTÃO anal-retentivas dificilmente vai
Nesse sentido, como ser recebida como tal. O mais
disse anteriormente, penso que provável é que o analisando a
o que define a psicanálise é que veja como uma tentativa de nos
ela prescinde da sugestão. A justificarmos, ou algo
psicanálise é a única semelhante, e não como uma
psicoterapia que não usa interpretação.
placebos. Todas as Creio ter esclarecido,
psicoterapias utilizam, de então, que informação, esclare-
alguma forma, a comunicação cimento e interpretação
como placebo; nós, ao formam uma categoria especial
contrário, renunciamos a isso. de instrumentos pela intenção
Essa renúncia define a com que são utilizados,
psicanálise, que por isso tam- intenção singular que poderia
bém é mais difícil. Nossa ser resumida dizendo-se que é
intenção não é modificar a con- a de que não operem como
duta do paciente, mas sua placebos, mas como
informação. Bion disse com informação.
12 R. HORÁCIO ETCHEGOYEN

Se quisermos utilizar o a interpretação e os outros


esquema clássico do primeiro instrumentos não há maior
tópico, poderemos concluir que diferença.
informação, esclarecimento e Acredito que é artificial
interpretação correspondem a transformar em interpretação o
processos conscientes, pré- que deveria ser uma pergunta
conscientes e inconscientes, ou uma ordem. Nesses casos,
respectivamente. embora possamos dizer que
interpretamos, na realidade o
paciente decodifica-o como é -
COMENTÁRIO FINAL e creio que tem razão.
Procuramos definir, com Transformar em interpretação
o maior rigor possível, os algo que deveria ser outra coisa
múltiplos instrumentos de que é sempre artificial e, mais
dispõe o analista, porque disso ainda, contrário ao espírito da
surge espontaneamente a análise, porque a interpretação,
essência da práxis. Chegamos a como dissemos, não3 deve
mostrar com base em que promover uma conduta.
argumentos pode-se afirmar Há zonas intermediárias
que a psicanálise não está nas quais se pode inclinar para
relacionada com a sugestão. um lado ou para outro, por uma
Convém deixar claro que, confrontação ou por uma
ao isolar diversos instrumentos, interpretação, por exemplo. Se
não estamos sugerindo que, na no paciente que analisava com
prática, sempre nos seja todo o entusiasmo seu hábito
possível discriminá-los. Na de fumar, enquanto acendia um
clínica, as coisas nunca são cigarro, eu tivesse descoberto
simples e surgem zonas uma atitude de burla, teria feito
intermediárias e imprecisas, uma interpretação, não uma
nas quais um instrumento é confrontação.
trocado por outro insensi- Tudo isso aponta, então,
velmente. Essas mudanças são para destacar qual é o lugar
das mais comuns, mas nem por legítimo que podem ter o
isso diremos que as diferenças assinalamento, a confrontação
não existem. Quando um e as perguntas em nossa
assinalamento transforma-se técnica. São passos
em confrontação, quando uma preparatórios ou de menor
confrontação começa a ter significado que a interpretação;
ingredientes interpretativos ou porém, às vezes, respeitam
vice-versa, é algo que temos de mais as regras do jogo, pois
decidir sempre em caso não introduzem elementos que
particular. possam ser equívocos.
Se insisti que existem à Essas diferenças
disposição do analista vários permitem reivindicar a
instrumentos, e não somente a autonomia desses instrumentos
interpretação, é para dar a esta
sua dignidade plena, para evitar 3Q
que se desvirtue o conceito de pode
interpretação, englobando nela dize
tudo o que o analista faz ou, "inte
vice-versa, pensando que entre perm
proí
FUNDAMENTOS DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 13

e respeitar os princípios básicos


de nossa tarefa.

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