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O Arqueiro
GERALDO JORDÃO PEREIRA (1938-2008) começou sua carreira aos 17 anos, quando foi
trabalhar com seu pai, o célebre editor José Olympio, publicando obras marcantes como O menino
do dedo verde, de Maurice Druon, e Minha vida, de Charles Chaplin.

Em 1976, fundou a Editora Salamandra com o propósito de formar uma nova geração de leitores e
acabou criando um dos catálogos infantis mais premiados do Brasil. Em 1992, fugindo de sua linha
editorial, lançou Muitas vidas, muitos mestres, de Brian Weiss, livro que deu origem à Editora
Sextante.

Fã de histórias de suspense, Geraldo descobriu O Código Da Vinci antes mesmo de ele ser lançado
nos Estados Unidos. A aposta em cção, que não era o foco da Sextante, foi certeira: o título se
transformou em um dos maiores fenômenos editoriais de todos os tempos.

Mas não foi só aos livros que se dedicou. Com seu desejo de ajudar o próximo, Geraldo desenvolveu
diversos projetos sociais que se tornaram sua grande paixão.

Com a missão de publicar histórias empolgantes, tornar os livros cada vez mais acessíveis e
despertar o amor pela leitura, a Editora Arqueiro é uma homenagem a esta gura extraordinária,
capaz de enxergar mais além, mirar nas coisas verdadeiramente importantes e não perder o
idealismo e a esperança diante dos desa os e contratempos da vida.
Título original: Did I Mention I Need You?

Copyright © 2015 por Estelle Maskame


Copyright da tradução © 2021 por Editora Arqueiro Ltda.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores.

tradução: Giu Alonso


preparo de originais: Marcela de Oliveira
revisão: Carolina Rodrigues e Rachel Rimas
diagramação: Abreu’s System
capa: Stuart Polson
imagens de capa: Shutterstock – gary718 (Estátua da Liberdade), Tuzemka (casal),
Anastasiya Domnitch (garota de óculos escuros); iStock – aluxum (Times Square)
adaptação de capa: Gustavo Cardozo
foto da autora: © Alison Miller
e-book: Marcelo Morais

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M367j
Maskame, Estelle, 1998-
Já disse que preciso de você? [recurso eletrônico] / Estelle Maskame; tradução
de Giu Alonso. - 1. ed. - São Paulo: Arqueiro, 2021.
recurso digital (Já disse que te amo; 2)

Tradução de: Did I mention I need you?


Sequência de: Já disse que te amo?
Formato: ebook
Requisitos do sistema: auto executável
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5565-199-7 (recurso eletrônico)

1. Romance escocês. 2. Livros eletrônicos. I. Alonso, Giu. II. Título. III. Série.
21-72059 CDD: 823
CDU: 82-31(410.5)

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

Todos os direitos reservados, no Brasil, por


Editora Arqueiro Ltda.
Rua Funchal, 538 – conjuntos 52 e 54 – Vila Olímpia
04551-060 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3868-4492 – Fax: (11) 3862-5818
E-mail: atendimento@editoraarqueiro.com.br
www.editoraarqueiro.com.br
Para quem me disse que eu não era capaz,
e para aqueles que me disseram que eu era.
Sumário
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Agradecimentos
Sobre a autora
Informações sobre a Arqueiro
1

Trezentos e cinquenta e nove dias.


Esse é o tempo que passei esperando por isso.
Esse é o tanto de dias que contei.
Faz 359 dias desde que o vi pela última vez.

Gucci sobe nas minhas pernas quando me inclino sobre a mala, tremendo
de empolgação e nervosismo, sem tirar os olhos da janela da sala. São quase
seis da manhã e o sol acabou de nascer. Fiquei assistindo à luz atravessar a
escuridão, admirando a beleza da avenida e o re exo do sol nos carros
parados na calçada. Dean deve estar chegando a qualquer momento.
Olho para a pastora alemã gigante aos meus pés e me abaixo para coçar
suas orelhas até ela me dar as costas e seguir para a cozinha. Então volto a
olhar pela janela, repassando mentalmente uma lista de tudo que estou
levando, mas isso só me deixa mais estressada. Acabo deitando a mala e
abrindo o zíper de novo. Começo a revirar a pilha de shorts, os pares de All
Star, a coleção de pulseiras.
– Eden, pode con ar em mim, você pegou tudo.
Minhas mãos param de revirar as roupas e eu ergo o rosto. Minha mãe
está de pé na cozinha, de roupão, me encarando do outro lado da bancada
com os braços cruzados. Está com a mesma cara com que passou a última
semana inteira – meio irritada, meio chateada.
Dou um suspiro e en o tudo na mala de novo, depois fecho o zíper e a
coloco de pé. Então me levanto.
– Só estou nervosa.
Não sei bem descrever como me sinto. Estou nervosa, é claro, porque
não tenho ideia do que esperar. Trezentos e cinquenta e nove dias é tempo
su ciente para as coisas mudarem. Tudo pode estar diferente. Por isso
também estou apavorada. Morrendo de medo de estar tudo igual. Medo de,
no segundo em que o vir, tudo voltar com força total. Esse é o problema da
distância: ou te dá o tempo necessário para superar a pessoa, ou faz você
perceber quanto precisa dela.
E, neste exato momento, não sei dizer se simplesmente sinto falta do
meu irmão postiço ou se sinto falta da pessoa pela qual me apaixonei. É
difícil separar as coisas. São a mesma pessoa.
– Não precisa car assim – diz a minha mãe. – Não tem motivo para
isso. – Ela vem até a sala, com Gucci trotando ao seu lado, olha pela janela
estreitando os olhos e se senta no braço do sofá. – Que horas Dean vai
chegar?
– Agora – falo, baixinho.
– Bem, eu espero que vocês quem presos no trânsito e que você perca o
voo.
Trinco os dentes e me viro para o outro lado. Minha mãe foi contra essa
viagem desde que cou sabendo. Ela não quer desperdiçar nenhum dia, e
aparentemente viajar por seis semanas é a de nição de tempo desperdiçado.
São nossos últimos meses juntas antes de eu me mudar para Chicago no
outono. Para ela, isso signi ca que é a última vez que vai me ver. Na vida. O
que é cem por cento absurdo. Depois das provas nais, vou voltar para casa
no verão.
– Você é mesmo tão pessimista assim?
Minha mãe nalmente abre um sorrisinho.
– Não sou pessimista, só ciumenta e um pouco egoísta.
Neste momento ouço o motor de um carro. Sei que é Dean mesmo antes
de olhar, e o ronco suave para quando ele estaciona na entrada. Jack,
namorado da minha mãe, parou a caminhonete mais perto, então tenho que
esticar o pescoço para ver melhor.
Dean está abrindo a porta do carro e saindo, mas seus movimentos são
lentos e seu rosto está sério, como se ele não quisesse estar aqui. Isso não me
surpreende nem um pouco. Ontem ele só me dava respostas monossilábicas
e passou quase a noite toda mexendo no celular. Quando fui embora ele
nem me levou até o carro como costuma fazer. Assim como a minha mãe,
Dean está meio irritado comigo.
Sinto um nó na garganta, que tento engolir quando puxo a alça da mala.
Eu me encaminho até a porta, mas então paro e olho para minha mãe,
apreensiva. Finalmente está na hora de ir para o aeroporto.
Dean não bate antes de entrar. Ele nunca faz isso, nem precisa. Mas a
porta se abre mais devagar que o normal antes de ele aparecer, com um
semblante cansado.
– Bom dia.
– Bom dia, Dean – diz minha mãe. Seu sorrisinho ca maior quando
estende a mão e aperta de leve o braço dele. – Ela está pronta para ir.
Dean me encara com seus olhos escuros. Em geral ele sorri ao me ver,
mas hoje sua expressão permanece neutra. Ele ergue a sobrancelha para
mim, como quem pergunta: “Está mesmo?”
– E aí? – falo, e estou tão nervosa que minha voz sai fraca e patética. Dou
uma olhada na mala e então ergo os olhos para Dean de novo. – Obrigada
por fazer isso no seu dia de folga.
– Nem me lembre – responde ele, mas está começando a sorrir, o que me
tranquiliza. Ele dá um passo à frente e pega minha mala. – Eu poderia estar
na cama neste momento, dormindo até meio-dia.
– Você é um anjo para mim. – Eu me aproximo e enlaço a cintura de
Dean, en ando o rosto em seu peito. Ele ri e me abraça também. Olho para
cima. – Sério.
– Ah, como vocês dois são fofos... – diz minha mãe com um suspiro,
então me lembro que ela ainda está na sala.
Lanço um olhar de advertência para ela antes de me voltar outra vez
para Dean.
– Essa é a nossa deixa para ir embora.
– Não, não, preciso falar com você antes. – Ela se levanta, e seu sorriso
rapidamente desaparece, dando lugar a uma expressão severa. Temo que,
quando eu voltar, essa vai ter se tornado sua expressão permanente. – Não
ande de metrô. Não fale com estranhos. Nada de pisar no Bronx. E, por
favor, volte para casa viva.
Reviro os olhos com todas as minhas forças. Recebi uma bronca
semelhante exatamente dois anos atrás quando estava indo para a Califórnia
reencontrar meu pai, só que daquela vez o perigo era ele.
– Eu sei – falo. – Basicamente, não vou fazer nada idiota.
Ela me encara, séria.
– Exatamente.
Solto o braço de Dean e vou até ela, envolvendo-a num abraço. Isso vai
fazê-la calar a boca. Sempre funciona. Ela me aperta forte e dá um suspiro
junto ao meu pescoço.
– Vou sentir saudades – murmuro, minha voz abafada.
– E você sabe muito bem que vou sentir muitas saudades também – diz
ela ao se afastar de mim, as mãos ainda nos meus ombros. Ela dá uma
olhada no relógio na parede da cozinha antes de me empurrar
delicadamente na direção de Dean. – É melhor vocês irem. Para não
perderem o voo.
– É, melhor a gente ir – concorda Dean.
Ele abre a porta e sai com minha mala. Talvez esteja querendo deixar nós
duas sozinhas, para o caso de minha mãe ter mais algum conselho
desnecessário antes de sairmos. Graças a Deus não tem.
Pego minha mochila no sofá e sigo Dean, mas não sem me virar para dar
um último tchauzinho para a minha mãe.
– Acho que a gente se vê daqui a um mês e meio.
– Pare de me lembrar disso – reclama ela, e fecha a porta com força.
Dou um suspiro resignado e atravesso o gramado. Ela vai superar. Mais
cedo ou mais tarde.
– Bem... – começa Dean andando na minha frente. – Pelo menos não
vou ser o único largado aqui.
Fecho os olhos com força e passo a mão pelo cabelo, parada ao lado da
porta do carona enquanto ele guarda minha bagagem no porta-malas.
– Dean, por favor, não começa.
– Mas não é justo – reclama ele, baixinho.
Entramos no carro ao mesmo tempo, e ele solta um grunhido ao bater a
porta.
– Por que você tem que ir embora?
– Não é nada de mais – falo, porque realmente não consigo enxergar o
problema. Tanto ele quanto minha mãe foram contra minha viagem a Nova
York desde o segundo em que contei para eles. É como se achassem que eu
nunca mais vou voltar para casa. – É só uma viagem.
– Uma viagem? – retruca Dean, bufando. Apesar do mau humor, ele liga
o carro e dá a ré. – Você vai car seis semanas longe, voltar para casa por um
mês e depois se mudar para Chicago. No total eu só vou ter cinco semanas
com você. Não é su ciente.
– É, mas vamos aproveitar essas cinco semanas ao máximo.
Sei que nada que eu disser vai ajudar, porque esse momento vem sendo
ensaiado há meses e nalmente Dean está colocando todas as cartas na
mesa. Estou esperando isso acontecer, e não é de hoje.
– Essa não é a questão, Eden – retruca ele, e por um momento co sem
ter o que dizer.
Embora eu estivesse esperando, ainda é estranho ver Dean irritado. Nós
raramente brigamos, porque nunca discordamos de nada até agora.
– Então qual é?
– A questão é que você decidiu passar seis semanas lá em vez de car
aqui comigo – diz ele, mas de repente sua voz está bem mais baixa. – Não é
possível que Nova York seja tão incrível assim. Quem precisa de seis
semanas inteiras em Nova York? Uma só não basta?
– Porque ele me convidou para passar seis semanas – admito.
Talvez seja muito tempo mesmo, mas lá atrás, quando concordei, parecia
a melhor ideia do mundo.
– Por que você não chegou num meio-termo? – Ele está cando mais
nervoso a cada segundo que passa, gesticulando em sincronia com as
palavras, o que causa algumas guinadas bruscas no carro. – Por que você
não falou simplesmente “Claro, eu vou, mas co só duas semanas”, hein?
Cruzo os braços e viro o rosto, fazendo cara feia para a janela do carro.
– Tá, mas relaxa. A Rachael não está reclamando da viagem. Por que
você está?
– Bom, Rachael é sua melhor amiga, mas eu sou seu namorado. E talvez
também seja porque ela vai encontrar você lá – responde ele.
Bem... é verdade.
Rachael e nossa amiga Meghan, que mal vi desde que foi para a
Universidade Estadual de Utah, tinham planejado essa viagem para Nova
York há meses. Eu teria sido convidada também, só que Tyler foi mais
rápido. De qualquer maneira, eu inevitavelmente teria ido para lá no verão,
mas acho que não dá para julgar Dean por se sentir excluído enquanto eu,
Rachael, Meghan e Tyler – quase nosso grupo de amigos inteiro – nos
divertimos em Nova York sem ele.
Dean suspira e ca quieto por um minuto. Nenhum de nós diz nada até
pararmos num sinal.
– Você está me obrigando a começar essa história de relacionamento a
distância antes da hora – reclama ele. – Que saco.
– Tá bom, pode dar meia-volta – retruco, me virando para ele de mãos
erguidas. – Não vou mais. Está feliz agora?
– Não. Vou levar você para o aeroporto.
O silêncio reina pela meia hora seguinte. Simplesmente não temos mais
o que falar. Dean está irritado e eu não sei bem o que poderia dizer para
animá-lo, então acabamos nesse clima tenso até chegarmos ao Terminal 7.
Dean para o carro abruptamente e se vira para mim, olhando bem nos
meus olhos. Já são quase sete da manhã.
– Você pode pelo menos me ligar, tipo, o tempo todo?
– Dean, você sabe que eu vou fazer isso. – Suspiro e abro um sorrisinho,
esperando que ele não resista ao meu olhar de cachorrinho pidão. – Só tente
não pensar muito em mim.
– Você diz isso como se fosse fácil – diz ele. Outro suspiro. Mas, quando
ele olha para mim de novo, tenho a impressão de que está mais tranquilo. –
Vem cá.
Ele segura meu rosto, me puxando gentilmente até tocar seus lábios nos
meus, e é como se nossa briga nunca tivesse acontecido. Ele me beija
lentamente até que por m tenho que me afastar.
– Você está tentando me fazer perder o voo?
Ergo a sobrancelha para ele ao abrir a porta do carro e colocar as pernas
para fora.
Dean dá um meio sorriso.
– Talvez.
Reviro os olhos e saio, pendurando a mochila no ombro e fechando a
porta devagar. Pego a bagagem no porta-malas e vou até a porta de Dean,
que abre a janela para mim.
– Sim, garota nova-iorquina?
En o a mão no bolso de trás e tiro nossa nota de cinco dólares, a mesma
que passamos de um para o outro desde que nos conhecemos. Fazemos isso
sempre que temos a oportunidade, como quando fazemos um favor um ao
outro. Mas a nota está caindo aos pedaços, e não sei como ainda não se
desintegrou.
– Cinco pratas pela carona.
Dean contrai os lábios e pega a nota, mas não consegue disfarçar o
sorriso.
– Você me deve bem mais que cinco dólares por isso.
– Eu sei. Desculpa.
Eu me debruço na janela, tasco um beijo com força no canto dos lábios
dele e por m me viro para entrar no terminal. Atrás de mim, ouço o som
do motor dando a partida de novo.
Não piso no aeroporto internacional de Los Angeles faz quase dois anos,
então parte de mim deseja que Dean tivesse entrado comigo, mas percebo
que é melhor não estender isso mais do que o necessário. Ele teria odiado
me ver desaparecer depois do check-in. Além disso, consigo me virar
sozinha. Acho.
Como previ, o terminal está incrivelmente cheio, mesmo tão cedo. Vou
costurando pela multidão até achar um lugar mais vazio, onde paro um
instante. Puxando a mochila para a frente, reviro o que tem lá dentro até
achar meu celular. Abro o aplicativo de mensagens, seguro a alça da mala e,
enquanto me dirijo ao check-in, começo a digitar:

Parece que o próximo verão chegou. Te vejo em breve.

Então escrevo para a pessoa que estou esperando 359 dias para ver.
Tyler.
2

Só quando pouso no aeroporto internacional de Newark percebo que ainda


nem estou em Nova York. O aeroporto ca em Nova Jersey, e está lotado.
Apesar de termos decolado com dez minutos de atraso, pousamos dez
minutos antes do previsto. Meu corpo ainda me diz que são duas da tarde, e
estou morrendo de fome, mas na verdade já são 17h17 aqui.
Isso signi ca que vou vê-lo a qualquer momento.
Meu coração acelera enquanto procuro as informações nas placas acima
de mim. Seria melhor se eu parasse um momento para entender aonde
deveria ir, mas não posso. Não vou adiar nem mais um segundo. Só quero
vê-lo logo, então penduro a mochila nas costas e sigo as pessoas que saíram
do mesmo voo que eu. Porém, a cada passo, mais enjoada co. Mais percebo
que não deveria ter vindo para cá. Mais acredito que foi uma ideia ruim.
É claro que foi uma ideia ruim, penso.
Como se passar umas semanas sozinha com ele fosse me fazer esquecê-
lo. Provavelmente só vai piorar e di cultar tudo. É fácil para ele. Deve ter me
superado há séculos e já deve estar saindo com alguma nova-iorquina gata.
E aqui estou eu, a idiota que passou um ano inteiro ainda pensando nele. Sei
que, quando ele surgir na minha frente, todos os sentimentos vão voltar na
hora. Já estão voltando. Já sinto o frio na barriga de quando ele sorria para
mim, e meu coração disparando como sempre acontecia quando a gente se
olhava.
Será que ainda dá tempo de voltar atrás?
O grupo que estou seguindo desce numa escada rolante, mas eu hesito e
me afasto, esperando um momento. Talvez não seja tão ruim assim. A nal,
estou mesmo animada para vê-lo, apesar de estar mais nervosa que
animada, e esperei tanto tempo por isso que é besteira car em dúvida
agora.
Só estou confusa, sem saber o que pensar, mas estou aqui. É hora de vê-
lo pela primeira vez em um ano.
Seguro a alça da mochila com mais força e vou para a escada rolante,
meu coração acelerado. Será que as pessoas em volta estão ouvindo? Parece
um ataque cardíaco, como se eu fosse desmaiar a qualquer momento de
excesso de ansiedade. Minhas pernas estão tensas, mas, não sei como,
consigo continuar andando, consigo sair da escada rolante e chegar ao andar
de desembarque.
Eu me divido entre car atenta à esteira de bagagens e ir atrás de um par
de olhos verdes. Ao meu redor, vejo as pessoas hesitando, procurando.
Homens de terno segurando placas com nomes. Famílias avaliando a
multidão que desce da escada rolante. Eu os observo com muita atenção. Sei
exatamente quem quero encontrar. Por um instante, acho que o avistei.
Cabelo preto, alto. Mas bem quando meu coração está prestes a parar, o cara
abraça outra mulher e percebo que de nitivamente não é ele.
Examino a multidão enquanto me aproximo da esteira de bagagem,
ainda forçando meus pés a se moverem, por mais paralisadas que minhas
pernas pareçam. Olho de relance para as plaquinhas enquanto passo, lendo
os sobrenomes e me perguntando por que essas pessoas todas estão vindo
para Nova York. Mas não perco muito tempo pensando nisso, porque de
repente um papel em especial chama a minha atenção. Isso, é claro, porque
vejo meu nome rabiscado com canetinha preta, as letras um pouco
desalinhadas.
É nesse momento que o vejo.
É nesse momento que vejo Tyler.
Ele está segurando aquele papel idiota na frente do nariz, e no segundo
em que nossos olhares se cruzam, sinto um repuxar no canto dos lábios. Ele
está sorrindo. De repente, tudo ca calmo. O aperto no meu peito
desaparece. Meu coração desacelera. Minha pulsação não parece mais latejar
sob a pele. Só co ali parada, no meio do saguão de desembarque, sendo
ligeiramente empurrada pelos outros passageiros. Mas não ligo de estar
atrapalhando a passagem. Não ligo de parecer perdida. Só sei que Tyler está
bem ali, que estamos frente a frente de novo e que tudo imediatamente
parece voltar ao lugar. É como se não tivessem se passado 359 dias desde a
última vez que ele sorriu para mim como está sorrindo agora.
Ele abaixa o papel devagar, revelando o rosto inteiro, e seu sorriso e o
queixo e a cor dos olhos e o jeito como ele ergue a sobrancelha devagar me
fazem lembrar das muitas coisas que eu tanto adorava nele. Talvez ainda
adore, porque meus pés começam a se mover de novo. E rápido. Avanço
obstinada em sua direção, aumentando a velocidade a cada passo, sem tirar
os olhos dele nem por um segundo. Meu andar decidido faz com que as
pessoas ao meu redor saiam de perto, e logo estou correndo. No momento
em que o alcanço, me jogo nos braços dele.
Acho que Tyler não estava esperando por isso. Nós cambaleamos para
trás, o papel sai utuando até o chão enquanto ele me agarra, e percebo
vagamente que algumas pessoas ao redor suspiram, como se fôssemos um
casal que só se conhece pela internet e está se vendo pela primeira vez. Pode
parecer isso porque, de certa forma, é verdade. Tem mesmo sido um
relacionamento a distância. Um relacionamento a distância entre irmãos
postiços, quero dizer. De qualquer forma, não presto atenção no nosso
pequeno público. Prendo as pernas ao redor da cintura dele e en o o rosto
em seu pescoço.
– Acho que as pessoas estão entendendo errado – murmura Tyler ao
lado do meu rosto, dando uma risadinha enquanto tenta se equilibrar.
Posso ter ouvido sua voz pelo telefone uma vez por semana no último
ano, mas é totalmente diferente ouvir ao vivo. É quase como se eu
conseguisse senti-la.
– Talvez seja melhor me deixar descer – sussurro, e ele faz exatamente
isso. Com um último aperto rme, ele me coloca de pé de novo. É então que
ergo os olhos para encontrar os dele, de perto desta vez. – Oi.
– Oi – responde ele, erguendo as sobrancelhas, e sinto uma onda de
relaxamento e positividade emanando dele. É impossível parar de sorrir. –
Bem-vinda a Nova York.
– Nova Jersey – corrijo, mas minha voz é só um sussurro ao encará-lo.
Parece que ele envelheceu quatro anos em um, mas acho que é só por
causa da barba por fazer que estampa seu rosto agora. Tento não pensar em
como ele está bonito, então baixo os olhos para os seus braços, o que só
piora as coisas. Os bíceps estão maiores do que me lembro, então engulo em
seco e acabo tando suas sobrancelhas. Sobrancelhas não vão me seduzir.
Sério, Eden, qual é o seu problema?
– Nova Jersey, tanto faz – diz Tyler. – Você vai adorar a cidade. Ainda
bem que veio.
– Espera. – Dou um passo para trás e olho para ele com curiosidade,
inclinando a cabeça. Acho que estou percebendo alguma ênfase estranha nas
vogais dele. – Estou ouvindo... um sotaque de Nova York?
Ele coça a nuca e dá de ombros.
– Um pouco. Meio que não dá para fugir, sabe? E, para completar, o
Snake é de Boston. Poderia ser bem pior.
– Snake é seu colega de quarto, né? – Tento me lembrar de todos os
nossos telefonemas do ano, todas as vezes que Tyler me contou sobre as
escolas que havia visitado ou sobre algo legal que tinha acontecido, como na
época em que o inverno chegou e ele viu neve pela primeira vez, mas estou
distraída demais pela mudança sutil na voz dele. Não sei como não percebi
isso pelo telefone. – Como é o nome verdadeiro dele mesmo?
– Stephen – responde Tyler, revirando os olhos. – Vamos, melhor a gente
ir embora.
Ele se vira para a saída, mas me apresso em avisar que ainda tenho que
pegar minha mala. Então Tyler obedientemente nos leva de volta à esteira de
bagagens. Gastei uns cinco minutos me jogando em cima dele, então pelo
menos o lugar já não está mais tão cheio. Avisto minha mala em menos de
um minuto, e logo estamos saindo do Terminal C para o estacionamento,
com Tyler puxando minha mala sem esforço.
Está muito quente fora do aeroporto. Quente em um nível pior que o de
Santa Monica ou Portland. Tiro o casaco e o guardo na mochila na hora em
que chegamos ao Audi dele, que, por incrível que pareça, ainda está em
ótimas condições. Para ser sincera, imaginei que a esta altura já estaria
coberto de pichações, ou pelo menos com uma ou duas janelas quebradas.
Tyler abre o porta-malas – que ca na parte da frente do carro –, guarda
a bagagem e bate a porta com força.
– Como sua mãe está aguentando car longe? – pergunta ele, com um
sorrisinho.
Reviro os olhos e me sento no banco do carona, esperando-o entrar
antes de responder.
– Não muito bem. Ela ainda está agindo como se eu fosse me mudar
para cá ou sei lá. – Passo os dedos pelo couro do banco e respiro fundo. Ah,
como eu senti falta desse perfume idiota. – O Dean também não está nada
feliz.
Tyler me analisa por um momento. Então se vira, liga o motor e coloca o
cinto de segurança.
– E com vocês, continua tudo bem?
– Aham – minto. Para ser sincera, não sei se estamos bem depois da
discussão desta manhã. Acho que sim. Conhecendo Dean, provavelmente
ele vai deixar pra lá. – Tudo certo.
Eu observo Tyler pelo canto do olho e espero para ver se ele vai reagir,
espero algo acontecer, qualquer coisa: ele trincar os dentes, estreitar os
olhos. Mas ele só sorri, saindo de ré da vaga.
– Que bom – diz ele, o que destrói qualquer resquício de esperança que
eu poderia ter. É claro que ele não cou bravo de saber que ainda estou com
Dean, porque me superou totalmente. – Como ele está?
Engulo em seco e junto as mãos, me esforçando muito para não parecer
chateada, pois eu não deveria estar mesmo. Não tem por que me importar
com isso.
– Está bem.
Ele apenas assente e se concentra no volante, se encaminhando para a
saída.
– E a minha mãe, como está? – pergunta ele, com uma voz suave. – A
sensação é que cada vez que me liga, ela ca mais frustrada. Tipo, “Sim, mãe,
estou lavando minhas roupas. Não, não coloquei fogo na casa e, não, não me
meti em nenhuma confusão.” – Ele dá uma risadinha e completa: – Por
enquanto.
– Tirando a multa que você recebeu quando o policial te parou por
excesso de velocidade – comento.
Aja normalmente. Não seja esquisita, digo a mim mesma.
Quando saímos do imenso estacionamento e pegamos a rodovia, ele
olha para mim e abre um sorrisinho.
– O que os olhos dela não veem o coração não sente. Mas uma pergunta
séria: a namorada do Jamie é gata?
Eu o encaro, sem acreditar, e ele só dá de ombros e faz cara de coitado.
– Tinha que ser homem... – reclamo. – Mas sim, ela é bonita.
Não vejo muito a Jen, em grande parte porque Jamie me proibiu de
chegar perto deles depois que eu teoricamente o matei de vergonha na
primeira vez em que ela foi lá em casa. Pelo visto informar à namorada do
seu irmão postiço que ele sabe declamar de cor “O caminho que não tomei”,
de Robert Frost, é contra o código de conduta fraterno.
– Ei, adivinha o que aconteceu outro dia desses?
– O quê?
– Chase perguntou para a sua mãe se podia chamar uma menina para
estudar em casa, mas a gente está no meio do verão, então o que eles
poderiam estar estudando?
– Estudando... – bufa Tyler. – Muito espertinho para quem está no nono
ano. Finalmente ele trocou o videogame pelas meninas.
Meus lábios se curvam num sorriso maldoso, mas ele nem está olhando
para mim.
– Parece que eles vão puxar o irmão no quesito garotas.
– Vou matar os dois quando voltarmos – murmura ele, mas ri. – Roubar
minha reputação... Que falta de originalidade.
Estamos descendo a interestadual, mas está na hora do rush, então o
trânsito está lento. Abaixo o para-sol. A claridade está começando a
incomodar meus olhos e guardei os óculos escuros na mala, o que,
pensando agora, foi uma decisão tola.
– Você acha que o ano passou rápido?
Quando o trânsito para de novo, Tyler aproveita a oportunidade para
olhar para mim. Ele pensa por um momento e então dá de ombros. Não está
mais sorrindo.
– Não. Parece que cada mês durou o dobro. Foi horrível esperar o verão
chegar.
– Achei que teria passado rápido para você – comento. – Sabe, com
todas as visitas e tal. Você estava sempre tão ocupado.
Sempre que eu falava com Tyler, ele me atualizava sobre a programação.
Foram muitas visitas a escolas e organizações, fazendo um trabalho de
conscientização sobre abuso infantil e contando como o pai era violento
com ele quando ele era pequeno. Às vezes ele estava no Maine, às vezes em
Nova Jersey. Parecia que mal parava em Nova York. Embora estivesse
sempre cansado, achei que gostasse de morar aqui.
Ele balança a cabeça e volta a olhar para a estrada, o trânsito está
andando de novo.
– Claro, quando a gente tinha evento, os dias passavam rápido, mas as
noites pareciam durar para sempre. Eu voltava para casa e Stephen estava no
computador tentando terminar algum trabalho da faculdade, e metade do
tempo eu cava morrendo de tédio. Não tem tanta coisa para fazer em Nova
York depois de, tipo, um mês, quando não se conhece quase ninguém.
Tyler nunca mencionou que estava entediado. Nas nossas ligações ele
sempre me dizia quanto amava a cidade, como o café de Nova York era o
melhor que ele já tinha tomado e como ele estava se divertindo muito. Não
me ocorreu que ele estivesse mentindo.
– Se você está tão entediado, por que resolveu car aqui mais seis
semanas?
Por um segundo, acho que ele quase sorri.
– Porque agora você está aqui.
– E o que você quer dizer com...?
– Ah, eu amo essa música – interrompe ele, estendendo a mão para
aumentar o volume do rádio, digitando rapidinho na tela. Impedida de
terminar a pergunta, só ergo a sobrancelha enquanto Tyler balança a cabeça
no ritmo. Acho que é a música nova do Drake. – O Kanye West lançou o
álbum novo hoje.
– Ah, tá – digo, mas mal presto atenção. Para ser sincera, eu não dou a
mínima.
Não gosto do Kanye West. Nem do Drake.
E também não sei mais sobre o que estamos conversando agora. Nossa
conversa virou basicamente Tyler comentando alguma bobagem e eu
concordando. Por exemplo, falando sobre o trânsito caótico, o lindo dia que
está lá fora e como logo vamos sair de Nova Jersey e chegar a Nova York.
Isso me deixa um pouco animada. Finalmente.
O carro faz uma curva fechada em um retorno e nos aproximamos de
uma leira de cabines de pedágio. Tyler entra na faixa de pagamento em
dinheiro e se aproxima da cancela.
– Sabe o que eu acho estranho no Lincoln Tunnel? – comenta ele ao
pegar a carteira.
– O quê?
– Você pode ir para Nova Jersey de graça, mas tem que pagar se quiser ir
para Nova York. – Ele balança a cabeça, com o dinheiro na mão, e se
aproxima da cabine. – Mas faz sentido, acho. Ninguém quer ir para Nova
Jersey mesmo.
Dou uma risada enquanto ele abre a janela. O carro é tão rebaixado que
Tyler quase tem que se esticar para fora para alcançar o atendente.
O homem na cabine pega o dinheiro e murmura:
– Belo carro.
Quando a cancela se abre, Tyler arranca, fazendo bastante barulho. Uma
resposta ao comentário do atendente, é claro.
Eu cruzo os braços e me viro para ele.
– Algumas coisas nunca mudam – brinco.
Tyler dá um sorrisinho, meio envergonhado.
– Força do hábito – diz ele, dando de ombros.
Poucos segundos depois, o sol que passou a viagem toda castigando o
carro desaparece quando entramos em um dos três túneis, nos deixando
numa luz alaranjada cálida. Meus olhos levam um segundo para se ajustar à
escuridão. E então dou uma olhada pela janela, apesar de não haver muito o
que se ver além de paredes de concreto. Eu me inclino para a frente e olho o
teto do túnel.
– A gente está debaixo do quê?
– Do rio Hudson.
– Que maneiro.
Mordo o lábio e me reclino no assento, de repente lembrando que vou
passar seis semanas em Nova York. Pela última meia hora parece que
esqueci nosso destino, mas a mera menção ao famoso Hudson foi o bastante
para me trazer de volta à realidade.
– Agora, sim: bem-vinda a Nova York – diz Tyler depois de um minuto.
Ele aponta pelo para-brisa, e eu sigo seu dedo esticado na direção da
parede do túnel.
Tem uma linha vertical cortando a parede. De um lado, diz “Nova
Jersey”. Do outro, “Nova York”. Estamos passando pela divisa dos estados, o
que signi ca que nalmente chegamos a Nova York.
– Estaremos em Manhattan em alguns minutos – completa ele.
Acho que percebe minha animação, porque, embora eu esteja nervosa
demais para dizer qualquer coisa, ele ainda sorri para mim enquanto dirige.
– E eu estava pensando que, se você não estiver muito cansada, a gente
poderia passar na Times Square depois. Sabe, já que é sua primeira noite na
cidade e tal. Você tem que aproveitar a primeira semana para se livrar de
todos os programas mais turísticos de uma vez.
– Times Square parece ótimo – falo.
Estou tentando me controlar, como se não estivesse prestes a gritar de
emoção a qualquer momento. Nunca tinha saído da Costa Oeste até agora, e
não só estou do outro lado do país como estou nada mais nada menos que
em Nova York. Tirando Los Angeles, é a melhor cidade do país. Pelo menos
é o que dizem.
Logo vou descobrir se estão certos.
3

Aos poucos a luz começa a se in ltrar no Lincoln Tunnel conforme nos


aproximamos da saída, e do lado de fora o sol quase nos cega. Mesmo com
di culdade, me forço a olhar, porque não quero perder um segundo da
cidade. Quero ver tudo.
De início, tudo é quase familiar.
A quantidade excessiva de carros. O uxo constante de pessoas nas
calçadas e atravessando a rua correndo. A altura dos prédios, que por um
momento me causam certa claustrofobia. Santa Monica quase parece um
campo no meio do Arkansas em comparação a isso. Tudo parece tão cheio,
tão alto. Pelo menos os prédios oferecem um pouco de sombra. Também
parece haver essa total e completa sensação de... impaciência. Nada é calmo,
relaxado, devagar. Tudo é acelerado, como se todos estivessem com pressa
de fazer alguma coisa, e acho que é esse aspecto que me é familiar. É
exatamente o que eu esperava, só que sem o vapor saindo dos bueiros. Acho
que os lmes exageram nessa parte.
– Nossa.
– Eu falei a mesma coisa – diz Tyler, rindo e observando minha reação
pelo canto do olho, enquanto manobra lentamente entre pedestres e táxis
pela 42nd Street. – Uma loucura, né?
– Quer dizer, é Nova York. Nova York, cara.
– A gente está no Garment District – explica ele. – Subindo em direção a
Midtown.
Mal presto atenção nele: ouço o que diz, mas sem assimilar as palavras
imediatamente. Meus olhos são atraídos pelos prédios imensos ao redor,
pelas árvores nas calçadas e pelas várias ruas de mão única. Eu me inclino
para a frente para ver melhor as coisas acima de nós.
– Seu apartamento é no Upper East Side, né?
Olho para Tyler de novo, então percebo seu sorriso metido. Paramos
num sinal.
– Você esperaria qualquer outra coisa da minha mãe?
– Não – admito. – Ela jamais colocaria você em um lugar como o
Harlem.
Ele faz um muxoxo e balança a cabeça para mim, sorrindo.
– Nossa, Eden, não achei que você fosse tão preconceituosa. O East
Harlem até que não é tão ruim, mas provavelmente porque eu sei falar
espanhol, então me encaixo bem. São os genes latinos, sério.
– Tyler, você é, tipo, um quarto latino. Nem tem cara de latino.
Tento não prestar atenção nas pessoas paradas na esquina, esperando
para atravessar a rua e tirando fotos do carro de Tyler quando paramos, mas
é quase impossível não reparar nisso. Tyler ignora.
– Ainda assim, são genes latinos – insiste ele, na defensiva —, que são
incríveis, aliás, tudo graças à vó Maria. E ao meu pai, acho.
Por um momento, não falo nada. Estou um pouco surpresa por Tyler ter
mencionado o pai. Fico esperando uma expressão mais tensa ou uma
mudança de humor, mas ele só continua apontando as coisas pela janela do
carro. Ele deve estar mais à vontade para falar sobre o pai; tem feito isso
todo dia no último ano, nas palestras.
– Caso você não tenha notado, a Times Square é bem ali.
– O quê?
O sinal abre bem na hora que me viro para olhar a rua à nossa frente,
mas Tyler imediatamente pisa fundo e vira a esquina, deixando uma nuvem
de fumaça atrás de nós, o que sem dúvida vai impressionar a plateia na
calçada. Olho de novo para Tyler.
– A gente vai dar a volta – explica ele, abrindo um grande sorriso ao me
ver confusa. – Não quero que você veja ainda. Só de noite.
– Sério? Você vai mesmo me dizer que a Times Square está na minha
frente e não vai me deixar ver o lugar?
Cruzo os braços e desvio o olhar, ngindo irritação, mas sorrindo
também.
– É mais legal à noite.
Estamos seguindo na direção norte pela Eighth Avenue, passando por
hotéis, lojas, restaurantes e, é claro, centenas de turistas. É fácil diferenciar os
moradores, porque os turistas têm uma expressão fascinada e tiram foto de
praticamente tudo. Se eu não estivesse escondida atrás das janelas escuras do
carro de Tyler, estaria igualzinha a eles.
– Atravessando a Broadway – murmura Tyler depois de entrar na 57th
Street. – O Central Park ca dois quarteirões à esquerda. O Carnegie Hall
ca à sua direita, logo à frente.
– Para!
Jogo as mãos para o alto, exasperada, olhando para todos os lados e
tentando ver tudo ao mesmo tempo. Eu me viro para a esquerda, tentando
avistar algo verde, mas tem dois quarteirões de prédios no caminho, então
me concentro no nal da rua em que estamos, a Broadway. Não é paralela às
outras da cidade, ela as corta na diagonal, o que é muito legal. Mas, tirando
isso, parece qualquer outra rua dali, então olho para a frente e espero o
Carnegie Hall aparecer, embora eu não saiba bem como ele é. Só sei que é
famoso e histórico.
– Aí – avisa Tyler, acenando para o prédio à direita quando passamos.
Só consigo olhar por alguns segundos, mas é o su ciente para perceber
que não se destaca dos outros. Talvez fosse me interessar mais se eu gostasse
de música clássica.
– Só isso?
– Só.
Continuamos seguindo a 57th Street para leste, parando nos sinais a
intervalos regulares. Tem tantas lojas de que nunca ouvi falar que em
questão de segundos já esqueci metade delas. Fazer compras em Manhattan
deve ser um programa demorado.
Paramos em outro sinal quando dou uma olhada à esquerda e
nalmente vejo o verde: Central Park. É só um pedacinho, mas basta para
me deixar animada de novo. A emoção inicial de pisar em Nova York tinha
diminuído depois de 25 minutos no trânsito de Manhattan, mas está
voltando. O Central Park é o lugar que mais quero ver. Dizem que é incrível
correr lá.
– Quinta Avenida – informa Tyler, me cutucando quando percebe que
não estou prestando a devida atenção nas lojas luxuosas a metros de nós.
Eu não ligo nem um pouco para elas. Finalmente tiro os olhos das
árvores e me volto para Tyler.
– É o Central Park?
Ele dá um grande sorriso.
– Aham.
Então o sinal abre de novo, e partimos antes que eu possa dar uma
última olhada. A cidade parece enorme e confusa, mas pelo visto Tyler sabe
andar bem por aqui. Entramos na ird Avenue, o que me faz pensar na
ird Street, no calçadão e em Santa Monica. Como será que Dean está
passando o dia de folga?
– Estamos quase chegando, aliás – avisa Tyler. – Faltam uns quinze
quarteirões. – Fica de olho na 74th Street.
Dou uma olhada pela janela; estamos na 61st Street. A rua é linda. O céu
está limpo e os prédios estão iluminados pelo sol, brilhando, quase brancos.
Então chegamos, mas só percebo quando Tyler vira numa rua estreita de
mão única. Ele reduz a velocidade e estaciona numa vaga entre um Honda e
uma caminhonete, deixando alguns poucos centímetros entre os carros.
Espio pelo para-brisa e faço uma careta.
– Você não ca com medo de baterem no seu carro quando forem sair?
– Não, eles nunca saem – explica Tyler ao desligar o motor. Ele tira a
chave da ignição e solta o cinto de segurança, e eu faço o mesmo. – A
caminhonete é de um velhinho do prédio ao lado que não dirige mais, e o
Civic é de uma menina, uma espécie de casa. Está estacionado aqui desde
que me lembro. Ela volta toda noite para dormir no carro. – A expressão
dele é neutra, então não consigo identi car se está brincando ou não, e nem
tenho chance de perguntar, porque ele logo acrescenta: – Vamos, vou pegar
suas coisas.
Eu abro a porta e saio, esticando as pernas.
E é tipo: uau.
Nova York.
Estou em Nova York. Estou de fato pisando nas ruas de Manhattan. Olho
para o chão. Muitos chicletes. Um pouco de lixo. Mas, ainda assim,
Manhattan.
– Tudo bem?
Levanto o rosto. Tyler está tirando minhas coisas do porta-malas, com
cuidado para não bater no Honda Civic, e me olha com a sobrancelha
erguida. Eu respondo com um sorriso envergonhado e volto para pegar a
mochila no carro, então me afasto, pendurando a alça no ombro.
– É só que... isso é tão surreal.
Sinto que consigo ouvir a confusão agora. O barulho de motores, vozes.
Buzinas. É um barulho alto, mas ao mesmo tempo não tanto. É como um
zumbido constante a que acho que vou me acostumar. Agora compreendo
por que as pessoas daqui falam tão alto.
– Eu sei – diz Tyler, batendo o porta-malas e trancando o carro. – Você
se acostuma em uma semana.
Ele dá a volta e para junto a mim na calçada, e bem quando vou
perguntar qual é o prédio, ele aponta para o outro lado da rua. É o mais alto
do quarteirão. Bem na esquina. Olhando de fora, é bonito, com tijolos claros
e grandes janelas de molduras marrons.
– É, de nitivamente isso é coisa da sua mãe. – É claro que Ella escolheu
o prédio mais bonito. Eu me pergunto como é por dentro. Inclino a cabeça
para trás e conto os andares. Vinte. – Em que andar você mora?
– No décimo segundo. Apartamento 1203. – Ele ainda está sorrindo para
mim. Acho que não parou desde o aeroporto. – Quer entrar?
Faço que sim e atravesso a rua atrás dele. Ele digita um código no
teclado numérico, e as portas de vidro se destrancam com um bipe agudo.
Entro, puxando minha mala, e avalio o hall enquanto ele me leva até o
elevador. Numa das paredes há várias caixas de correio e algumas máquinas
vendendo itens variados, mas, tirando isso, não tem muita coisa. O elevador
é imenso. Provavelmente cabem umas vinte pessoas, mas só entramos Tyler
e eu. Ele ca parado de um lado, e eu, do outro, e a sensação é que tem
espaço demais entre nós, como se devêssemos estar mais perto. Ou talvez
seja só um desejo meu.
– O Snake já deve ter voltado – diz ele depois de um momento. O
elevador dá um ligeiro tranco e começa a subir. – Ele saiu com uns amigos
da faculdade, mas imagino que já esteja em casa.
– Eu também tenho que chamar o cara de Snake? – Não me incomodo
com apelidos, mas o dele é meio ridículo. Quem é que ia querer ser
chamado de “cobra”? – Será que não posso chamá-lo de Stephen?
– Bom, pode, se quiser que ele te odeie – retruca Tyler, abrindo um
sorriso. – Depois de um tempo, para de soar tão idiota. Especialmente
quando se está gritando no meio da rua, tentando chamar a atenção dele.
Você aprende a ignorar os olhares estranhos.
Ouvimos um apito, e as portas se abrem, revelando um corredor de cor
bege, provavelmente para combinar com os tijolos da fachada. Passando por
três portas, Tyler deixa minha mala na frente do apartamento 1203.
– Eu dei uma arrumada hoje de manhã por sua causa, mas, se o Snake
esteve em casa, não posso garantir que o apartamento ainda esteja do jeito
que eu deixei – admite Tyler ao en ar a mão no bolso traseiro da calça e
puxar um chaveiro.
Ele parece meio nervoso.
– Tudo bem – falo.
Agora sou eu que estou sorrindo. A ideia de Tyler fazendo faxina no
apartamento por minha causa me dá a sensação de que talvez ele esteja
tentando me impressionar. Porém, quanto mais penso nisso, mais duvido.
Tyler abre a porta, dando um passo atrás para me deixar entrar primeiro.
A primeira coisa que me ocorre é: Coisa da Ella, com certeza.
Estou diante de um ambiente todo aberto. Carpete bege, sofás vermelhos
macios, móveis em acabamento preto brilhante, TV de tela plana
inacreditavelmente grande presa na parede entre duas enormes janelas com
vista para a cidade. À direita há duas portas, dos quartos, imagino, e à
esquerda ca a cozinha. Tudo segue um esquema de cores preto, vermelho e
branco. Cozinha e sala são separadas somente por um balcão, portanto
quem está em um cômodo consegue ver o outro. As portas do armário e as
bancadas são de um branco reluzente. De um lado, há uma porta aberta
para o que parece ser a área de serviço. No extremo oposto, há outra porta,
mas fechada. E de lá alguém grita:
– Cara, é você? Tem algum problema com o chuveiro de novo. A água tá
gelada. Não esquenta.
Ergo as sobrancelhas ao ouvir o sotaque carregado de Boston. Perto
disso, a mistura estranha de Tyler soa totalmente normal de novo. A porta
do banheiro se abre e um cara alto e louro sai devagar. Ele é bem branco e
obviamente não está prestando muita atenção, porque atravessa a cozinha
com a mão dentro da calça de moletom, mexendo nas partes íntimas.
– Esses merdas acham mesmo que eu vou congelar minhas bolas... – Ele
hesita quando percebe que estou ali. Para de andar. Tira a mão de dentro das
calças devagar. – Ih, merda. – Fuzila Tyler com os olhos. – Você podia pelo
menos ter me avisado, né?
Com uma risada, Tyler me olha de soslaio, dando de ombros, meio que
se desculpando.
– Eden... Esse é o Snake.
– Oi – digo, mas estou meio sem graça, como se tivesse acabado de
entrar numa cova de leões. De certa forma, sinto que estou me
intrometendo. – Hum, prazer.
Consigo imaginar milhões de circunstâncias melhores para se conhecer
alguém do que quando essa pessoa está coçando o saco.
– É, prazer te conhecer também – diz ele ao parar ao nosso lado. A
primeira coisa que percebo é que seus olhos são muito pálidos. Azuis, mas
de um tom tão desbotado que quase parecem cinza. Ele estende a mão, mas
eu balanço a cabeça. Ele sorri. – Não quer apertar minha mão?
– Na verdade, não.
Tyler pigarreia e cruza os braços, olhando para Stephen e para mim.
– Certo, vamos ter que estabelecer algumas regras.
– Regras? – repete Stephen, ou Snake, sei lá, quase como se
desconhecesse a palavra.
– Uma menina está morando com a gente agora, então você tem que
fechar a porta quando estiver no banheiro – diz Tyler. – Eden vai por último
de manhã, porque demora mais.
Eu quase reclamo, mas então vejo que ele tem razão: se eu for a última a
usar o banheiro, ninguém vai precisar car batendo na porta e me
apressando.
– Você é mesmo a menina mais sortuda do mundo, dividindo um
apartamento comigo. Não dava para a sua vida ser melhor! – Snake olha
para mim e inclina a cabeça, com a sobrancelha erguida. Tyler só revira os
olhos. – Quer dizer, morando com o cara mais incrível que vai conhecer na
vida.
Faço uma careta.
– Você é sempre tão...?
– Charmoso? Sim – interrompe ele com um sorriso, estendendo a mão
para me dar tapinhas na cabeça de um jeito bem condescendente, mas pelo
menos não com a mesma mão que... deixa pra lá. Por m, ele se vira para o
sofá. – A TV é minha.
– Não esquenta – murmura Tyler perto do meu ouvido. – É só o senso
de humor dele.
Mas não consigo prestar atenção nas palavras. Estou atenta ao fato de
que sinto a respiração dele na pele e me esforço ao máximo para não reagir.
Mordo o lábio para controlar um arrepio e estendo a mão para a mala.
– Onde eu coloco, hum, as minhas coisas?
– No meu quarto.
Ele pega a mala da minha mão e a arrasta até o primeiro cômodo à
direita. Empurra a porta com o joelho e me deixa entrar primeiro, depois
coloca minha mala ao lado da cama king size. Não é tão bagunçado quanto
seu antigo quarto. O carpete, assim como na sala, é bege, e o edredom é
vermelho, com mesinhas de cabeceira pretas. As paredes estão cobertas de
cartazes de esportes.
– Desde quando você gosta de beisebol?
– Desde que me mudei para Nova York – diz ele com um sorrisinho,
indicando a cama com a cabeça. – Você pode car com o meu quarto. Vou
dormir no sofá.
– Por que a gente não dorme junto?
Ah, meu Deus. As palavras saem da minha boca tão rápido que mal
percebo o que disse até ver o sorriso de Tyler desaparecer. Ele coça a nuca e
dá de ombros. Dormir na mesma cama não é uma sugestão nada sensata.
– Acho que vou car com o sofá mesmo, Eden.
Ele tenta dar um sorriso gentil, mas sai um pouco forçado, e de repente a
atmosfera ca tão sufocante que me dá vontade de me jogar da janela. Sei
que a ideia foi estúpida, mas ainda assim co decepcionada. Se Tyler
recusou, com certeza já me superou.
Eu tento agir naturalmente, ngir que estou de fato respirando.
– É, foi uma ideia idiota. Você se importa se eu tirar um cochilo? Estou
morta.
Olho o relógio. Já são seis e meia da tarde, e embora sejam só três e meia
no meu fuso horário, meu corpo ca exausto de repente. O voo de manhã
cedo foi uma péssima escolha.
– Ah, claro, sem problema – diz ele, dando um passo atrás em direção à
porta, como se estivesse prestes a fugir da irmã postiça doida que está
tentando arrastá-lo para a cama. – Quer cancelar a Times Square hoje à
noite? A gente pode ir amanhã.
– Não, não – respondo rápido, um pouco nervosa demais. – Eu quero ir
na Times Square. Só me dá uma horinha de sono, aí a gente vai.
– Só uma hora?
Tyler me olha, sem acreditar. Se ele aprendeu alguma coisa sobre mim
nos dois anos em que me conhece é que posso dormir por horas. Ele acha
que não vou conseguir acordar depois de pegar no sono.
– Uma hora – con rmo. – Pode me acordar.
Acho que a Times Square pode esperar um pouco.
4

Eu me viro de lado, procurando meu celular pelos lençóis. A cama está


quente demais, e estou grudando nas cobertas. Solto um gemido,
empurrando o edredom e me sentando, sem saber que horas são. Ainda tem
sol entrando pelas janelas, e ouço a TV baixinho lá fora. Saio da cama e abro
a porta, dando de cara com Tyler e Snake largados no sofá, vendo um jogo
de futebol americano.
Pigarreio para chamar a atenção de Tyler. Na mesma hora ele estica o
pescoço e olha para mim, abrindo um sorriso. Snake, por outro lado, nem
pisca. Só xinga a TV e dá um gole na cerveja que tem nas mãos.
– Quanto tempo eu dormi? – pergunto, com a voz baixa e meio rouca.
Tyler se levanta e se aproxima, o que faz meu coração disparar de novo.
Espero que amanhã eu já consiga me concentrar melhor e não tenha
palpitações toda vez que ele me encarar, falar comigo ou chegar perto.
– Vinte minutos.
Eu estreito os olhos. Vinte minutos? Impossível. Mas, quando olho para
o relógio, vejo que ele tem razão. Não são nem sete horas.
– Ah. A gente ainda vai para a Times Square?
– Aham. Vou te levar para jantar, então espero que esteja com fome.
O sorriso de Tyler oscila por um momento, e ele ergue a sobrancelha,
talvez esperando que eu negue.
– Claro que estou com fome.
Com o voo cedo, a viagem e a diferença de fuso, eu consegui chegar às
sete da noite sem comer nada o dia todo. A não ser que o café que tomei de
manhã no aeroporto conte.
O sorriso dele volta.
– Daqui a meia hora?
– Tá, vou me arrumar.
Snake ainda não está prestando atenção em nós, e meus olhos passam
por ele e vão até a porta do banheiro. Eu a indico com a cabeça.
– Posso?
– Não precisa pedir, Eden – diz Tyler com uma risada. – A casa é sua.
Vai em frente.
Nesse exato momento, nós dois nos viramos para o quarto dele. As
roupas dele estão no armário e as minhas, na mala, no chão, então dou um
sorrisinho quando entramos.
– Já que esse é o seu quarto agora e tal, acho que você vai ter que se
acostumar comigo entrando toda hora para pegar coisas – brinca ele,
abrindo a porta do armário. – Vou bater na porta primeiro, pode deixar.
Reviro os olhos e tiro a mala do chão. Preciso fazer um pouco de força
para levantá-la e jogá-la na cama. Não tenho certeza do que usar, então,
enquanto abro o zíper, observo Tyler pelo canto do olho para ver se vai
escolher roupas mais casuais ou mais arrumadas. Depois de alguns minutos
revirando o armário e a cômoda, ele coloca uma calça bege e uma camisa
jeans de botão na cama.
– Você vai usar o banheiro, né?
– Hum. – Olho para a mala rapidamente e engulo em seco, sentindo o
olhar dele em mim. – Vou. – Ele está de pé do lado da janela, me esperando
sair para trocar de roupa, então reviro a mala depressa para não deixá-lo
esperando, pego algumas opções e saio do quarto. – Vou ser rápida. Vou
tomar um banho.
– As toalhas estão na segunda prateleira do armário – diz ele.
Quando fecho a porta do quarto e vou para a sala de estar, Snake não
está mais esparramado no sofá, embora o jogo de futebol americano ainda
não tenha acabado. Sigo para a cozinha, e de repente uma cabeça aparece
por trás da geladeira. Snake está segurando uma garrafa.
– Quer uma cerveja?
– Uma cerveja? – repito. O sotaque dele é difícil de entender.
– É, uma cerveja. Quer ou não quer?
– Claro – respondo.
Estendo a mão e espero, em parte achando que ele vai voltar atrás na
oferta. Porém, ele tira uma garrafa de Corona do engradado e me passa. É
minha primeira noite em Nova York, então acho que não faz mal tomar uma
cerveja para comemorar.
– Espera, deixa eu abrir para você. – Ele pega o abridor na pia, dá a volta
e tira a tampa da minha garrafa. Então pega a sua na bancada e dá um gole.
– Não achei que você fosse de beber cerveja.
– E eu não achei que você fosse do tipo hospitaleiro – retruco, em tom
de brincadeira. – Valeu.
Ele bate a garrafa na minha em resposta, depois toma mais um gole
enquanto vou para o banheiro, minhas roupas em uma das mãos e a cerveja
na outra.
– Não quer deixar a porta aberta para melhorar a vista daqui?
Eu me viro de volta e estreito os olhos. Acho que não temos um senso de
humor muito parecido, mas com certeza vou me acostumar com ele mais
cedo ou mais tarde.
– Sem dúvida não.
Fecho a porta com o joelho e viro a tranca.
Não demoro muito para me arrumar, principalmente porque não lavo o
cabelo, então depois de jogar uma água no corpo e tirar a maquiagem, logo
me visto. Deixo o cabelo solto e visto uma saia cor-de-rosa, uma camiseta
branca e uma jaqueta jeans. Já bebi quase toda a cerveja nesse meio-tempo,
então levo o restinho comigo quando saio do banheiro e volto para o quarto
de Tyler. Ele está passando perfume quando entro. O Bentley.
– O Snake te deu isso? – pergunta ele, indicando a garrafa na minha
mão.
Por um segundo, acho que ele vai fazer cara feia, mas a expressão dele
permanece neutra.
– Aham.
Coloco a cerveja na mesinha de cabeceira e largo as roupas sujas na
mala, sem me importar de dobrá-las.
Vou arrumar tudo depois, no momento só preciso do meu nécessaire de
maquiagem, que está debaixo de várias sandálias. Dou uma olhada pelo
quarto em busca de um espelho e encontro um pequeno em cima da
cômoda ao lado de Tyler.
– Posso usar um minuto?
– Claro – diz ele, abrindo espaço para mim na frente do espelho, e ca
me observando. – Você fez alguma coisa diferente no cabelo? – pergunta
depois de um momento.
– No cabelo? – Levanto o rosto e o encaro pelo espelho. – Só umas luzes.
Ele assente em resposta, então começo a revirar meus itens de
maquiagem. Como não quero deixá-lo esperando, só coloco um pouco de
rímel para destacar os olhos.
Não sei o que aconteceu entre nós, mas de repente as coisas caram
estranhas. Não estava estranho no aeroporto e não foi estranho no caminho
por Manhattan, mas agora o clima mudou. Estou começando a temer que
Tyler tenha cado desconfortável por causa da sugestão inapropriada que z
mais cedo. De dormirmos juntos. Ou talvez o climão seja porque ele não
sente mais o mesmo por mim, como não deveria sentir mesmo.
– Pronto – falei, baixinho, forçando um sorriso ao me virar.
Quando olhei pelo espelho, eu não tinha notado que ele estava com as
botas marrons. Eu suspiro e me pergunto se Tyler sabe como eu amo
quando ele usa essas botas.
– O que foi?
– Nada. – Mordo o lábio para conter o rubor se espalhando pelo meu
rosto e pego meu All Star no chão. Calço os tênis rapidinho e co de pé. –
Vamos.
Sigo atrás dele para a sala, e Snake está na geladeira de novo, pegando
outra cerveja (que deve ser sua terceira). Ele me diz para aproveitar a Times
Square, embora a coisa toda seja “uma babaquice superestimada”, nas
palavras dele, e Tyler e eu nalmente saímos.
Ainda está extremamente quente quando chegamos à rua, e ouço aquela
barulheira de novo. Há muitos carros buzinando, mas no fundo eu gosto. É
quase relaxante, de um jeito estranho. Tyler não diz nada enquanto eu
atravesso a rua e paro ao lado da porta do carro. A caminhonete e o Honda
não se mexeram.
– Não vamos de carro – revela Tyler, rindo como se eu devesse saber
aquilo. Do outro lado da rua, ele sorri para mim, o que me dá alguma
esperança de que o clima estranho no quarto tenha sido só temporário. –
Vamos de metrô.
– Metrô?
Eu me lembro vagamente da minha mãe dizendo para não fazer isso. Só
estou em Nova York há três horas e pelo visto já vou quebrar essa regra.
Porém, no fundo eu sempre quis andar de metrô pelo menos uma vez na
vida, só pela experiência.
– É, vamos pegar o trem 6 na 77th Street – diz ele, aparentemente sem
perceber que eu não tenho ideia do que ele está falando. – Vamos para o
centro, para a Grand Central Station. Você sabe o que é a Grand Central
Station, não sabe?
– Aquela estação superfamosa?
Apresso o passo para seguir ao lado dele, embora esteja prestando mais
atenção no meu entorno.
– É, isso – diz. – Vamos comprar um cartão do metrô para você.
– Um cartão do metrô?
Ele me olha tentando conter outra risada.
– Nossa, você é muito turista mesmo.
A gente vira à direita na Lexington Avenue, onde os prédios parecem
menos chiques. São todos marrom-escuros ou de tijolos vermelhos, e tem
tanto trânsito quanto na ird Avenue, só que é mais caótica. Chegamos à
estação em cinco minutos, mas co confusa, sem saber que entrada pegar, já
que são oito: duas em cada esquina. Eu me viro para Tyler.
– Por que tem tantas escadas?
– Essas quatro são para trens indo para o norte da cidade – explica ele,
apontando as entradas no lado leste da rua. Então indica as do outro lado. –
Essas quatro vão para o centro, que é para onde a gente vai.
Quando o trânsito dá uma brecha, atravessamos correndo, e Tyler me
cutuca, indicando a escadaria do metrô. Tenho a sensação de que, alguns
degraus abaixo, a luz do lado de fora não vai ser su ciente, e a iluminação do
lugar parece mínima. Já vi muitos lmes de terror para saber que é bem
provável que eu morra ali.
Os pedestres entrando e saindo da estação nos empurram, mas ainda
estou apreensiva. Tyler está de braços cruzados, me encarando.
– Você faz isso sempre? – pergunto.
– Basicamente todo dia – diz ele. – Pode con ar, não tem problema.
Ainda assim, não me mexo. Eu preferiria ir andando até a Times Square,
não importa a distância. Fico olhando para Tyler.
– Não tem um ônibus que a gente possa pegar ou alguma coisa assim?
Ele revira os olhos, dobrando as mangas da camisa jeans, e pega minha
mão. É tão repentino que acho que meu corpo para de funcionar, mesmo
quando Tyler começa a me puxar escada abaixo.
– Crianças andam de metrô, Eden, então você também vai andar. Ponto
nal – diz ele, indo na minha frente.
Eu nem respondo. Não consigo. Parece que tenho doze anos e o garoto
de quem eu gosto pegou minha mão pela primeira vez. É um gesto tão
simples, mas signi ca tanto. A pele dele está quente e nossos dedos se
encaixam quase perfeitamente. A sensação é quase igual à minha lembrança,
e também um pouco sufocante. Não sei se é porque ele está me tocando ou
se é porque estou debaixo da terra. Tento me convencer de que é a segunda
opção.
– Viu, não é tão ruim, né?
A voz de Tyler ecoa nos meus ouvidos, e a mão dele logo solta a minha.
Meus sentidos voltam de repente e dou uma olhada em volta, me
perguntando por quantos degraus ele me arrastou e também por que tem
luz aqui embaixo, até meus olhos pousarem nos dele.
– É – respondo, mas minha voz não passa de um sussurro. Sou tão
infantil... Ele só me guiou por uma estação de metrô. Olho para as mãos de
Tyler, agora no bolso da frente da calça, enquanto ele me observa com um
brilho de curiosidade nos olhos. – Então, o que é um cartão do metrô?
– É o que vai te deixar passar por ali. – Ele indica com a cabeça uma
leira de catracas, e só então percebo como é barulhento aqui. Estou
ouvindo um trem se aproximando ao longe, e a impressão é que o chão está
tremendo, mas na verdade não está. Acho que estou ouvindo alguém
tocando música nas plataformas também. – Para cá.
Sigo Tyler até uma leira de máquinas na parede, indo logo atrás dele,
em parte porque não me sinto segura e em parte porque estou torcendo para
ele segurar minha mão de novo. Ele não faz isso.
– Ainda está com medo? – pergunta ele.
Tyler me dá uma olhada de soslaio ao tocar na tela, selecionando opções
tão rápido que tenho di culdade para acompanhar o que ele está fazendo.
– Estou me sentindo meio claustrofóbica – admito.
Meus olhos passeiam pela estação. Não sei bem a que profundidade
estamos, mas a sensação é de estar presa no meio do nada, e ainda assim
ninguém parece se preocupar. De nitivamente não são turistas.
– Você se acostuma em uns dias. Aliás, no m da semana já vai estar
acostumada a Nova York como um todo. – Puxando a carteira, ele pega o
cartão de crédito e o en a numa fenda na parte de baixo da máquina, digita
a senha e tira o cartão. Outro cartão de plástico, preto e amarelo, surge de
outra fenda no topo. – Ilimitado por um mês – diz ele, me entregando o
cartão novo. – Já está liberado.
Fico observando o passe por um momento enquanto ele guarda o cartão
de crédito na carteira e pega o do metrô.
– Quanto você pagou por isso?
– Importa? – pergunta ele, me encarando, quase ofendido.
– Porque estou te devendo.
Ele dá uma risada no meio da estação e revira os olhos.
– Pelo amor de Deus. Você não me deve nada. Recebi ordens muito
sérias de cuidar de você.
Ele passa o braço por cima dos meus ombros e me aperta contra seu
corpo, só para me empurrar em seguida. É só uma brincadeira, mas seu
toque me deixa louca por alguns segundos.
Quando a sensação passa, consigo me concentrar no que ele disse.
– Recebeu ordens de quem?
– Vem, tem um metrô chegando agora.
Ignorando completamente minha pergunta, ele pousa a mão no meu
ombro e me empurra devagar para as catracas, onde tenho que deslizar o
cartão do metrô no lugar certo e passar pela roleta.
Tyler vem logo atrás de mim. A estação, no geral, não está tão cheia
quanto eu esperava. Deve ter umas quinze pessoas, contando conosco, na
plataforma, mas provavelmente porque já são 19h45. A hora do rush já
passou.
– Aí vem – diz Tyler, tendo que elevar a voz por causa do barulho do
trem se aproximando.
O chão de nitivamente está tremendo. Sinto meus pés e meus tímpanos
vibrando, e quando o trem velho para na plataforma estou fazendo uma
careta.
Tyler me empurra para o centro do vagão no segundo em que as portas
se abrem. Tem várias pessoas sentadas e algumas paradas perto das portas.
Tyler continua de pé, então olho para ele sem entender.
– A gente vai descer daqui a três minutos – diz ele.
– Onde? – O vagão está bem silencioso, então falo baixo para não
incomodar as pessoas ao redor. – Na Grand Central?
– Isso. Aí vamos pegar o expresso para a 42nd Street. – Ele está se
segurando em uma barra de metal, e eu seguro outra, então camos frente a
frente. O canto dos lábios dele se ergue levemente num sorrisinho. – Então...
Jantar primeiro?
5

Fico um pouco atordoada no momento em que saímos na 42nd Street. Meus


olhos fazem tudo que podem ao mesmo tempo: brilham, se estreitam, se
arregalam, cam vidrados. Tem tanta coisa para assimilar, e quando Tyler
segura meus ombros e me vira na Broadway, a primeira coisa que percebo é
como tudo é muito luminoso e vibrante. Ainda não anoiteceu, mas mesmo
assim é incrível. De início, nem sei bem o que fazer ou dizer. Estou sem
palavras de tão impressionada, e meus olhos disparam de um lado para
outro. Pelo visto, nem todos os lmes passados em Nova York mentem,
porque a imagem à minha frente é uma réplica exata de todas aquelas cenas
na Times Square que já vi tantas vezes. E é exatamente esta a sensação: de
que estou em algum lme incrível, como se nada fosse real.
As imensas propagandas em néon brilham ao meu redor, e eu me
pergunto como uma pessoa com epilepsia poderia vir aqui. Tem gente por
todo lado. É hipnotizante, e eu nem ligo se estou superturistona no
momento. Fui bombardeada pela imagem da Times Square por tanto tempo
que mal consigo me conter agora que estou mesmo diante dela.
Por um segundo esqueço que Tyler ainda está parado atrás de mim com
as mãos nos meus ombros, porque pego o celular e imediatamente começo a
tirar fotos. Não saem lá essas coisas; minhas mãos estão tão trêmulas que
metade ca fora de foco, mas vou mandar tudo para a minha mãe e para o
Dean mesmo assim. Tiro algumas fotos dos outdoors de LED, algumas da
multidão agitada, algumas do céu, que só parece legal porque é o céu de
Nova York. Tudo parece mais legal aqui.
Até os táxis amarelos combinam com a imagem que eu tinha da Times
Square. Eles se ultrapassam em manobras perigosas, freando com um
guincho quando os motoristas veem potenciais passageiros. Os sinais de
trânsito mudam de cor, os pedestres correm para atravessar. Há um cheiro
estranho no ar, uma mistura de cachorro-quente com amendoim.
Times Square.
Ela existe.
De verdade.
Com um sorriso tão largo que está começando a doer, eu me viro e puxo
Tyler para perto, me certi cando de que as luzes de néon estão atrás de nós.
Junto meu corpo ao calor do dele e ergo o celular. Sou muito mais baixa que
ele; meus olhos estão na altura da sua boca. Ele inclina a cabeça para baixo,
encostando o rosto na minha cabeça.
– Sorria – falo, respirando fundo, e tiro a foto.
O ash nos deixa atordoados por um segundo, mas, quando nos
recuperamos, co admirando a imagem.
O sorriso de Tyler é similar ao meu. Tão grande, se não maior, e tem
algo de tão atraente nele que eu poderia me virar e beijá-lo agora mesmo se
tivesse coragem para sequer tentar. Acho que estar aqui em Nova York com
ele já me fez enlouquecer, e só faz três horas. Três horas e tudo já está
voltando, dez vezes pior. Se eu achava que sentia atração por ele antes, estou
completamente viciada agora.
– Gostei dessa foto – diz Tyler, baixinho.
Sinto meus olhos sendo atraídos para os dele. Tyler está atrás de mim,
admirando a imagem também, vendo como parecemos felizes. Seus olhos
ainda estão brilhando.
– Também gostei – digo, engolindo o nó que está se formando na minha
garganta.
Eu queria que ele não tivesse esse efeito sobre mim. Gostaria que isso
tudo tivesse acabado no ano passado, mas não acabou. Olho para baixo,
para o meu telefone, que está prestes a car sem bateria, e coloco a foto
como fundo de tela, substituindo uma de Dean. Quase me sinto culpada,
como se isso fosse uma espécie de traição, mas, antes que eu pense de
verdade no que estou fazendo, Tyler volta a falar.
– Vou te levar no Pietrasanta. É um restaurante italiano na Ninth
Avenue.
– Italiano?
De todos os restaurantes que Tyler poderia ter escolhido, ele escolheu o
que provavelmente mais me lembraria Dean. Mordo a parte de dentro da
bochecha.
– Você adora comida italiana, né? – Ele parece preocupado de repente,
mas, para ser sincera, eu também me sinto do mesmo jeito. E não é por
causa do restaurante que ele escolheu. – Você me disse isso alguns meses
atrás, não foi?
– É, adoro mesmo. – Toda quarta-feira eu janto na casa do Dean, e a
mãe dele faz os melhores pratos italianos. Dean acha que essa tradição da
família é constrangedora, mas eu acho fofo. A comida dela é incrível. Eu
contei isso para o Tyler há um tempo, e o fato de ele ter guardado essa
informação está me fazendo trocar a testa franzida por um sorriso. –
Comida italiana é uma ótima ideia.
– Na verdade, hum, eu reservei uma mesa para a gente já faz umas
semanas. – Ele coça a nuca, meio nervoso, e acho que não me lembro de já
ter visto Tyler tão envergonhado assim. Quase parece que ele está me
convidando para um encontro, e eu meio que gostaria que fosse isso mesmo.
– A reserva é para as oito, então é melhor a gente ir logo. Você não faz
questão de ver as lojas hoje, né?
– Tyler, por favor. – Eu balanço a cabeça. Ele sabe que eu não sou muito
fã de fazer compras, e não são umas luzes brilhantes e placas luminosas que
vão me fazer mudar de ideia. – Até parece que você não me conhece.
Ele não entra na brincadeira. Só dá de ombros e olha para baixo, um
pouco nervoso.
– Desculpa, eu só... Eu só quero que você goste de Nova York. Quero
fazer de tudo para que você se divirta.
– Você está indo muito bem até agora – respondo gentilmente, mas
estou confusa. Ele parecia tão con ante e confortável até a gente chegar ao
apartamento... Desde então, tudo parece diferente, e é porque Tyler está
agindo de um jeito estranho perto de mim. – Você é, tipo, meu guia turístico
do verão.
– É, acho que a gente pode encarar dessa forma. – Ele esfrega a têmpora,
depois a testa. Então suspira. – O restaurante ca a cinco quarteirões.
Pegamos a direção norte na Broadway, e Tyler orgulhosamente assume o
papel de guia turístico pessoal, apontando cada detalhe e me passando
algumas informações básicas sobre a Times Square. Para começo de
conversa, não é legal parar do nada e car olhando ou tirando fotos,
justamente o que acabei de fazer, porque os nova-iorquinos se irritam com
turistas atrapalhando a circulação. Além disso, caso eu vá parar na Times
Square sem Tyler por algum motivo, abrir um mapa é a pior coisa que eu
poderia fazer. Mas duvido de que eu vá sair sem ele, então não preciso me
preocupar se vou bancar a turista sem noção ou se vão roubar minha
carteira.
Viramos à esquerda na 57th Street e passamos pela famosa arquibancada
vermelha da TKTS, onde as pessoas compram ingressos para a Broadway. Aí
eu tive, sim, que parar para tirar uma foto, mas Tyler não me deixa empacar
por muito tempo e logo seguimos.
Levamos quinze minutos para chegar ao Pietrasanta. É bem na esquina
da 57th Street com a Ninth Avenue, e o lugar tem portas de madeira que
estão abertas para deixar o ar circular. É superfofo, e Tyler me conduz até a
entrada com um sorriso de satisfação.
– Eu pedi umas, hum, recomendações no prédio – admite ele. – Muita
gente me falou que este é o melhor restaurante italiano por aqui. Espero que
esteja à sua altura.
– Vai ser ótimo, tenho certeza – digo, sem jeito, tentando acalmá-lo.
Não entendo por que ele parece ter se esforçado tanto. Nós só vamos
comer alguma coisa, mas é como se ele estivesse tentando fazer com que
tudo saia perfeito. Não era para ele se preocupar tanto assim. Ele não precisa
me impressionar. Eu sou só a irmã postiça.
Nós entramos e, embora estejamos um pouco atrasados, a garçonete nos
leva até a mesa sem nenhum problema. É bem nos fundos, perto da coleção
de vinhos italianos. Eu me sento de frente para Tyler e observo o restaurante
rapidamente. As mesas são de madeira, a iluminação é fraca, o lugar é bem
pequeno e uma brisa suave entra pelas portas abertas lá na frente. Eu pre ro
car aqui nos fundos, onde as pessoas passando na calçada não podem ver.
Presto atenção, tentando identi car se tem alguma música tocando, e depois
de um momento percebo que não; são só as vozes das pessoas à nossa volta,
misturadas com uma ou outra risada. É uma atmosfera intimista.
Tyler tamborila na mesa para chamar minha atenção, então percebo que
está me encarando com um olhar intenso.
– Dá para car ou quer dar o fora?
– Dá para car – digo, com um ar de aprovação. – Gostei.
– Espero que a comida não seja uma bosta. – Ele pega o meu cardápio,
abre e me passa, depois pega o dele. – Pode escolher o que quiser. É por
minha conta.
– Você está sendo muito gentil.
Eu o observo, descon ada, por cima do cardápio, mas ele só dá de
ombros, ainda sorrindo. Estou começando a me perguntar se ele vai parar de
sorrir em algum momento.
– O que posso dizer? Sou o cara mais gentil da cidade.
Comprimo os lábios e ergo o menu para esconder meu rosto.
– Acho que a vaidade do seu colega de apartamento te contaminou.
Ele dá uma risada, mas é doce e baixa, e bem quando acho que ele vai
responder, a garçonete se aproxima para anotar o pedido das bebidas. Ela é
jovem, da nossa idade, talvez, e simpática. Desaparece para buscar o pedido
enquanto avaliamos o cardápio.
Tyler franze a testa diante da lista in nita de palavras em italiano,
mordendo o lábio ao tentar decifrar o idioma. Eu avisaria que a tradução
está na página seguinte, mas ele ca tão fofo assim todo perdido que não
digo nada.
– Isso é tão confuso – reclama ele depois de um tempo, voltando-se para
mim. Sei que o estou encarando, mas me recuso a desviar o olhar. – Por que
você não podia amar comida espanhola?
Baixo o cardápio, já certa do que pedir, então apoio os cotovelos na
mesa, pousando o queixo nas mãos.
– Diz alguma coisa – peço.
– O quê?
– Em espanhol. Diz alguma coisa em espanhol.
Tyler franze a testa.
– Por quê?
– Eu gosto quando você fala espanhol.
Ele ca pensativo por um longo momento. Quase consigo ver as
engrenagens em seu cérebro girando para escolher o que dizer, como se
precisasse de um minuto para formular uma frase. Talvez ele não seja tão
uente assim.
– Me estoy muriendo por besarte – murmura ele, baixinho, quase
inaudível.
Então se inclina para a frente, cruzando os braços em cima da mesa, e
olha bem nos meus olhos. Na mesma hora percebo que estamos tão
próximos que quase sinto seu hálito quando ele fala. Isso me deixa sem ar.
– Acabei de dizer que a garçonete está vindo.
Olho para a esquerda e, é claro, nossa garçonete está se aproximando
com nossas bebidas, e Tyler imediatamente se reclina de volta na cadeira. Eu
queria que ele não tivesse se mexido.
Tyler pede o capellini primavera (sem o caldo de galinha, claro, porque
ele é vegetariano), se esforçando ao máximo para pronunciar o italiano
corretamente, enquanto eu habilmente peço a lasagna alla nonna. Quando a
garçonete pega nossos cardápios e se afasta, meus olhos retornam para Tyler,
e vejo que ele está erguendo a sobrancelha.
– Arrasou no sotaque – comenta ele, impressionado.
– Obrigada. Eu só imito a mãe do Dean.
Pego meu copo de água, e Tyler, seu copo de Coca, e enquanto damos
um longo gole, continuamos nos encarando. Meus olhos espelham os dele
por cima da borda do copo. Engulo, dou um suspiro, satisfeita, e pouso o
copo na mesa.
– Posso te perguntar uma coisa?
Tyler faz uma expressão preocupada por um nanossegundo, mas
disfarça e logo assente.
– Claro.
Respiro fundo e entrelaço os dedos sobre a mesa. Ainda não tirei os
olhos dele.
– Como estão as coisas? Sabe, com você?
– Sério, Eden? – A tensão no rosto de Tyler se esvai, e ele balança a
cabeça, perdendo toda a seriedade. – Você já perguntou isso mil vezes.
– Eu sei. – Não estou mais sorrindo. Na verdade, estou preocupada.
Tenho o péssimo hábito de car perguntando se ele está bem mesmo, mas é
difícil saber pelo telefone se está falando a verdade. – Preciso que você me
responda sinceramente, cara a cara. Aí vou saber se está mentindo ou não.
Ele revira os olhos, quase bufando com a minha insistência, mas então
se ajeita na cadeira e se inclina para a frente de novo, os lábios tensos e
contraídos. Ele está ainda mais perto de mim que antes, e acho que devo ter
parado de respirar. Devagar, ele responde:
– Eu não poderia estar melhor, Eden. Juro. Não estou mentindo para
você.
Ele arregala os olhos dramaticamente, como se para provar sua
sinceridade, e eu tento buscar qualquer sinal do contrário no seu rosto. Ele
não deixa isso continuar por muito tempo, porém, e logo se recosta de novo
na cadeira.
– Para com isso – diz gentilmente, me olhando. – Você sabe que eu seria
expulso da turnê se zesse besteira.
Considero o argumento por um instante antes de me dar conta de que
ele tem razão. Se ele tivesse cado bêbado ou doidão, ou sido preso ou se
metido em qualquer problema, teria sido retirado do programa. O trabalho
dele é contar sua história e dar um exemplo positivo. Se participou de todos
os eventos até o nal da programação, isso só prova que não se meteu em
nenhuma confusão. E signi ca que ele está bem. Mas é difícil esquecer como
as coisas eram poucos anos atrás, e às vezes não consigo evitar me perguntar
se ele algum dia vai acabar daquele jeito de novo. Mas, por enquanto, ele está
bem.
Não sei bem por que precisei pedir que ele repetisse isso para mim. Eu
deveria saber que ele estava me dizendo a verdade, que Nova York era a
melhor coisa para ele. Desde o primeiro momento em que vi Tyler no
aeroporto, não senti nada além de vibrações positivas irradiando dele. Acho
que é por isso que continuo sorrindo.
Quando volto minha atenção para Tyler, ele está esperando que eu diga
alguma coisa, mas não consigo emitir uma só palavra. Não consigo parar de
tar os olhos dele, que ainda estão bem abertos, a barba que lhe deixa alguns
anos mais velho, o canto dos lábios que sustentam um sorriso. Então
nalmente percebo que não é nada disso que me atrai tanto nele. É sua aura
de positividade. É como ele conseguiu mudar completamente de
mentalidade e atitude em menos de dois anos. Mal consigo imaginar como
foi difícil para ele parar de odiar tudo ao seu redor para nalmente superar a
infância horrível que teve, mas ele conseguiu. Conseguiu mesmo.
É por isso que me sinto ainda mais atraída por ele do que antes. É por
isso que essa situação toda é uma droga. Já faz dois anos desde o nosso
primeiro verão juntos. A esta altura, eu já deveria ter superado Tyler, mas
agora sinto que nunca vou superar. Vir para Nova York foi uma má ideia. Eu
não deveria ter feito isso. Deveria estar em Santa Monica com o Dean, não
aqui, me apaixonando ainda mais pelo melhor amigo dele.
Meu estômago se revira, e só posso torcer para que seja de fome, e não
de culpa. Dou outro longo gole no copo de água e ganho mais algum tempo
para me recompor e pensar em algo a dizer. Depois de um momento, me
lembro das palavras de Tyler no metrô e coloco o copo de volta na mesa,
olhando para ele, curiosa.
– Quem te deu ordens para cuidar de mim? Minha mãe?
Tyler suspira com a mudança de assunto, cruza os braços, ainda
recostado na cadeira. Ele dá de ombros bem de leve e baixa os olhos para a
mesa.
– É. Sua mãe, a minha mãe... – Ele me olha de relance. – E o Dean.
– Ah – respondo simplesmente. Nenhuma surpresa. É a cara do Dean
pedir isso. Faço uma careta, olhando para o copo, e passo os dedos pela
borda, sem saber bem o que pensar. – O que ele disse para você?
– Ele mandou que eu zesse essa viagem valer a pena. Sabe, já que você
decidiu vir para cá em vez de car com ele.
Tyler dá de ombros de novo, e sinto a tensão entre nós aumentar.
Ou talvez seja coisa da minha cabeça, talvez seja a culpa pesando. Já que
deixei meu namorado chateado, do outro lado do país, para car olhando
nos olhos de Tyler no meio de um restaurante italiano em Nova York.
– Ele ia car puto se você não se divertisse.
– E o que você respondeu?
– Eu respondi que ia garantir que você se divertisse – diz Tyler, abrindo
um sorriso largo e sincero.
De repente camos em silêncio. Sobretudo porque eu não tenho ideia de
como lidar com toda essa situação do Dean, mas em parte porque
desejo com todas as forças que Tyler pareça desconfortável. Ele fala de mim
e Dean com toda a tranquilidade do mundo, como se isso não o
incomodasse mais, outra prova de que já me superou. Total e
completamente.
Meu coração dói, e decido naquele momento que vou arriscar, vou
perguntar de uma vez. Só preciso criar coragem e acabar logo com isso, ou
então vou passar as férias inteiras pensando “E se?”. Só preciso que ele seja
honesto comigo. Acho que ouvi-lo admitir vai me matar por dentro, mas
espero que me ajude a superá-lo também. Não tem outro jeito.
Eu engulo o nó na garganta e respiro fundo, me esforçando ao máximo
para manter a calma, mas Tyler deve ter percebido meu pânico, porque seu
sorriso desaparece pouco a pouco.
– Você está bem?
Eu me forço a olhar nos olhos dele e, quando nalmente consigo, abro a
boca para falar. Minha voz não passa de um sussurro trêmulo quando
pergunto:
– Isso incomoda você?
Tyler franze a testa.
– Isso o quê?
– Dean – respondo. As pessoas na mesa ao lado caem na gargalhada, e
tanto eu quanto Tyler nos viramos para olhar por um segundo antes que ele
volte a me encarar. Eu pressiono as têmporas e baixo ainda mais a voz. –
Não te incomoda que eu ainda esteja com ele?
– Eden. – Não restou nada do sorriso dele. Seus lábios estão apertados
em uma linha na, e seu olhar transmite reprovação. – O que você está
fazendo?
– Só queria saber – disparo, tão nervosa que não consigo encará-lo,
então tapo os olhos com as mãos e abaixo a cabeça. – Ainda incomodava
ano passado, antes de você viajar. Eu só quero saber como se sente agora.
– Eden – repete ele, a voz rouca e rme. E para por um bom tempo.
Estou com medo demais para tirar a mão do rosto. Por m, ouço-o respirar
fundo, e suas palavras saem ainda mais devagar: – Você está me
perguntando se eu ainda... você sabe?
– Estou tentando – sussurro.
– A gente não vai falar disso aqui – retruca ele, alto.
Alto o su ciente para me fazer tirar a mão dos olhos e erguer o rosto.
Sua mandíbula está retesada, o músculo tremendo.
Elevo a voz do mesmo jeito que ele e insisto:
– Você me esqueceu?
– Eden.
– Conheceu outra pessoa? Está solteiro? – Estou tão frustrada e
assustada ao mesmo tempo que isso acaba disparando minha adrenalina, e
em segundos sinto coragem su ciente para olhá-lo nos olhos, e ele deve se
sentir ainda mais corajoso, porque não vira o rosto. – Quando você me
superou? Eu só preciso saber isso, então, por favor, me diz.
– Eden – diz ele, desta vez mais determinado. – Por favor, para de falar.
– Então é isso? – Balanço a cabeça, sem acreditar, cando irritada.
Aquilo já foi longe demais. Preciso saber se estou perdendo tempo. Preciso
saber se nós dois somos uma causa perdida. – Você nem vai me responder?
Vai deixar isso me enlouquecer?
– Não – responde ele, com a voz muito mais calma que a minha, apesar
de sua expressão ter cado muito séria.
Ele de nitivamente amadureceu. Dois anos atrás, já teria perdido
totalmente a cabeça e estaria resmungando e xingando, de cara feia. Agora,
eu sou a descontrolada da história.
– Só não vou responder isso aqui.
– Então onde vai me responder?
– Quando a gente voltar para casa – diz ele.
Então ele me encara com os olhos semicerrados, como se me dissesse
para desistir disso por enquanto, e eu obedeço, mas só porque a garçonete
chega com a comida.
Ela deve me achar uma grossa, porque estou ocupada demais
demonstrando meu descontentamento para Tyler e nem sequer agradeço
quando ela pousa o prato à minha frente. Nem sequer pisco. Quando ela se
afasta de novo, Tyler se inclina para a frente, pega os talheres e em segundos
volta a sorrir.
– Ainda tem outra coisa que quero te mostrar – murmura ele, enrolando
o macarrão com o garfo, os olhos xos no prato.
– O quê?
Um sorrisinho surge em seus lábios.
– É surpresa – diz ele. – Mas vou te dar uma dica: tem uma vista incrível,
e vamos poder conversar sobre isso lá.
6

Tyler continua tranquilo pelo resto da noite, agindo de forma tão casual que
é quase como se não se importasse que eu precise desesperadamente saber
em que pé estamos. Ele fala sobre assuntos irrelevantes durante o jantar,
conta umas piadas na caminhada de volta à Times Square e até tenta me
animar no metrô erguendo as sobrancelhas sem parar até eu abrir um
sorriso. É falso, claro, e no segundo em que viro o rosto ele desaparece.
– Então, onde é esse tal lugar com uma vista incrível? O Empire State
Building? A Estátua da Liberdade?
Cruzo os braços e o encaro, esperando a resposta.
Mas ele só se segura com mais força na barra do metrô e dá de ombros, e
posso jurar que está segurando uma risada. Aposto que ele estava sendo
sarcástico no restaurante. Aposto que vai me levar ao lugar mais horrível da
cidade, o lugar perfeito para destruir meu coração.
– Não exatamente – responde ele, por m. – Vem, a gente vai descer na
próxima.
Esperamos perto da porta por um momento, o vagão vibrando e o som
perfurando meus tímpanos. Estou começando a entender por que a maioria
das pessoas em volta está de fone. Mas dá para aguentar, pelos poucos
minutos em que camos aqui, e quando o metrô para com um guincho na
estação, Tyler me puxa pelo pulso para a plataforma.
Eu reconheço a estação de imediato. É a da 77th Street, o que signi ca
que não vamos nos aventurar em lugar nenhum além do apartamento dele,
pelo visto. Isso ca ainda mais óbvio quando saímos e refazemos o caminho
de antes. Tyler continua falando o tempo todo, mas já me desliguei. Estou
chutando a calçada com meu All Star enquanto ando, cando mais nauseada
a cada segundo que ele prolonga a situação. Meu humor se alterna entre
frustração e nervosismo. Em um minuto estou com raiva dele por não ter
acabado logo com isso no restaurante e no seguinte me pergunto por que
sequer fui tocar no assunto.
Passamos pelo carro dele (e pela caminhonete e pelo Civic) e, quando
estamos prestes a entrar, eu paro no meio da calçada. Inclino a cabeça para
trás e observo o prédio, que é mais alto que os outros ao redor.
Tyler ca parado na entrada, segurando a porta com as costas, e cruza os
braços.
– O que foi?
Eu olho para ele.
– Você disse que tinha uma boa vista, não disse?
– Disse.
Acho que ele sabe o que vou perguntar, porque sua boca está se abrindo
em mais um dos seus sorrisos.
Está mais fresco agora, e a brisa aumentou um pouco, mas é o su ciente
para jogar meu cabelo no rosto, então prendo as mechas atrás das orelhas e
pergunto:
– É o telhado?
Tyler não responde. Só me encara e sorri ainda mais. Por m, ele
murmura:
– Talvez.
Aposto que a vista lá de cima é mesmo bonita, mas, sinceramente, quero
dizer a ele para esquecer. Não tem por que me levar até lá só para dizer as
palavras que imagino que vá dizer. É como se ele estivesse sendo cruel de
propósito.
– Não é nada de mais – diz Tyler enquanto entro atrás dele e vamos até o
elevador. Ele aperta o botão do vigésimo andar, o último. – Quer dizer, tem
umas cadeiras e algumas plantas, mas é basicamente só um pátio de
concreto. Mesmo assim é legal. Sabe, car lá em cima.
En o as mãos nos bolsos da jaqueta e olho para baixo, mordendo a parte
de dentro da bochecha enquanto tento pensar no quanto os próximos
minutos vão ser horríveis. É provável que eu chore quando ele admitir a
verdade, mas estou rezando para aguentar, pelo menos até estar longe dele.
Estou com medo de parecer patética, mas tenho ainda mais medo de que
esta conversa que estamos prestes a ter só deixe o restante do nosso verão
meio embaraçoso.
A porta do elevador se abre, e desta vez Tyler não se afasta para me
deixar sair primeiro. Em vez disso, ele pigarreia e sai para o corredor. Ele
está tentando agir naturalmente, mas percebo que está com pressa. Um cara
passa por nós, indo na direção oposta, mas continuamos andando até Tyler
parar na última porta à esquerda, que parece diferente do resto. É porque
não é um apartamento, e sim uma porta simples que dá em um lance de
escadas de metal.
– É aqui em cima – chama ele, indo na frente e subindo três degraus de
cada vez.
A escada é mal iluminada, mas é apenas um lance, e, quando chego ao
topo, Tyler está me esperando na saída de incêndio. Ele dá um sorrisinho
antes de abrir a porta. Saímos para o telhado, e já é m de tarde, então, a
princípio, só vejo o topo de alguns dos outros prédios mais altos ao redor.
Como Tyler tinha falado, tem algumas espreguiçadeiras de madeira
espalhadas, com mesas combinando, e alguns vasos de plantas que parecem
meio ressecadas devido ao calor.
Enquanto estou dando uma olhada no lugar, Tyler para atrás de mim, e
do nada sinto suas mãos rmes em minha cintura. Perco o fôlego no
segundo em que sinto seu toque e me concentro no telhado de um prédio a
alguns quarteirões de distância enquanto tento não pensar na respiração na
minha nuca. Seus lábios se aproximam do meu ouvido, murmurando de
repente:
– Vem ver isso aqui.
Sua voz está rouca. É o su ciente para fazer um arrepio percorrer meu
corpo. Com as mãos ainda na minha cintura, ele me conduz até a beirada do
telhado.
E no momento em que meus olhos capturam a vista lá embaixo, esqueço
totalmente por que viemos para cá. Esqueço as mãos do Tyler no meu
corpo. Esqueço que ele está prestes a me dizer que me superou. Porque neste
segundo só consigo pensar, só consigo processar, como a vista é realmente
maravilhosa.
Talvez seja porque o céu está de um azul profundo, riscado com raios
cor-de-rosa, e talvez seja porque tudo embaixo e ao redor de nós esteja
brilhando, mas só consigo imaginar que tudo isso pareça mais
impressionante agora, à noite, do que seria durante o dia. Os faróis dos
carros e a iluminação dos postes na rua deixam tudo laranja, e a iluminação
uorescente das janelas dos prédios comerciais cria um mapa de pontinhos
de luz. Quanto mais longe olho, mais tudo parece apenas uma quantidade
absurda de edifícios, como se estivessem empilhados uns sobre os outros,
emitindo luz. Logo percebo por que Nova York é conhecida como a cidade
que nunca dorme. A cidade parece ainda mais viva agora do que há algumas
horas.
Eu não sinto Tyler me soltando até ele parar do meu lado, se inclinando
para a frente, cruzando os braços na mureta e soltando um suspiro.
– Eu gosto daqui – diz, baixinho.
Ele não precisa levantar a voz. A cidade pode parecer ainda mais
barulhenta à noite lá embaixo, mas aqui em cima só chega um ruído fraco.
Quero dizer a ele que também gostei daqui, mas ainda estou
maravilhada demais com a cidade ao nosso redor, atordoada demais para
falar. São quase assustadoras a grandeza de tudo e a nossa insigni cância
diante dela. Quantas pessoas estão espalhadas pelos telhados da cidade neste
instante? Quantas pessoas acreditam, neste exato momento, que esta cidade
é delas?
Uma brisa suave passa entre nós e meu cabelo esvoaça ao redor do rosto.
Ergo a mão e toco os lábios com o dedo, lentamente desviando o olhar para
Tyler. Ele ainda está examinando cuidadosamente o horizonte, mas deve ter
percebido minha atenção agora nele, porque sua mandíbula se contrai.
Suspirando, ele abaixa a cabeça.
– Suponho que você queira ter aquela conversa – murmura.
Parte de mim ainda quer, mas outra parte preferiria fazer tudo menos
isso. Este lugar é perfeito demais para ter essa conversa, mas já me coloquei
nesta situação, e Tyler talvez não me dê outra oportunidade para resolver a
questão. Esperei o ano inteiro para descobrir. Por que esperar mais? Por que
fazer isso comigo mesma?
Respiro fundo e engulo em seco, me acalmando. A adrenalina que senti
no restaurante já passou faz muito tempo, e só posso torcer para que volte.
Talvez assim bloqueie o tanto que isso vai doer. Dou uma olhada na ird
Avenue lá embaixo.
– A gente precisa conversar sobre isso já faz um tempo.
Há um silêncio breve enquanto Tyler se ajeita. Então ele descruza os
braços e entrelaça os dedos em cima da mureta, sem tirar os olhos das
próprias mãos.
– Por onde começar?
– Com você me dizendo que não sente mais nada por mim – respondo,
mas não importa quanto eu esteja tentando ser forte, minha voz falha na
última palavra. Fecho os olhos com força e balanço a cabeça, dando um
passo para trás, para longe da beirada. – Só admita. É só o que estou
pedindo.
É louco como as coisas podem mudar em um ano. Antes de Tyler sair de
casa em junho do ano passado, ainda havia algo ali, pairando no ar sempre
que estávamos perto um do outro. Nós dois sabíamos disso, só nunca
falávamos sobre o assunto. Eu já tinha feito o que achava certo. Tinha
deixado claro que nada daquilo ia funcionar e que estávamos perdendo
tempo, mas, com o passar dos meses, percebi que superar um ao outro seria
muito mais difícil do que eu pensava. Sempre que eu passava na casa do
meu pai e Tyler estava lá, a sensação era de que ngíamos ser outras pessoas
na frente dos nossos pais. Não tínhamos feito nada de errado, mas mesmo
assim nos sentíamos culpados. Até mesmo sair com Dean, Rachael e
Meghan era difícil. Nós cinco íamos ao píer, e Tyler olhava para o Paci c
Park e para mim quando ninguém estava prestando atenção, e eu sempre me
lembrava da vez em que ele me levou lá, porque foi nosso primeiro e único
encontro. Nenhum dos nossos amigos nunca notou os sorrisinhos de Tyler.
Mas eu sempre notava. Às vezes ele cava me olhando nos corredores da
escola. Às vezes eu correspondia. Então ele sorria e dava as costas, e eu
voltava a prestar atenção em Dean, que em geral estava do meu lado. Eu me
preocupava com o Dean. Pensei que Tyler me odiaria por isso, por terminar
com ele e começar a namorar seu melhor amigo. Mas ele nunca comentou
nada. Nunca. Apenas olhava para mim com descon ança quando me via
junto com Dean.
Mas tudo isso foi antes de ele ir embora. Tudo isso faz um ano.
As coisas estão diferentes agora. Eu sei. Ele está mais distante, mais
relaxado em relação ao meu namoro com Dean. Não sei por que isso está
me incomodando tanto. É exatamente o que eu esperava. Quer dizer, um
ano em Nova York? Não consigo pensar em uma cidade melhor para tentar
esquecer alguém. Quantas garotas ele deve ter conhecido ao longo desses
meses? Quantas pessoas novas conheceu nos eventos? Talvez tenha saído
com outras pessoas. Talvez já esteja namorando.
E, ainda assim, aqui estou eu, parada neste telhado ao seu lado, ainda
perdidamente apaixonada por ele.
– Não vou dizer que não sinto mais nada por você – responde ele por
m.
Meus olhos se abrem e eu ergo a cabeça, examinando seu rosto, que
continua voltado para a rua lá embaixo. Apesar da mandíbula ainda
retesada, ele não parece irritado, só sério. Tyler se empertiga, se afasta da
mureta e me encara. No segundo em que seus olhos vibrantes encaram os
meus, só uma coisa passa pela minha mente: esperança.
– Não vou dizer isso – continua ele. – Porque não esqueci você.
7

Levo um longo momento para assimilar por completo as palavras de Tyler,


para realmente compreender o que elas signi cam. Primeiro penso que ele
está brincando, ou que só ouvi o que queria, mas então ele sorri para mim,
enrugando o canto dos olhos. A sinceridade naquele olhar só me faz
perceber que ele está sendo totalmente honesto.
– Quê? – disparo, en m.
– Vai levar mais que um ano longe de você para fazer meus sentimentos
acabarem.
A atmosfera está tão pesada que de repente parece surgir um silêncio
ensurdecedor. Um silêncio tão intenso que quase dói. Mas eu nem consigo
processar meus pensamentos, quanto mais palavras, então só co
encarando-o, ainda mais confusa que dez segundos atrás. Sacudo a cabeça.
Isso não pode estar acontecendo.
– Mas eu achei...
– Achou o quê? – Ele en a as mãos nos bolsos da frente da calça e olha
para o chão de concreto. Tem plantinhas crescendo entre as rachaduras. –
Que eu viria para Nova York e esqueceria tudo? Você achou que seria fácil?
Eu nunca me preparei para isso. Nunca imaginei que Tyler falaria assim.
Mas ele falou. Fico tão confusa e impressionada que ainda não acredito
inteiramente em suas palavras. Mordo o lábio.
– Mas você está agindo diferente. Está me tratando como sua irmã.
– Bem – diz ele com um sorrisinho. – Você é.
– Tyler. – Olho para ele de cara feia.
Ele dá um suspiro, e seu sorriso oscila. Então passa a mão no cabelo e
esfrega a nuca.
– Sinceramente, Eden? Achei que você já tivesse me esquecido. Não
queria ser o babaca que deixaria você toda confusa. Eu queria fazer a coisa
certa. Queria manter distância.
Acho que, se eu não estivesse tão surpresa, estaria chorando. Mas
simplesmente não consigo parar de encará-lo, a um metro de mim,
boquiaberta, incrédula. Levo uns dois segundos para conseguir elaborar
uma resposta e, mesmo assim, tudo que consigo murmurar é:
– O negócio do Dean ainda incomoda você? Sabe, eu e ele estarmos
juntos?
– Não.
– Por quê?
Ele para e me encara por um segundo. Ao fundo, ainda escuto a cidade.
Parece que nem fazemos mais parte dela. O clima é tão tenso que é como se
fôssemos as duas únicas pessoas em quilômetros, como se estivéssemos no
topo de um prédio no meio do nada. Meus olhos estão xos nos dele e não
enxergam mais nada.
– Porque, se você não está comigo – responde ele –, co feliz que pelo
menos esteja com ele. Ele é bom para você.
O choque passa tão rápido que quase sinto meu peito afundar de uma só
vez. Sinto um peso, como se minhas costelas fossem quebrar, e levo um
segundo para perceber que é porque me sinto muito culpada, muito mal e
muito, muito confusa. Neste exato momento, minha opinião sobre tudo
parece distorcida. Como se estar com Dean fosse errado. Estar com Tyler,
ainda mais.
– Olha, Eden, a gente nem deveria estar falando sobre isso – diz Tyler
depois de um tempo. Ele deve ter percebido que não vou responder. Minha
voz desapareceu. – Para que se importar com isso? Você está com o Dean.
Trinco os dentes, tentando amenizar o embrulho no estômago. Eu não
deveria estar nessa situação. Não é justo, e tudo porque nossos pais tinham
que aleatoriamente estar no mesmo estacionamento um dia. Meu pai parou
na vaga em que Ella ia entrar. Ela saiu do carro e começou a brigar com ele.
Ele comprou um café para ela para se desculpar. Então eu culpo aquela vaga
disputada por causar tudo isso. Por que nossos pais tiveram que se
conhecer? Por que eu tinha que acabar com um irmão postiço que nem o
Tyler e, o mais importante, por que diabos eu tinha que me apaixonar por
ele? Às vezes, tipo agora, eu odeio como o mundo funciona.
– Eu me importo porque também não estou nem perto de superar você,
Tyler. É por isso que importa, porque eu não tenho ideia do que quero.
– Nem pense em dizer isso – resmunga ele, a voz rouca. Rouca e sexy.
Familiar, de certa forma.
– Por que não? Por que você pode me dizer que não me esqueceu, mas
eu não posso dizer a mesma coisa?
– Porque não sou eu que estou namorando outra pessoa – retruca ele,
estreitando os olhos, e sua expressão ca severa. Ele dá um passo na minha
direção. Estamos a meio metro um do outro. – Não fui eu que desisti dois
anos atrás. Foi você. E agora está insinuando que cou em dúvida? Claro, é
ótimo para o meu ego, mas ao mesmo tempo você está me dando esperanças
que não vão dar em merda nenhuma. Você mesma disse. Nada disso nunca
vai dar certo. Especialmente agora. A gente teve a nossa oportunidade, e
você jogou fora. Agora você está com o Dean, o que basicamente signi ca
m do jogo para mim.
Quando ele termina de falar, sua voz já não soa mais irritada. Ele só
franze a testa e vira o rosto, xando o olhar num ponto ao lado da porta.
– Me desculpa – digo, exasperada. – Eu só tinha dezesseis anos. Não
tinha ideia do que estava fazendo. Você pode me culpar, Tyler? Você pode
mesmo me culpar por ter medo? Na época, parecia impossível fazer aquilo
dar certo. Era impossível. Eu não ia desperdiçar minha vida esperando,
apaixonada por alguém com quem não poderia car. E aí Dean entrou na
história, e eu gostava dele, e você era causa perdida, então por que eu não
caria com ele? Eu amo o Dean.
Paro e recupero o fôlego, tentando decifrar a reação de Tyler, que
continua olhando para o nada com uma expressão séria mas neutra. Eu me
aproximo mais. Agora restam trinta centímetros entre nós.
– A gente não é mais criança, e estou começando a perceber que talvez
agora pudesse dar certo, mas parece que é tarde demais – continuo. – Estou
presa entre você e o Dean, e sem a menor ideia de que lado deveria escolher.
Silêncio. A sensação é que leva um século para Tyler nalmente me
olhar nos olhos, ainda atordoado, mas quanto mais nos encaramos mais sua
expressão se suaviza. Ele dá o último passo entre nós, e minha respiração
para. Seu corpo está a centímetros do meu, e ele en a a mão no bolso da
calça antes de cuidadosamente colocar a outra na minha cintura. Então me
olha de cima a baixo.
– Me estoy muriendo por besarte.
Franzo a testa.
– “A garçonete está vindo”?
– Não – diz ele, balançando a cabeça devagar, abrindo um sorriso gentil
e baixando os olhos para meu pescoço. – Não é isso que signi ca. Eu disse
que estou morrendo de vontade de te beijar.
Neste momento, eu esqueço Dean. Porque o único pensamento
passando pela minha cabeça é que eu também estou morrendo de vontade
de beijar Tyler. Já faz dois anos desde a última vez, e comecei a esquecer
como é o toque dos lábios dele nos meus. Mas não esqueci como me sinto
quando ele me beija. Eu me lembro do arrepio. Da pulsação acelerando. Da
fraqueza nos joelhos. Isso eu duvido de que vá esquecer.
Engulo em seco e co reparando na mão dele na minha cintura.
Observo os nós dos dedos, depois as pontas, depois volto a olhar nos olhos
dele.
– Por que não faz isso? – sussurro.
– Por causa do Dean – retruca ele, e na mesma hora se afasta. Seu toque
desaparece, e a distância entre nós aumenta quando ele me dá as costas e vai
embora. – Espera aqui.
Ainda bem que não perdi a voz, embora minha garganta esteja seca.
– O quê?
Tyler abre a porta anti-incêndio e para, então me encara.
– Só espera aqui. Volto em dois minutos.
Ele entra no prédio e desce a escada, deixando a porta se fechar
suavemente com um clique. Fico parada e olhando por um tempo. Levo um
instante para reorganizar as ideias; a princípio é difícil compreender tudo,
mas lentamente vou digerindo os últimos acontecimentos. Fecho a jaqueta e
me volto para a cidade.
Não notei que o cor-de-rosa do céu estava sumindo, mas agora ele já foi
todo substituído por listras azul-escuras. As luzes parecem ainda mais
brilhantes, se é que é possível. Ouço uma sirene a alguns quarteirões, mas o
que mais me chama a atenção é como cou bem mais frio e o vento
aumentou. Volto para a beirada e me apoio na mureta.
Tyler tem razão. Não podemos magoar Dean. Nenhum de nós tinha essa
intenção e, se levarmos isso adiante, Dean vai ser magoado não só pela
namorada, mas pelo melhor amigo também, o que só complica as coisas.
Nada disso é justo com ele. Ele não deveria namorar uma pessoa que está
apaixonada por outra. Minha única conclusão é que sou horrível e que já sei
aonde tudo isso vai dar. É inevitável: Tyler ou Dean.
– Sobe aí e senta.
Eu me viro e vejo Tyler se aproximando de novo, com uma caixa nas
mãos. Ergo a sobrancelha e olho para a rua lá embaixo atrás de mim.
Estamos a vinte andares de altura.
– Pirou?
– Vamos, você não vai cair – diz ele, mas não parece muito seguro.
A expressão dele está mais relaxada, e seu sorriso voltou, como se os
últimos quinze minutos nunca tivessem acontecido. Ele para ao meu lado e
encosta a caixa na mureta. É retangular, coberta com papel prateado.
– Senta na mureta ou não vai ganhar isso.
Faço uma cara feia para ele, mas estou curiosa.
– O que é?
– Um presente.
Ele indica a mureta e cruza os braços, olhando para o relógio
dramaticamente. Então, pigarreia.
– Tá bom.
Eu suspiro e me viro, espalmando as mãos no concreto áspero e fazendo
força para subir. A mureta não é estreita, mas ainda assim dá medo. Tento
não olhar para baixo enquanto estou sentada, então me viro para Tyler, com
as pernas balançando para dentro. Assim eu co, pela primeira vez na vida,
mais alta que ele.
– Contente? – pergunto.
– Aqui – diz ele, me entregando a caixa gentilmente, a pele tocando na
minha por meio segundo, então coloca as mãos na mureta ao meu redor e
ca grudado em mim, sem dar nem um passo para trás. A proximidade está
me sufocando de novo. – Abre.
Olho para ele meio descon ada antes de nalmente voltar a atenção para
a caixa nas minhas mãos. O embrulho não é dos melhores, então é fácil
rasgar o papel. Sem querer, deixo o embrulho amassado cair lá embaixo, e
Tyler suspira. Mas mal noto minha própria falta de jeito, porque estou
segurando algo que reconheço muito bem: uma caixa de All Stars. Fico
olhando por um minuto, depois olho para Tyler.
– Por quê?
– A gente perdeu os seus. Lembra?
Como eu poderia esquecer? Foi na primeira – na única – noite que
passamos juntos. E de manhã eu não encontrei meus tênis.
– Eu disse que compraria outro par para você – diz ele, mas então dá de
ombros, nervoso, e morde o lábio. – Me desculpa por ter levado dois anos.
O fato de que ele sequer se lembra disso me pega de surpresa. Tanto,
inclusive, que nem respondo. Baixo os olhos para a caixa. Com cuidado,
passo as mãos pelo papelão e abro a tampa, revelando um par de cano baixo
branco, novinho, um substituto idêntico dos que perdi naquela noite, só que
sem as letras de música que eu tinha rabiscado na borracha.
– Tyler, não precisava...
– Precisava, sim. – O sorriso aumenta, e ele pega a caixa das minhas
mãos, deixando-a na mureta ao meu lado. Gesticula para os meus pés. – Me
dá os seus tênis velhos.
Eu inclino a cabeça e estreito os olhos para ele. Não sei no que ele está
pensando no momento, mas sei que estou surpresa demais para questionar
ou sequer agradecer, então só obedeço.
Estou usando meu All Star de cano alto branco que já tenho faz alguns
anos e que sem dúvida está bem gasto. Eu me abaixo e desamarro o sapato.
Tyler pega os tênis na mesma hora.
– Você não pode vir para Nova York sem deixar sua marca em algum
lugar – diz ele lentamente, concentrado nos sapatos enquanto dá um nó nos
cadarços. Então, bem na minha frente, ele se pendura na mureta e se estica
para amarrar os All Stars velhos num o que passa pela lateral do prédio.
Quando volta, está com um sorriso presunçoso. – E nem pense em pegar de
volta.
– Não acredito que você fez isso.
Com cuidado, dou uma olhada para trás e balanço a cabeça ao ver meus
tênis velhos balançando ao vento. Pelo visto nunca vou recuperar esses aí.
Tyler ri ao pegar a caixa de novo. Aquela energia positiva voltou, e não
me dá escolha a não ser sorrir, apesar da confusão que está minha cabeça.
– E esses aqui... – fala ele. – Pode calçar.
Delicadamente, en o as mãos na caixa e pego o par novo. Estão
novinhos em folha, e devagar eu desembaraço os cadarços e calço. Cabem
perfeitamente. Fico olhando para os tênis até Tyler chamar minha atenção
de novo.
– Só mais uma coisa – diz ele, a voz de repente toda entusiasmada. Ele
en a a mão no bolso traseiro da calça, remexendo por um segundo até tirar
uma canetinha preta. Tira a tampa. – Sem reclamação.
Mordo a parte interna da bochecha, mais para me impedir de gritar, e
apoio o pé na mureta. Primeiro acho que ele vai escrever alguma letra de
música, para recriar o tênis velho. Ele avalia os All Stars novos com cuidado
e nalmente escolhe um ponto da faixa de borracha. Ele se concentra no que
está escrevendo e, quando termina, dá um passo para trás e ca me olhando,
esperando minha reação.
Porém, quando olho para baixo, não é uma letra de música que vejo. São
três palavras, rabiscadas no garrancho dele. Três palavras, em espanhol: No
te rindas.
Antes que eu consiga sequer abrir a boca, Tyler já está respondendo a
pergunta dos meus lábios:
– Signi ca “não desista” – diz, baixinho, brincando com a caneta entre
os dedos. – Quando se trata de você, é simples: enquanto você não desistir,
eu não desisto.
– Não sei o que dizer – admito.
Não consigo encará-lo, então só continuo olhando para aquelas palavras.
Não desista. O que isso signi ca, exatamente? Ele quer que a gente tente de
novo? Ele quer que eu o escolha?
– Você não precisa dizer nada – acrescenta ele, a voz rme. – Só precisa
pensar nisso.
Pensar nisso? Ele acha mesmo que vou fazer qualquer outra coisa?
Pensar nisso é só o que consigo fazer. Meu verão inteiro provavelmente vai
ser passado fazendo mil conjunturas sobre Tyler e Dean. No m, vou ter que
escolher um deles.
– Está cando tarde – murmura ele. – É melhor você voltar. Vou car
aqui em cima mais um pouco. O Snake já deve estar desmaiado, então ca
com isso.
Ele en a a caneta de volta no bolso e pega as chaves, que joga para mim
sem aviso. Ainda bem que consigo pegá-las antes que elas caiam lá embaixo.
Analiso sua expressão, mas é tranquila. Ele só ca olhando para a cidade
de novo, me evitando. Não sei por que decidiu car aqui em cima sozinho,
no escuro, mas, quanto mais penso nisso, mais percebo que só deve estar
querendo um tempo longe de mim.
Estressada, cansada, mas feliz, desço da mureta e pouso suavemente no
chão com meus All Stars novos.
– Obrigada pelos tênis.
– Não tem de quê.
Fico mais alguns instantes parada para ver se ele vai falar alguma coisa
antes de eu sair, mas Tyler nem se mexe. Seus olhos estão xos em algo
distante, então me viro e volto para dentro, olhando para os meus novos
tênis enquanto ando. O prédio está silencioso, e sem fazer barulho entro no
elevador e aperto o botão do décimo segundo andar, sozinha com meus
pensamentos. No momento, só consigo pensar besteira. Preferiria estar
dormindo, porque pelo menos assim não tenho que re etir sobrenada disso.
A porta do elevador se abre, e sigo até o apartamento do Tyler, o
chaveiro ainda pendurado no meu dedo. Eu me atrapalho quando tento
encaixar a chave na fechadura, mas Snake claramente ainda não dormiu,
porque a porta se abre enquanto ainda estou tentando destrancá-la.
Os olhos azul-acinzentados me avaliam, e ele balança a cabeça para a
minha tentativa patética de entrar no apartamento.
– Cadê o Tyler?
– No telhado – respondo, sem rodeios.
Espero que ele dê um passo para o lado para me deixar entrar, mas
parece que ele nem notou que ainda estou parada no corredor.
– Acho que você quer outra cerveja – diz ele.
Eu suspiro, soltando o ar pelo que parece ser a primeira vez na última
meia hora.
– Pode apostar que sim.
8

Não lembro quando adormeci. Não lembro nem como adormeci. Só sei que,
quando acordo, estou enrolada no edredom do Tyler e ouvindo uma voz
murmurando meu nome. Mas estou cansada demais para sequer tentar abrir
os olhos, então me viro para o lado e enterro o rosto em um dos travesseiros,
gemendo. Parece que está de madrugada.
– Eden – diz a voz novamente, mais alto.
Minha cabeça pesa, e começo a me perguntar quantas cervejas Snake me
deu na noite passada. Eu não me lembro do Tyler voltando do telhado, pelo
menos não enquanto eu ainda estava acordada. Mas me lembro de dividir
uma pizza fria com Snake na cozinha. Eu não consigo nem lembrar de que
sabor era. Pode ter sido margherita ou pepperoni. Qualquer que fosse, não
lembro se era boa.
– Tem café – diz a voz, e imediatamente isso chama a minha atenção.
Parece o Tyler. – Latte de baunilha, pelando, bem como você gosta.
Dou um bocejo enquanto me viro de volta, abrindo devagar os olhos,
mas estreitando-os logo em seguida por causa da claridade que entra pela
janela. Leva um segundo para minha visão se adaptar, e então Tyler é a
primeira coisa que vejo. Ele está de sobrancelhas erguidas e um sorriso
gentil nos lábios. Estou meio confusa, mas consigo estender o braço, meus
dedos tentando alcançar o copo na mão dele.
– Nada disso – diz ele na mesma hora, afastando-se de mim com o café.
– Só quando você se levantar.
Solto outro gemido e empurro o edredom, forçando meu corpo a se
sentar. Abro bem os olhos e ofereço um sorriso esperançoso, mas ele balança
a cabeça, o que me faz revirar os olhos e colocar as pernas para fora da
cama. En m, co de pé.
– Não foi tão difícil, foi? – Rindo, ele me passa o copo, e eu suspiro,
satisfeita. Está tão quente que quase queima minha mão. – Gostei do pijama.
Olho para baixo e descubro que ainda estou usando a saia e a camiseta
branca de ontem à noite. Pelo canto do olho, vejo a jaqueta largada no chão.
– Eu estava cansada.
– Cansada, sei – diz Tyler, cético. – Todas aquelas garrafas vazias de
cerveja na cozinha sugerem outra coisa.
Sinto minhas bochechas corarem, então levo o copo aos lábios na
tentativa de esconder parte do rosto. Mas Tyler percebe ainda assim, porque
cai na risada, e co surpresa por ele não fazer cara de reprovação, como era
comum antigamente. Talvez não ligue mais.
– Eu só bebi um pouco – falo, depois de um gole no café, que percebo
que é da Starbucks. Não é da Re nery, meu café favorito perto da minha
casa, mas é bom o bastante para matar a vontade. – Por que você não voltou
para casa?
Tyler dá de ombros, mas não responde a minha pergunta. Em vez disso,
dá a volta na cama para ajustar as cortinas, apesar de já estarem abertas.
Depois de um momento, ele se vira, lançando para mim um olhar
arrebatador do outro lado do cômodo.
– Eu sei que você quer muito dar uma olhada no Central Park. Então
pensei em fazermos isso hoje, que tal?
Eu me alegro. Ir ao Central Park foi o que mais me entusiasmou nesta
viagem.
– Claro! É perfeito.
– E é – diz Tyler. – Saímos em uma hora?
– Vou estar pronta.
Assentindo, ele se vira para sair, mas para de repente na porta e olha
para mim.
– Esqueci de comentar, segunda-feira à noite vamos te levar para um
jogo dos Yankees.
Não consigo evitar uma careta. Tyler sabe que não sou a maior fã de
esportes do mundo.
– Futebol americano?
Com um suspiro profundo, ele balança a cabeça.
– Beisebol, Eden, é beisebol. Yankees contra os Red Sox. Derek Jeter
nalmente vai voltar a jogar. Ele quebrou o tornozelo no outono do ano
passado.
– Quem?
– Meu Deus. – Tyler, sem acreditar, aperta as têmporas, boquiaberto. –
Derek Jeter? Sabe, a lenda?
– Quem? – pergunto novamente.
Ele está atônito.
– Inacreditável.
– Eu nem sei como beisebol funciona – explico, indignada. Tomo outro
gole do café. Não chega nem perto do café da Re nery. Nem em um milhão
de anos. – Como você acha que eu conheceria os jogadores? E desde quando
você é fã desse tal de Derek Jeter? Achava que você torcia para os 49ers.
– E torço – diz Tyler, bem devagar. – É que os 49ers são um time de
futebol americano, Eden.
– Como assim?
– Certo, chega – diz ele, balançando a cabeça e me encarando com uma
expressão zombeteira. – Tem vários campos no Central Park, então a gente
vai jogar beisebol. Você não vai embora desta cidade até aprender a amar o
esporte nacional. – Sem esperar que eu proteste, o que sabe que planejo
fazer, ele dá meia-volta e imediatamente sai do quarto. De costas, ele grita: –
Uma hora!
Eu reviro os olhos e fecho a porta. Posso odiar esportes, mas talvez não
seja uma má ideia. Tyler correndo, todo atlético e suado? Estou dentro.
Coloco o copo de café na mesinha de cabeceira, faço a cama do Tyler
rapidinho, então me abaixo para abrir a mala. Em algum momento tenho
que arrumar as coisas, quando descobrir onde devo pendurar as minhas
roupas. Pego algumas peças, termino o café e vou para o banheiro.
Tyler está perto da pia, bebendo um copo de água. Ele me vê chegar.
– Cadê o Stephen? – pergunto.
O apartamento está silencioso, ao contrário de ontem à noite. Só ouço a
água escorrendo na pia.
Tyler indica a porta fechada ao lado.
– Dormindo. Provavelmente só vai acordar de tarde.
Ele fecha a torneira e leva o copo aos lábios.
– Ele está na faculdade, né?
– Aham. – Ele dá um gole e se recosta no balcão. – Faz ciência da
computação. Alguma coisa de redes. Se forma ano que vem.
– Ele não tem cara de universitário – murmuro. Ontem à noite, me
lembro vagamente dele en ando duas fatias inteiras de pizza na boca
enquanto segurava uma garrafa de cerveja. Quanto mais penso nisso, mais
percebo que ele parece exatamente um cara que está na faculdade. Imagino
o que me espera. – Vou tomar um banho.
Ele assente e dá um passo para o lado, me deixando passar com pouca
folga, o que tento fazer da forma mais elegante possível. Mas ainda assim
acabo esbarrando no copo de água e derrubando algumas gotas na camisa
dele. Tyler revira os olhos e se afasta.
Tomo um banho rápido e visto um short jeans e um colete azul. Sem
saco para tirar o secador da mala, simplesmente prendo o cabelo úmido
num coque frouxo e decido car sem maquiagem. Rachael não aprovaria,
mas felizmente ela não está aqui para questionar meu desleixo.
Pego minhas coisas e volto para o quarto do Tyler. Snake ainda não
acordou. Tyler está vendo a previsão do tempo na TV, tão concentrado que
nem me vê passando atrás e entrando no quarto dele, que agora é meu.
En o as coisas de volta na mala, então tateio os bolsos do short. Nada.
Não me lembro da última vez em que peguei meu celular. Pode ter sido na
Times Square ontem de noite, porque me lembro de tirar fotos. Meus olhos
avaliam o quarto e avisto minha jaqueta, ainda largada no chão. Eu me
abaixo e veri co os bolsos, suspirando de alívio ao encontrar meu telefone.
Mas ele está totalmente sem bateria.
É neste momento que percebo que não falei com Dean desde que saí de
casa. Era para eu ter ligado quando o avião pousou. E antes de ir dormir. E
quando acordei. Na verdade, era para eu falar com ele o dia todo, todo dia.
Esse era o acordo. Mas não mandei nem uma única mensagem.
– Pronta?
Dou um pulo ao ouvir a voz de Tyler atrás de mim. Eu me viro e o vejo
parado à porta, com um taco de beisebol em uma das mãos e uma bola na
outra. Ele apoia o taco no ombro e sorri.
– Aham – respondo.
Só levei vinte minutos para me aprontar, não uma hora, mas não tem
por que car esperando. Com o tempo que sobrou eu sei que poderia ligar
para o Dean, mas meu celular está sem bateria. Também sei que poderia
ligar do telefone do Tyler, mas depois da nossa conversa de ontem à noite
acho que não seria apropriado pedir o celular dele emprestado para ligar
para o meu namorado. Seria quase como dar um tapa na cara dos dois ao
mesmo tempo.
Minha nossa, que pessoa horrível eu sou. Horrível mesmo.
– Um segundo – peço para Tyler.
Pego minha mochila e reviro todas as porcarias que joguei nela até por
m tirar o carregador lá do meio. Encontro uma tomada e conecto o celular
para que a bateria carregue enquanto a gente estiver fora. Vou ligar para
Dean quando voltar. Com sorte ele não vai estar tão chateado assim comigo.
– Vamos?
Tyler está apoiado no batente da porta, e eu faço que sim ao calçar meus
All Stars. Meus All Stars novos. Que ele me deu. Que me dizem para não
desistir.
– Aham, tudo certo – falo. Eu me levanto e coloco as mãos na cintura,
olhando para o taco de beisebol descon ada. Eu posso não saber como
jogar, mas sei que quero arrasar. – Tem certeza de que quer me ensinar?
– Absoluta – responde Tyler, se afastando da porta e me esperando na
sala de estar. Ele pega minha mão, a pele quente em contato com a minha, e
lentamente coloca a bola de beisebol na minha palma. Então fecha os dedos
ao redor dos meus. – Não que animada – comenta. – Não vou dar moleza.
– E nem precisa.
– Ainda bem. – Ele aperta minha mão e logo solta. Vai até a porta
casualmente, como se não tivesse acabado de encostar em mim de novo e
como se eu não tivesse parado de respirar por um segundo. Acho que ele faz
essas coisas de propósito, tipo tocar na minha mão ou pegar na minha
cintura. Aposto que ele sabe que isso me desconcerta. Aposto que ele sabe
que eu adoro. – Então, você vem?
Dou uma olhada por cima do ombro e então concluo que o cabelo dele
de nitivamente está um pouco maior do que me lembro. Com um corte
melhor, menos bagunçado. Sei lá como consigo não car encarando o tempo
todo. Dou um sorriso.
– Vamos.
Tyler dá uma olhada no apartamento antes de sairmos – ele até jogou
fora as garrafas de cerveja vazias enquanto eu estava me aprontando, pelo
que parece – e vamos embora, deixando Stephen dormindo em casa. No
elevador, entram conosco uma mulher e sua criança escandalosa, então não
temos como conversar enquanto a birra implacável se estende por todo o
trajeto dos doze andares. Eu tento não fazer contato visual, focando meu
olhar nas botas de Tyler. Aposto que ele está olhando para os meus tênis.
Nenhum de nós sorri.
Depois do constrangimento no elevador, cruzamos o saguão principal
até as portas, eu bem perto dele. Não consigo tirar os olhos de sua nuca, e
Tyler abre a porta para mim usando o taco de beisebol, o que gera alguns
olhares irritados dos passantes na calçada.
– Acho melhor você me devolver a bola, ou vão achar que estou prestes a
cometer um crime – diz ele, rindo, me esperando passar.
– Hum – digo, hesitando na calçada. Inclino a cabeça e o avalio, fazendo
graça. Ele balança o taco na mão esquerda. – É, você de nitivamente parece
prestes a espancar alguém. Acho que vou car com a bola mais um pouco...
Ele de repente bate o ombro com força no meu e arranca a bola da
minha mão. Não sei como, mas ele faz isso sem nem encostar em mim.
– Engraçadinha – diz, seco, mas está sorrindo enquanto joga a bola para
cima e a pega de volta. – Então – diz, sua voz mais grave do que um segundo
atrás –, beisebol. O esporte nacional.
Ele vira na 74th Street, e eu o acompanho, atravessando a ird Avenue
e depois passando pelas ruas estreitas. O trânsito da cidade está intenso,
tanto de veículos quanto de pedestres, e co pensando como seria se Nova
York um dia casse completamente imóvel. É impossível imaginar essas ruas
sem carros e pessoas e barulho. É impossível imaginar essa cidade sem essa
confusão.
Desvio das pessoas no caminho, me esforçando para não esbarrar em
ninguém, embora todo mundo pareça determinado a esbarrar em mim.
Recuo um pouco e me concentro em Tyler.
– O esporte nacional não é futebol americano?
– Eu nem vou me dignar a responder isso – retruca ele, segurando a bola
entre o polegar e o indicador, observando-a com intensidade, como se
nunca tivesse visto uma dessas antes. – Certo, Eden, o negócio é o seguinte:
beisebol é simples.
– Acertar a bola e correr?
– Sim, mas não – responde ele, balançando a cabeça e suspirando. – Não
é tão simples assim.
Era de se esperar que eu tivesse que me forçar a prestar atenção
enquanto ele me explica as regras, mas por incrível que pareça eu não
preciso ngir interesse. Quanto mais Tyler me fala todo animado sobre
beisebol, mais eu quero jogar. Ele explica que são nove entradas, cada uma
dividida em dois turnos. Não há limite de tempo. Cada time tem nove
jogadores. Ele me fala sobre as linhas de falta. O que arremessadores, elders
e batedores fazem. Algo sobre um shortstop. Ele me explica o que é um walk.
O que é um strikeout. Ele me diz até que existem três bases além da home
plate, apesar de eu já saber disso. E, por m, ele fala sobre home runs. Fala
como se fosse fácil.
E no tempo que leva para Tyler explicar tudo isso, jogando a bola para o
alto e balançando o taco em sincronia com as palavras, chegamos ao
perímetro do Central Park sem que eu nem perceba.
– Ai, meu Deus.
Olhando à direita, a mata parece se estender pela Quinta Avenida
in nitamente.
Tento procurar o m à esquerda, mas é a mesma coisa do outro lado.
Antes que eu me dê conta, atravessamos a Quinta Avenida e estou parada na
calçada em frente ao Central Park, encarando árvores. Muitas árvores.
– Eu sabia que era grande, mas não imaginei que fosse tão grande assim.
– Acho que tem mais de quatro quilômetros de norte a sul. E cerca de
um quilômetro de leste a oeste. – Olho para ele de canto de olho, surpresa
com essa exatidão toda. – Eu li em algum lugar – admite ele, envergonhado,
e dá de ombros.
– Onde cam os campos?
– Tem alguns no Great Lawn. Meio que no centro do parque, então
temos que ir para lá. – Ele ergue o taco e aponta para o norte da Quinta
Avenida. – Agora é provavelmente uma boa hora para avisar que eu só pisei
no Central Park, tipo, cinco vezes. Então se a gente acabar se perdendo, foi
mal.
– Cinco vezes? Em um ano? Morando bem do lado? – Eu o encaro de
boca aberta, sem acreditar, e ele ri.
– Não é muito a minha – diz ele, e então pega o celular do bolso da calça
jeans e abre o aplicativo de mapas. Ele avalia o aparelho por um segundo e
então diz: – Certo, por aqui.
Seguimos ao lado do muro que cerca o parque até chegarmos a uma
abertura que dá para um caminho de pedestres. Tem alguns carrinhos na
calçada vendendo cachorro-quente e pretzels, mas logo passamos por eles e
entramos no parque.
Os caminhos são cheios de curvas, com cercas que impedem o acesso às
árvores e aos arbustos, que estão, sem exagero, em todo lugar. Tudo é tão
verde que quase parece que minha visão está com um ltro. Para todo lugar
que olho, só vejo verde, verde, verde. É tão relaxante. As pessoas passam por
nós correndo, andando de bicicleta e patinando enquanto andamos sem
pressa. Quero observar a paisagem com calma, e Tyler não parece se
importar com a lentidão com que avançamos, porque ele segue bem ao meu
lado, balançando o taco de beisebol devagarinho.
– Tem um circuito, não tem? De corrida?
Não olho para ele ao falar, simplesmente porque não consigo tirar os
olhos desse cenário. É tão tranquilo e relaxante, tão diferente do restante de
Manhattan. É como se a gente tivesse entrado numa cidade totalmente
diferente.
– Tem, em volta do reservatório – responde Tyler, seguro, embora ele
mesmo tenha admitido que não conhece bem as coisas aqui.
Ele ca veri cando o celular a cada segundo quando acha que não estou
olhando, mas ainda assim vejo como ele franze a testa para a tela antes de
me dizer para onde ir.
Passamos por baixo de uma ponte, continuamos pelas trilhas,
atravessamos uma rua (o que me pega de surpresa, porque eu não tinha
ideia de que dava para passar de carro pelo parque) e continuamos na
direção norte pelo longo caminho que Tyler está indicando. Nem parece que
já estamos andando faz vinte minutos quando paramos para descansar em
um laguinho. Várias pessoas parecem ter tido a mesma ideia, sentadas
observando a paisagem. Depois de um tempo ali descobrimos que se chama
Turtle Pond. Quando pergunto para Tyler se o nome é porque tem
tartarugas no laguinho, ele só ri e fala:
– Dã.
Continuamos a andar, e em poucos minutos as árvores desaparecem e
dão lugar a uma clareira. É isso mesmo, o Great Lawn: um campo aberto
imenso, cercado por uma trilha que dá a volta no perímetro cercado. Se eu
forçar a vista, dá para ver o marrom da terra dos campos de beisebol.
– Tem um livre ali – aponta Tyler. Eu mal consigo ver os campos, quanto
mais se tem algum vago. Ele pigarreia e continua andando ao lado da cerca.
– Ainda lembra o que precisa fazer?
– Acertar a bola – respondo – e dar a volta nas bases até conseguir um
home run. A não ser que você seja idiota e se esforce para pegar a bola e me
tirar do jogo.
Tyler dá uma risada e passa a bola para mim. Sua pele nalmente
encosta na minha. Só por meio segundo, mas é o bastante.
– Já avisei, não vou pegar leve com você.
– Mas eu quero fazer um home run.
Ele não responde por um momento, só ca encarando uns turistas
tirando fotos em grupo. Parecem europeus. Tyler ca observando por um
longo minuto até trocar o taco de mão.
– Você não é o tipo de garota que gosta de bases?
– Como assim?
– Ah, você sabe – diz ele, sorrindo. – Bases. Você não quer parar nelas?
– Só se eu precisar.
Ele balança a cabeça e dá uma risada, baixinho desta vez. Pelo canto do
olho, percebo como ele acabou parando mais perto de mim do que estava há
menos de um minuto. Tem menos de cinco centímetros nos separando, no
máximo. Ele morde o lábio enquanto caminhamos.
– Você não acha que as bases são meio lentas? Primeira base, segunda
base, terceira base... É gostoso parar nelas, mas demora. Sou mais do tipo
que prefere fazer logo um home run.
De repente, o tom rouco da voz dele, e o brilho nos olhos, e seu jeito de
segurar o riso, tudo de repente faz sentido.
Diminuo o passo até ele se virar para mim. Seu olhar intenso encontra o
meu e quase co nervosa demais para formular a pergunta que está na
minha mente. Sinto minhas bochechas cando vermelhas, mas me forço a
dizer:
– Você está falando mesmo de beisebol?
Tyler dá um sorrisinho e baixa os olhos, a mandíbula tensa enquanto se
esforça para manter os lábios fechados e sérios. Mas ainda percebo os cantos
dos seus olhos se enrugando, e quando ele abre a boca para falar, sua voz
tem um tom ao mesmo tempo honesto e brincalhão.
– Talvez.
9

Olho para o céu. Está de um azul pálido, quase cinza, e passeio pelo cume
das árvores, acima da imensidão verde. Atrás, os prédios de Manhattan se
erguem. É tão lindo. Tão Nova York.
– Pronta?
Baixo o rosto e vejo Tyler, parado bem à minha frente, no montinho do
arremessador, com um sorriso brincalhão no rosto ao jogar a bola de uma
das mãos para a outra. Inclino o corpo um pouco para o lado e ergo o taco,
me preparando. Quero impressioná-lo.
– Com certeza.
– Olha para mim – avisa ele. Essa é a parte mais fácil. Olhar para ele? Rá.
Como se eu conseguisse olhar para outra coisa. – Você só tem que girar o
taco. Nem antes nem depois. A voz dele está rouca mesmo que esteja
falando alto, e tento me manter atenta à tarefa em vez de car pensando em
como a voz dele é deliciosa. – Você tem que girar o taco no momento exato.
Eu assinto e me preparo na posição, estreitando os olhos para a bola nas
mãos de Tyler. Por favor, acerta, digo para mim mesma. Por favor, não pague
mico.
Sorrindo, Tyler chuta a terra e me encara, com a testa franzida. Ele gira o
braço para trás com decisão e, em meio segundo, joga a bola. Ela vem
sibilando pelo ar, e eu entro em pânico, fechando os olhos ao girar o taco,
quase descolando o ombro. Erro feio, e a bola passa bem do lado do meu
rosto, me forçando a pular para a esquerda.
A risada de Tyler ecoa pelo campo, e eu faço cara feia para o nada.
Beisebol não é tão fácil quanto eu pensava.
– Vai, joga a bola de volta para mim! – grita ele.
Bufando, prendo o taco embaixo do braço e ando pisando duro pelo
gramado para pegar a bola, que foi rolando até ali perto. A primeira rodada
não conta. Eu vou acertar desta vez, com certeza. Eu me abaixo e pego a bola
antes de voltar numa corridinha para a home base, jogando a bola com
cuidado para Tyler, que ainda está rindo no meio do campo.
– Certo – diz ele por m, pigarreando. Ele sorri. – Você girou cedo
demais. Não entra em pânico dessa vez. Se concentra.
Eu aperto os lábios com força, me concentrando na bola nas mãos dele, e
me posiciono de novo. O taco está no ar acima do meu ombro, e não digo
nada, só espero.
Tyler assente uma vez e ergue o braço para jogar a bola. Ela vem girando
na minha direção, mas desta vez não entro em pânico, só co parada até o
momento certo. Com toda a minha força, giro o taco, e de repente ouço um
estalo ribombante.
Só percebo o que aconteceu quando vejo a bola fazendo a curva de volta
pelo campo, passando por cima da cabeça de Tyler, que ergue as
sobrancelhas, surpreso. Não vejo onde a bola foi parar, só percebo que ainda
estou parada na base. Mas não deveria. Eu deveria estar correndo.
Vou para a primeira base no exato momento em que Tyler começa a
correr para pegar a bola. Meu coração martela no peito e meus olhos quase
parecem embaçar, mas continuo, passando pela primeira base em segundos.
Estou indo para a segunda, mas vejo Tyler se virando e correndo de volta,
provavelmente tão rápido quanto eu. Tento aumentar a velocidade, quase
escorregando na terra quando contorno na segunda base. Eu quero fazer um
home run, penso. Quero muito, muito, fazer um home run.
– Não faz isso! – grito, de olho na terceira base, mas Tyler está cada vez
mais perto.
Ele falou sério. Não está pegando leve. Começo a entrar em pânico
quando ele se aproxima, me forçando a continuar correndo, o coração
disparado.
Mas quando estou a poucos metros da terceira base, o corpo de Tyler
surge na frente do meu, e nos atropelamos antes que eu consiga parar. Ele
segura minha cintura e me puxa para o chão consigo, e nós dois acabamos
caídos na terra.
Ele começa a rir enquanto tento recuperar o fôlego, estamos ofegantes. A
bola caiu a vários metros de nós.
– Não é justo – reclamo, mas não ligo muito.
Meu corpo está encostado no dele, e logo eu me viro e deito de costas.
Apoio a cabeça no chão ao lado dele, e camos os dois encarando o céu
cinzento. Está cando mais escuro.
– Eu queria fazer um home run.
– Bem-vinda ao mundo do beisebol – diz Tyler, mas ainda está rindo.
Depois de um tempo ele se acalma e suspira, sentando-se no chão. Seus
olhos verdes estão intensos. – Quanto você queria aquele home run?
– Mais que tudo – respondo, cruzando os braços e virando o rosto.
Ainda estou sem fôlego. – Eu queria ser bem fodona.
– Levanta – ordena Tyler. Sinto que ele se ergue ao meu lado, e seu corpo
alto lança uma sombra sobre mim, apesar de o sol não estar muito forte. –
Vem.
Com um suspiro, eu co de pé e limpo a roupa. Ergo as sobrancelhas,
intrigada, à espera de uma explicação. Tyler está sorrindo.
– Eu não cheguei na base nem devolvi a bola – diz ele, devagar, o sorriso
cada vez maior –, então você ainda está no jogo. O home run é todo seu. –
Ele deve perceber minha confusão, porque balança a cabeça. – Você não
estava ouvindo nada do que eu falei no caminho até aqui? Não prestou
atenção nas regras?
– Eu não estou fora?
Ele revira os olhos e nem se incomoda em responder. Em vez disso,
segura minha mão. Eu já deveria estar acostumada com a sensação, mas não
estou. Passamos tanto tempo sem nos vermos que agora o mínimo toque
dele me deixa atordoada. Não consigo entender por que as minhas mãos
parecem se encaixar mais perfeitamente nas dele do que nas de Dean. Pode
ser porque as mãos de Tyler são mais macias, enquanto as de Dean são
calejadas por trabalhar na o cina do pai. Poderia até ser porque as mãos de
Dean costumam ser frias e as de Tyler estão sempre quentes. Não sei. É
simplesmente diferente. Meu corpo nunca reage ao Dean da mesma maneira
que reage ao Tyler, e não consigo concluir se é porque sou mais apaixonada
por Tyler do que por Dean, ou se é simplesmente a culpa que faz meus
batimentos acelerarem. Por muitas razões, é errado Tyler e eu carmos
juntos. É errado não termos superado o que aconteceu entre nós. É errado
ertarmos pelas costas de Dean. É errado porque somos irmãos postiços.
Sempre será errado.
Tyler está me puxando atrás dele, a pele macia e quente. Nós saímos da
terceira base e atravessamos o campo, mas não estou prestando atenção.
Minha cabeça ainda está nas nossas mãos entrelaçadas, e no Dean, e na
bagunça que tudo isso está virando. Este verão vai ser um inferno, e eu
duvido que vá sobreviver até o nal das seis semanas aqui. Dean estava certo
em car preocupado. Estou passando as férias a quase cinco mil quilômetros
de distância do meu namorado com a pessoa por quem estou apaixonada.
Tem diferença entre amar e estar apaixonado? Porque acho que é a diferença
entre Tyler e Dean para mim.
Eu amo Dean, mas estou apaixonada por Tyler.
E pensar que eu achava que nada seria mais confuso do que biologia
avançada.
Depois de apenas alguns segundos, Tyler para. Ele solta a minha mão e
para na minha frente. Seus olhos cor de esmeralda me encaram enquanto ele
pousa a mão no meu quadril e baixa o rosto, assentindo para os meus pés.
Olho para o chão e só então percebo onde estou. Voltei para o home
plate, onde comecei. Chuto a placa com meus All Stars antes de encarar
Tyler, minha testa franzida.
Tyler leva um momento para engolir em seco, então aperta minha
cintura e dá um passo para trás. Baixinho, com um sorriso nos lábios, ele
diz:
– Conseguiu seu home run, fodona.
Continuamos a jogar até começar a chover. No início é só uma garoa, mas
pouco a pouco o céu ca escuro, e a chuva, mais pesada, e logo uma
tempestade cobre a cidade. Todo mundo parece ter abandonado seus
campos, e só eu e Tyler somos loucos o bastante para continuar. Por m,
quando meu cabelo já está totalmente encharcado e a camiseta do Tyler está
colada ao peito, decidimos parar.
Até corremos e caímos na risada. Não porque estamos ridículos ou
porque estamos correndo de um jeito estranho, mas simplesmente porque
essa bagunça é muito a nossa cara. Tyler toda hora ca para trás, e eu tenho
que parar e esperar por ele, porque não sei o caminho de volta. Volta e meia
tenho que fechar os olhos por causa da água e deixo a bola cair algumas
vezes na saída. Até meus All Stars novos estão esguichando. Fico com medo
de que a frase que Tyler escreveu desapareça, mas nem chega a borrar.
– Não estou acostumada com chuva! – grito quando pulo para a calçada,
tirando o cabelo molhado do rosto.
Respiro fundo e olho para a avenida. Tenho quase certeza de que temos
que virar à direita.
Tyler para ao meu lado, sem fôlego, o cabelo escorrido. Gotas de chuva
escorrem pela sua testa, mas ele nem tenta limpar.
– Parece que está esquecendo suas raízes de Portland, hein – diz ele, alto
o bastante para eu conseguir ouvi-lo mesmo com o estrondo da chuva no
concreto.
Reviro os olhos e dou um empurrão no ombro dele. Por outro lado, ele
tem razão. Nunca vou entender como aguentei viver com chuva assim quase
o ano inteiro. Depois de morar em Santa Monica por dois anos, agora estou
acostumada a sol e calor constantes.
– Pode acreditar, acho que nunca tive raízes em Portland mesmo – digo.
Ele me leva para a direita, como achei que faria. Aos poucos estou
conseguindo me localizar. – Odeio aquela cidade. A única coisa boa era o
café.
– Melhor que da Re nery?
– Sem dúvida.
Tyler só responde depois que atravessamos correndo a avenida e
voltamos para a 74th Street. Os turistas estão encharcados e chateados, mas
não posso julgá-los. Costuramos pela multidão úmida que ainda povoa as
calçadas, e Tyler olha para mim de canto de olho, com pingos grudados nos
cílios.
– Você ainda vai lá? Na Re nery?
– O tempo todo. – Acho que nunca comprei café em nenhum outro
lugar desde que pisei em Santa Monica. Seria quase uma traição. – Melhor
café da cidade.
– A gente já contou para você como descobriu aquele lugar?
– Porque ele por acaso ca na avenida principal?
– Rá. Não. – Ele dá um risinho e puxa o cabelo para trás. Já paramos de
correr, embora a chuva esteja tão forte quanto antes, e ele gira o taco nas
mãos. – No primeiro ano, matávamos aula depois do almoço e ia para o
centro porque queria que todo mundo nos visse. Até hoje não entendo.
Éramos idiotas. – Ele balança a cabeça e ri. – A Rachael precisava usar o
banheiro e estávamos passando pela Re nery, então ela entrou correndo e
implorou para usar o deles. Mas não queriam deixar porque ela não tinha
comprado nada, então ela comprou um mocha. – Seus lábios se abrem num
sorriso suave, como se ele gostasse da lembrança do dilema urinário de
Rachael. – Ela voltou correndo e falou para nós que o café lá era incrível, aí
acabamos passando tipo cinco horas lá, e começamos a frequentar o lugar
quase todo dia.
Estudo a expressão calorosa dele e tento imaginar aquilo, todos eles
juntos. É difícil pensar nisso agora. Depois da formatura, todos seguiram
caminhos diferentes. Tyler se mudou para Nova York. Jake foi para Ohio,
Tiffani, para Santa Barbara. Meghan está em Utah. Tanta coisa mudou em
um ano.
– Você ainda fala com todos eles?
O sorriso de Tyler logo muda, quase cando triste, e ele balança a cabeça
devagar.
– Só com o Dean, praticamente. Às vezes com a Rachael – diz ele. –
Quer dizer, a Meghan meio que sumiu com aquele Jared, e Jake continua um
babaca. Sabia que ele está saindo com três garotas ao mesmo tempo?
– Da última vez que comentaram, eram só duas – murmuro. Jake não
mantém muito contato com a gente, mas quando decide mandar uma
mensagem normalmente é para o Dean, informando o total de garotas que
conquistou em Ohio. Dean nunca responde. – Eu sabia que essa história de
relacionamento a distância não ia funcionar para ele e para a Tiffani, mas
pelo menos achei que duraria mais que três semanas.
– Tiffani precisa de um cara do lado, e Jake, de uma garota. É claro que
não ia dar certo.
Desvio o olhar dele por um momento e encaro o trânsito, todos os
limpadores de para-brisa se movendo na maior velocidade possível. Engulo
em seco e aperto a bola de beisebol com força.
– Você fala com ela?
– Com a Tiffani? – Sinto os olhos de Tyler em mim, mas estou com
medo demais para encará-lo. Fico olhando para a calçada, para meus tênis,
enquanto andamos. Ele interpreta meu silêncio como um sim. – Que
pergunta idiota. Você fala com ela?
– Não – respondo.
Tyler não diz mais nada. Só dá um leve suspiro, girando o taco com mais
força. Ele mantém o olhar ao longe, e duvido que se volte para mim tão
cedo. Ele odeia quando eu falo nela. Ninguém gosta muito de falar de ex,
especialmente quando a ex é a Tiffani. Ela infernizou a vida do Tyler e,
quando descobriu o que estava acontecendo entre nós dois, passou a nos
odiar, tenho certeza.
– Então, quando a Rachael e a Meghan chegam?
Ergo a sobrancelha, intrigada com a mudança repentina de assunto, mas
não ligo. Também não gosto muito de falar sobre a Tiffani.
– Dia 16. A Meghan ainda vai estar na Europa com Jared até lá, então
vão fazer a viagem de aniversário um pouco depois do planejado.
– Então imagino que você vai me abandonar para car um pouco com
elas?
Tento olhar para ele, mas ele está determinado a encarar a calçada. A
essa altura acho que nós dois não ligamos mais de estarmos ensopados.
Caminhamos devagar.
– Ei – falo –, elas só vão passar alguns dias aqui. Eu teria vindo com elas
se já não estivesse aqui.
Finalmente ele se vira para mim, com um sorriso.
– Ainda bem que eu falei primeiro.
Cruzamos a ird Avenue e estamos quase chegando ao prédio dele. Só
a visão do edifício e a expectativa de nalmente me secar já são o su ciente
para me fazer dar uma corridinha pelos últimos metros. Tyler me segue, e
nós dois entramos correndo e pingando no hall silencioso. Ficamos ali
parados por um momento, tentando nos recompor, até por m Tyler cair na
risada.
Finalmente ele passa a mão no rosto para se enxugar um pouco.
– Talvez hoje tenha sido um dia ruim para jogar beisebol.
– Não me diga – resmungo, mas estou sorrindo.
Sem hesitar mais, vamos para o elevador, deixando uma trilha molhada
no lobby do prédio. Ainda estamos rindo à toa, e parte de mim se pergunta
se não é só o efeito de um banho de chuva, mas logo percebo que não é o
clima que está nos fazendo rir; estamos mesmo de bom humor. Tento torcer
a camiseta ao seguir Tyler pelo corredor até o apartamento.
Somos recebidos por Snake, que está sentado no carpete encostado em
um dos sofás. Está digitando no celular. No início ele nem tira os olhos do
aparelho, mas por m decide notar nossa presença.
Quando isso acontece, ele arregala os olhos e nos observa por um
momento antes de perguntar:
– O que aconteceu com vocês dois? Decidiram pular na merda do
Hudson?
– Você sabe que está chovendo, né? – Tyler dá uma risadinha, então se
vira e vai para a cozinha, largando o taco de beisebol na bancada e entrando
no banheiro. Alguns segundos depois ele volta com duas toalhas. – Sabe...
Chovendo pra cacete?
– Desde quando? – pergunta Snake, totalmente por fora. Ele estica o
pescoço, olhando para as janelas, antes de murmurar: – Caraca, verdade. –
Ele dá uma olhada para Tyler. – Eu estava ocupado demais com as meninas
do 1201 e nem percebi.
– O quê? – Faço cara feia quando ele me encara.
– O apartamento um pouco antes do nosso – resmunga Tyler antes que
Snake responda. Ele para ao meu lado e me passa uma toalha, que aceito
com um sorriso de gratidão. – São umas meninas da faculdade. Irritantes
demais.
Ele se inclina para a frente e seca o cabelo.
– Hum – reclama Snake depois de um segundo. – Você não achava as
garotas irritantes quando estavam tomando shots na barriga um do outro
mês passado.
– Aquilo foi uma aposta – intervém Tyler, levantando a cabeça
bruscamente, todo despenteado. Se eu não estivesse tão focada nas palavras
de Snake talvez até achasse engraçadinho. – Uma aposta sua, inclusive.
Snake dá uma risada, que faz o nariz car meio torto, como se já tivesse
quebrado.
– Mas você não reclamou de pagar.
Tyler balança a cabeça, mas ainda estou esperando que ele diga algo. Se
defenda. Quem sabe até que diga que é tudo uma brincadeira do Snake.
Quem são essas meninas do apartamento 1201? Garotas da faculdade?
Aposto que são lindas. Aposto que são superinteligentes. Aposto que eles
saem juntos sempre.
– Vou ligar para o Dean – solto.
Nem sei por que isso sequer passou pela minha cabeça, mas só então
percebo que preciso mesmo, sem falta, ligar para ele. Já passou da hora, e
quase ouço meu celular gritar meu nome do quarto do Tyler. Então dou a
volta, com a toalha nas mãos, e sigo para o quarto dele. Ou meu. Sei lá.
Vejo Tyler franzir a testa quando fecho a porta e me sinto tentada a abrir
um sorriso de desculpas para ele, mas então lembro dos shots na barriga de
sei lá quem. Desvio o olhar e fecho a porta, inexpressiva. Mas isso não dura
muito tempo; logo estou mordendo o lábio ao pegar o telefone e ligar para
Dean.
O som monótono da chamada quase me deixa enjoada. Se eu pudesse,
evitaria entrar em contato com ele nas próximas seis semanas. Seis semanas
para colocar minha cabeça em ordem, para decidir se quero continuar com
ele ou não. Agora estou ocupada demais tentando entender o que sinto pelo
Tyler. Seria melhor se pudesse entender o que sinto pelo Dean depois, mas
aparentemente tenho que lidar com tudo isso agora, ao mesmo tempo. Estou
indo e vindo entre eles, tentando não magoar ninguém, mas já está difícil.
Não consigo imaginar nenhuma maneira de resolver isso.
– Então você está viva – resmunga a voz de Dean no meu ouvido, seu
cumprimento repentino trazendo minha atenção de volta à ligação.
Já me arrependo só de ouvir o tom de desdém.
– Me desculpa – digo, quase querendo bufar, mas, por ele, me seguro. –
Fiquei tão enrolada com tudo e aí meu celular cou sem bateria e...
– E o quê? Não tem telefone xo em Nova York? Não tem telefone
público?
Afasto o celular do ouvido e faço uma careta. Droga. Parte de mim quer
desligar na hora por conta dessa atitude amarga dele, mas o restante parece
ter o bom senso de saber que isso só pioraria a situação. Então aproximo de
novo o celular.
– Eu estou aqui há menos de 24 horas. Pega leve. Do jeito que você está
falando parece que não ligo faz uma semana. Eu cheguei. Estou viva. –
Trinco os dentes e me sento no canto da cama de Tyler. O colchão é macio,
mas não estou nada confortável. – E a cidade é incrível, obrigada por
perguntar.
Dean não responde logo. Só ca em silêncio, e a única coisa que ouço é
sua respiração. Lenta e profunda.
– Foi mal – resmunga ele depois de um tempo. – É só que você está do
outro lado do país e eu não posso te ver todo dia. Preciso pelo menos
conseguir falar com você. É o mínimo que você me deve.
– Eu sei. – Dou uma olhada no quarto do Tyler, ansiosa para achar algo
em que me concentrar, mas só encontro a toalha no meu colo. Nem percebi
que ainda estava segurando a bola de beisebol também. Aperto com força.
Está fria e meio molhada. – Vou tentar ligar mais.
– Melhor mesmo – retruca Dean, mas com a voz mais tranquila. – Quer
me deixar doido aqui?
– Só tenta não pensar em mim – brinco. Depois que as palavras saem
dos meus lábios, porém, percebo que nem é mentira. Não quero que Dean
pense em mim. Estou ocupada demais pensando em Tyler para prestar a
mesma atenção em Dean. – Sério – insisto —, não pensa em mim.
– Não é tão fácil.
Solto um suspiro longe do fone para ele não perceber, então jogo a bola
no chão e me jogo de costas na cama de Tyler, cobrindo o rosto com a
toalha.
– Você ainda está bravo comigo por ter vindo para cá?
– Eu nunca quei bravo, Eden – diz Dean, baixinho, com delicadeza.
Mas eu queria que tivesse cado. No fundo ouço o ronco de motores e o eco
fraco do rádio. Ele deve estar no trabalho. – Só decepcionado por você ter
preferido passar suas últimas férias comigo... longe de mim. A gente quase
não vai se ver depois do começo das aulas, e você sabe disso, e ainda assim
decidiu levar adiante essa ideia de Nova York.
– É Nova York, Dean. Nova York.
E Tyler, Tyler, Tyler, Tyler. In nitamente.
– Desculpa, você tem razão. É Nova York – repente Dean, a voz cando
amarga de novo, mais grossa. – Sinto muito por não poder competir com a
Times Square ou com o Central Park. Sinto muito que eu seja um merda em
comparação a isso.
– Não foi o que eu quis dizer...
– Tenho que voltar ao trabalho. – Dean em geral é sempre tão fofo, mas
agora sua voz está ríspida. – Aproveite a cidade. Sabe, que é tão melhor que
tudo.
Ele desliga antes que eu possa responder.
Fico ali parada, boquiaberta, por um minuto. Não acredito que Dean
desligou na minha cara assim. Furiosa com ele, trinco os dentes e me
levanto, enrolando a toalha no cabelo úmido. Tudo que eu quero é voltar
para perto de Tyler, esquecer Dean e esse showzinho ridículo, então abro a
porta do quarto e vou para a sala.
Snake ainda está no celular, mas agora de pé, apoiado no balcão da
cozinha. Ele olha para mim sem levantar a cabeça e faz uma cara estranha,
como se quisesse rir da toalha enrolada na minha cabeça.
– Cadê o Tyler?
– Você está um minuto e meio atrasada – diz ele. – Acabou de ir embora.
Teve que dar uma saída.
– Por quê?
– A Emily pediu a ajuda dele com alguma coisa. Pediu um favor.
Ele dá de ombros.
– Emily? – repito. Algo em mim se revira, como se eu literalmente
sentisse meu estômago dar um nó. Emily? Engulo em seco. – Quem é essa?
Agora sim Snake ergue a cabeça.
– Ele nunca falou dela para você?
10

Por exatamente quarenta minutos, não consigo car parada. Mordo o lábio,
roo as unhas, ando de um lado para outro. De vez em quando acho que vou
vomitar, mas prendo a respiração para ver se melhora. Estou tão nervosa.
Com tanto medo. E tanta raiva. Quem é Emily e por que só descobri que ela
existe agora?
– Qual o seu problema? – pergunta Snake, esticando o pescoço para me
encarar do outro lado da sala.
Ele está assistindo a um documentário sobre uma queda de avião faz
meia hora e até tira o som da TV por um instante para prestar atenção em
mim.
– Não tem problema nenhum – minto.
Parada na cozinha, seguro a bancada com força e tento olhar para ele,
mas abrindo um sorriso, com medo que ele note meu pânico.
– Ela é legal – diz Snake, numa tentativa de me acalmar. Mas não ajuda
muito. Na verdade, só piora as coisas. – Ela é inglesa.
– Inglesa? – repito.
Que ótimo. Sotaque fofo. Diferente. Não tenho a menor chance contra
uma inglesa. De jeito nenhum.
– É, de Londres. – Snake ri e volta para a TV, aumentando o volume de
novo. – Toda vez que ela fala co com vontade de ver Harry Potter.
Ele deve me achar esquisita. Deve estar se perguntando por que estou
tão nervosa. Quer dizer, qual o problema do meu irmão postiço sair com
uma menina? Qual o problema de essa menina talvez ser mais que uma
amiga? É isso. Não seria um problema se ele fosse apenas meu irmão
postiço. Não me incomodaria se eu não estivesse tão apaixonada por ele.
Mas a verdade é que eu nem sei quem é essa menina. Não sei por que
Tyler nunca falou dela. E se eles estiverem saindo? E se tudo que ele falou
ontem foi mentira?
Fico enjoada de novo e tento afastar os pensamentos até meu estômago
voltar ao normal. Estou prestes a me virar para pegar um copo no armário
quando ouço a porta do apartamento se abrindo. Meus olhos imediatamente
se voltam naquela direção, e vejo Tyler entrar, arrastando uma mala atrás de
si. Uma mala rosa-choque. Ele para e abre mais a porta.
Tem uma garota ao lado.
Eu quase dou um soco no balcão só de vê-la.
É mais alta que eu, porém mais baixa que Tyler, e tem uma pele corada.
O cabelo é liso (e está úmido), na altura do peito, gradualmente mais claro
nas pontas. Ela entrelaça os dedos, parecendo nervosa. Seus olhos são
brilhantes, mas estão inchados. E ela é bonita. Bem bonita mesmo. Uma
beleza natural e simples.
Snake não só tira o som, como desliga a TV. Vira-se e cruza os braços
nas costas do sofá, curioso.
– Tyler – começa. – Posso perguntar por que está virando um hábito
você chegar em casa com uma menina e uma mala?
Ele faz um gesto com a cabeça na minha direção.
– Oi, Snake – murmura a menina com um sorriso triste, a voz
envergonhada.
E o sotaque? O sotaque é britânico. Sem dúvida aquela é Emily.
A única coisa que consigo pensar é: Que droga ela está fazendo aqui?
– Oi – responde Snake. – E aí?
Tyler chuta a porta para fechá-la, seguindo até o meio da sala, mas Emily
continua no mesmo lugar. Ele pigarreia, olhando para Snake, mas ainda não
olhou para mim.
– A Emily vai car aqui um tempinho.
Ficar aqui? Ficar aqui? Minha vontade é gritar até quebrar todos os
vidros do apartamento, mas estou paralisada, a garganta seca demais para
emitir qualquer som. Cravo as unhas no balcão.
– Nada de perguntas – completa Tyler, olhando para Snake com um
olhar sério antes que o amigo abra a boca.
– Sério – diz Emily, correndo para perto de Tyler –, se for incomodar
muito...
– Não, problema nenhum. – O tom dele é rme.
– Tem certeza?
Quero que ela pare de falar. Quero que o sotaque dela desapareça. Quero
que ela vá embora. Mas sei que nenhuma dessas coisas vai acontecer, então
tento me controlar e respiração fundo.
– Tenho – diz Tyler. – A gente só está, hum, com falta de camas. Snake?
– Claro, ela pode dormir comigo – concorda Snake, com um sorrisinho
que logo some quando Tyler franze a testa para ele. – Tá bom, tá bom. – Ele
bufa. – Eu durmo no sofá que nem você. Ela pode car no meu quarto.
– Pronto – diz Tyler, sorrindo para tranquilizar Emily, e então inclina a
cabeça na minha direção. É como se ele nem tivesse percebido que estou
parada aqui esse tempo todo, porque arregala os olhos e faz um gesto para
eu me aproximar. Eu nem pisco. – Emily – diz, assentindo para mim –, essa
é a minha irmã postiça, Eden.
Devagar, ela abre um sorriso caloroso. Está prestes a responder, me
perguntar como estou ou dizer como é ótimo me conhecer ou só dar um oi,
mas não me aguento. Não aguento estar no mesmo cômodo que ela e não
aguento a ideia de Tyler ter uma namorada.
Então, antes que ela possa falar qualquer coisa, saio a passos rmes,
passando na frente de Tyler e Emily o mais rápido que posso sem encará-los.
Tenho a sensação de que vou começar a chorar a qualquer momento, e
quando entro no quarto do Tyler e bato a porta, dou um suspiro de alívio
por estar longe deles.
Meu coração está batendo tão rápido que sinto a vibração nos ouvidos, e
só então percebo como estou ofegante. Não sei por que estou tão nervosa.
Primeiro acho que é só raiva. Raiva de Tyler por nunca ter falado que estava
saindo com outra garota, raiva por ele ter me falado tudo que falou ontem à
noite, me dando falsas esperanças. Mas, por algum motivo, percebo que não
estou tão furiosa. Só decepcionada e sem jeito. Então, devagar, percebo que
não estou nem um pouco com raiva. Estou com ciúmes. Inacreditavelmente
com ciúmes.
A porta se abre, encerrando meus quinze segundos de privacidade, e
Tyler entra no quarto, murmurando:
– Mas que merda foi aquela?
Até olhar para ele me dói, então quando ele fecha a porta devagar, cruzo
os braços e me viro de costas.
– Nem tenta me apresentar sua namorada depois de me dizer ontem à
noite que não me esqueceu – disparo, com desprezo.
Por que essa menina tem que car aqui? Por que tem que estragar meu
verão que mal começou?
– Namorada? – repete Tyler. – Você acha que ela é minha namorada?
Dou uma olhada por cima do ombro. Acho que meu coração parou por
um segundo.
– Não é?
– Nossa, Eden, não. – Ele balança a cabeça e dá uma risada, o que me
tranquiliza. Até revira os olhos. – Emily é só minha amiga. Ela participou
dos eventos comigo.
Sinto uma onda de alívio tomar meu corpo, mas tento não parecer muito
animada. Permaneço calma, olhando para ele.
– Como você nunca falou dela para mim?
– Sinceramente, sei lá – murmura ele, passando por mim e se sentando
na cama com as mãos entre os joelhos. – Eu nunca falei das pessoas com
quem viajei. Bem, na verdade falei, só nunca dei nomes.
Eu sei pelo olhar dele que está falando a verdade, então suspiro e me
sento ao seu lado. E me certi co de deixar alguns centímetros entre nós.
– Por que ela vai car aqui?
– Porque precisa de um lugar para car – responde ele. – Está com uns
problemas. Ela é da Inglaterra.
– Percebi – resmungo, meio irritada. Não quero parecer mal-humorada,
mas não consigo evitar. Dando uma olhada furtiva para Tyler, repasso suas
palavras rapidamente. Eles não estão namorando. São só amigos. Fizeram os
eventos juntos... pela Costa Leste, falando sobre as consequências do abuso e
contando suas histórias como sobreviventes. Levo um dos dedos aos lábios e
encaro Tyler até ele olhar para mim. – Se ela estava com você nesses eventos,
isso signi ca que...?
Tyler engole em seco, desviando o olhar para o chão.
– Pois é. Não sicamente – explica ele depois de um momento de
silêncio, a voz quase frágil. – Emocionalmente. Ela é muito sensível, então
pensa bem nas coisas que vai falar para ela.
Solto um gemido e escondo o rosto nas mãos. Coloco a cabeça entre os
joelhos e desejo não ter tirado conclusões precipitadas e saído batendo pé na
frente da menina.
– Ela deve me achar uma escrota mal-educada.
– Isso é.
Empurro o ombro dele, revirando os olhos. Não estou mais chateada, e
sim relaxada e feliz.
– Achei que você estivesse saindo com ela. Quem pode me julgar?
– E me imaginar com outra pessoa deixou você nervosa? Fez você
perder a cabeça desse jeito? – Ele sorri, levantando-se e parando, alto e com
aquele olhar intenso, diante de mim. Devagar, ele pega minhas mãos e me
levanta, mas não me solta, só pousa as mãos nos meus ombros, me
envolvendo com rmeza e me dando um abraço forte. – Você é tão viciada
assim em mim, Eden Munro?
Eu o abraço também, logo acima da cintura.
– Bem que você queria – respondo, brincando, mas é mentira.
Com sorte ele não vai perceber.
Inclino a cabeça para trás para olhar Tyler e quase bato a testa no seu
queixo quando ele sorri para mim, com os olhos brilhando.
– Então, sobre a Emily... – começa ele, aproximando o rosto do meu, e de
início acho que ele talvez esteja tentando me beijar, mas não. Ele só me
abraça de novo e apoia o rosto no meu ombro esquerdo. – Você não precisa
se preocupar – sussurra, a respiração quente na minha bochecha. – Porque,
gata, eu sou todo seu.
11

Chove até sábado. Sem parar, por três dias seguidos, com no máximo uma
hora de descanso, só o su ciente para acharmos que o sol vai voltar, e aí
começa de novo. A chuva alterna entre garoas nas e tempestades
torrenciais.
Então, por três dias, camos assistindo aos lmes do Harry Potter. Todos
os oito, duas vezes cada. Foi sugestão do Snake, é claro, e tudo porque Emily
e seu sotaque britânico decidiram dar as caras. Depois de um tempo eu
consegui reunir coragem e pedir desculpas por ter sido tão grossa, então a
tensão entre nós passou. Até que é legal car em casa sem fazer nada, nós
quatro enrolados em cobertores, cercados por caixas de pizza e garrafas de
cerveja. Mais uma sugestão do Snake. Ninguém tem energia para sugerir
outra coisa, e, para ser sincera, estamos todos felizes com esse estilo de vida
que de repente adotamos. À noite camos sem cerveja, e no terceiro dia
começamos a pedir comida chinesa em vez de pizza. Tyler não está muito
satisfeito com nossas escolhas alimentares, e a essa altura estou começando a
me sentir culpada por tanta porcaria, então deixamos a comida chinesa para
Snake e Emily. Perto da meia-noite do terceiro dia, chegamos ao oitavo lme
pela segunda vez, e não consigo mais manter os olhos abertos.
Acabo pegando no sono no sofá, com a cabeça no ombro do Tyler, um
cobertor imenso nos cobrindo. Com os olhos entreabertos, tento olhar para
Snake e Emily na penumbra, iluminados apenas pela luz da TV. Estão no
sofá ao lado do nosso, os dois no terceiro sono. Snake está de boca aberta, a
cabeça recostada no sofá, e Emily está com o rosto aninhado no peito dele.
Prestando atenção, dá para ouvir alguém roncando baixinho.
– Ainda está acordada? – sussurra Tyler, com a voz rouca.
– Aham – respondo.
Meus olhos estão fechados, e puxo o cobertor mais para perto do nosso
rosto, apesar de já estarmos bem aquecidos. Estamos na mesma posição faz
horas.
– Pode ir para a cama se quiser – diz ele, a voz ainda baixa. – Não precisa
car aqui.
Sonolenta, abro um leve sorriso na escuridão. Inclino o corpo para perto
dele, apoiando a mão em seu peito e escondendo o rosto em seu ombro.
– Eu quero car aqui – sussurro.
Então adormeço sentindo o peito de Tyler subindo e descendo, sua
respiração suave aquecendo meu rosto. Adormeço com ele brincando com o
meu cabelo, o queixo apoiado na minha testa. Pego no sono nos braços da
pessoa por quem estou apaixonada, com o som suave da chuva batendo na
janela. No m, adormeço sem que um sorriso jamais deixe meus lábios.

Já é sábado de manhã quando nalmente desperto. Acordo com muito calor,


sede e, por incrível que pareça, estreitando os olhos para a luz entrando
pelas janelas. Levo um momento para assimilar o fato de que nalmente o
sol saiu, e ainda mais para perceber que o apartamento está silencioso pela
primeira vez em dias. Silencioso porque não tem chuva. Sem gotas batendo
nas janelas.
Esfregando os olhos, bocejo e empurro o cobertor, que está quase me
sufocando. O calor é quase insuportável, e jogo a coberta o mais longe
possível. Cai perto do sofá onde Snake e Emily ainda estão dormindo
pesado demais para notar. A TV desligou sozinha, e sinto o cheiro da
comida chinesa de ontem. Com cuidado, levanto a cabeça, o pescoço
dolorido, e dou uma olhada à esquerda, torcendo para ver Tyler ainda
dormindo, porque nas poucas vezes em que vi isso ele estava muito fofo.
Mas ele não está aqui. Não está ao meu lado. Tudo que vejo é a marca que
meu corpo deixou no couro do sofá.
De repente estou totalmente desperta. Eu me levanto imediatamente,
observando o apartamento. Meus olhos vão parar no relógio acima da
geladeira. São quase oito da manhã.
Começo a me perguntar se Tyler foi para o quarto durante a noite, talvez
se sentindo desconfortável no sofá e sonhando com o colchão macio, mas
assim que pensar em dar uma olhada, a porta do banheiro se abre.
Tyler entra na cozinha só de toalha. Ao passar a mão pelo cabelo
molhado, percebe que estou observando. Ele ca paralisado e uma onda de
pânico domina seu rosto, que desaparece segundos depois.
– Eu não sabia que você estava acordada – diz ele.
Nervoso, seus olhos se voltam para todos os lugares, menos para mim, e
ele se vira para abrir a geladeira.
– Também não sabia que você já tinha acordado – murmuro, mas não
estou focada nas minhas palavras.
Minha atenção está toda voltada para o corpo de Tyler enquanto ele
procura alguma coisa na geladeira. Minha garganta ca seca, meus olhos
dançam pelo seu corpo lentamente.
É óbvio que ele está malhando bastante, porque sem dúvida o corpo dele
não é o mesmo de antes. Tudo está muito mais de nido. Os braços, por
exemplo, estão fortes mas não exagerados, e a barriga está com gominhos
bem visíveis. Até me pego pensando se ele já tinha aquele V no abdômen tão
de nido. Está muito impressionante, atraindo meu olhar diretamente para a
borda da toalha embaixo da barriga. De repente me sinto culpada, então
engulo em seco e tento desviar o olhar, mas é difícil demais. Acho que
minhas bochechas já devem estar mais vermelhas que um tomate.
– Graças a Deus parou de chover – gaguejo.
– É – concorda ele, fechando a porta da geladeira, com um shake de
proteína na mão. – Se eu tivesse que ver todos os lmes do Harry Potter pela
terceira vez, acho que ia enlouquecer. Mas acho que a gente pode sair hoje,
nalmente. Você ainda não viu nada de Manhattan.
– Eu topo qualquer coisa. Só preciso sair. Estou pensando até em dar
uma corrida. Sabe, em volta do reservatório do Central Park.
Tyler parece car na dúvida, e não consigo entender por que está me
olhando desse jeito até ele esfregar a nuca e dar de ombros.
– Sua mãe falou que me mata se eu deixar você sozinha na cidade.
– Eu tenho dezoito anos, Tyler – relembro, com um suspiro. Isso não me
surpreende, para ser sincera. Minha mãe sempre foi superprotetora e agora
está ainda mais. – Fica a dois quarteirões daqui. Ela nunca vai saber.
Ele ri e revira os olhos.
– Então volta antes do almoço.
Brincando, ele me dá um esbarrão com seu corpo seminu, fazendo o
meu formigar. Agora não vou conseguir parar de pensar em beijá-lo.
É ainda mais tentador quando acabamos juntos no quarto: eu entro para
pegar minhas coisas de corrida, e ele para se vestir. Pego o que preciso o
mais rápido que consigo e saio sem jeito, antes de ser acometida por mais
pensamentos inapropriados. Entro correndo no banheiro e me apronto,
então encho uma garrafa de água e cinco minutos depois estou de saída,
prometendo a Tyler que em pouco tempo estarei de volta.
É tão bom poder sair, sentir o ar fresco no rosto em vez do bafo da sala
com que nos acostumamos nos últimos dias. A cidade parece lotada, ainda
mais que o normal, e as calçadas estão tão cheias que não consigo andar sem
me chocar com alguém. É ótimo ouvir o barulho da cidade de novo, então
me vejo começando a correr antes mesmo de chegar ao Central Park,
desviando rapidamente do uxo de pedestres. Consigo pegar um mapa em
uma das entradas do parque do outro lado da 76th Street, então traço com
facilidade a rota até a pista de corrida em torno do reservatório.
Encontro o lugar cheio, com pessoas correndo, fazendo jogging ou
caminhando, então me misturo a elas. Meu plano era dar só uma volta
completa, mas é tão relaxante e gostoso que acabo fazendo mais duas voltas,
batendo os sete quilômetros. É a primeira vez que corro desde que cheguei a
Nova York e agora estou totalmente convencida de que o Central Park é um
dos lugares mais lindos para uma corrida. Tem algo muito revigorante em
estar cercada pelo verde e pelo lago, algo diferente e lindo em vez da vista do
píer de Santa Monica que vejo todo dia. Estou cando de saco cheio da
praia. Pre ro as árvores.
Em menos de uma hora, já estou de volta ao prédio, sã e salva. Além do
suor do exercício, está muito calor, e chego morrendo de vontade de tomar
um banho frio. Mas isso não me impede de subir de escada, só para
terminar o treino. Depois de subir rapidamente os doze andares, bato, sem
fôlego, na porta de Tyler.
Infelizmente, é Emily quem abre, os olhos avaliando meu corpo
esbaforido.
– Tudo bem?
– Estou ótima – respondo.
Pode parecer que estou morrendo, mas não. Só me esforcei muito, e
adoro a sensação de satisfação que o exercício proporciona, mesmo estando
tão ofegante e com dor nas pernas.
– Estamos saindo em uma hora – diz Emily quando entro, as mãos nos
quadris enquanto recupero o fôlego. Dou uma olhada descon ada quando
ela fecha a porta. – Vamos descer até a Union Square e depois voltar, então
espero que você não esteja cansada demais.
– É muito longe?
Ela dá de ombros e vai para a sala.
– Uns cinco quilômetros? Estou chutando.
– São mais de cinquenta quarteirões – diz Tyler atrás de mim, e quando
me viro ele está se aproximando, ajeitando a camisa de anela, dobrando as
mangas até os cotovelos. – Vamos descer direto pela Quinta Avenida.
Quando ele falou mais cedo sobre sair hoje, não imaginei que os planos
incluiriam Emily e provavelmente Snake também. Estava pensando mais
numa coisa só nós dois, como antes, e pelo visto me enganei. Mas talvez não
seja uma ideia tão ruim assim passar o dia com eles, então sorrio e digo:
– Ótimo. Vou tomar um banho.

Um pouco depois das dez os quatro estávamos vestidos e prontos para sair.
Snake não cou tão animado com a caminhada de cinco quilômetros, mas
veio assim mesmo. Cruzamos cinco quarteirões até a Quinta Avenida, com o
sol na cabeça, e acho que deve ser o dia mais quente desde que cheguei aqui.
De fato, não explorei tanto a Quinta Avenida com Tyler. É fascinante
caminhar por ela, mas eu jamais entraria nas lojas. São caras demais. Me
lembra o Santa Monica Place, mas dez vezes maior e mais luxuoso, com lojas
tipo Gucci, Cartier, Rolex, Versace, Louis Vuitton e Prada, tudo na mesma
rua. É óbvio que seja uma das ruas mais caras do mundo.
Mas não tem só lojas caras aqui. Passamos pela biblioteca pública de
Nova York e pela exposição do Saturday Night Live e então, nalmente, pelo
Empire State Building, que eu não tinha visto até agora. É imenso,
sobressaindo-se em meio a todos os outros prédios em volta; até a fachada é
linda. Tyler, Snake e Emily não reclamam quando passo alguns minutos
admirando o ponto turístico icônico, tirando fotos junto com todos os
outros turistas, até que en m eles me carregam para longe. Chegamos ao
Madison Square Park em seguida e atravessamos, passando pelo Flatiron
Building. A arquitetura é maravilhosa, tão estranha e incrível e, novamente,
tão icônica, que paro. Sei que Tyler, Snake e Emily já viram tudo isso, mas
para mim é outro lembrete de que realmente estou aqui em Nova York. Tiro
mais algumas fotos antes de continuarmos. Descemos a Broadway até,
nalmente, uma hora e meia depois de sairmos de casa, chegarmos à Union
Square.
É um parque lindo, cheio de turistas e moradores. Tem uma feira
vendendo produtos orgânicos e alguns artistas de rua se apresentando, mas
em geral o clima é tranquilo, como um respiro de ar fresco comparado à
loucura do restante da cidade. Conseguimos encontrar um banco vazio
perto de uma das passagens do parque, onde eu desabo imediatamente, com
as pernas doendo. Quando voltarmos para casa, vou ter percorrido mais de
dezesseis quilômetros, somando a corrida e essa caminhada. Minhas pernas
estão queimando.
– Tem uma Starbucks na esquina – diz Tyler. – Voltamos rapidinho.
Eden, quer um latte?
– Gelado, por favor – murmuro, pressionando as costas da mão na testa,
com calor, e enxugando um pouco do suor.
– Pode deixar – diz Tyler, e se vira para Emily. – Frappuccino de
morango com creme e um shot de baunilha?
– Na mosca – diz ela, sorrindo. Quando Tyler e Snake se afastam, Emily
se aproxima, e não consigo evitar certa irritação por Tyler saber o pedido
dela de cor. – Que clima maravilhoso, né?
– Sim, incrível – digo, cruzando as pernas sobre o banco e me
recostando, embora a madeira esteja pegando fogo. – Mais quente que Santa
Monica, isso com certeza.
– Sério?
– Aham. Pelo menos tem a maresia lá.
Não estou olhando para ela enquanto falo, porque estou concentrada nas
pessoas passando. Acho que parques assim são os melhores lugares para
observar gente. A diversidade de pessoas aqui é muito legal, e mais uma vez
me pego pensando no que estão fazendo, por que estão aqui e com quem.
Sou curiosa até demais.
– Eu sempre quis visitar a Califórnia – diz Emily, com um suspiro. –
Tyler disse que tenho que ir um dia.
Finalmente olho para ela.
– O Tyler disse isso?
Ele falou que ela deveria visitar a Califórnia? Por que ele diria isso?
– É, ele disse que eu ia adorar – comenta ela, a voz transbordando de
entusiasmo. – Nunca saí da Costa Leste, mas é tarde demais agora. Londres
está me chamando.
Contraio os lábios. Se Londres está esperando, por que ela ainda está em
Nova York? Por que está morando no apartamento de Tyler?
– Você acha que vai voltar? Para os Estados Unidos?
– Espero que sim – admite ela, sorrindo. – Um ano não foi o su ciente.
Estou de olho em oportunidades para voltar. Acho que talvez eu me inscreva
em algum acampamento de verão.
– Ah, legal.
Volto a observar o parque e avisto um esquilo correndo entre as árvores
não muito longe.
– O Tyler disse que eu deveria me mudar para cá de uma vez.
Eu trinco os dentes. Acho que, se ela mencionar o Tyler mais uma vez,
vou entrar em combustão espontânea. Por que ele está falando para ela vir
morar aqui para começo de conversa?
– Você quer? O Reino Unido não é legal o bastante?
– É, acho – diz ela, dando de ombros. – É só que aqui tem tantas
possibilidades, e vocês são tão empolgados. – Ela parece quase triste ao falar,
como se a ideia de voltar para casa não a deixasse muito feliz. Talvez a vida
dela aqui seja melhor. Talvez a vida dela lá não seja tão legal, e quanto mais
penso a respeito, mais concluo que deve ser isso mesmo. Ela também sofreu
abusos, e talvez estar aqui permita que escape do que aconteceu no passado,
da mesma forma que Tyler. – Vou sentir saudade de todo mundo aqui se
nunca mais voltar.
O esquilo some, e não tenho escolha a não ser olhar para Emily de novo.
Decido falar logo. Decido perguntar de uma vez:
– Você sentiria saudade do Tyler?
– Óbvio – responde ela com uma risadinha. – Ele é tão legal. A gente
viajou junto, ele me ajudou muito. Eu bem que gostaria de ter um irmão que
nem ele.
– Não gostaria, não – murmuro, suspirando desanimada.
Ela queria ter um irmão que nem Tyler? Será que tem ideia de como isso
é difícil? Percebe como é fácil se apaixonar por ele?
Ainda bem que vejo Tyler e Snake ao longe, o que interrompe minha
conversa com Emily, mas por mim tudo bem. Eu já estava de saco cheio de
ouvir Emily falar do Tyler.
– Aqui, Eden pernas de corrida – diz Snake ao passar o iced latte para
mim.
Ergo a sobrancelha ao ouvir isso, mas ele está distraído sentando-se ao
lado de Emily.
Tyler entrega o frappuccino para ela, sorrindo, e eu me levanto num
salto.
– Tyler, posso falar com você um segundo? – peço, com um olhar severo,
antes que ele tenha chance de se sentar também.
– Tudo bem – diz ele, confuso.
Acho que dá para perceber pelo meu tom de voz que não estou lá muito
contente.
Deixando Snake e Emily no banco, eu sigo pela trilha até sumir da vista
dos dois. Tyler vem atrás, bebendo seja lá o que comprou.
– Então, eu estava conversando com a Emily – começo devagar, me
virando para encará-lo. Aperto o copo. – Quer dizer que você vive falando
que ela deveria se mudar para cá e visitar a Califórnia? Por quê?
– Porque a Califórnia é ótima e ela gosta daqui – responde Tyler na
mesma hora, o tom incerto. Acho que ele não está entendendo minha
irritação. – Qual o problema?
Eu franzo a testa.
– Então de nitivamente não é porque você quer que ela venha te visitar?
Vejo Tyler arregalando os olhos ao perceber o motivo da minha
irritação, a boca se curvando num sorrisinho. Ele ri e dá um passo à frente.
– Que isso, Eden. Chega. – Ele aperta os lábios. – Por que é tão difícil
entender que é de você que eu gosto, e de mais ninguém?
Ainda estou convencida de que tem alguma coisa rolando, mas por
enquanto só suspiro ao encarar seus lábios, que não toco faz um ano.
– Por que você não me beijou desde que cheguei?
Minha pergunta o pega de surpresa e é o su ciente para apagar seu
sorriso e fazer seus olhos se estreitarem.
– Porque não consigo – murmura ele, devagar e baixo, a voz de repente
solene. Seus olhos de esmeralda encaram os meus, e seus lábios se erguem
num sorriso triste. – Você ainda está com o Dean.
12

No nal da tarde de segunda Snake começa a andar de um lado para outro


do apartamento, socando as mãos. Está usando uma camisa vermelha e
branca com RED SOX escrito na frente. E, para completar, um boné azul-
marinho combinando, virado para trás. Observo a letra B na lateral por um
tempo.
– Achei que a gente ia ao jogo dos Yankees – comento, confusa, e ele
para dramaticamente no meio da cozinha e me encara, chocado.
– Os Yankees me dão nojo. O jogo é do Red Sox, entendeu? Red Sox –
responde ele, me olhando sério quando dou risada, por isso mordo o lábio
para me controlar. Snake cruza os braços. – E a gente vai ganhar.
– O jogo é dos Yankees! – grita Tyler do quarto.
Alguns segundos depois, a porta se abre. Ele vem a passos largos para a
sala, ombros abertos, peito estufado. Está usando uma camisa de time
também, mas a dele é branca com listras azuis e o símbolo dos Yankees na
parte de cima, à esquerda. Além disso, está segurando um boné azul com o
topo branco.
– O jogo dos Yankees – repete ele – em que a gente vai acabar com
vocês.
Snake balança a cabeça e se aproxima do balcão onde Tyler está. Parece
nervoso.
– E quem ganhou o jogo da semana passada? – pergunta ele, em tom de
desa o. – Ah, é verdade. O Red Sox. E a gente vai ganhar de novo, então por
que não evita a vergonha e ca em casa?
– Vinte e sete campeonatos – diz Tyler, a voz rme e con ante. Ele dá
um passo na direção do amigo e ergue a sobrancelha. – E os Red Sox?
Quantos eles têm? Espera um segundo... Não são só sete?
O sorriso competitivo de Tyler se torna brincalhão, e ele vira o boné do
Snake para a frente e puxa a aba para cobrir o rosto do amigo.
– Pegou pesado – reclama Snake, ajeitando o boné de novo e indo até a
porta de cara feia, derrotado.
Tyler volta a atenção para mim, e imagino que estamos para sair, então
me levanto e vou até ele.
– Hum – diz, avaliando minha roupa, sua expressão dizendo que não
está satisfeito. Ele coloca o boné dos Yankees na minha cabeça e o ajeita.
Aponta a aba para cima e sorri. – Melhorou. Hoje você é uma torcedora dos
Yankees.
– Meu Deus, Tyler, por que você precisa fazer a Eden passar essa
vergonha? – comenta Snake da porta, sorrindo. – Mas sério, pessoal, melhor
a gente ir. Os portões abrem em trinta minutos.
Tyler me empurra para a frente e pega as chaves no balcão da cozinha
com um gesto rápido. Não precisamos nos despedir de ninguém, porque
Emily já saiu, para se encontrar com sei lá quem são seus outros amigos
além do Tyler. Nós três vamos para o corredor, e, enquanto Tyler tranca a
porta, Snake solta mais alguns insultos sobre os Yankees, mas é só
brincadeira. Quando chegamos à rua, os dois estão animadíssimos. Até eu
estou contente. Não sei bem o que esperar, mas estou ansiosa para ver meu
primeiro jogo de beisebol.
O dia está lindo, como esteve o m de semana todo, e parece que a
chuva da semana passada não vai voltar. O céu está azul, e o sol, quente, e
logo me arrependo de ter saído de cabelo solto. Vou começar a suar logo.
– Vamos! – grita Snake por cima do barulho do trânsito ao cruzar a
ird Avenue, tão animado para o jogo que mal consegue se segurar, então
Tyler e eu nos apressamos para alcançá-lo.
Vamos até a estação da 77th Street, e assim que nos aproximamos, já
percebo que vai estar bem mais cheio do que quando Tyler me trouxe pela
primeira vez. Além do jogo dos Yankees, está na hora do rush, então não me
surpreendo. Snake se en a pela confusão de pessoas nas escadas, usando os
ombros para abrir caminho. Vou logo atrás, com Tyler me empurrando para
conseguirmos avançar. Está barulhento, as pessoas gritam, eu escuto o
metrô chegando, Snake resmunga baixinho, e Tyler segue logo atrás de mim,
e descemos as escadas como dá até nalmente chegarmos às roletas.
– Vamos pegar a linha 6 e a 4! – grita Tyler na catraca ao lado da minha.
Quando passamos, ele segura meu ombro, imagino que para não nos
perdermos na confusão. – A linha 6 até a 125th Street – diz enquanto me
guia – e a 4 até o Yankee Stadium.
Snake de algum jeito conseguiu passar pelas pessoas e chegar à
plataforma, onde encontrou um ponto em que podemos esperar o metrô.
Tyler e eu nos juntamos a ele alguns segundos depois, e como a estação está
lotada tem muita gente para eu observar enquanto esperamos. Tem uma
moça mexendo em um carrinho de bebê. Várias pessoas de roupa social.
Ainda mais gente com camisas de beisebol, principalmente dos Yankees.
– Está animada para o jogo? – pergunta Tyler, a voz meio abafada pelo
barulho.
– Aham – respondo, sorrindo.
Ele ergue as sobrancelhas.
– Sério?
– Aham – repito. Estou mesmo animada, mas imagino que Tyler ache
que estou mentindo. – Quero ver esse tal de Derek Jeter que você falou.
O metrô se aproxima, e as pessoas na mesma hora começam a se
preparar para entrar. Todo mundo corre para as portas, atropelando quem
estiver na frente, e Snake não é exceção. Ele agarra meu braço e começa a me
puxar, então estendo a mão e seguro a de Tyler, nós três unidos como se
estivéssemos numa excursão escolar. Vergonhoso ou não, conseguimos
entrar no último vagão segundos antes de as portas se fecharem, espremidos
e em busca de algum lugar para nos apoiarmos.
– Merda de cidade – resmunga Snake baixinho, mas todo mundo escuta.
Ele recebe alguns olhares feios, seja pelo comentário, seja por estar no
metrô de Nova York usando a camisa de um time de Boston. Os fãs dos
Yankees em volta não parecem impressionados.
Tirando a rivalidade esportiva, a viagem é rápida, e passei o tempo todo
me deliciando com a visão da nuca de Tyler, até que ele nalmente se vira
para me indicar onde descer, com Snake vindo atrás de nós. A estação da
125th Street é um pouco maior que a da 77th Street, mas por outro lado fede
a coisa morta. Enrugo o nariz ao seguir Tyler e Snake pela plataforma até
um cara começar a tentar nos vender cigarros a varejo por um dólar. Snake
compra dois só para se livrar dele.
O metrô da linha 4 chega minutos depois, e está tão lotado quanto o da
linha 6. Dessa vez, porém, tem menos gente esperando na plataforma, então
conseguimos nos encaminhar para o vagão com facilidade, e até
conseguimos encontrar lugares para sentar. Antes que eu me dê conta,
chegamos à estação da 161st Street, a do Yankee Stadium. É uma estação
elevada, e levo um minuto para me acostumar com a claridade. A essa altura
Snake está tão animado para o jogo que quase literalmente pula na
plataforma no momento em que as portas se abrem. Julgando pela
quantidade de gente que desce aqui, parece que metade do metrô está indo
para o jogo dos Yankees.
A escada que desce para a rua é um pesadelo, mas Snake não tem medo
de abrir caminho aos empurrões de novo, enquanto Tyler e eu o seguimos
de perto. Reviro os olhos no caminho, e só quando chegamos ao térreo
percebo onde estamos – diante do Yankee Stadium.
É gigantesco, algo além da compreensão humana. Tem centenas e mais
centenas de torcedores fazendo la do lado de fora, com os ingressos em
mãos, crianças vibrando de animação ao redor. A estrutura é arredondada,
as belas paredes de calcário dão um aspecto limpo e moderno ao lugar. Tem
até janelas vazadas no topo, e embaixo estão os portões, as letras imensas e
pintadas de azul-escuro. O destaque, porém, é a placa dourada com YANKEE
STADIUM no topo do estádio. Parece brilhar quando o sol bate no ângulo
certo.
Eu dou um suspiro, impressionada.
– Nossa.
– Né? – concorda Tyler, sorrindo do meu lado, segurando meus ombros
e me levando pela rua até o portão 6.
Na verdade, para a la do portão 6.
Obviamente Snake já está lá, segurando lugar para a gente enquanto a
la se move rápido. Ele bate o pé impaciente quando chegamos.
– Relaxa – diz Tyler, o sorriso mudando para uma expressão debochada.
Ele me solta. – Deve ser difícil saber que vocês vão perder, mas você precisa
relaxar, amigo.
– Me dá a merda dos ingressos – retruca Snake, en ando Tyler na frente
dele e pegando os três ingressos do bolso traseiro do amigo, que só cai na
risada. Snake observa os ingressos por um momento, franzindo a testa. –
Onde é a seção 314?
– Nível terraço – responde Tyler.
Sob o sol quente, a la continua andando, e só levamos dez minutos para
chegar ao portão. É um alívio sair do sol e do calor, e nós três apresentamos
os ingressos e vamos para as catracas.
Passamos por um corredor largo, com banners imensos dos Yankees nas
paredes. Ouço Snake resmungar baixinho, provavelmente algum insulto, e
Tyler passa o braço por cima dos meus ombros e nos conduz para a
esquerda.
– Esse é o corredor principal – explica ele.
Não andamos muito até chegarmos aos elevadores e às escadas que dão
nas arquibancadas e no terraço. Snake vai para os elevadores.
– Não. – Eu puxo Tyler, apontando para as escadas. Snake faz cara feia. –
Sempre vou de escada.
Não ligo se eles estão me seguindo ou não. Vou na frente, subindo o
primeiro lance, e só diminuo a velocidade quando os dois vêm correndo
atrás de mim.
– Por que você não usa essa lógica lá em casa? – pergunta Tyler quando
me alcança.
Ele segue ao meu lado, com Snake logo atrás, reclamando.
– Sempre vou de escada a não ser quando são doze andares – corrijo,
sorrindo.
Tyler assente, concordando, e deixo que ele vá na frente de novo, porque
não sei onde cam nossos lugares.
Subimos lances e mais lances no caminho até o terceiro nível. Tem várias
barraquinhas vendendo cerveja, cachorro-quente, nacho e refrigerante, e
Snake ca de olho em todas. O comentarista dá informações de segurança
entre o anúncio dos patrocinadores, mas não presto atenção. Estou focada
no último lance da escada, quando nalmente chegaremos ao nosso setor.
Ela nos leva até o terraço, onde somos recebidos por leiras de assentos
atrás da arquibancada. Está caótico, com pessoas em busca de seus lugares,
gritando e comemorando, anúncios e efeitos sonoros ribombando pelo
estádio. É difícil acreditar, mas de alguma maneira parece ainda maior por
dentro.
Sigo Tyler e Snake até nossos lugares, cinco leiras para dentro e três
assentos para o lado, e eles me deixam car no meio. Depois de me sentar
no assento plástico, suspiro. Tento assimilar tudo ao meu redor,
impressionada.
A torcida acima de nós urra, os níveis abaixo zumbem, e todos os ruídos
se misturam para criar uma atmosfera cheia de energia e animação antes do
jogo, os torcedores dos dois lados esperançosos. Não estamos tão perto do
campo, mas a visão ainda é ótima, sem nada na frente. Estamos à direita do
home plate, e passo os olhos pelo campo. De onde vejo as arquibancadas já
estão bem agitadas, mas há seguranças em todas as seções do estádio, então
duvido que saia briga. Atrás das arquibancadas, os telões mudaram dos
anúncios para imagens dos últimos jogos. Ao nosso redor há uma mistura
de torcedores dos Yankees e dos Sox, mas acho que as camisas do time da
casa estão ganhando.
– Que incrível – comento, para ninguém em especial, mas Tyler sorri
mesmo assim.
– Então – diz Snake, se inclinando para a frente, se aproximando de
mim e erguendo a sobrancelha. – Agora que estamos nos nossos lugares,
vou comprar uma cerveja. Eden?
Balanço a cabeça, recusando a oferta. Acho que ainda não posso beber
outra cerveja. Bebemos tanto semana passada, na nossa maratona de Harry
Potter, que até pensar me dá enjoo. Snake, porém, parece só se alimentar de
cerveja. Ele suspira antes de olhar para Tyler, que também decide evitar
álcool hoje.
– Mais para mim, então – conclui Snake, dando de ombros, e sai,
abrindo caminho pela escada.
A sós comigo, Tyler aproveita. Chega mais para perto e sorri, os olhos
soltando faíscas. Tento encará-lo, mas não consigo. Fico corada só de ver
como ele me olha, então mordo os lábios e to meus All Stars. Os All Stars
que ele me deu.
Felizmente sou distraída pelo meu celular, que começa a vibrar no bolso
traseiro. Pego o aparelho depressa. É o Dean ligando. Claro, sempre é. Sinto
Tyler de olho na tela, então viro o celular para o lado, recusando a ligação e
en ando o celular de volta no bolso. Agora não é hora de falar com o Dean.
Não com Tyler do lado.
– Por que não atendeu?
– Porque estou com você.
Tyler assente e ca olhando para o campo por alguns minutos em
silêncio, então do nada passa o braço pelos meus ombros e gentilmente me
puxa para perto. Fica assim por um momento, e eu espero, prendendo a
respiração e tentando entender qual é a dele. Então devagar Tyler dá uma
risada e aproxima os lábios da minha orelha.
– Eu quero você mais que aquele garoto ali quer pegar uma bola –
murmura. Seu hálito é quente, sua voz, sedutora. – Quero você mais que o
Snake quer uma vitória dos Red Sox. – Com cuidado, ele esfrega o lábio
inferior na minha orelha, deixando meu corpo inteiro arrepiado. Estou
paralisada, de olhos grudados no campo e ouvindo suas palavras. – Sabe
qual é a especialidade do Derek Jeter? – Sinto ele sorrindo junto à minha
pele quando para por um instante. – Fazer home runs – diz. Sinto a mão dele
deslizando pela minha perna e apertando minha coxa. – Mas estou
começando a duvidar de que hoje ele queira fazer um home run tanto
quanto eu quero você.
Tudo dentro de mim, cada centímetro do meu corpo, entra em erupção.
Meu estômago dá cambalhotas, gira e despenca. Minha pulsação
dispara, em descompasso, tão rápido que sinto. Meu coração ou está
contraindo ou explodindo. De qualquer forma, meu peito dói a cada batida.
Calafrios sobem pelos meus braços. Minha respiração ca ofegante, a ponto
de eu achar que meu coração vai parar a qualquer momento, que estou
sufocando. Consigo até sentir o suor escorrendo, mas tento me convencer de
que é por causa do calor, e não porque quero muito, muito, beijar meu
irmão postiço agora.
– O que você acha de a gente fazer um acordo? – sussurra Tyler, a voz
cheia de desejo.
Seguro a beirada do assento, me controlando para não partir para cima
dele. Agora de nitivamente não é o momento de agarrá-lo.
– Um acordo? – repito, mas é mais um guincho que qualquer outra
coisa.
Ainda estou encarando o campo, a grama, as bases. Tudo menos Tyler.
Se eu olhar para ele agora, mesmo de relance, e me deparar com seus olhos
verdes intensos, nada vai ser capaz de me deter.
– O que você acha – murmura Tyler, baixinho – de jogarmos beisebol?
Ele aperta minha coxa com mais força.
Minha voz ca presa na garganta quando percebo que ele não está
falando do esporte. E sim de algo totalmente diferente, algo assustador e
excitante ao mesmo tempo. Mil e um pensamentos me consomem. Tento
processar suas palavras, e estou tão surpresa que nem passa pela minha
cabeça responder. Estou enjoada de tão excitada, e meu peito sobe e desce
enquanto me concentro na minha respiração.
Tyler não espera que eu diga nada: começa a fazer círculos na minha
coxa com o dedão e se aproxima ainda mais de mim. En a o rosto no meu
cabelo e encosta os lábios na minha mandíbula. Sinto que ele está sorrindo
de novo.
– Se Jeter zer um home run hoje – sussurra ele contra a minha pele –,
que tal a gente fazer também?
Ele deve sentir meu corpo estremecer sob suas mãos. Certamente sente
como estou vibrando com seu toque. Sem dúvida percebe, porque quando se
afasta um pouco, pelo canto do olho vejo seu sorrisinho. Ele sabe o efeito
que tem em mim. Ele gosta do efeito que tem em mim. E tenho que admitir:
eu gosto também. Gosto ainda mais da sua proposta. Mas sei que não
deveria aceitar. Não deveria aceitar por causa do Dean, porque tenho um
namorado em casa, mas é tão, tão tentador. Como posso dizer não para
Tyler? Como posso dizer não para a pessoa pela qual estou apaixonada?
Finalmente olho para Tyler. Ele está sorrindo para mim, sobrancelhas
erguidas e olhos brilhando, mais verdes do que nunca.
– Fechado – respondo.
13

Snake volta logo depois, com um copo plástico de cerveja em cada mão e
um sorriso no rosto. Ele está tão contente que acho que nem registra como
Tyler e eu estamos exaltados. Tyler se encolheu ao máximo no assento, o
mais longe de mim possível, e eu estou mordendo o lábio, torcendo para que
ninguém ao redor descubra de alguma forma que somos irmãos postiços. É
impossível que saibam, mas ainda assim co paranoica sabendo que
provavelmente viram Tyler sussurrando no meu ouvido e tocando meu
corpo.
Enquanto tento relaxar, percebo como o estádio encheu. A maioria das
seções parece estar ocupada agora, e poucos minutos depois os jogadores
começam a ser anunciados. O barulho do estádio ampli ca o nome de cada
um, os torcedores gritam e assobiam conforme eles entram em campo. Por
baixo dos bonés, todos estão com olhares competitivos. Porém, nunca vi
nenhum deles. Só tem um jogador cujo nome reconheço: Derek Jeter.
Quando ele é anunciado, o estádio irrompe em aplausos, e não hesito em
me juntar a eles. Fico de pé junto com Tyler, gritando o nome de Jeter em
uníssono com os milhares de outros torcedores dos Yankees enquanto um
cara de meia-idade entra no campo sorrindo. Percebo enquanto grito que
estou torcendo de verdade para Derek Jeter. Estou contando com ele para o
home run.
O jogo começa exatamente às sete e meia da noite. Não tenho certeza do
que estou esperando, mas o início é relativamente devagar e acaba sendo
bem tedioso. As duas primeiras entradas são uma perda de tempo total, sem
que os times marquem nenhum run. A maior movimentação que vejo é
quando um jogador do Red Sox chega à terceira base, mas é pego antes da
home plate. Na segunda metade da quarta entrada, os Yankees têm dois runs,
e o Red Sox, três. Nenhum home run.
Snake sai para comprar mais cerveja a cada vinte minutos, e na sexta
entrada já o considero embriagado. Não sei por que os funcionários do
estádio continuam vendendo bebida para ele. Bêbado ou não, ele consegue
chegar ao assento sem cambalear demais.
– Esse jogo está uma bosta – reclama Tyler.
– Porque você está perdendo – responde Snake, com a fala arrastada e
um sorriso torto. – Perdendo, perdendo, perdendo. Perdendo feio. Perdendo
feiaço.
– Só tem um run de diferença – retruca Tyler, cruzando os braços e se
recostando no assento com um suspiro. – A gente vai recuperar, pode
acreditar.
A sexta entrada se arrasta, e estou começando a me perguntar de
verdade por que as pessoas acham beisebol divertido. Os Red Sox fazem
outro ponto, e Tyler não para de resmungar ao meu lado. Os outros
torcedores dos Yankees também parecem estar cando impacientes, e é só
no intervalo depois da sexta entrada que todo mundo se anima.
De repente e do nada, nossa seção pega fogo. As pessoas começam a
gritar, comemorar, assobiar. Alguém atrás de mim segura meus ombros e me
sacode com força, urrando no meu ouvido. À esquerda, Snake está
gargalhando tanto que derruba a cerveja. Ele cobre o rosto com a mão e
aponta com o copo para o telão.
Meus olhos seguem seu gesto imediatamente. No telão, na frente do
Yankee Stadium todo e de cinquenta mil pessoas, eu me vejo. E vejo Tyler.
Vejo nós dois cercados por uma borda cor-de-rosa de corações. Até que vejo
a palavra BEIJO piscando acima da nossa cabeça.
Eu me viro para Tyler, horrorizada. Ele me encara, os olhos arregalados,
a testa franzida. Snake ainda está rindo, e a torcida em volta continua
gritando, mas não consigo me mexer, co completamente paralisada. Talvez
eu também achasse hilário se visse Tyler como simplesmente meu irmão
postiço. Talvez a gente não casse tão em pânico. Mas não consigo rir disso
porque realmente quero beijá-lo, mas não posso. Não posso porque Snake
está aqui, porque tem cinquenta mil pessoas ao redor, porque o jogo está
sendo televisionado.
Escondo o rosto entre as mãos e balanço a cabeça com força. Me sinto
tão humilhada. Os gritos viram vaias, e estou com medo de sequer erguer os
olhos, então só dou uma olhadinha por entre os dedos. Fico aliviada ao
descobrir que Tyler e eu não estamos mais na tela. Em vez de nós, dois caras
se beijam freneticamente.
Olho para Tyler. Ele dá de ombros, mas abre um sorrisinho malicioso.
– Por que a gente? – resmungo, passando as mãos pelo cabelo. – De todo
mundo aqui, por que a câmera tinha que parar na gente?
– Foi hilário! – grita Snake, se virando para nós. Ele me dá um tapinha
nas costas. – Que bizarro.
– Nem me fala – murmuro.
Me afasto um pouco, e ele volta a beber o que resta da cerveja. Olho para
Tyler de novo, mas ele só me encara intensamente, achando graça.
Depois de um minuto, ele volta a se concentrar no campo, quando a
sétima entrada começa. Quero perguntar por que ele parece ter se divertido
tanto no nosso momento constrangedor, mas ele está tão compenetrado no
jogo de novo que duvido que vá me responder.
Os Red Sox acabam ganhando o quinto run, colocando-os três pontos
na frente, então vem o intervalo da sétima entrada, em que o estádio canta
“Take Me Out to the Ball Game” e “God Bless America” em uníssono. Não
canto junto, principalmente porque não estou a m, mas Snake e Tyler não
demonstram relutância alguma em car de pé e gritar com todo mundo.
A performance dos Yankees na metade da sétima entrada é ridícula, mas
na oitava entrada algo muda. Eles ganham três runs e os Red Sox não fazem
nenhum ponto, e quando Derek Jeter vai rebater, meu coração bate mais
rápido que o normal. Toda vez que ele rebate, tenho uma sensação estranha
no estômago, como se eu fosse vomitar a qualquer momento. Uma excitação
nervosa me consume de tal forma que temo desmaiar aqui, meus dedos
cando pálidos de segurar a beirada do assento com força. Tyler é a calma
em pessoa, só reclamando e balançando a cabeça quando o home run de
Jeter não chega nunca, e conforme o jogo se aproxima do m minha
excitação se transforma em pânico. Na nona e última entrada, está 5 a 5.
Derek Jeter não fez nenhum home run.
Os Red Sox têm a primeira metade da entrada de novo, mas estragam
tudo. Eu me pergunto se é porque sentem a tensão do estádio ou se só foram
cando piores conforme o andamento do jogo, mas de qualquer forma eles
fazem três strikeouts antes que qualquer jogador tenha a chance de sair da
home plate. E, quando os Yankees vão para o ataque na segunda metade da
entrada, os torcedores do Red Sox de nitivamente estão preocupados. Snake
não para de xingar baixinho, retorcendo o boné nas mãos.
Os Yankees, porém, não vão muito melhor. Eles até melhoram num
ponto, quando Mark Teixeira chega à segunda base e ca lá quando Derek
Jeter vai para o taco. É aí que começo a prestar mais atenção. Parece que vai
ser sua última chance de rebater no jogo, o que signi ca que não há muita
esperança para meu acordo com Tyler. Nosso acordo só funciona se Derek
Jeter zer um home run, e por enquanto o máximo que ele conseguiu foi
chegar à terceira base.
Ele caminha pelo campo devagar até chegar à posição na home plate, e
meu coração dispara. Está de tornozeleira, mas isso não o impede de chutar
a base enquanto ajeita o capacete. Todo mundo em volta de repente ca de
pé – menos os torcedores do Red Sox, claro –, e Tyler pega meu braço e me
puxa da cadeira também. Ele abre um sorriso sabichão, esperançoso. Nós
dois olhamos para o campo, e não sei quanto a ele, mas eu de nitivamente
estou prendendo a respiração. Jeter gira o taco algumas vezes antes de
assentir e car na posição, o taco erguido logo acima do ombro, a posição
rme, os olhos atentos. O pitcher gira a bola na direção dele, mas ele não
rebate, só balança a cabeça. Isso acontece de novo no segundo pitch. Numa
última tentativa de incentivar o time, o estádio começa a gritar o nome de
Jeter, o som ecoando ao nosso redor. O nome dele é repetido sem parar,
entre aplausos, e acompanho os torcedores. Ouço Tyler gritando também, e
não há nada a se ouvir a não ser os gritos do nome de Derek Jeter. Todos
estão concentrados nele e em mais nada.
O pitcher do Red Sox se prepara de novo. Ele ergue a perna, recua o
braço e, com um golpe rápido, atira a bola para Jeter. Paro de gritar. Paro de
gritar porque paro de respirar, porque estou enterrando as unhas nas palmas
das mãos com tanta força que é capaz de começar a sangrar.
Então, em uma fração de segundo, escuto um estrondo ribombante.
O estádio inteiro para de gritar. Até os torcedores do Red Sox cam de
pé, todo mundo boquiaberto enquanto a bola cruza o campo. Não tiro os
olhos dela, girando na direção do campo centro-esquerdo, quase em câmera
lenta. Estou hipnotizada. E Tyler leva as mãos à cabeça. A bola passa voando
pelas letras do Yankee Stadium, acima do telão. Saiu de campo.
E o mais importante: é um home run.
O estádio explode. As arquibancadas acima de mim começam a urrar de
novo, e os gritos trovejam de todos os lados, ensurdecedores. Teixeira volta
para a home plate caminhando, e Jeter o segue numa corridinha calma. Não
há pressa. Os Yankees acabaram de ganhar mais dois runs, e inevitavelmente
o jogo. Em meio a toda a loucura e animação, me vejo pulando e gritando.
Ao meu lado, Tyler sorri enquanto assobia, então me vê olhando para ele,
passa o braço pelos meus ombros e me abraça. Não consigo parar de sorrir.
A atmosfera é elétrica, e acho que nunca vivenciei nada tão enérgico. É
incrível estar aqui, no Yankee Stadium, em Nova York, celebrando uma
vitória dos Yankees contra os Red Sox, os torcedores comemorando, com
Tyler ao meu lado. Derek Jeter fez seu home run. Meu acordo com Tyler está
de pé, e neste exato momento duvido que meu verão possa melhorar.
Dou uma olhada à esquerda. Snake está de pé também, mas não está
comemorando. Está discutindo com um torcedor dos Yankees sentado atrás
dele, se embolando nas palavras. Tyler ainda está comemorando ao meu
lado, e dou um olhar de advertência para Snake, mas ele nem liga. Em vez
disso, en a o dedo no peito do torcedor dos Yankees. E é isso. É só isso que
precisa.
O Yankee responde jogando a cerveja na cara do Snake, que na mesma
hora tenta dar um soco nele. Antes que eu sequer consiga sair do caminho, o
torcedor dos Yankees pula a leira de assentos e joga Snake no chão, me
empurrando para o lado. Eu caio em cima do Tyler, que prontamente me
segura pela cintura. Ergo os olhos para ele, mas ele não está olhando para
mim. Está fazendo cara feia para a briga que começou ao nosso lado, a
mandíbula trincada, irritado. Ainda com as mãos na minha cintura, ele me
move para o lado.
Snake e o torcedor dos Yankees estão rolando no chão, socos para todo
lado, enquanto as pessoas ao redor param de comemorar e se assustam. As
meninas na leira à nossa frente gritam e tentam sair do caminho, mas o
restante das pessoas parece encorajar a briga. Quando volto a olhar a cena,
vejo que Snake está em cima do torcedor dos Yankees, socando o queixo do
cara várias vezes até acertar o nariz. É aí que Tyler entra no meio. Agarra as
costas da camisa de Snake, tentando afastá-lo da briga, mas antes de
conseguir fazer isso outro torcedor dos Sox pula as cadeiras e dá um soco
em cheio na cara do Tyler, do nada.
– Ei! – grito.
Estendo a mão para Tyler, mas ele me afasta e soca o cara de volta. No
início não entendo por que um cara qualquer decidiu socar o Tyler, mas,
quando percebo as camisas dos times, compreendo.
Snake, torcedor dos Sox, está brigando com um torcedor dos Yankees.
Tyler também está com uma camisa dos Yankees, e duvido muito que
alguém acreditaria que ele estava tentando ajudar o Snake. Não é surpresa
que outro torcedor dos Sox se metesse. Ele está defendendo Snake, seu
companheiro de time, achando que Tyler está defendendo o outro torcedor
dos Yankees. É uma confusão, e Tyler acaba abrindo o supercílio.
Fico furiosa ao ver Tyler machucado, então tento intervir. Puxo sua
camisa, tentando tirá-lo do alcance do torcedor dos Sox, mas alguém joga
um copo cheio em nossa direção, acertando meu ombro e encharcando
minha camisa. Arquejo, soltando Tyler quando sou jogada para trás. Caio
no chão com um baque doloroso, batendo a cabeça nos assentos. Por um
momento, só consigo car sentada ali, meio confusa e sem conseguir me
levantar. Só consigo pensar que Snake vira um babaca quando bebe.
Quando ergo os olhos, percebo muitos gritos e vejo que os seguranças
do estádio estão apartando a briga. São quatro seguranças, mais dois
policiais, e é preciso quatro deles para separar Snake e o torcedor dos
Yankees. Tyler e o torcedor dos Sox se afastam sozinhos, mas mesmo assim
são puxados pelos policiais pelas escadas. Um dos seguranças também me
pega, me levantando pelo cotovelo sem parecer se importar com meu
estado. Ele quase desloca meu ombro ao me puxar pela leira de assentos,
torcendo meu braço de forma inimaginável.
Nós cinco somos levados: eu, Tyler e Snake, mais os torcedores dos Sox e
dos Yankees, lábios sangrando e olhos inchados. A seção 314 começa a gritar
“Boston é uma bosta!” enquanto somos levados, e todo mundo comemora.
Brigas públicas são sempre divertidas até você se ver no meio.
Somos guiados escada abaixo até estarmos dentro do estádio de novo, e
o segurança que está me carregando parece con ar em mim o bastante para
me soltar. Snake está gritando e reclamando, e mentalmente mando-o calar
a boca antes que piore a situação. Meu estômago dá um nó quando me dou
conta de que é provável que a gente vá ser preso por ofensa ou agressão, e
começo a me perguntar se eu deveria usar a oportunidade que tenho agora
para informar ao segurança ao meu lado que, na verdade, não z nada de
errado.
Por alguma razão, porém, nenhum de nós acaba algemado ou numa
viatura policial. Os seguranças e os policiais não dizem uma palavra ao nos
levar escada abaixo e cruzar o corredor principal até as portas. Eles só nos
empurram para fora, dão as costas e voltam para o estádio.
Está cando escuro, e quando paramos um momento para nos dar conta
do que aconteceu, o torcedor dos Yankees xinga Snake de babaca, o que me
faz pensar que os dois vão começar a brigar de novo, mas não. Snake só
balança a cabeça e se aproxima de nós quando os outros dois se afastam, de
cabeça baixa.
Tyler en a as mãos nos bolsos e para ao nosso lado.
– Parabéns, idiota – resmunga, o olho meio inchado e vermelho.
Snake está com um corte na bochecha.
– Dane-se – responde Snake, dando de ombros. Ele tenta dar um
empurrão brincalhão em Tyler, depois suspira. – O jogo já tinha acabado
mesmo. Vocês ganharam. Beleza. Dane-se. Cala a boca. Nem fala nada.
Vamos para casa. Eu quero dormir por, tipo, dois dias inteiros. Ou dois
meses, sei lá.
Ele dá as costas e começa a caminhar na direção do metrô. Está meio
tonto, cambaleante.
Dou uma olhada em Tyler. Ele parece quase envergonhado, mas também
está um trapo, exausto. Consegue abrir um sorriso para mim.
– A gente foi mesmo expulso do Yankee Stadium? – pergunto. – A gente
foi mesmo expulso do meu primeiro jogo de beisebol da vida?
– Bem – responde ele –, pelo menos você nunca vai esquecer.
Seguimos Snake até a estação, e percebo que há um lado positivo em ser
expulso antes de o jogo acabar – o metrô está vazio e tem muitos lugares
vagos no trem da linha 4. Snake está cansado e bêbado demais para
conversar com a gente, então passa a viagem de volta inteira até Manhattan
com uma careta. Até quando saímos da linha 6 na 77th Street ele segue
andando na frente, e percebo que ele é um mau perdedor. Avança sozinho
pela Lexington Avenue e vira a esquina da 74th Street, onde o perdemos de
vista. Parece que ele vai chegar ao apartamento bem antes de nós. Tyler e eu
caminhamos bem mais devagar, apesar de estarmos em silêncio. Ainda
assim, é um silêncio confortável.
Já passa das onze quando chegamos ao prédio, o céu está de um azul
profundo. Os postes lançam uma luz cálida nas calçadas, e Tyler para ao
lado do carro. O Honda Civic sumiu, deixando uma vaga livre na frente do
Audi, e é nesse espaço que Tyler segura minha mão e me puxa para a frente
do capô. Ele não diz nada, só sorri para mim no escuro, os dentes reluzindo.
Com cuidado, ele me encosta no carro.
Seu sorriso aumentou, os olhos esmeralda brilhando. Ele apoia as mãos
no capô, ao meu redor, prendendo meu corpo entre o carro e ele. Seu olhar
encontra o meu.
– Então, Derek Jeter fez o home run, hein?
Seu olhar é tão sincero que não me resta alternativa a não ser corar,
porque, como de costume, não estamos falando de Derek Jeter, beisebol ou
home runs. Estamos falando de nós e estamos falando do acordo que
zemos: o acordo que por acaso está em jogo agora. Agora nós vamos fazer
o nosso home run.
– Acho que sim – sussurro, sem conseguir erguer a voz.
Tyler assente e baixa os olhos, ainda sorrindo. Ele também parece
nervoso. Enquanto espero ele dizer alguma coisa, observo as veias no
pescoço e nos braços, percebendo como estão mais saltadas que o normal.
Só desvio o olhar quando sinto que Tyler está me encarando, então ele
franze a testa e pergunta:
– Por que você não me beijou?
– Tyler... – Eu suspiro, tentando formar as palavras, surpresa com a
pergunta. A resposta não deveria ser óbvia? Engulo em seco e olho para suas
mãos ao lado do meu corpo, e coloco as minhas em cima delas, sem olhar
para ele. – Você sabe que não dava – digo, por m. – Todo mundo estava
olhando.
Silêncio. Ele desvencilha a mão direita e passa a ponta dos dedos pela
minha coxa e pelo meu braço, devagar. A sensação da pele dele quente
contra a minha parece atear fogo ao meu corpo. Sua mão chega ao meu
ombro, e delicadamente ele segura meu rosto. É aí que eu pisco e o encaro,
ansiosa. Com um olhar cada vez mais luxurioso, ele ousa sussurrar:
– Não tem ninguém olhando agora.
Pressionando o corpo contra o meu, ele ergue a outra mão e en a os
dedos no meu cabelo, e naquele milissegundo seu hálito quente toca meu
rosto. Ele aperta os lábios contra o meu, faminto mas gentil, e me beija com
paixão. É tão repentino e ainda assim tão familiar, e não consigo me deter:
mergulho em seu beijo. É a primeira vez que ele me beija em dois anos, mas
parece que faz poucos dias. Tudo é exatamente como eu me lembro. Os
movimentos da sua boca na minha, meu corpo estremecendo sob seu toque,
nossos corações batendo forte no peito. Envolvo o pescoço dele com os
braços e o puxo para mais perto, pressionando seus lábios com ainda mais
força, meus dedos se enganchando no seu cabelo. Suas mãos descem do meu
rosto para as minhas coxas, e ele as segura com força ao me erguer para o
capô do carro, imprensando meu corpo ao fazer isso e arrancando o boné
dos Yankees da minha cabeça. Seu toque é eletrizante, seus lábios, muito
mais, e a energia correndo pelas minhas veias neste momento me deixa
eufórica. Tyler geme baixinho logo antes de morder meu lábio inferior, me
beijando com cuidado antes que eu sinta seu sorriso no canto da minha
boca.
Antes de capturar meu lábio de novo, ele sussurra:
– Espero que Dean nos perdoe.
14

No sábado, estou sentada no balcão da cozinha, de pernas cruzadas e cara


fechada. Meus olhos seguem Tyler pela sala quando ele volta para o
apartamento e vai para a cozinha pela terceira vez seguida. Está carregando
outro engradado de cerveja e sorri para mim ao colocar o engradado no
balcão ao meu lado, junto com todos os outros.
– Isso tudo é mesmo necessário?
Olho para o balcão. Cada centímetro, com a exceção de onde estou
sentada, está tomado por álcool. Uma quantidade imensa, de engradados de
cerveja a garrafas de tequila a vodca, tudo aqui, esperando.
– Ela acabou de perguntar se isso é necessário? – pergunta Snake,
ngindo espanto. Ele chuta a porta atrás de si, trazendo o último engradado,
que coloca em cima dos outros. Então se vira para mim e balança a cabeça,
decepcionado. – Ah, pequena Eden das orestas de Portland, bem-vinda ao
mundo real.
– Eu moro na Califórnia, Stephen – retruco, enfatizando seu nome de
verdade, esticando as sílabas e erguendo as sobrancelhas. – Conheço bem o
mundo real.
O sorriso de Snake oscila, e ele olha para Tyler em busca de apoio, mas
Tyler só ca parado, de braços cruzados, nos encarando com um sorriso nos
lábios. Ele dá de ombros, e Snake me encara com raiva.
– Não me chama assim.
– Então não me chame de “pequena Eden das orestas de Portland” e
não se engane achando que não estou pronta para uma festa. – Eu sorrio,
vitoriosa, e estendo a mão, que Snake, apesar de hesitar, acaba apertando,
revirando os olhos ao mesmo tempo. Acordo feito, cruzo as mãos no colo e
olho de novo para as bebidas. – O que eu quis dizer foi... – falo, com um
pigarro – isso tudo é necessário para dez pessoas?
Snake me encara, sério, com seus olhos cinzentos.
– É claro que é necessário. Ninguém gosta de uma festa que ca sem
bebida depois de uma hora. – Sua boca vai aos poucos se abrindo num
sorrisinho. – Só menininhas das orestas de Portland, aparentemente.
Tyler dá uma risada enquanto ergo o punho, num gesto ameaçador, e,
embora eu só esteja brincando, ele me detém. Por via das dúvidas.
– Tudo bem, tudo bem – diz Tyler. Puxo a mão e ergo o dedo do meio
para Snake. – Seria ótimo ver você acabar com ele, mas a festa começa em
três horas.
Snake bufa e pega uma garrafa de cerveja do engradado, tirando a tampa
na beirada do balcão bem do lado da minha coxa. Balança a cabeça para
mim de novo, mas sorri ao levar a garrafa aos lábios. É então que a porta do
banheiro se abre, e Emily sai com o cabelo molhado preso num rabo de
cavalo.
– Ah, a bretã resolver se juntar a nós – comenta Snake, apontando com a
garrafa para a coleção de bebidas alcoólicas ao meu lado. – Impressionante,
né?
Emily observa todas as garrafas e solta uma risadinha. É leve e feminina,
e minha vontade é soltar um suspiro bem alto, mas guardo minha irritação
para mim mesma e fecho os olhos. Estou me esforçando para gostar dela,
mas é cada dia mais difícil.
– Cara, você não falou que tinha limão? – diz Tyler, virando-se da
geladeira com a testa franzida.
Snake arregala os olhos.
– Não tem?
Com um suspiro, Tyler fecha a porta e pega as chaves do carro no
balcão.
– Vou lá rapidinho.
– Vou com você – diz Emily.
Na mesma hora dou um pulo e falo:
– Eu também.
Não, penso. De jeito nenhum ela vai car sozinha com ele.
Tyler olha para nós duas por um segundo antes de dar de ombros para
mim, como se pedisse desculpas.
– Só tem dois lugares, Eden.
Então sorri para Emily. Fico olhando os dois indo embora, sem
acreditar, e, logo antes de passarem pela porta, Tyler fala:
– Não se matem.
A casa ca em silêncio por um momento depois que eles saem, e o único
som que ouço é Snake bebendo mais cerveja. Ele suspira, satisfeito, mas não
diz nada.
– Não acredito que ele fez isso – comento, por m. Escolheu Emily, e
não a mim.
– Qual o problema? Você quer tanto assim ir comprar limão?
Snake ri como se estivesse me zoando por ser tão patética e vai até o
aparelho de som, apoiando os cotovelos no balcão enquanto mexe no
aparelho, tentando conectar ao celular.
– Melhor car por aqui mesmo, assim já dá a largada.
Ele olha para as garrafas in nitas no balcão.
Estou prestes a revirar os olhos, mas de repente suas palavras me dão
uma ideia. Dar a largada. É isso. Dar a largada vai ser melhor para mim, só
que não do jeito que Snake está imaginando.
– Vou me arrumar.
Sorrio e saio da cozinha, atravessando a sala e mal olhando para Snake
ao entrar no quarto de Tyler.
– Mas já? – grita ele, ao que eu não respondo.
Fechei a porta.
Ainda estou sorrindo sozinha, feliz por saber exatamente o que vou usar.
É a única coisa que toda garota tem e a única coisa que eu me certi quei de
não esquecer: um vestidinho preto. Uma necessidade. Ella me ajudou a
escolher alguns meses atrás, me dizendo que com certeza impressionaria
Dean. Ironicamente, vou usá-lo para impressionar o lho dela.
Pendurando o vestido no braço, pego o restante das minhas coisas e
volto para a sala, passando por Snake e comunicando que vou entrar no
chuveiro antes dele. Se aprendi alguma coisa nessas últimas duas semanas, é
que leva muito tempo para quatro pessoas se arrumarem quando só tem um
chuveiro. Às vezes Snake até desiste de tomar banho.
– Tem certeza de que não quer nada? – pergunta ele, quando passo.
– Absoluta – respondo.
Ao entrar no banheiro con rmo se a porta está trancada – duas vezes, só
para ter certeza – e tomo banho. Uso meu sabonete líquido mais cheiroso e
meu perfume mais caro, tudo numa tentativa patética de superar Emily. Sei
que não deveria me sujeitar a isso, mas não consigo pensar em nada melhor.
Emily tem aquele sotaque. Seu cabelo é mais sedoso que o meu. Ela é tímida,
e por isso mais descolada que eu. É inteligente. E, o mais importante, parece
capturar a atenção de Tyler mais vezes que eu. Portanto, só me resta recorrer
ao meu vestidinho preto.
Tomo banho em quinze minutos, porque decido não lavar o cabelo, e
saio do banheiro só quando estou cheirando a baunilha e com as pernas
bem macias. Estou apenas de toalha, mas nem me incomodo ao passar por
Snake com o vestido pendurado no braço. Estou tão apavorada que não
quero tirar os olhos desse vestido.
– Eles ainda não voltaram? – pergunto.
– Não – responde Snake, dando de ombros.
Ainda bebendo a Bud Light. Ainda ouvindo a mesma música que não
conheço.
Fecho a porta do quarto do Tyler atrás de mim e cuidadosamente deito o
vestido na cama, com medo de amassá-lo. Fico contente que Tyler e Emily
ainda não tenham voltado. Quanto mais tempo eu tiver, melhor. Se Tyler me
visse agora, minha tentativa patética de chamar a atenção dele iria por água
abaixo. A não ser, é claro, que eu subisse mais a toalha.
Meu Deus, Eden. Balanço a cabeça, decepcionada comigo mesma, e pego
meu nécessaire de maquiagem de cima da mesinha de cabeceira de Tyler. Eu
me sento no chão, cruzando as pernas e me aproximando do espelho na
porta do armário, então começo. Snake aumenta o volume do som na
cozinha, e logo está tão alto que consigo ouvir mesmo com a porta fechada.
Nunca ouvi essa música antes, mas até que não é tão ruim. É um rock meio
indie. Balanço a cabeça no ritmo dos riffs das guitarras, o que resulta numa
maquiagem meio desequilibrada. Meu objetivo é um look dramático, mas
não exagerado. Passo a maior parte do tempo trabalhando nos olhos,
determinada a criar o efeito esfumaçado perfeito, mas acaba não saindo bem
do jeito que eu esperava. Mas está bom, e quando me convenço de que estou
bonita, volto minha atenção para o cabelo.
Essa vai ser uma tarefa e tanto. Passei o dia todo com um coque
bagunçado, e quando tento soltá-lo percebo que está superembaraçado e
cheio de nós. Não tenho opção a não ser fazer uma videochamada,
envergonhada, para Rachael. Por sorte, ela atende, mas acho que se
arrepende logo que vê meu estado. Ela me olha de queixo caído por um
tempo, mas depois consegue me guiar pelos passos necessários para
converter aquele horror num penteado sutil e sexy.
– E aí, como está a vida na cidade grande? – pergunta ela, me
observando pela tela enquanto sigo as instruções com cuidado, tentando
prender para trás as mechas de cabelo que ela mandou.
– Tudo é tão diferente – murmuro, minha voz meio abafada pelos
grampos que prendo entre os lábios. Estou me olhando no espelho,
concentrada, com o celular apoiado na porta do armário, num ângulo que
permite a Rachael acompanhar meu progresso. – É sério, eu amo esse lugar.
Como está?
Viro a cabeça de um lado para o outro e mostro a trança que consegui
fazer sozinha, sem orientação dela.
– Fofo, mas solta um pouco – diz Rachael.
Eu me viro de novo, baixando os olhos para o telefone. Ela está deitada
na cama, apoiada nos travesseiros, um bagel em uma das mãos e o celular na
outra. Para variar, está com um coque bagunçado no topo da cabeça e sem
maquiagem. Escuto a TV no fundo.
– Então a festa é no apartamento?
– Aham. – Começo a mexer na trança, soltando os os e bagunçando
um pouco o penteado. – E você? Vai fazer alguma coisa hoje?
– Maneiro. Estou com inveja. – Rachael dá uma mordida no bagel e olha
para a TV enquanto mastiga. Então, com um suspiro, olha para o celular de
novo. – Sabe o Gregg Stone? Ele era um ano mais velho que eu, então talvez
você não conheça, mas en m. Ele vai dar uma festa em casa hoje. Tiffani e
Dean vão, mas acho que vou car em casa. Estou com cólica.
Ela dá outra mordida, na verdade duas.
– Dean vai? – pergunto, parando o que estou fazendo e soltando o
cabelo. – Ele não comentou.
– Aham – responde ela, de boca cheia. – Ele não ia, mas a Tiffani
argumentou que ele não sentiria tanta saudade de você se estivesse bêbado.
Então, sim. Ele vai.
– Por que ela não podia car em Santa Bárbara nas férias? – resmungo,
baixinho, mas Rachael ouve, porque me olha de cara feia. Ela sempre tenta
deixar todo mundo de bem. Se tem uma coisa que odeia é quando os amigos
não se dão, o que é irônico, porque ela ainda não consegue se entender com
Tyler. Levanto a voz e questiono: – Sério, por que ela está falando para ele
car bêbado? Que lógica é essa?
Dean nunca foi muito de beber.
– Não é uma má ideia – diz Rachael, baixinho, dando de ombros. Ela
pousa o resto do bagel na mesa de cabeceira e se levanta. – Ele está bem
chateado desde que você viajou. Precisa sair um pouco.
– Ah.
Engulo em seco, então pego o laquê e borrifo um pouco no cabelo, para
prender o penteado no lugar, mas não sem sentir uma pontada de culpa.
Aqui estou eu, me esforçando ao máximo para impressionar Tyler, não
Dean, que está do outro lado do país, sendo convencido pela minha querida
amiga Tiffani a se embebedar. Queria que Dean não sentisse tanto a minha
falta.
– E você? Como está aguentando car longe?
Encaro a tela do celular.
– Oi?
– Dean – insiste ela. – Está sentindo saudades deles?
Penso nisso por um segundo. Estou? Estou sentindo saudades dele? Não
tenho certeza. Quero acreditar que sim, que penso nele a cada segundo de
cada dia, mas não é verdade. Estou ocupada demais correndo atrás de Tyler
de novo depois de tantos meses que não passo muito tempo sentindo
saudade de Dean. Mas Rachael está esperando minha resposta, então digo:
– Mais do que tudo. – Quando as palavras deixam meus lábios, me sinto
a pior pessoa do mundo. – Mas, olha, obrigada pela ajuda – digo, forçando
um sorriso enquanto mostro meu cabelo. O penteado está pronto, e gostei. –
Já são quase sete horas. Melhor eu terminar de me arrumar. Cuida do Dean
para mim.
– Deixa comigo – diz Rachael.
A gente se despede e desliga, então me concentro em me arrumar para a
festa, deixando Dean de lado. Não consigo me forçar a pensar nele neste
momento.
No m levo mais quarenta minutos para nalizar a maquiagem e o
cabelo, mas, quando termino, estou extremamente satisfeita. Satisfeita o
bastante para nalmente colocar o vestido.
O caimento dele é como eu lembrava: justo, mas não colado, sexy e ao
mesmo tempo recatado. Gosto de como ele valoriza minha silhueta, e acabo
me olhando no espelho por um tempinho. É a primeira vez em meses que
me arrumo tanto assim. A última vez foi em março, no aniversário da
Rachael.
Ainda estou me admirando no espelho quando ouço vozes pela primeira
vez na última hora, e não é Snake falando. Na verdade, as vozes soam
exatamente como as de Tyler e Emily.
Na mesma hora dou meia-volta, quase tropeçando no meu nécessaire ao
correr pelo quarto. Minha mala ainda está largada no chão, a essa altura só
com sapatos. Pego o único de salto que decidi trazer. É preto também, para
combinar com o vestido. Temendo que Tyler entre a qualquer segundo, me
calço o mais rápido possível e espero um minuto para me equilibrar.
Antes que possa questionar mais uma vez meu visual, saio do quarto
sem sequer dar uma olhada no espelho ao passar. Ainda estou meio
envergonhada por tentar coagir Tyler com meu vestidinho preto, mas tento
não pensar muito nisso ao estender a mão para a maçaneta. Tudo em que
penso ao abrir a porta é: Nossa, sentir ciúme é péssimo.
Vou para a sala, de repente me sentindo nervosa, e na mesma hora baixo
os olhos para o carpete sob meus saltos. Sinto os três olhando para mim,
sinto seus olhares. Ainda de cabeça baixa, vejo que Snake está sentado no
balcão da cozinha, onde eu estava antes, e meio que vejo Tyler arregalar os
olhos ao lado dele. Emily está do outro lado e, por incrível que pareça, é a
primeira a falar.
– Nossa! – diz ela, carregando no sotaque. – Você está incrível, Eden!
Ergo os olhos, na dúvida se ela está sendo sarcástica. Eu a encaro tão
xamente que mais uma vez devo parecer grossa. A sensação é que nunca
dou bola para ela. Ou sorrio para ela. Inclusive, na maior parte do tempo,
njo que ela nem existe. Mas sua expressão transparece sinceridade, então
percebo que ela não está de deboche. Pelo contrário. Está me elogiando de
verdade. Sempre adorei ver meninas elogiarem outras meninas. Agora, de
repente, me sinto péssima por me sentir superior só porque ela ainda está de
jeans e moletom, enquanto estou de vestido e salto alto.
– Valeu – resmungo.
Não consigo olhar para ela, principalmente porque estou um pouco
constrangida, então me viro para Tyler e Snake. Tyler não parece que está
totalmente caidinho por mim ainda, e Snake está balançando a cabeça.
– A pequena Eden das orestas de Portland até que ca bonitinha –
comenta, e dá um sorrisinho brincalhão de novo, e acho que está esperando
que responda alguma coisa, mas não estou mais no clima de briguinhas de
mentira.
Agora estou no clima para car com Tyler.
– Que bonita – diz, nalmente, me analisando dos pés à cabeça, e
quando Snake se vira para mudar a música e Emily vai pegar uma bebida,
ele abre um sorriso. Discreto.
Não é o bastante para mim, então suspiro e vou me sentar no sofá.
Admito que ando rebolando pela sala, meio que esperando que ele ainda
esteja olhando, mas duvido. Sento no sofá mais perto da janela, o que de
certa forma pertence a Tyler, em que ele está dormindo. Não sei bem o que
fazer agora que me aprontei cedo demais, então co admirando a vista. O
sol ainda está entrando pelas janelas, e lá embaixo o trânsito não para, mas
nada de novo. Presto atenção nas pessoas nas calçadas, que parecem
minúsculas daqui de cima. Eu me pergunto se elas moram em Manhattan.
Se estão aqui de férias. Viajando a negócios. Visitando a família. Fugindo.
Fico tão absorta conjecturando a vida delas que nem percebo quando Tyler
se senta ao meu lado.
Olho para ele.
– Olá – digo.
No segundo em que a palavra sai da minha boca, mentalmente reviro os
olhos para mim mesma. Olá?
Mas é como se ele nem me ouvisse, porque em vez de responder, ele
devagar chega o corpo mais perto do meu até nos tocarmos. Isso me
surpreende, especialmente com Snake e Emily a poucos metros de nós, e ele
até coloca a mão no meu joelho ao se inclinar por cima do meu ombro.
– Bonita é pouco – sussurra, com aquele tom rasgado e sexy de novo.
Encaro as veias na mão dele apoiada no meu joelho quando ele respira no
meu ouvido. – Mas sei que você entende que eu não podia dizer em voz alta
que está gostosa pra cacete.
Ele aperta levemente meu joelho ao se afastar de mim, a expressão
tranquila, como se não estivesse ertando, erguendo as sobrancelhas com
um ar de inocência. Agora estou dando pulinhos de alegria, não só porque
meu vestidinho preto parece ter funcionado bem, mas também porque Tyler
está do meu lado de novo.
Sem conseguir responder, co vermelha e mordo o lábio. Vejo Emily
pelo canto do olho e me concentro em Tyler de novo.
– Por que vocês demoraram tanto? Ficaram fora mais de uma hora.
Tyler só dá de ombros.
– Ah, é, a gente começou a conversar e...
Conversar? Ele cou conversando com Emily? Mas o que isso quer
dizer? O que eles dois sequer têm para conversar? Era só para eles
comprarem a porcaria de uns limões.
– Certo, chega – digo, tirando a mão dele do meu joelho e cando de pé.
– Agora eu de nitivamente preciso de uma bebida.
Ouço Tyler suspirar quando me afasto dele, e, quando chego à cozinha,
Emily sai para se arrumar. Ainda bem, porque se ela casse mais tempo ali
tudo que ia conseguir de mim seria uma olhada mal-encarada a cada cinco
minutos. Depois que ela passa por mim, me apoio no balcão e abro um belo
sorriso para Snake. É a minha melhor tentativa de expressar que agora estou
pronta para beber.
– Bartender de Boston ao seu dispor – diz ele, carregando no sotaque,
até fazendo uma mesura.
– Vodca e Coca – murmuro.
Ouço Emily falar alguma coisa na sala, e quando olho por cima do
ombro vejo que está falando com Tyler, que não tira os olhos dela enquanto
se aproximam da porta do quarto, e logo antes de Emily entrar no quarto do
Snake, e Tyler, no dele, eles riem.
Olho para Snake de novo.
– Pode caprichar.

Às nove todos os convidados já estão lá. As meninas do apartamento 1201


são as primeiras a chegar e não são tão selvagens quanto imaginei. Estão
meio apreensivas, e imagino que seja porque eu e Emily estamos aqui. Elas
se apresentam depois de uns cinco minutos. Natalie é a mais alta, com
cabelo preto e liso na altura do quadril, e tem Zoe, que usa óculos de aro
redondo enormes que combinam com seu rosto. Ashley é a mais baixa e
de nitivamente a mais extrovertida. A primeira coisa que ela pergunta para
o Snake é se vão rolar shots em alguma parte do corpo mais tarde.
Dois caras de um apartamento três andares embaixo aparecem, e levo
uma boa hora para nalmente descobrir o nome deles. O louro se chama
Brendon, o ruivo, Alex. Tyler passa mais tempo conversando com eles do
que com as garotas do 1201, então decido que gosto dos dois.
Emily convidou uma amiga em cima da hora, então quando uma
menina tímida chamada Skye aparece na porta sozinha de repente percebo
que estou feliz que ela tenha vindo. Vai manter Emily ocupada, o que para
mim signi ca que vai mantê-la longe de Tyler.
O último a chegar é o namorado de Zoe, um cara de cabelo azul que já
está embriagado antes de sequer pisar no apartamento.
Porém, não estou em posição de julgar, porque já passei e muito do
limite de “altinha”. Acho que, conforme a noite foi passando, Snake foi
fazendo meus drinques bem mais fortes do que eu pedia, mas estou ocupada
demais de olho em Tyler para discutir, então bebo mesmo assim.
Provavelmente é por isso que, menos de uma hora depois do início da festa,
já estou dançando com as meninas do 1201. Tem muitos pulos e alguns
gritos envolvidos, e não sei bem em que tipo de dança me meti, mas com as
luzes baixas me sinto relaxada, como se ninguém pudesse me ver. Estou tão
relaxada que continuo bebendo, continuo pedindo mais drinques para o
Snake, continuo largando os copos vazios no balcão. Posso estar acostumada
a essas coisas agora, considerando quanto Rachael me ensinou nos últimos
anos, mas, quando se trata de consumo excessivo de álcool, não houve
mudança. Continuo tão fraca para bebida quanto ela.
Já passa das onze quando minha cabeça começa a latejar. Tento me
convencer de que é a música alta demais, mas sei que estou mentindo para
mim mesma, então dou um tempo. Eu me jogo no sofá, largada no encosto,
e fecho os olhos por dez minutos. Em retrospecto, acho que é a pior coisa
que eu poderia fazer, porque quando me levanto de novo, a onda bate de
uma vez só. Na mesma hora eu caio para o lado, e a única coisa que me
impede de ir parar em cima da TV é a amiga de Emily, Skye, que me segura,
me coloca de pé e revira os olhos. É preocupante como minha visão cou
distorcida, porque até Skye, que tem cara de tímida, me parece estranha.
– Você está bem? – pergunta, parecendo sóbria como um padre
comparada a mim.
– Aham! Total!
Sei que não estou, mas não quero conversar com ela, então a abraço
sabe-se lá por quê, depois me viro, meio tonta, e me afasto.
Vejo Tyler na cozinha, preparando drinques. Pelo visto, assumiu o papel
de bartender/DJ de Snake por um minuto, então decido me juntar a ele. Não
parece muito bêbado, se é que está, e morde o lábio enquanto encara a
bebida que está preparando.
– E aí? – falo, provavelmente meio arrastado, mas não tenho certeza.
Encontro um espaço vazio no balcão e, toda desajeitada, me sento. É
mais complicado que o normal, como se os meus pulsos estivessem
quebrados, mas nalmente consigo subir depois de alguns segundos de
di culdade. Quando estou em segurança, cruzo as pernas e balanço os pés
devagar.
– E aí? – repito.
– Acho que é melhor você parar de beber agora – murmura ele, mas
nem ergue os olhos.
Ele pega uma garrafa de vodca quase acabando e vira o restinho no
copo. Não sei se é para ele ou para outra pessoa, mas de nitivamente parece
mais interessado na bebida do que em mim.
– Tyler – chamo.
E mais uma vez é possível que minha fala esteja arrastada, talvez
ininteligível. Com a visão borrada, co observando-o de per l. Amo como a
barba por fazer traça perfeitamente a linha de seu queixo, que está barbeado
e liso do jeito certo, e como a camisa branca ca justa no corpo. Tento fazer
charme para ele piscando com exagero, mas ele mal olha para mim, então
faço a única coisa que posso. Deslizo mais alguns centímetros no balcão até
minhas pernas tocarem a cintura dele. É aí que ele para de se concentrar no
drinque.
Ele engole em seco enquanto olha para as minhas coxas. Esfrego a perna
no quadril dele e me pego fazendo biquinho quando uma expressão culpada
toma seu rosto. Ele engole em seco de novo e ergue os olhos.
– O que você está fazendo?
– O que eu estou fazendo? – repito.
Sorrindo da forma mais sedutora que consigo neste momento, ergo as
sobrancelhas com uma expressão ingênua, como se não soubesse bem o que
estou tentando fazer. Toda aquela vodca parece ter aumentado minha
con ança. Tipo, à beça. Estou tão con ante que mal considero que estamos
no meio do apartamento dele, no meio da festa, no meio de um monte de
gente.
– Eden. – Tyler fala o meu nome com rmeza, com um toque de
irritação, como se estivesse se segurando para não perder a paciência. Ele dá
um passo para a esquerda, se afastando de mim e do meu toque. Dando uma
olhada rápida por cima do ombro, tenta se certi car de que ninguém nos
viu. – Aqui não.
– Mas Tyler... – sussurro.
Jogo o braço por cima dos ombros dele e me estico para roubar o
drinque. Se eu estivesse sóbria, de jeito nenhum eu beberia isso,
considerando que a cor é esquisita e não tenho ideia do que tem ali, mas já
passei do ponto de me importar. Levo o copo aos lábios e inclino a cabeça
para trás, dando um longo gole enquanto encaro Tyler por cima da borda.
De nitivamente tem vodca, talvez rum. Suco de cranberry? Seja o que for, o
gosto é bom, e quando Tyler tenta pegar o copo de volta, espalmo a mão no
peito dele e o empurro.
– Não, não.
– Eden, você está bêbada.
Tyler me olha de cara feia por um tempo. Não sei bem se ele está
decepcionado ou irritado, mas suponho que esteja irritado, porque fecha os
olhos por um momento e respira fundo.
Isso me dá a oportunidade perfeita para me inclinar e dar um beijo nele,
e é exatamente o que faço. Envolvo o pescoço dele com os braços e lasco um
beijo na barba por fazer bem na beirada do seu queixo, mas não dura muito.
Ele se afasta imediatamente e me encara com uma cara feia.
– Eden – rosna ele. – Eu estou falando muito sério agora: chega.
Eu desço do balcão, cando de pé meio desajeitada, mas quando
recupero o equilíbrio diminuo a distância entre nós mais uma vez. Ele tenta
se afastar e acaba batendo de costas na porta da lavanderia. Então entra em
pânico, os olhos indo de um lado para outro do apartamento escuro
enquanto tenta descobrir se tem alguém nos observando, mas estou tão
bêbada e tão louca por ele que não me preocupo em me esconder.
– Eden – tenta ele de novo. Seu tom ríspido amoleceu, e sua voz vira um
sussurro. É difícil ouvi-lo com a música. – Pensa direito. Você quer ser pega?
Porque é isso que vai acontecer se você não parar.
Talvez eu casse mais preocupada se estivesse em condições de
compreender o que ele está dizendo, mas no momento as palavras dele não
signi cam nada. No momento, estou desesperada. Desesperada para beijá-
lo, desesperada para estar com ele, desesperada para nalmente fazer tudo
isso funcionar, e preciso desesperadamente dele.
Tyler contrai os lábios e segura meu pulso, se virando e abrindo a porta
da lavanderia. Ele me empurra com força para o quartinho e bate à porta,
mas mal dá para ouvir com o som da festa. Ele ca parado na minha frente
por uns segundos enquanto eu o observo, esperando. Por um momento,
acho que vai dar as costas e sair, mas não. Ele começa a se aproximar de
mim, com a respiração pesada, os olhos entreabertos, e só para quando
nossos corpos estão se tocando de novo.
– Por que você está tornando impossível resistir? – sussurra ele, e
imediatamente pressiona os lábios nos meus, as mãos segurando meu rosto
enquanto ele me empurra contra a secadora.
Ele me beija de um jeito bem diferente de como beijou na segunda, no
capô do carro. Aquele foi lento e profundo. Este não é lento. É rápido e
faminto. Mais embalado por algum tipo de adrenalina sexual. Ele passa as
mãos pelo meu corpo. Meus joelhos perdem as forças, e tenho quase certeza
de que é tanto pela excitação dos lábios dele quanto pelo álcool. Ele
provavelmente sente o gosto na minha língua, como sinto a cerveja na dele,
e eu o beijo, sedenta, com tanta força e desejo quanto minha embriaguez
permite. Minhas mãos tateiam procurando o cinto dele, mas eu mal comecei
a tentar abri-lo quando Tyler para. Suas mãos na mesma hora seguram as
minhas, afastando-as e prendendo-as na secadora atrás de mim. Fico ali
parada, os lábios entreabertos, ofegante, e Tyler me encara sem acreditar.
– Mas o Derek Jeter fez o home run – digo, ofegante.
Posso estar bêbada, mas estou totalmente consciente do acordo que
zemos.
Ainda segurando minhas mãos, ele leva os lábios ao meu pescoço,
beijando minha pele suavemente do queixo até minha clavícula. Isso me faz
estremecer, e tudo que quero é passar as mãos pelo cabelo dele, mas quando
tento fazer isso, ele só as segura com mais força. Sinto a respiração dele na
pele quando dá um último beijo logo abaixo da minha orelha.
– Mas, Eden... – murmura ele, com a voz febril. – Ninguém faz um home
run logo no início do jogo.
15

Na manhã seguinte, tento abrir os olhos e estendo os braços doloridos.


Seguro a perna da mesinha de centro, e só então percebo onde estou:
estirada no chão. O carpete da sala está grudento, efeito das bebidas
derramadas ao longo da noite, e quando nalmente consigo forçar meus
olhos a se abrirem completamente, a sala entra em foco. Tem um feixe fraco
de luz do sol iluminando o apartamento, mas não é forte nem dourado para
já estar de manhã. Pode ser qualquer hora. Pode ser o meio da tarde. Quem
sabe? Nem sei como ou quando a festa acabou. A última coisa de que me
lembro é beijar Tyler na área de serviço. Depois disso... Nada. Branco.
Pelo canto do olho, percebo que meus sapatos estão jogados ali perto.
Não lembro de ter tirado. O apartamento fede a cerveja e cigarro, e acho que
nunca me senti tão nojenta. Sem jeito e meio envergonhada, me levanto do
chão, onde claramente devo ter desmaiado num estupor bêbado a sei lá que
horas da madrugada. Em menos de um segundo em pé, sinto uma pontada
de dor no lado esquerdo da cabeça e respiro o mais fundo possível numa
mísera tentativa de fazer a dor passar. Não ajuda muito. Na verdade, só
parece piorar. A pontada se transforma em algo mais pesado, pulsante.
Pressiono as têmporas enquanto observo o apartamento, mas está coberto
de lixo. As bancadas da cozinha estão cheias de garrafas de cerveja pela
metade, copos de plástico amassados e copinhos de shots. Quando olho de
volta para a sala, co um pouco aliviada de perceber que não sou a única
aqui. Tem mais duas pessoas.
Snake está em um sofá, o cabelo louro todo bagunçado, de barriga para
baixo com o rosto en ado nas almofadas pretas. Está roncando baixinho e
não parece que vai se mexer tão cedo, então pego o braço dele, pendurado
na beirada, e acomodo ao lado de seu corpo.
Em frente, um dos caras do prédio está largado no outro sofá. É o ruivo,
Alex. Sua boca está tão aberta que é capaz de ter deslocado.
Pressiono as têmporas numa segunda tentativa de melhorar a dor de
cabeça e vou para a cozinha, completamente focada na cafeteira e nada mais.
Uma xícara de café viria bem a calhar, ou cinco. Parte de mim chega a
considerar acordar Snake e Alex para oferecer um pouco, mas esse
pensamento é interrompido quando passo pelo espelho da sala.
Paro. Volto e co de frente para ele. Estou boquiaberta, horrorizada.
Meu vestido não está mais nada recatado. Parece ter subido pelas
minhas coxas bem mais do que deveria, e co grata por ninguém ter
acordado ainda para ver. Ajeito a roupa às pressas, só me restando soltar um
suspiro resignado ao ver meu estado. A maquiagem que me esforcei tanto
para fazer não sobreviveu. Meus olhos estão totalmente borrados, e manchas
pretas e prateadas parecem decorar meu rosto inteiro. O rímel está
embolotado, e meus olhos estão inchados e vermelhos. Metade do cabelo
soltou do penteado. Tem os arrepiados para todo lado, e, de novo, suspiro.
Suspiro, suspiro, suspiro. Por que eu fui beber tanto assim?
Eu sei a resposta. É óbvio. Foi por causa de Tyler. Foi por causa de Tyler
e Emily e do fato de que eles levaram mais de uma hora para comprar limões
na porcaria do mercado. Por que eles caram conversando? Não sei do que
eles falaram. Não sei aonde eles foram. Só sei que eu não queria pensar
naquilo, e Snake estava fazendo os drinques, o que de repente parecia muito
interessante. Ontem, beber muito não parecia uma ideia tão ruim. Agora?
Vejo que foi a pior possível.
Estou tonta, com o estômago revirado, e quando dou as costas para o
espelho um novo pensamento me ocorre, um que não tem a ver com café.
De repente, percebo que não sei onde Tyler está. Em geral ele dorme no sofá
em que Alex está largado. Meus olhos imediatamente vão para a porta do
quarto dele. Está fechada. Não o culpo por usar a cama, considerando que
eu estava desmaiada no chão e de nitivamente não precisava dela. Eu me
pergunto se ele tentou me levantar ou se decidiu me deixar lá mesmo. Talvez
ele tenha caído no sono antes de mim. Talvez não tenha nem notado que eu
estava jogada num canto. De qualquer forma, meu corpo está
completamente dolorido pela noite que passei daquele jeito.
Em geral Tyler acorda antes de mim, mas hoje foi diferente, então decido
mudar os papéis desta vez. Hoje vou acordá-lo. Hoje vou levar café para ele.
Costuro o caminho entre os sofás, passando por Snake e Alex, e giro a
maçaneta da porta do quarto dele, que faz um clique baixinho. Abro a porta
devagar. O quarto está completamente escuro, só a luz da sala me
permitindo ver qualquer coisa, e muito quente e abafado.
– Tyler? – Minha voz é baixa e gentil. Estreito meus olhos inchados, que
ainda estão se ajustando à luz. Ele não se mexe. – Tyler – repito, mais alto. –
Acorda.
Ele se mexe um pouco, virando-se para mim, e en a o rosto nos
travesseiros.
– Que horas são? – murmura.
– Não tenho ideia – respondo. – Quer café?
Sem pensar, acendo as luzes, que são tão fortes que Tyler reclama e cobre
o rosto com as cobertas.
– Porra, Eden.
– Ai. Desculpa.
Quando estou indo desligar a luz, ouço um gemido baixo e paro.
Devia ter imaginado. Era agudo demais para ser o Tyler.
Os lençóis se mexem. Minhas sobrancelhas se erguem na mesma hora,
enquanto aos poucos somo dois mais dois, minha mente de ressaca
processando as coisas bem devagar. Emily afasta a coberta e se senta. Ela me
encara, parecendo totalmente desperta de repente. Nós duas camos
paralisadas. Não sei por que co tão surpresa por encontrá-la aqui, ao lado
de Tyler, me encarando só de sutiã de renda preto. Ela arqueja e puxa os
lençóis para se cobrir, olhando de soslaio para Tyler. Ele também está
totalmente acordado agora.
Meu corpo inteiro está dormente. Só consigo balançar a cabeça e voltar
para a porta. Eu sabia.
– Eden – chama Tyler, se levantando.
Ele ainda está de calça jeans, mas tão arriada que vários centímetros da
cueca preta estão aparecendo, o elástico apertando suas entradas do
abdômen. Se fosse em qualquer outra circunstância, eu não conseguiria tirar
os olhos dele. Mas agora estou magoada demais para ligar.
– Não fala nada – sussurro.
Eu o empurro quando ele se aproxima e saio do quarto batendo pé. Sinto
que ele veio atrás de mim, o que só me deixa mais irritada. Paro no meio da
sala e me viro para encará-lo, furiosa.
– Só amigos?
– Você entendeu tudo errado – diz ele, colocando as mãos nos meus
ombros e me encarando com os olhos arregalados.
– Não, Tyler. – Eu tento me soltar, mas ele não deixa. – Eu sabia. Sabia
que tinha alguma coisa aí e agora estou me sentindo idiota por ter
acreditado quando você disse que não tinha. – Minha voz falha, e não sei se
estou decepcionada, irritada ou os dois. Acho que os dois. Estou
decepcionada por ter outra garota, irritada por ele ter mentido. – O que
vocês zeram ontem? Transaram no seu carro?
– Eden – repete ele por entre os dentes trincados. Respira fundo e
estreita os olhos. – Somos. Só. Amigos. – Ele solta o ar e me larga. – A gente
só dormiu. Não foi nada de mais.
Parte de mim quer rir. Ele acha mesmo que sou tão boba assim? Tão
idiota? Dou outro passo para longe.
– E ela acabou seminua? – Meu tom é irônico, e minha voz pinga
veneno, e se eu não estivesse tão furiosa ia começar a chorar. – Aham, Tyler.
– Estava muito quente lá dentro, tá? – retruca ele, os olhos ardendo pela
primeira vez em tanto tempo.
Ele estava conseguindo muito bem se manter calmo. Até agora.
– Eu não acredito em você – sussurro.
Do nada, ouço Snake reclamar:
– Mas que merda é essa, gente?
A voz dele está rouca, e tanto eu quanto Tyler olhamos em sua direção
no mesmo exato momento. Snake olha feio para a gente do sofá, apoiado
nos cotovelos, os olhos entreabertos.
Eu me viro de volta para Tyler, que está balançando a cabeça, se para
Snake, para mim ou para nós dois, eu não sei. Com a expressão ainda séria,
ele se afasta em direção à porta do apartamento, sem nem se preocupar em
vestir uma camisa.
– Onde você acha que está indo? – grito, desesperada.
Como ele ousa me dar as costas? Isso só faz com que pareça ainda mais
culpado. Nossa discussão ainda não acabou, e co ainda mais chateada do
que estava antes.
– Para o telhado! – retruca Tyler, batendo a porta com força ao sair e me
deixando parada sem acreditar.
– Meu Deus – reclama Snake. – Qual o problema de vocês?
Ele se levanta, me olhando de cara feia como se fosse tudo minha culpa e
se arrasta até a cozinha. Seus passos são meio cambaleantes, e é possível que
ele ainda esteja meio bêbado. Alex, no entanto, mesmo com toda a confusão,
continua na mesma posição. Ainda está dormindo.
– Tyler é um mentiroso, esse é o problema – reclamo. Os olhos de Snake
não deixam os meus quando ele para ao lado da cafeteira. Ele me encara
com uma expressão curiosa, como se esperasse que eu explicasse o que
aconteceu. É uma explicação que ele não vai receber. – Snake – peço. – Por
favor, por favorzinho, me faz um café antes que eu morra.
– Eden?
Eu me viro e vejo Emily. Ela está parada perto da porta do quarto do
Tyler, mas agora vestida. Com a camisa que Tyler estava usando ontem à
noite. Isso só me deixa mais irada.
– O quê?
Cruzo os braços por cima do meu vestidinho preto que não parece mais
nada atraente.
Emily segura as pontas do cabelo, girando uma mecha nos dedos.
– Posso conversar com você?
Para ser sincera, ela parece mesmo bem envergonhada, a voz falhando
um pouco. Não desperta em mim nenhuma compaixão. Na verdade, só faz
com que pareça culpada também.
– Acho que não tem nada que você possa dizer que justi que isso –
declaro, em alto e bom som, só para não deixar dúvidas de que não estou
nada contente. Ouço a cafeteira ao fundo e percebo que Snake está de olho
na gente, então concluo naquele momento que pre ro que ele não se
envolva. Então contraio os lábios e acrescento: – Mas tudo bem.
Com os braços ainda cruzados, volto para o quarto de Tyler, quase
esbarrando em Emily. Pelo menos ela tem o bom senso de fechar a porta
para nos dar alguma privacidade, e liga a luz. Desta vez não tem ninguém
para reclamar.
– Eden – começa ela –, eu sei o que isso tudo pareceu e entendo que
você esteja chateada. Tipo, ele é seu irmão, então é estranho para você, né? –
Ela gesticula enquanto fala e arregala os olhos, e parece que está tentando
me convencer de que é inocente, mas não baixo a guarda e não falo de nada,
só a encaro. – A gente não dormiu junto – completa ela, baixinho. – Eu juro,
não aconteceu nada. A gente é só amigo.
Eu poderia car parada aqui e discutir isso o dia todo, mas as palavras
dela me fazem re etir, e levo um momento para chegar à conclusão: ele é seu
irmão, então é estranho para você. É assim que ela enxerga a situação. Devo
estar parecendo a irmã postiça doida e superprotetora, e percebo que nos
últimos dez minutos eu esqueci totalmente que nenhuma dessas pessoas
sabe. Alex no sofá não sabe. Snake não sabe. Emily não sabe. Nenhum
deles sabe que estou apaixonada por Tyler. Nenhum deles tem a menor
ideia.
Agora, só pareço insana.
Eu sei que preciso relaxar, não importa se eles transaram ou não, do
contrário minha raiva vai soar desproporcional. Culpados ou não, preciso
deixar pra lá. Não sei ainda se estão falando a verdade ou mentindo na cara
dura, mas, de qualquer forma, só suspiro.
– Tanto faz – digo. É difícil me forçar a parecer indiferente, a ngir que a
situação não me incomoda, mas é o que faço, porque manter meu segredo
com Tyler é mais importante. – Eu sei que não é da minha conta. Sabe, só é
esquisito, porque é o meu quarto enquanto estou aqui.
– Eu juro, Eden, eu nunca faria isso – insiste ela.
Parte de mim se pergunta se ela está mentindo, mas uma irmã postiça
não questionaria isso, então co quieta. Parece que a cada dia ca mais
difícil ngir que não tem nada acontecendo. Sempre esqueço que, para todo
mundo, somos só irmãos de consideração. Para Tyler e para mim, somos
muito mais.
Há uma batida na porta, e Snake entra sem esperar que a gente dê o sinal
verde. Está com três canecas de café fumegantes, passa uma para mim, outra
para Emily e ca com a terceira.
– Achei que vocês estavam precisando – diz ele, balançando a cabeça.
Também está usando as roupas de ontem, só que com a camisa desabotoada.
Tem uma tatuagem de sol no peito, e percebe que tanto eu quanto Emily
camos olhando. – É porque eu sou quente que nem o sol – responde, antes
que a gente sequer pergunte.
Não sei se está brincando ou não.
De qualquer maneira, minha cabeça ainda está latejando, então envolvo
a caneca de café com as mãos e vou para a sala sem me dignar a olhar para
Emily. Ainda tem um cheiro horrível de bebida impregnado no ar. Quando
me sento no sofá e olho para Alex do outro lado da mesinha de centro,
percebo que ele ainda não se mexeu um centímetro.
Snake se aproxima trocando os pés e se senta ao meu lado. Dou uma
olhada nele e então indico com a cabeça o cara que passou a noite aqui.
– Não vai acordar ele?
– Nada... – diz Snake, balançando a cabeça. – Vou falar para o Brendon
vir buscar. – Ele dá um gole no café fazendo barulho e suspira. – Nossa,
estou podre. E você?
– Não muito bem – admito. E, com isso, noto mais uma vez como a
minha cabeça está latejando, e de repente a dor parece muito mais forte do
que quando acordei. Mas pelo menos não estou com vontade de vomitar. –
Vocês têm analgésico?
– No segundo armário da esquerda, na prateleira de cima – informa
Snake, apontando com a caneca para a cozinha.
Eu me levanto, bebendo um longo gole de café antes de pousar a caneca
na mesa de centro, e vou para a cozinha. Até andar é difícil. Minhas costas
doem, e eu gostaria de descansar um pouco, mas estou agitada demais para
dormir. Abro o armário e co na ponta dos pés, vasculhando o que tem lá.
Minhas mãos só parecem alcançar isqueiros.
– Você fuma ou alguma coisa assim? – grito para Snake.
– Quê? – pergunta ele, sem entender. Eu mostro um isqueiro enquanto
continuo a procurar com a outra mão, sem me virar. – Ah, isso. Não, não é
nada. Achou o remédio? Caixa vermelha?
– Achei – falo. Pego um copo de água e tomo dois comprimidos,
torcendo para fazer efeito, e volto para a sala para pegar meu café. Não me
sento, só encaro Snake com uma cara desanimada. – Vou tomar um banho.
– Faço uma careta para Alex de novo. Estou começando a me perguntar se
ele está vivo. – Não esquece de levá-lo para casa.
Snake assente e se afunda ainda mais no sofá. Atrás dele, Emily passa
correndo do quarto de Tyler para o de Snake, que tecnicamente é dela, como
o de Tyler é meu durante o verão. Ainda está usando a camisa do Tyler, mas
está com o vestido e os sapatos nas mãos, parecendo bem envergonhada.
Pelo menos a caminhada da vergonha é de poucos metros.
Ainda bem que ela saiu do quarto de Tyler, porque agora posso entrar
para pegar roupas limpas. Segurando o café, vou até lá e, ao entrar, me
surpreendo ao ver que Emily arrumou o quarto. As cortinas e as janelas
estão abertas para deixar sol e ar fresco entrarem. A cama está arrumada e
perfeita, com os travesseiros afofados. Até as minhas coisas, que estavam
largadas pelo quarto, parecem mais organizadas.
Pego uma calça de moletom e um casaco de capuz e corro para o
banheiro antes que Emily entre. Um banho quente é a melhor coisa para
curar ressaca, então aumento a temperatura e co debaixo da água, com as
costas apoiadas na parede e os olhos fechados. Fico assim um tempo, só
respirando. Tento relaxar um pouco, mas não consigo. Ainda estou irritada
com Tyler. Emily? Nem tanto. Ela sabe de mim e Tyler, e pelo menos ela teve
a coragem de car em casa, ao contrário de Tyler, que fugiu na primeira
oportunidade.
Enrolo no banheiro por meia hora, lavando o cabelo, depois me visto e
levanto o capuz do moletom. Volto para a sala como se utuasse, segurando
o vestidinho preto. Acho que nunca mais vou usá-lo. Eu me abaixo e pego os
sapatos no chão da sala, e noto que Alex não está mais no sofá. Emily e
Snake surgem do nada, disputando o banheiro, mas Emily ganha a corrida e
fecha a porta na cara de Snake, que reclama.
– Sério? – grita ele para a porta. – Vocês levam séculos no banheiro. Eu
vou sair em cinco minutos. Me deixa ir primeiro.
– Você pode me ajudar a limpar a casa – sugiro do outro lado da sala.
Snake estica o pescoço e faz cara feia. – O quê? – insisto. – A gente vai ter
que fazer isso em algum momento mesmo.
Volto para o quarto de Tyler e jogo o vestido e os sapatos na mala, sem
me dar ao trabalho de arrumar nada, então volto para a sala.
Surpreendentemente, não preciso de muito esforço para convencer Snake a
me ajudar. Nos vinte minutos que Emily leva no banheiro, nós dois
começamos a limpar o apartamento. Começamos na cozinha, guardando as
bebidas que sobraram na geladeira e jogando garrafas e latas vazias no lixo.
O balcão está grudento com bebidas derramadas, então, enquanto lavo a pia,
Snake junta todos os copos, canudos e copinhos de shots espalhados pelo
apartamento, não sem reclamar.
Ele sai correndo para o banheiro no segundo em que Emily abre a porta,
então eles trocam de lugar. É a vez de Emily ajudar na limpeza, embora a
gente faça tudo sem dar um pio. O silêncio começa a car tenso demais,
então ligo a TV para ter algum som de fundo. Abro todas as janelas
possíveis e uso o desodorizador em todos os cômodos. Emily pega o
aspirador de pó na área de serviço e passa no apartamento inteiro, até nos
quartos. Deixo o restante da limpeza para ela e me tranco no quarto de Tyler
para secar o cabelo. Quanto mais tempo passa, mais começo a me perguntar
por que ele está demorando tanto.
Ele está no telhado já faz mais de uma hora. Não costumava levar tanto
tempo para se acalmar. Quando Snake sai do banho, peço que ele vá conferir
o que Tyler está fazendo. Ele revira os olhos, mas obedece mesmo assim.
Cinco minutos depois, ele volta.
– Ele não está lá – diz, dando de ombros.
Tiro os olhos da TV, encarando-o com uma expressão cética. Não sei se
ele está brincando comigo ou não.
– O quê?
– Ele não está no telhado.
– Então onde está?
Não sei onde mais ele poderia ter ido. Impossível que tenha saído do
prédio. Está só de calça jeans.
– Sei lá – responde Snake, dando de ombros de novo. Ele se apoia no
balcão da cozinha, e é sua vez de me olhar com uma expressão cética. – Por
que vocês estavam discutindo, a nal?
– Por nada – respondo na hora.
Ele provavelmente vai acabar descobrindo, mas no momento não quero
falar sobre isso.
Snake faz uma careta para mim e imagino que vá insistir, mas ele não
parece nem um pouco interessado no assunto. Se vira para a geladeira e
começa a procurar alguma coisa para comer.
Olho para a TV de novo, mas sem prestar muita atenção. Estou
pensando em Tyler. Apesar de não querer falar com ele agora, ligo para seu
celular, mas não adianta. Ouço o toque no quarto. Desligo e respiro fundo, e
sai algo entre um suspiro e um gemido. Onde será que ele está?
Mas tudo bem. Está passando A dama e o vagabundo. Snake me sacaneia
da cozinha por quinze minutos enquanto come um sanduíche atrás do
outro, mas eu o ignoro, aumentando o volume cada vez que ele abre a boca
para falar. Filmes da Disney não são infantis como ele acha. Também não
são idiotas, e quando ele para de zombar de mim por causa disso, decide
visitar as meninas do 1201 para ver se elas também estão de ressaca.
É legal ter um pouco de paz quando ele sai. Emily, por outro lado, não
sai do quarto de Snake faz quarenta minutos, então acho que dormiu. Tenho
a sala só para mim, sem ninguém para reclamar da minha escolha de lme,
e aproveito para me esticar no sofá e me acomodar nas almofadas.
Termino de ver o lme antes de Snake voltar e Emily acordar, e já faz
quase três horas desde que Tyler saiu. Não consigo imaginar aonde ele possa
ter ido. Talvez estivesse se escondendo no 1201 ou no apartamento de Alex e
Brendon três andares abaixo. Pode ter se trancado no carro para me evitar.
Pode estar em qualquer lugar no prédio. Mais cedo ou mais tarde ele vai ter
que voltar e me encarar.
Então ouço uma chave na fechadura e imagino que seja Snake. Paro o
lme e me levanto um pouco no sofá para olhar a porta. Meus olhos
encontram os de Tyler
– Até que en m – digo. Parecendo nervoso, ele fecha a porta e baixa os
olhos. De alguma forma ele trocou de roupa, para uma bermuda preta e
camiseta cinza. – De onde saíram as roupas?
– Minha bolsa da academia estava no carro – responde ele baixinho. Ele
morde o lábio por um segundo antes de reunir coragem e se aproximar. –
Cadê todo mundo?
– Snake está com as meninas no 1201 e acho que Emily dormiu. Então
acho que é a hora perfeita para você ser honesto comigo. – Eu me levanto e
desligo a TV, o silêncio crescendo ao nosso redor enquanto dou a volta no
sofá, parando na frente dele. – Por favor, só me diz o que aconteceu.
– Não aconteceu nada, Eden – repete ele, a voz suave e sincera, muito
mais calma que antes. Seus olhos estão gentis e distantes de novo, embora
um pouco vermelhos. – Não entendo por que você não acredita em mim.
Que motivo já dei para você duvidar de mim? Quantas vezes você precisa
que eu te diga que a Emily é só minha amiga? – A voz dele ca rme. – Não
aconteceu nada ontem à noite – repete ele devagar. – Não aconteceu nem
nunca vai acontecer.
– Bom saber que você cou de conchinha com ela na cama enquanto eu
dormia no chão – resmungo, porque é a única coisa em que consigo pensar
para dizer no momento.
Parece que Emily é a prioridade dele, e não eu. Que Tyler teve que
escolher de quem cuidar ontem e claramente escolheu Emily, o que não bate
muito com o que está dizendo.
– Você dormiu no chão? Eu não sabia disso!
Só consigo encará-lo sem dizer nada. Ele parece sincero, mas Tyler é um
ótimo ator. Anos atrás, enganou todo mundo. Ninguém nunca suspeitou de
que ele estava desmoronando por dentro, de que não era o cara durão que
sempre ngia ser. Guardar segredos é sua especialidade. Talvez esteja
mentindo para mim neste exato momento.
– Eu só não sei o que pensar, Tyler – murmuro por m.
– Você me vê olhando para ela do jeito que eu olho para você? –
pergunta ele.
Ele dá um passo para perto de mim, me olha com delicadeza, o canto
dos olhos se enrugando.
– Não.
– Exatamente, Eden – diz ele, frustrado. – Estou cando estressado
porque você nunca acredita em mim e pensei um pouco no que tenho que
fazer para te provar que é você que eu quero. – Ele para um segundo e
balança a cabeça com um suspiro. – Sabe de uma coisa? Foda-se. Eu não
quero você. Eu preciso de você.
– Precisa? – repito.
– Preciso – con rma ele, assentindo. – Eu preciso de você porque você é
uma das poucas pessoas em que con o. Eu preciso de você porque você viu
como eu era e mesmo assim cou comigo. Eu preciso de você porque sou
apaixonado por você, Eden, e não tenho ideia de como te esquecer. – As
palavras dele me tocam tanto que acho que nem pisco. Só co ali parada,
ouvindo, e ca claro de uma vez por todas que ele não está mentindo. Seu
tom é quase de súplica. – Eu z uma coisa para provar.
Devagar, ele dobra a manga esquerda da camiseta, deixando o bíceps à
mostra, gigante como sempre, enrolado em papel- lme. Embaixo, a tinta
preta brilhante me encara. Mordendo o lábio, ele tira o plástico e gira o
braço para que eu veja. Em letras pequenas, pretas e grossas, está o meu
nome. Nada mais. Quatro letras. Tão simples, mas tão idiota. Primeiro co
surpresa, logo depois co irritada.
– Você só pode estar de brincadeira.
Por que ele sequer pensaria em fazer algo tão insano? Estreito os olhos
para a tatuagem por mais um segundo numa tentativa de descobrir se é só
hena. Torço para que seja, mas a pele está vermelha e inchada e tem alguns
pontos de sangue. Sinto meu peito afundar.
– É de verdade – diz Tyler, declarando o óbvio. – Permanente.
– Você é tão irracional. – Dou um passo para longe, sem tirar os olhos
da tatuagem. Meu nome. Será que ele não imagina que as pessoas são
temporárias? Não sabe que as coisas podem mudar? No momento, parece
que o que quer que haja entre nós é real e in nito, mas a verdade é que
nenhum de nós sabe o que pode acontecer nos próximos meses e anos.
Ainda surpresa, eu o encaro. – E se eu escolher o Dean, Tyler?
– Eu sei que você não vai escolher o Dean – diz ele, balançando a cabeça.
– Por que você acha isso?
– Porque, se você estivesse mesmo planejando car com o Dean, não
teria feito aquele acordo comigo – diz ele, com razão. – Não teria torcido
tanto pelo Derek Jeter.
– Eu ainda não escolhi – respondo, de repente. Mas acho que já escolhi,
sim. Acho que sei que, no m, é com Tyler que vou car. Se eu achasse que
existisse qualquer esperança para Dean, não faria o que estou fazendo. Não
o evitaria a todo custo. – Ainda assim isso é muito idiota, Tyler – murmuro.
Tyler olha para baixo e analisa a tatuagem por um momento.
– Eu gostei.
– E o que você vai fazer quando voltarmos para casa e os nossos pais
virem isso?
Cruzo os braços. Começo a entrar em pânico só de pensar. Talvez a
gente possa car em Nova York para sempre. Talvez a gente possa se
esconder aqui e nunca mais voltar para Santa Monica. Por mim tudo bem.
– Como você vai explicar isso? E aí? – insisto.
Tyler me encara, os olhos arregalados e irradiando empolgação. Dá de
ombros.
– Acho que a gente vai ter que contar a verdade.
E, para a minha completa surpresa, ele sorri, como se a ideia de as
pessoas saberem do nosso segredo não parecesse mais o m do mundo.
16

– Hum – digo no m da manhã de quarta-feira enquanto observo o prato


que Tyler me entregou. Ele decidiu me agradar e me trazer um lanche.
Infelizmente, a torrada está preta de tão queimada. – Quer dizer, dá para...
comer? – Pego a torrada e bato na beirada do prato. Dura como pedra. Dou
um sorrisinho. – É a intenção que conta, não é?
Tyler ri do outro lado do balcão, balançando a cabeça com o rosto entre
as mãos.
– Minha mãe não caria nada impressionada agora – resmunga ele,
rindo da sua tentativa. Ele se estica e pega o prato de volta, jogando a
torrada no lixo. – Vou tentar de novo – diz. Ele se apoia na pia e me olha de
um jeito sedutor. – Na verdade, acho que preciso da sua sabedoria.
Reviro os olhos e dou a volta no balcão para me juntar a ele,
empurrando-o para o lado enquanto pego o pão. Coloco quatro fatias na
torradeira e aperto o botão, me apoiando no balcão e cruzando os braços.
– Você tem dezenove anos e não consegue fazer uma torrada sem
queimar?
– Em minha defesa – responde Tyler –, eu estava ocupado demais
olhando para você.
Dou um tapa no braço dele, com cuidado para não encostar na tatuagem
nova no bíceps, que começou a descascar, então faço um biquinho.
– Fala alguma coisa em espanhol de novo?
Tyler ergue as sobrancelhas, descon ado, o corpo espelhando o meu, de
braços cruzados.
– É só isso que você vai fazer pelo resto da vida? Me pedir para falar
espanhol?
– Bom – digo, dando de ombros –, é meio sexy.
Ele ri, e por um segundo só co observando. Estudando a expressão nos
seus olhos. Ouvindo. Dois anos atrás, ele não ria assim. Ele nunca ria com
sinceridade. Era sempre uma risada sarcástica e dura, mas agora é suave,
gentil e alegre. Sinto aquela aura positiva em torno dele de novo, todos os
dias, como nunca via antes. Acho que vê-lo tão genuinamente feliz é a coisa
mais atraente nele agora. Essa transformação dele... Eu não poderia estar
mais orgulhosa. Estou sorrindo, mas ele nem parece perceber meu olhar de
admiração.
– Me estoy muriendo por besarte – diz ele com um sorrisinho.
As palavras são familiares, e tenho que pensar por um segundo para
descobrir onde as ouvi antes. Não levo muito tempo para sacar.
– Isso não signi ca que...
– Estou morrendo de vontade de te beijar? – completa ele, erguendo a
sobrancelha e dando um passo na minha direção. – Signi ca, sim. – Antes
que eu possa rir, corar ou reagir, ele me beija. Um beijo só. Rápido. Então
outro, mais devagar, enquanto pousa a mão na minha cintura. – Me diz
alguma coisa em francês.
Acho que o bom humor dele é contagioso. Decido ser corajosa e
murmurar:
– O que acha de Je t’aime?
Tyler ca paralisado, mas a expressão nos seus olhos muda.
– Depende. Se eu me declarar para você em espanhol, o que você
acharia? – responde ele, baixinho.
Ele ainda está sorrindo, eu também, e acho que nenhum dos dois está
pronto para dizer isso em inglês por enquanto. Mais uma vez, ele me beija, e
bem quando acho que o beijo vai virar algo mais intenso, ouço as torradas
pularem.
Tyler se afasta de mim e começa a rir antes que eu olhe para a torradeira.
Solto um suspiro. Queimadas de novo.
– Acho que é melhor a gente desistir da história da torrada – falo, sem
conseguir segurar uma risada também. Nós somos ridículos.
– Sem dúvida – responde ele. – Te levo para almoçar para compensar.
Aonde você quiser ir, eu estou dentro.
Antes que eu aceite a oferta, meu telefone começa a tocar na mesinha da
sala. Eu passo por Tyler para atender. Não é meu toque normal, e quando
pego o celular, percebo que é porque estou recebendo uma ligação de vídeo.
Dean.
Decido recusar automaticamente, mas me detenho. O telefone ainda está
tocando, e Tyler me olha descon ado da cozinha. Não falo com Dean faz
alguns dias, desde domingo. Eu sei que tenho que atender, então dou de
ombros para Tyler com um olhar de desculpas e aceito a ligação.
– Oiê – digo, o mais animada que posso parecer sem soar falsa demais.
Leva um momento para o rosto de Dean aparecer, e ele me encara na
tela, perplexo. Acho que ele não me ouviu, então aceno para mostrar que
estou mesmo aqui. Na mesma hora seu rosto se ilumina.
– Oi! Você atendeu!
– Claro que sim – digo. – E aí?
– Estou saindo para o trabalho – diz ele, mas eu já sei disso. Ele está com
o inconfundível macacão azul da o cina, cheio de manchas de óleo, o cabelo
todo bagunçado. – Achei que podia falar com a menina que mais gosto no
mundo antes. Como estão as coisas aí?
– São quase oito aí, né? Aqui são onze. – Afundo no sofá, cruzando as
pernas e mantendo o celular na minha frente, tentando concentrar toda a
minha atenção no meu namorado. É difícil ignorar o fato de que sinto os
olhos de Tyler xos em mim do outro lado do cômodo. – Eu estou ótima.
De bobeira.
Dean ergue a sobrancelha.
– Alguma coisa que você queira me contar?
– Não.
Não consigo olhar nos olhos dele, então miro seu ombro. Ele
provavelmente não percebeu. Estou me sentindo culpada demais para
encará-lo.
– Nada de novo desde domingo?
– Só passando o tempo, acho. – Dou de ombros e me afundo no sofá.
Pelo canto do olho, vejo Tyler jogando as novas torradas queimadas no lixo.
– Como estão as coisas aí?
Dean revira os olhos e respira fundo.
– Rachael teve um colapso nervoso porque o cabeleireiro cortou demais
o cabelo dela ou sei lá o quê. Agora ela se recusa a sair de casa. Meghan volta
da Europa semana que vem, Tiffani está basicamente morando na praia
porque se convenceu de que a areia aqui é melhor do que em Santa Bárbara,
um garoto novo começou a trabalhar na o cina do meu pai sem ter ideia do
que é uma chave inglesa, minha mãe mandou dizer que está com saudade de
você nos jantares aqui em casa e meu pai mandou um oi. Acho que é
basicamente isso. – Ele suspira, rindo. É estranho ouvir a risada dele e não a
de Tyler agora. É ainda mais estranho ver seus olhos escuros quando estou
tão acostumada com os olhos cor de esmeralda de Tyler. – Ei, o que vocês
vão fazer amanhã para comemorar o Quatro de Julho?
Dou uma olhada para Tyler, que está debruçado no balcão da cozinha,
com um sorriso nos lábios. Quatro de Julho sempre nos traz lembranças.
Amanhã vai fazer exatamente dois anos que percebi que gostava de Tyler do
jeito que não deveria. Amanhã vai fazer dois anos que fomos presos por
invasão de propriedade. Eu nem me lembro de comemorar a independência
do nosso país naquela noite. Só me lembro de me sentir mais confusa do que
nunca na vida.
Engolindo o nó na garganta, olho para Dean, que sorri para mim.
– Ainda não decidimos – respondo, com a boca seca. – Tyler quer car
em Nova York, mas o colega de quarto dele quer que vamos para Boston. De
qualquer forma, vamos ver os fogos em algum rio. Provavelmente vão ter
que decidir no cara ou coroa. E você?
– Acho que a gente vai para a Marina del Rey.
Eu ia responder, mas de repente me distraio quando a qualidade da
ligação melhora, cando mais nítida e bem menos pixelada. Estreito os
olhos.
– Eu estou vendo... uma barba aí no seu queixo?
– Talvez. – Tímido, ele coça o queixo e força uma expressão sensual para
a câmera. – Pensei em deixar a barba crescer no verão. Eu sei que você não
gosta, mas você não está aqui, então por que não?
Meus olhos são atraídos por Tyler de novo. Ele ergue as sobrancelhas
para mim e toca o próprio rosto, indicando a barba. Seu sorriso nunca
deixou os lábios.
Faço uma cara feia para ele, deixando claro que não quero que ele me
distraia agora, especialmente quando estou tentando falar com Dean.
Coloco a ligação no mudo por um instante e falo:
– Eu gosto da barba em você.
Então volto a olhar para meu namorado.
– Oi, acho que a ligação cortou – diz Dean, franzindo a testa para mim
do outro lado do país. – O que você falou?
– Nada, só estava falando com o Tyler – respondo.
No momento em que digo isso, me arrependo. Não deveria ter
mencionado que Tyler está aqui. Na cozinha, ele se levanta e olha para mim
de cara feia.
– Ele está aí? – pergunta Dean, o rosto se iluminando de curiosidade. Eu
sabia que não deveria ter falado nada. Ele ergue a voz e chama – Ei, cara,
vem aqui.
Não está falando comigo. Está falando com Tyler, que balança a cabeça
do outro lado do apartamento.
– Ahhh, um segundo – me apresso em dizer.
Dessa vez eu bloqueio a câmera e muto o microfone, me virando para
Tyler desesperada.
– Tá, eu sei que eu não deveria ter dito que você está aqui, mas, por
favor, só fala com ele um segundo.
– Não – responde Tyler com rmeza, balançando as mãos para dar
ênfase. – De jeito nenhum. Não, não, não.
– Por favoooooor – imploro, franzindo os olhos e fazendo biquinho. –
Se você não vier, ele vai querer saber por que você está sendo tão babaca.
Você é o melhor amigo dele, lembra? Precisa agir normalmente.
– Eden, caso você tenha esquecido, eu sou o cara com quem a namorada
dele está o traindo – resmunga Tyler, apertando as têmporas. Com um olhar
sério, ele completa: – Não vou falar com ele.
Solto um gemido e volto para o celular, liberando a ligação de novo.
Dean está esperando pacientemente.
– Ele não pode falar agora – minto – Está pelado.
– Pelado?
Dean me olha com uma cara estranha, e Tyler joga as mãos para o alto,
sem acreditar.
– Quer dizer, ele está trocando de roupa. No quarto. Não aqui.
Meu falatório deve estar sendo mais constrangedor para Tyler do que a
ideia de falar com Dean, porque ele vem da cozinha e pega o celular da
minha mão, erguendo-o na frente do rosto, um sorriso falso nos lábios.
– E aí, cara. Foi mal, estava colocando uma camisa. E aí?
Olho para Tyler do sofá, surpresa, e ouço Dean responder:
– Cara! Não te vejo há séculos! Por aqui tudo bem. Mas com muita
saudade da Eden.
– Imagino – responde Tyler, seco. – Mas ela está se divertindo bastante.
Vejo que ele cou irritado por eu tê-lo forçado a falar com Dean, mas
não temos escolha. Dean não pode descobrir ainda, especialmente enquanto
estamos cada um de um lado do país, e sei que preciso lidar com isso cara a
cara. De certa forma, parece que estamos mentindo para ele agora, mas a
única opção que temos é ngir que está tudo bem, mesmo não estando.
Dean caria arrasado se descobrisse assim, numa ligação, a milhares de
quilômetros de distância, então somos forçados a mentir, e embora seja
muito difícil, estamos fazendo isso para o bem dele. Não sei como vamos
contar. Não sei o que devemos falar, mas sei que ainda temos três semanas
para descobrir. Vamos resolver isso. Vamos ser honestos e sinceros, vamos
nos explicar, e fazer tudo do jeito certo. É o mínimo que Dean merece.
Tyler se senta do meu lado no sofá, o corpo próximo do meu enquanto
ele estende o braço com o celular na nossa frente, tentando enquadrar nós
dois. Por dez minutos, contamos tudo sobre Nova York, sobre como a
comida italiana aqui é incrível, e ele nos conta todos os últimos
acontecimentos de Santa Monica. Uma menina da minha sala cou noiva de
um cara dez anos mais velho. Um cara da turma de história americana do
Dean foi preso por estupro. Felizmente chega a hora de Dean ir para o
trabalho. Quando desligamos a ligação, Tyler afunda no sofá.
– Com certeza vamos para o inferno – resmunga ele. Só consigo suspirar
ao lado dele, sentindo culpa e vergonha. Dean não merece isso. Depois de
um segundo, Tyler se ajeita e vira para o lado para me olhar. – Isso vai
acabar com ele. Não tem jeito. Vamos ter que ser diretos e aceitar o fato de
que zemos merda. Quando vamos contar para ele?
– Assim que voltarmos para casa. Não podemos esperar mais –
respondo. Não consigo olhar para Tyler. Meus cotovelos estão apoiados nos
joelhos, o rosto, nas mãos, as costas encurvadas. – É injusto com ele.
A voz de Tyler é solene e baixa.
– Você acha que algum dia ele vai perdoar a gente?
– Acho que sim, um dia – murmuro.
Não o culparia caso contrário, mas gosto de pensar que isso vai
acontecer no futuro. É o Dean. O nosso Dean. Ele nunca guardou rancor de
ninguém na vida.
– Meu Deus, eu sou um péssimo melhor amigo – resmunga Tyler.
– E eu sou uma namorada pior ainda – completo.
Vai ser difícil contar para ele. É como se ele perdesse a namorada e o
melhor amigo ao mesmo tempo. Traído pelos dois.
Do nada, Tyler segura minha perna.
– Eden – diz ele. – Isso signi ca que você está mesmo me escolhendo?
A impulsividade da pergunta não me surpreende. Em vez disso, suas
palavras são absorvidas lentamente enquanto respiro fundo. Calma,
nalmente me viro para ele e me deparo com seus olhos verdes arregalados
e sem brilho. Está quase preocupado, como se achasse que eu pudesse dizer
que não.
– Eu sempre vou escolher você – sussurro.
Vejo o alívio nos olhos dele, embora sua expressão permaneça a mesma.
– E o que me escolher signi ca? – pergunta, me encarando com
intensidade.
– Você sabe o que signi ca, Tyler. – Seguro a mão dele apoiada na minha
coxa, erguendo-a e entrelaçando meus dedos aos dele, um encaixe perfeito.
Como tem que ser. Como sempre foi. – Signi ca que quero car com você. –
Minha voz está decidida. Não estou nervosa. Não estou na dúvida. Estou
contente por saber que não estou dizendo nada além da verdade. – Mesmo.
Tyler contém um sorriso enquanto tenta car sério, mas não me impede
de perceber como seu rosto se ilumina com as minhas palavras.
– Você sabe que vamos ter que conversar com os nossos pais, né?
– Eu sei. – De novo, suspiro, um longo suspiro. Um suspiro que prendo
faz dois anos. Contar aos nossos pais é a coisa mais assustadora que vamos
fazer, e parece que o momento está cada vez mais próximo. Vai ser um alívio
quando acabarmos logo com isso. – Estou pronta.
– E de nitivamente não vai desistir de novo? – pergunta Tyler,
apertando minha mão, apreensivo. Suas palavras são rápidas e animadas. –
Não vai mudar de ideia quando chegar a hora?
– Tyler – digo com rmeza. – Eu vou encarar isso se você estiver comigo.
– Abrindo um sorriso, completo: – No te rindas.
As palavras de Tyler na minha primeira noite em Nova York. As palavras
que ele rabiscou no tênis que me deu. As palavras que têm um signi cado
tão simples, mas tão importante: não desista.
Tyler abre um sorriso de orelha a orelha, os olhos faiscando, os dentes
brilhando, a mandíbula rme, vibrações positivas irradiando dele.
– Ainda bem que você não desistiu.
17

– ... e isso sem falar do La Breve Vita. Acho que eles são italianos. Ela adora.
Sempre fecha os olhos quando ouve música, porque é meio esquisitinha.
Mas eu acho legal. Toda vez que eu entrava no quarto dela, ela estava lá
sentada, com os fones, de olhos fechados. Metade das vezes acho que ela
nem sabia que eu tinha entrado. Ela nunca abria os olhos, mas cava tão
bonitinha. Esquisita, mas bonitinha.
Não lembro o exato momento em que acordo. Parece gradual, e aos
poucos percebo as palavras chegando de um lugar de perto de mim. Estou
enrolada no edredom de Tyler e co ali deitada uns minutinhos enquanto
desperto. Nem assimilo completamente o que está acontecendo até ouvir
Tyler dizer baixinho:
– Ei, você acordou, nalmente.
Meus olhos se abrem devagar, se acostumando com a luz do quarto, e
dou uma olhada para a direita. Tyler está do meu lado, sorrindo, com uma
câmera nas mãos. Apontada para mim.
– O que você está fazendo? – resmungo, descon ada.
A luz vermelha pisca.
– Só brincando – responde ele, mas sem desligar a câmera. Ele continua
me gravando. – Feliz Quatro de Julho, linda.
Eu me sento e esfrego os olhos, ainda sem entender direito o que está
acontecendo. Dou um sorriso para a câmera.
– Feliz Quatro de Julho.
– O Quatro de Julho é meu feriado favorito – diz Tyler para a câmera,
que virou para si. Ele abre um sorriso cativante para mim. – Acho que a
Eden sabe por quê.
Ele se estica por cima de mim e coloca o aparelho na mesinha de
cabeceira.
As cortinas estão abertas, então o quarto está iluminado por uma luz
cálida da manhã. A temperatura está perfeita, gostosa, e Tyler passa os dedos
pelo meu braço e segura minhas mãos. Ele en a o rosto na curva do meu
pescoço e respira fundo junto à minha pele, me fazendo suspirar, contente.
Eu poderia acordar ao lado Tyler todo dia. Envolvo o pescoço dele, minhas
mãos no cabelo dele, e o puxo para perto. Meus lábios encontram os dele e
para variar Tyler relaxa e me deixa assumir o controle, mas é tão estranho
que só acabo achando graça. Ele sorri para mim, segura minha cintura e
puxa meu corpo para cima do dele. Eu me sento no seu colo, os de cabelo
caindo do coque bagunçado nos meus olhos, então prendo o cabelo atrás
das orelhas e me inclino para a frente de novo, dando vários beijinhos nele.
– Hummmm – murmura ele.
– Acho melhor desligar isso – sussurro, dando uma olhada para a
câmera na cabeceira e beijando o queixo dele.
Tyler dá um sorrisinho malicioso.
– E se a gente deixar ligado?
– Hum. – Eu me afasto e njo pensar. – Esquece, então.
Saio de cima dele e pulo da cama.
– Tá bom, tá bom, eu desligo – diz ele, se inclinando para pegar a câmera
e desligando em meio segundo.
– Tarde demais – digo, dando de ombros, provocante. Ainda é meio
estranho vê-lo na própria cama e não no sofá, e decido que vou deixa-lo
dormir comigo todas as noites. Quero acordar assim sempre. – Café?
– Nem precisa perguntar.

De tarde, trovões e um pé d’água castigam a cidade. O céu está escuro e


chove desde cedo. Quando Tyler e eu estamos decidindo se vamos ou não
sair para comemorar, a energia acaba.
O apartamento ca às escuras, e não ouvimos nada além da chuva
escorrendo pelas janelas. Do lado de fora, as luzes de Nova York continuam
como sempre. Só o prédio de Tyler cou sem energia.
– Tá de brincadeira – resmungo, sem acreditar.
Eu me aproximo de Tyler e estendo a mão para tocar o braço dele na luz
fraca.
– Que confusão – diz ele, se afastando. – Quatro de Julho, caindo um
temporal, e agora sem luz? – Percebo que ele está tateando em volta,
atravessando a sala devagar. Meus dedos seguram a beirada da camiseta dele
enquanto o sigo. – Acho que tem velas na área de serviço, em algum lugar.
Nunca achei que fosse precisar.
Em segundos Tyler esbarra na bancada da cozinha, o barulho do quadril
batendo na quina, e tomo um susto. Ele reclama um pouco, e en m
chegamos à lavanderia. Estou de calcinha e camiseta, então en o a mão por
baixo da camisa para pegar meu celular no sutiã. Embora o alcance da
lanterna seja limitado, ajuda Tyler a localizar a caixa de velas em uma das
prateleiras em cima da secadora.
– Aqui – diz ele, me passando algumas. – Coloca lá na sala para mim?
Faço o que ele pede, dando passinhos curtos pela escuridão, e coloco as
velas na mesinha de centro. Meus olhos estão se acostumando à falta de luz,
e estou começando a distinguir o contorno dos móveis e até de Tyler quando
ele se aproxima.
– Aqui – digo, esticando os braços e puxando-o pelo pulso.
Ele coloca mais algumas velas na mesa e começa a remexer nos bolsos da
calça jeans, fazendo barulho de chave e moedas, até tirar um isqueiro. Ele
passa o dedão pela rodinha e uma chama surge, iluminando um círculo
minúsculo da sala. Ele acende as velas que trouxemos, depois guarda o
isqueiro, pega outras duas e leva para a cozinha. Depois que coloca uma em
cada balcão, se aproxima de mim de novo, e consigo ver seu rosto. A sala
está iluminada por uma luz laranja, e apesar de estar chovendo lá fora,
dentro do apartamento está quentinho e gostoso.
– O que você acha de car em casa? – pergunta ele, erguendo as
sobrancelhas. – Quer dizer, você ainda nem se vestiu. A gente vai car
encharcado. É capaz até de cancelarem os fogos.
Snake e Emily saíram mais cedo para pegar um bom lugar na margem
do rio Hudson, e era para a gente ir encontrá-los lá em meia hora. Não sei se
eles vão car muito felizes se não formos, principalmente porque foi Tyler
quem insistiu que cássemos na cidade.
– Não ver os fogos vai ser a nossa tradição? – brinco.
– Eu tenho uma ideia – fala ele, ignorando minha pergunta.
Ele coloca duas velas na mesa e se aproxima de mim. Pega outras duas,
indicando o quarto com o olhar. Então vou para lá, levando uma terceira.
– Que ideia? – pergunto, colocando a vela numa das mesinhas de
cabeceira.
O quarto está escuro, o céu lá fora, preto, mas as três velas que
trouxemos iluminam o bastante para nos vermos.
Só metade do rosto de Tyler está iluminado, e quando ele se aproxima da
cama, observo sua sombra dançar pelas paredes.
– Gata, vem aqui – murmura ele, e sinto um nó na garganta enquanto
obedeço. – Quero fazer uma brincadeira.
– Uma brincadeira?
Tento muito parecer calma, con ante e maneira, mas parece impossível.
Minha voz está mais aguda que nunca. Porém, isso não me impede de
afastar os lençóis devagar, subir na cama ao lado dele e me sentar sobre os
calcanhares.
Tyler morde o lábio ao me observar, como se estivesse se perguntando se
sou delicada demais, frágil demais para o que tem em mente. Não sou. Só
estou um pouco nervosa.
– Se vira – diz ele, baixo mas rme.
– Virar? – repito, engolindo em seco.
Avalio sua expressão para tentar descobrir o que ele está pensando, mas
ele não dá nenhuma pista. Só continua me olhando, a expressão neutra.
– Eden – diz ele.
Eu relaxo e respiro fundo. Sob a luz das velhas, co de costas para ele, de
pernas cruzadas, sem dizer nada. Só espero.
– Tira a camisa – manda ele gentilmente, e mesmo com a chuva, a voz
dele parece a coisa mais poderosa ao meu redor agora.
Isso me pega de surpresa, mas não entro em pânico. Tudo é confortável e
me parece certo. Fecho os olhos, solto o ar devagar e puxo a barra da
camiseta. Apesar de bater rápido, meu coração não está disparado, minha
pulsação não está fora de controle, então tiro a camiseta e largo no chão.
Não sei o que Tyler está fazendo.
De repente sinto um arrepio, e não sei se é porque estou quase nua e
meio com frio ou se é porque estou quase nua na frente de Tyler. Seja como
for, não estou desconfortável.
– E isso – murmura Tyler, o colchão se move quando ele se aproxima de
mim.
Com cuidado, ele segura meu cabelo, colocando-o para o lado, e encosta
os lábios frios nas minhas costas, na altura do ombro, respirando junto à
minha pele. A outra mão corre pela barra do sutiã.
– O quê? – sussurro.
– Tira – manda ele, os lábios na minha nuca.
Estendo as mãos para trás, me atrapalho com o fecho, mas abro. Meu
peito relaxa e minha respiração en m falha. Agora estou nervosa. Faz tanto
tempo. Dois anos, para ser especí ca. Não sei o que esperar, mas sei que não
quero dizer não. A tensão sexual entre nós só aumentou desde o jogo dos
Yankees, do momento em que Tyler falou de Derek Jeter e de home runs. E
penso: Talvez seja isso. Talvez seja a hora do nosso home run. Talvez seja
agora. Eu tenho esperado, sempre nervosa demais para puxar esse assunto,
supondo que Tyler esqueceu nosso acordo, e agora que o momento chegou
de repente estou aterrorizada. Parece nossa primeira vez de novo. Então
talvez eu esteja com medo e meio enjoada, mas acho que nunca quis tanto
alguma coisa.
Sem pensar, jogo o sutiã no chão e fecho os olhos. Que bom que não
estou de frente para ele. Acho que não seria capaz de encará-lo agora. Mas
ele não diz nada. Só camos em silêncio por um momento, então sinto a
ponta dos seus dedos na minha pele. Devagar, ele traça desenhos nas
minhas costas.
Também não dou um pio, sobretudo porque acho que não sou capaz de
formular uma frase com sentido no momento, então só co parada, meu
olhar na vela à minha frente. Tyler se mexe por um segundo, mas logo volta
para a mesma posição, e ouço o clique da tampa de uma caneta sendo
aberta. Quero me virar para pelo menos ver o que ele está fazendo, mas
tenho a sensação de que ele não quer que eu olhe.
De repente, ele pousa a ponta da caneta nas minhas costas e é estranho
sentir a tinta na minha pele. Por um instante, quase tenho vontade de rir.
Controlo a tentação de me mexer e deixo Tyler escrever seja lá o que for. A
ponta da caneta gira na minha pele, e a sensação de curvas e pontos se
formando é fascinante, enquanto ele marca as palavras no meu corpo, várias
palavras.
– Pronto – anuncia Tyler, parecendo satisfeito. – Eden.
– Tyler?
– Pode se virar – diz ele.
A voz dele está abafada, e sinto a intensidade do seu olhar em mim.
Agora estou tremendo um pouco. Não por estar nervosa, mas porque sei
que é errado me virar. Sei que é traição com Dean. Eu sei. Essa é a pior parte.
Eu sei que é errado e sei que é traição, mas faço mesmo assim. Fechando os
olhos com força, eu me viro para Tyler, com o coração disparado. Devagar,
abro os olhos.
Tyler está me olhando, os olhos brilhando, analisando meu corpo. Eles
pausam nos meus seios por vários segundos e então voltam a me encarar.
– “A nudez de tua irmã, lha de teu pai, ou lha de tua mãe, nascida em
casa, ou fora de casa, a sua nudez não descobrirás” – murmura Tyler, os
olhos nunca deixando os meus, sempre ardentes. – Levítico, capítulo
dezoito, versículo nove.
Estou surpresa comigo mesma por permanecer ali, sem me mexer e sem
o re exo natural de cobrir meu peito. Só tamborilo os dedos no colo e ergo
as sobrancelhas para ele.
Seus lábios se erguem num sorriso malicioso, revelando um pouquinho
dos dentes. Seu rosto todo está reluzente.
– Em outras palavras – diz ele –, eu de nitivamente vou para o inferno.
– Você frequentava a igreja, é? – pergunto, segurando uma risada.
Nunca na vida imaginei que Tyler citaria a Bíblia, mesmo ironicamente.
– Procurei no Google – responde ele, sem hesitar. – Queria ter certeza
de que não ia acabar sendo preso por isso, e a notícia boa é que não.
Agora sim caio na gargalhada, e ele ri junto comigo. Eu me dou conta de
que não me importo de perdermos os fogos. Perdemos dois anos atrás e
vamos perder de novo, mas tudo bem. Ter momentos íntimos com Tyler é
sempre muito melhor, e quando penso nisso sinto um arrepio. Acho que
nunca vou conseguir superar esses momentos. Não sei se algum dia vou
conseguir superar Tyler, na verdade. Ainda bem que não preciso mais.
Ainda rindo, percebo a caneta que Tyler usou em meio aos lençóis. Eu a
pego e a ergo para a luz. É um marcador permanente.
– Tyler! – exclamo, na mesma hora cando de pé e aproximando meu
corpo nu da porta. De todas as coisas, ele tinha que usar marcador
permanente? Provavelmente rabiscou um monte de putarias na minha pele,
e tenho imagens terríveis da tinta levando semanas para sair. – Tira isso de
mim!
Saio correndo pela casa com Tyler logo atrás, pego uma das velas da
cozinha e me en o no banheiro. Largo a vela no chão e pego uma toalha de
rosto e a encho de sabão. Desesperada, tento esfregar as costas.
– Calma – diz Tyler, mas ainda está rindo, despreocupado. Ele pega a
tolha da minha mão e para atrás de mim. – Deixa comigo.
Começa a esfregar minha pele o mais leve possível, e pelo canto do olho
vejo nosso re exo no espelho. Inclino um pouco a cabeça para dar uma
olhada nas costas, no que Tyler escreveu antes que ele limpe. As palavras
parecem estranhas no início, e penso que pode ser espanhol, mas percebo
que é só o re exo ao contrário. Eu me concentro em cada letra até perceber
de repente o que ele fez. É só uma palavra. Uma palavra, repetida mil vezes,
cobrindo cada centímetro das minhas costas, da ponta dos ombros até a
lombar.
Tudo que diz é: MINHA.
Todas as letras em maiúsculas. Todas as letras destacadas.
Solto o menor dos suspiros e sinto a satisfação atravessando meu corpo
inteiro ao perceber que é verdade. Eu sou dele. Sempre fui dele, nunca
exatamente do Dean, e Tyler sempre foi meu, também.
Depois de aplicar um pouco mais de força à minha pele, ele também
suspira.
– Odeio te dizer isso, mas meio que não está funcionando. O que acha
disso?
De repente suas mãos rmes seguram meu corpo, me empurrando de
costas para o chuveiro. Em um segundo, ele liga a água, que bate nas minhas
costas com força, cobrindo meu rosto e me encharcando. Tyler ri da minha
expressão, mas quando ergo os olhos para ele em meio à ducha, me vejo
balançando a cabeça. Não aguento mais isso.
– Dane-se – murmuro.
Espalmo a mão no seu peito, agarro a camisa e puxo o corpo dele contra
o meu debaixo da água. Fico na ponta dos pés, beijando-o com paixão.
Desta vez, de nitivamente aproveito meu controle sobre a situação, e com
meu novo poder o empurro para a parede e pressiono os seios no peito dele,
beijando-o ainda mais intensamente.
A camisa polo ca grudada no corpo dele conforme as roupas cam
encharcadas, mas ele não parece se importar nem um pouco. As mãos estão
no meu cabelo; seus lábios, nos meus. A água continua caindo em nós numa
explosão in nita, poderosa e pesada, me lembrando um beijo na chuva. Na
chuva forte e pesada. Faminta, seguro a barra da camisa dele com uma das
mãos numa tentativa de tirá-la, e com a outra, o cinto.
– Para – geme Tyler na minha boca.
Ele leva um tempo para afastar os lábios dos meus e, quando faz isso,
sinto sua respiração ofegante no meu ouvido. Estou olhando para ele sob a
água, perplexa e irritada, me perguntando por que ele ca me
interrompendo, até perceber exatamente o motivo.
Em algum lugar do apartamento, ouço a voz de Snake.
– Espera aqui – sussurra Tyler, com a respiração pesada, o peito subindo
e descendo. Em um segundo, Tyler fecha o chuveiro e vai para a porta. Ele
passa a mão no cabelo encharcado ao abri-la e espiar pela fresta. – Oi,
pessoal, a gente está aqui. O chuveiro cou todo doido de novo. Estava
tentando consertar para a Eden. Vazou água no banheiro inteiro.
– Quem liga para o chuveiro? – escuto Snake reclamar. – A pergunta de
verdade é: será que vocês não esqueceram alguma coisa? Tipo, a merda dos
fogos?
Eu suspiro e deslizo pela parede do boxe. Estou totalmente encharcada, e
a onda eufórica já passou. Abraçando os joelhos, jogo a cabeça para trás.
Tudo em que consigo pensar é no verso bíblico que Tyler citou, e, quanto
mais o repito, mais meus lábios se abrem num sorriso.
Pecadores, sem dúvida.
18

Inclino a cabeça para o céu, apertando os olhos quando o sol bate no meu
rosto. Passamos o dia todo na rua, no calor, e estou começando a me sentir
enjoada, queimada e suada demais. Se tem uma coisa que aprendi sobre
Nova York é que o clima pode mudar de escaldante para chuvoso de repente.
Hoje está fazendo quase quarenta graus. Aperto o copo de chá gelado que
estava bebendo e respiro fundo. É em momentos assim que sinto falta de
estar em Santa Monica, onde sempre tenho uma piscina para mergulhar a
menos de vinte metros do meu quarto. Eu não dava valor a esse luxo até
agora. Não tem espaço para piscina nos quintais daqui. Na verdade, acho
que a maior parte das pessoas na cidade nem tem quintal. Não sei como me
refrescar. Minha pele parece estar pegando fogo, e na volta do nosso dia no
Queens e no Brooklyn dou uma olhada no meu rosto no retrovisor do carro
e percebo que minha testa está queimada, e estou até com círculos brancos
em volta dos olhos por causa dos óculos escuros.
– Está quente, né? – comenta Tyler, também erguendo os olhos para o
céu, que está totalmente azul, sem uma nuvem, depois olha para o carro.
Não sei por quê, mas ele espalma a mão no capô. Imediatamente dá um pulo
e se afasta, balançando a mão, tentando abrandar a queimadura. – Merda.
Eu reviro os olhos e me sento no meio- o. O concreto está um maçarico
nas minhas coxas, mas depois de alguns segundos ca aceitável. Coloco o
copo ao meu lado – a bebida está quente e impossível de beber agora – e
observo o carro branco de Tyler, brilhando sob o sol forte. Um pensamento
tentador demais para ser ignorado me ocorre.
– Posso dirigir o seu carro?
Tyler para de se abanar. Paralisado, ele olha para mim e depois, com
uma expressão preocupada, olha para o Audi.
– Você? O meu carro? Este carro? – Ele morde o lábio e esfrega a nuca,
na dúvida. – Não me entenda mal, Eden, mas... você sabe.
Eu apoio as mãos na calçada atrás de mim, me inclinando para trás, e o
encaro com os olhos semicerrados por causa do sol, a sobrancelha erguida.
– Você não con a em mim?
– Para começo de conversa – responde ele depressa –, você só dirige
com câmbio automático. Meu carro tem marcha manual.
– E você acha que eu não sei dirigir carro manual?
Tyler ergue as sobrancelhas, surpreso.
– Sabe?
– Automático é mais fácil – digo, me levantando do chão e me limpando.
Com uma expressão desa adora, sorrio e falo: – Manual é bem melhor.
Chave?
Ele abre um sorrisão para mim e passa o braço em volta do meu
pescoço, me puxando para perto.
– Mas de jeito nenhum – responde, dando um beijo na minha bochecha
antes de me empurrar para longe de brincadeira.
Eu sabia que não tinha a menor chance de ele me deixar dirigir, mas
valia a tentativa. Dou de ombros, pego o copo que deixei na calçada e
atravesso a rua para entrar no prédio. Tyler me alcança e entrelaça a mão na
minha. Acho que pela primeira vez não reajo. Parece normal, e Tyler
também não parece ver problema, porque simplesmente entra no prédio e
segue para o elevador, sem soltar minha mão.
Andar de mãos dadas não é algo que fazemos normalmente. É coisa de
casal, não de pessoas que estão se relacionando em segredo. Mas hoje não
precisamos ter tanto cuidado. Snake foi visitar a família em Boston e só volta
amanhã. Emily vai passar o dia com alguns amigos. No momento, Tyler e eu
estamos livres.
Assim que piso em casa decido que vou tomar um banho frio para tentar
me refrescar. Quando falo isso para Tyler, porém, minhas bochechas coram.
Lembranças de quinta-feira dominam minha mente, de Tyler e do chuveiro
e da chuva e dos escritos e da Bíblia, e parte de mim se pergunta como
aquela noite teria acabado se Snake e Emily não tivessem voltado tão cedo.
É óbvio que Tyler pensa a mesma coisa que eu, porque morde o lábio
para conter um sorriso.
– Beleza – responde.
É tão incrivelmente tentador mandar alguma indireta para ele vir
comigo, mas sei que eu ia acabar me enrolando. Então só dou o sorriso mais
inocente que consigo e me viro para o banheiro, jogando o copo de chá
gelado ao passar pela lixeira.
Pegando fogo, tiro a roupa e me olho no espelho. Acho que estou com a
marca das roupas, e minha cara está ainda mais vermelha do que parecia no
carro. Entro no chuveiro e diminuo a temperatura da água. Totalmente
gelada seria insuportável, então deixo no morno e co parada debaixo da
água por um tempinho. Nem me dou ao trabalho de lavar o cabelo, então no
segundo em que parece que a minha pele não vai mais explodir em chamas,
saio do boxe, enrolo uma toalha no corpo e vou para o quarto.
De início não me ocorre que estou sozinha. Só depois que já vesti um
short e uma camiseta que percebo que o apartamento não está só silencioso:
está vazio.
– Tyler? – chamo. Estou parada bem no meio da sala, com as mãos na
cintura, testa franzida. Espero alguns segundos, mas não há resposta. –
Tyler? – grito.
Suspiro. Ele não teria saído sem me avisar. Talvez tenha deixado alguma
coisa no carro. Talvez esteja no telhado. Não me surpreenderia. Ele sempre
vai para lá quando está a m.
Embora esteja fora do sol agora, minha pele está ardendo ainda mais que
antes. Meu rosto está tão quente que dói, e me arrependo de não ter ouvido
quando minha mãe falou para trazer loção pós-sol. Na hora não achei que
pudesse fazer tanto calor em Nova York. Andar pelo Queens de nitivamente
foi má ideia. Acho que a única vez que camos na sombra foi para comprar
as bebidas. O resto do tempo me deu uma queimadura.
Abanando o rosto, vou para a cozinha, direto para o segundo armário da
esquerda. É onde os meninos guardam remédios e kit de primeiros socorros,
e se tenho a mínima chance de encontrar aloe vera nessa casa, é lá. Eu me
estico até a prateleira de cima, sem conseguir ver enquanto empurro vários
potes. Encontro analgésicos, os que resolveram minha dor de cabeça da
semana passada, e band-aids, que não vão me ajudar em nada, e continuo
até encontrar tudo que não quero. Nada de aloe vera. Eu suspiro e subo no
balcão, cando de joelhos para enxergar melhor dentro do armário. Até os
meus ombros estão ardendo, então continuo procurando, en ando o braço
até o fundo do armário. Paro quando encosto num pote de vidro.
Quando vou ver o que é, minha respiração para. É um pote hermético.
Dentro, vários saquinhos ziploc transparentes. O que me surpreende,
porém, é que dentro tem maconha.
De início, co surpresa demais para sequer compreender. Pego o pote,
encarando o conteúdo sem acreditar, boquiaberta. Não sei por que tem
maconha aqui. Não deveria ter. Tyler parou de fumar isso quase dois anos
atrás, e Snake falou que não fuma, mas, conhecendo ele, pode ser mentira.
Não é minha, e duvido que seja de Emily.
Meu estômago revira quando olho de volta para o armário,
desconcertada. Ainda tem todos aqueles isqueiros, que encontrei no
domingo de manhã quando procurava os analgésicos. Por que isso está
aqui?, penso. Quem está fumando esta merda?
Pego alguns isqueiros, olhando deles para o pote por alguns segundos.
Depois de um tempo, largo os isqueiros no balcão e concentro toda a minha
atenção no pote. Não sei o que me leva a fazer isso, mas abro a tampa, e o
cheiro forte quase me derruba.
É tão pungente que quase vomito. É muito diferente do cheiro de
maconha quando tragada e solta no ar. Mais forte, mais profundo. Fecho a
tampa com toda a força o mais rápido que consigo, com ânsia de vômito,
então olho de volta para os isqueiros. Fico encarando-os por um tempo,
tentando concluir se deveria guardar tudo de volta e ngir que nunca vi isso,
mas então uma lembrança me vem à mente.
Os isqueiros. Na quinta, Tyler acendeu as velas. Tyler, que por acaso
tinha um isqueiro no bolso. Eu entendo que haja isqueiros no apartamento.
Tudo bem. Mas no bolso? Quem leva isqueiro por aí sem motivo? Ninguém,
a não ser que... fume.
Meu queixo quase bate no chão quando chego a essa conclusão. Não é
possível. Não, não tem como. Tyler parou com isso anos atrás. Ele deixou
claro para mim na minha primeira noite aqui que estava bem, que não
precisava mais dessas coisas. Ele não mentiria para mim. Deve ser do Snake.
Os isqueiros devem ser coincidência. Depois de tudo que aconteceu, Tyler
não pode estar usando essas coisas de novo.
Sinto uma onda de fúria e, sem pensar duas vezes, abro o pote e pego um
dos saquinhos, prendendo a respiração enquanto fecho a tampa de novo. De
alguma forma, me sinto paralisada e irritada ao mesmo tempo, descendo do
balcão e en ando o saquinho no bolso. Abro a porta do apartamento e saio
pelo corredor, trincando os dentes para não gritar de frustração. Sei que
Tyler está no telhado. Sei que é para lá que vai quando some. Sempre.
Quando entro no elevador, me dou conta de que nunca me perguntei por
que ele vai tanto para lá. Sempre sozinho, às vezes por horas. Por quê? O
motivo ca cada vez mais óbvio, mas não quero acreditar. Ainda não
acredito que isso está acontecendo, que isso é mesmo verdade.
Pego o elevador até o último andar, e com as mãos fechadas subo as
escadas até o telhado. O mais silenciosamente possível, me aproximo da
porta, fechando-a sem fazer barulho. Quando me viro, vejo que o telhado
está vazio, com exceção de uma pessoa. Pelo visto, acertei onde Tyler estava.
Ele está de costas para mim, debruçado com os cotovelos na mureta,
olhando a avenida. Só está parado ali.
Eu respiro fundo, me aproximo e paro a alguns passos.
– E aí? – falo.
Calma. Tranquila. Mas pegando fogo por dentro.
Tyler se vira, assustado pelo som da minha voz e um pouco surpreso
com a minha presença. Mas sorri. É um sorriso amoroso.
– E aí? – fala ele. – Desculpa não ter falado que ia subir. Achei que você
ia car mais tempo no chuveiro, então pensei em vir aqui. Está calor demais
para car em casa, sabe? Mas está muito quente aqui também. Nossa, seu
rosto está meio verme...
– Tyler – interrompo, com a voz baixa mas rme.
Meus olhos encontram os seus. Ele ergue a sobrancelha, me deixando
falar. Estou com um nó na garganta quando en o a mão no bolso e pego o
saquinho de maconha. Segurando-o com a ponta dos dedos, ergo o saco
diante do rosto dele, encarando-o com toda a raiva e irritação que há dentro
de mim.
– O que é isso?
Ele arregala os olhos ao examinar o saquinho e seu rosto tranquilo
assume uma expressão de pânico. Eu vejo em seu olhar. Ele está sem
palavras, incapaz de dizer qualquer coisa, e meu peito dói.
– Vai me dizer que é do Snake, não vai? – pergunto, baixinho, em tom de
súplica. É isso que quero ouvir. É o que preciso ouvir para que tudo que
bem. Minha voz falha, e só consigo sussurrar: – Me diz que é do Snake, por
favor.
– Eden... – Tyler começa devagar, e a culpa nos seus olhos me dá a
resposta que não quero.
Ele nem vai tentar esconder. Ele nem vai tentar negar.
De repente explodo. É uma mistura de fúria e decepção, me consumindo
de uma vez e alimentando minhas palavras.
– Você mentiu para mim! – berro, furiosa. – Mentiu na minha cara
quando perguntei se você estava bem! Você não está bem! Você é um
mentiroso!
– Eden, eu estou bem – retruca Tyler, a voz calma. Ele parece
envergonhado, e deveria estar mesmo. Estou tão, tão decepcionada. – É só...
– Você voltou a cheirar também, é? – Minha voz é ácida.
– Não, claro que não.
– Quando você começou com essa merda? – exijo saber, balançando o
saco na frente dele. Parte de mim quer jogar aquilo pela janela. – Quando
voltou com essa merda toda?
Tyler morde o lábio e olha para mim, a culpa ainda estampada no rosto.
– Umas semanas depois de vir para cá – admite.
– Você está de sacanagem com a minha cara, Tyler? Tão rápido? –
Explodo, balançando a cabeça, sem acreditar. Isso não pode ser real. – Você
poderia ter sido expulso do projeto!
– Eu não sou idiota de ser pego.
– Acabou de ser, babaca – retruco.
Jogo o saquinho no peito dele e dou meia-volta, furiosa demais para
sequer encará-lo.
– Eden, por favor, ca calma – diz Tyler atrás de mim, sem nunca erguer
a voz. Eu não o culpo. Ele foi pego. É claro que está quietinho. – É só
maconha.
– Essa não é a questão! – Mais irritada a cada segundo, eu me viro de
volta e ergo as mãos, exasperada. Ele não entende. – Era para você estar
bem! É por isso que vem para cá o tempo todo? Para fumar?
– Eu posso parar agora mesmo – diz ele, sem responder minha pergunta,
e não me convence nem um pouco. – Olha só.
Ele se abaixa, pega o saquinho no chão e fecha o punho com força, então
dá um passo para a frente para segurar minha mão.
– Não encosta em mim – rosno, mas não adianta.
Ele já está me puxando até a porta, sem dizer nada. Está concentrado
demais, respirando com força. No momento também não quero conversar
com ele, então só descemos as escadas e pegamos o elevador em completo
silêncio.
Estou tão irritada. Furiosa. Indignada. Confusa. Por quê? Por que Tyler
faria isso de novo? Não entendo. Cruzo os braços, olho de soslaio para ele e
dou um passo para longe enquanto o elevador nos leva de volta ao décimo
segundo andar. Não quero estar perto dele. Ele estragou tudo. Mesmo.
Ainda assim, ele pega meu braço de novo e me puxa do elevador,
andando tão rápido pelo corredor até o apartamento que quase tenho que
correr para acompanhar. Como esqueci de trancar a porta, ele me leva para
dentro sem hesitar, e no momento em que ele olha para cozinha, percebo
que seus olhos cam ainda mais sérios quando ele vê o pote de maconha no
balcão da cozinha. O apartamento está fedendo a maconha, e eu me
arrependo de ter aberto o pote.
Tyler me solta e vai direto para a cozinha, abrindo o pote e pegando os
outros dois saquinhos. Com os três na mão, ele abre a porta do banheiro e
dá uma olhada para mim por cima do ombro.
– Olha – diz ele, com a voz frustrada. Sem querer, eu me forço a ir até
ele, de braços cruzados e cara feia. – Olha essa merda – resmunga ele.
Abre o primeiro saco e joga o conteúdo inteiro no vaso, sacudindo o
plástico vigorosamente antes de jogá-lo no chão. Faz a mesma coisa com os
outros dois, enquanto observo de olhos arregalados, e quando ele dá
descarga, ainda com a respiração pesada, ele se vira para mim com um olhar
desanimado no rosto.
– Quer mesmo saber por que eu não estava bem? – grita ele de repente.
– Eu não estava bem porque não estava com você, ok? É por isso. Era por
sua causa.
Perplexa, tento assimilar suas palavras, mas não consigo compreender.
– O quê?
– Olha, quando eu me mudei para cá, achei que ia conseguir te esquecer.
Mas não – admite ele, a voz calma de novo. Ele soa quase triste. Passa a mão
pelo cabelo, fecha a tampa do vaso e se senta, a cabeça baixa. – Eu não
conseguia tirar você da cabeça e precisava de alguma merda para me
distrair.
Estou atônita mais uma vez. Por que estamos tendo essa conversa de
novo? Por que estamos falando de distrações de novo? Era para isso ter
acabado faz anos.
– Você está me culpando?
– Aham. Estou te culpando – responde ele, erguendo a cabeça num
movimento rápido. Ele olha para mim com raiva. – Estou te culpando por
me fazer acreditar que eu não tinha chance com você.
– Você nunca vai esquecer isso? Vai me fazer sentir culpada por isso
para sempre? – grito, dando um passo para a frente e me abaixando na
frente dele para olhá-lo nos olhos com toda a sinceridade. – Já falei que sinto
muito – digo devagar. – Nunca disse que não queria car com você. Eu disse
que não podia. É diferente.
Quando Tyler não responde, eu desabo. Minha fúria se apaga, e tudo
que resta é decepção e confusão. Não são só a maconha e a briga, é tudo. De
uma vez só o peso de estar traindo Dean, a realidade de que passamos as
últimas três semanas nos escondendo porque, pelo visto, é a única coisa que
sabemos fazer, o fato de que logo teremos que contar a Dean e aos nossos
pais a verdade, Tyler ter mentido para mim sobre estar bem. Tudo foi se
acumulando desde o momento em que cheguei a Nova York, e agora tudo
está me atingindo de uma vez. É demais para mim.
Lágrimas surgem nos meus olhos e se derramam momentos depois,
então desmorono no chão e escondo o rosto nas mãos, tentando controlar o
choro. Mas a tentativa é em vão, e logo estou soluçando aos pés de Tyler.
Ouço sua respiração enquanto choro, mas, tirando isso, ele ca em silêncio.
Depois de um tempo, Tyler chama o meu nome, mas não ergo o rosto;
ouvir a voz dele só me faz chorar mais, fraca e triste. Segundos depois, sinto
suas mãos. Com cuidado, ele passa os braços ao meu redor e se levanta, me
puxando junto. Tyler aperta meu corpo com força enquanto en o o rosto na
sua camisa de anela. Ele ca ali parado me abraçando, e é o bastante.
– Me desculpa – sussurra ele, pousando o queixo na minha cabeça. – Eu
deveria ter te falado.
Não respondo. Estou magoada demais para sequer tentar. Não sei o que
mais posso dizer. Só posso torcer que esteja realmente arrependido por fazer
isso de novo, por ter se voltado para a única coisa que estávamos todos
convencidos de que ele nunca mais faria.
Tyler de repente move a mão para o meu rosto, erguendo-o com o
polegar enquanto olha nos meus olhos inchados, a expressão totalmente
sincera. Ele parece sofrer ao sussurrar, decidido:
– Sinto muito.
Vejo como seus olhos pousam nos meus lábios. Não me mexo. Só
espero. Ele também. Está tentando ver se vou me afastar ou não, e quando
não faço isso, ele fecha os olhos e encosta os lábios nos meus.
É tão suave e gentil de início, um mero toque, mas logo se torna um
beijo intenso. Eu seguro seu rosto enquanto ele me beija mais rápido, nós
dois incendiados por todas as emoções combinadas. O beijo oscila de lento e
suave para rápido e furioso em intervalo de segundos, uma mistura da nossa
raiva e da nossa tristeza, e logo me derreto junto a ele de novo, esquecendo
tudo que acabou de acontecer.
Sem nunca tirar os lábios dos meus, Tyler se abaixa um pouco, passando
as mãos pelas minhas coxas e me tirando do chão. Na mesma hora cruzo as
pernas com força ao redor da sua cintura e passo os braços em volta do seu
pescoço, beijando-o com fervor. Ele começa a caminhar, apertando minha
bunda ao me carregar para fora do banheiro, passando pela cozinha e depois
pela sala. Eu puxo o seu cabelo, forçando-o a inclinar a cabeça para o lado, e
levo os lábios ao seu pescoço, deixando uma linha de beijos suaves mas
profundos na sua pele. Ele geme meu nome em resposta.
Inevitavelmente acabamos no quarto dele. É claro. Ele afasta os lábios
dos meus, chuta a porta atrás de nós e me coloca no colchão macio. Ele me
olha de cima, os olhos faiscando, e pisco para ele com um sorriso ansioso
nos lábios. Desta vez, quando estendo a mão para o cinto dele, ele não me
para, porque desta vez não estou bêbada. Desta vez não há interrupções.
Desta vez, estamos prontos.
Eu o empurro um passo para trás e co de joelhos na frente dele, tirando
minha camiseta e jogando-a para o lado. Quando o encaro, ele engole em
seco, e seus olhos brilhantes me encorajam a seguir em frente. Então é o que
eu faço. Minhas mãos tremem ligeiramente enquanto desabotoo a calça
jeans, prendendo os dedos pelos passadores do cinto e puxando a calça
junto com a cueca. Meus olhos se arregalam.
Não me lembro de muita coisa daquela noite, dois anos atrás, na festa na
praia. Na noite em que ele me disse a verdade. Lembro que não foi ótimo,
mas eu já esperava. Era minha primeira vez, então duvido que eu tenha
apresentado uma performance impressionante. Mas já faz dois anos, uma
pessoa pode ganhar bastante experiência nesse tempo.
Então eu começo, mostrando a Tyler exatamente o que aprendi nos
últimos dois anos. De uma técnica à outra eu o surpreendo, e me sinto
extremamente satisfeita cada vez que ele solta um gemido. Ele está de olhos
fechados, uma das mãos espalmada na parede, a outra segurando meu
cabelo. Eu me sinto tão dominante, mas antes que me dê conta ele me puxa
pelas mãos, me beijando com força, sem hesitar.
Nós dois somos uma confusão. Sempre. Tudo que nos envolve vira uma
situação complicada, e esta não é uma exceção. Tyler está tão concentrado
em me beijar que passa um bom tempo brigando com o fecho do meu sutiã.
Acabo rindo e me afastando por um momento para abrir eu mesma. Ele ca
meio envergonhado e tira a calça que estava presa nos calcanhares. Quando
jogo o sutiã por cima do seu ombro, ele me puxa pela cintura. Passa as mãos
pelo meu corpo inteiro, os polegares acariciando a pele logo abaixo dos
meus seios enquanto conduz os lábios pelo meu pescoço, ombro, clavícula.
Eu mordo o lábio e suspiro de prazer, me concentrando em tirar os tênis e o
short.
Os lábios dele capturam os meus de novo quando ele baixa uma das
mãos para a minha bunda, e eu começo a tentar abrir os botões da sua
camisa de anela, o mais rápido que posso, sem parar de beijá-lo. No m,
me saio tão mal nisso quanto Tyler tentando abrir meu sutiã, então ele
mesmo abre a camisa. No momento em que a tira e a joga no chão, passo as
mãos pelo seu peito. A pele dele está quente, e sinto seu coração disparado
no peito. E onde quer que Tyler esteja tocando meu corpo agora, tenho
certeza de que consegue sentir meu coração acelerando também.
Devagar, mas com um senso de urgência, Tyler me empurra para a
cama, e eu desabo no colchão macio. Ele não deita comigo, porém: vira-se
para trás, pegando a calça jeans e revirando os bolsos e a carteira, cada vez
mais em pânico. Eu sei o que ele está procurando, então chamo por ele com
uma risada nervosa, informando-o de que não precisa se preocupar. Tenho
essa parte sob controle. Minha mãe insistiu.
Vejo o alívio no rosto de Tyler, que joga a calça e a carteira no chão,
morde o lábio e se deita comigo. Minha pele parece pegar fogo, e não sei se é
a queimadura de sol ou seus toques, mas não me importo, seja o que for.
Agarro o cabelo dele, segurando com força quando ele passa as mãos pelo
meu corpo sem esquecer nem um centímetro de pele. Ele move os lábios
para a minha mandíbula e en a a mão dentro da minha calcinha. Fecho os
olhos e me concentro na minha respiração. Não consigo evitar e puxo o
cabelo dele enquanto jogo a cabeça para trás nos travesseiros, arqueando as
costas.
Ele para depois de um tempo, me encarando com os olhos arregalados
como se perguntasse se estou pronta, então assinto.
Não me lembrava de como ele se movia e de como era a sensação dele.
Não me lembrava de como nossos quadris se movimentavam em sincronia.
Não me lembrava de como nossa respiração nunca se alinhava, sempre tão
rápida e desigual. Não me lembrava de nenhuma dessas coisas até agora, que
está acontecendo de novo. Só que desta vez Tyler não tem medo de ser mais
rme do que da primeira vez. Alternando entre ritmos, uma das mãos
segurando a minha e a outra no meu quadril, seu corpo sua junto ao meu.
Fico sem fôlego. É tão sensacional que acho que passo o tempo todo com
um sorriso no rosto, mesmo enquanto solto gemidos suaves. Não consigo
evitar. É tudo tão... tão Tyler. Essa é a melhor parte.
É tão escandaloso, tão errado, que só torna tudo mais excitante. É uma
onda de adrenalina. A pior coisa é que sei que isso não deveria estar
acontecendo, pelo menos ainda não. Não enquanto ainda estou com Dean.
Tyler, por um lado, aceitou que Dean vai sair dessa magoado. Aceitou que
vamos contar a verdade aos nossos pais quando voltarmos para casa. Eu, por
outro, ainda não aceitei totalmente. Quero acreditar que sim. Tento me
convencer de que estou pronta para lidar com tudo isso, para encarar tudo,
mas ainda sinto aquele pânico e aquela apreensão em algum lugar dentro de
mim. Ainda sinto culpa por amar Tyler. Ainda sinto vergonha. Não parece
justo.
Acho que seremos para sempre o maior segredo um do outro.
19

Não ligo para Dean na semana seguinte inteira. Não consigo me forçar a
ouvir a voz dele. Toda vez que ele tenta ligar, deixo cair na caixa postal
enquanto encaro a tela, mordendo o lábio e me sentindo a pior pessoa do
planeta. Não é só por causa da noite de sábado. É por causa da tarde de
domingo, da manhã de segunda, e da noite passada.
Tyler e eu temos muito tempo perdido para recuperar. Dois anos
inteiros. Toda vez que Snake e Emily saem de casa, aproveitamos a
privacidade. Aproveitamos tanto, inclusive, que Tyler começou a brincar que
deveríamos avisar aos nossos amigos para não se sentarem no sofá à
esquerda da mesa de centro. Ele só recebe um olhar feio meu toda vez que
menciona isso.
Não é que a gente planeje. Só continua acontecendo. E eu não estou
reclamando.

Está no meio da noite quando Tyler me acorda. Estou totalmente nua,


enrolada no edredom, totalmente exausta do exercício que zemos poucas
horas atrás. Estou bem feliz de car quentinha entre os lençóis, mas me
forço a abrir os olhos. Tyler está de pé ao lado da cama, olhando para mim
na escuridão, e co um pouco surpresa a ver que se vestiu, com uma calça
jeans e um casaco azul-marinho.
– Que horas são? – resmungo, apertando os olhos e en ando a cara nos
travesseiros.
Ouço sirenes do lado de fora, mas não é nada de mais. Nova York nunca
cala a boca. Nunca.
– Três – responde Tyler baixinho. Ele se afasta de mim, e me pergunto se
talvez esteja sonâmbulo ou algo assim, mas, quando ele joga minhas roupas
para mim, percebo que não. – Se veste.
Eu me viro e me ergo nos cotovelos, olhando sem entender para as
roupas ao meu lado. Exatamente as mesmas que ele: jeans e um casaco de
moletom. Ele joga até o sutiã, que bate na minha cara.
– Merda, foi mal – diz, segurando a risada ao se aproximar de mim. Só
reviro os olhos. – Tem uma surpresa para você.
– Surpresa? – resmungo, descon ada.
Tem alguma coisa na voz dele que me deixa meio assustada. Surpresas
nunca são coisa boa. Pode ser qualquer coisa. E às três da manhã? Ainda
mais preocupante. Esfregando os olhos, me sento na cama, sem nem me dar
ao trabalho de me cobrir com o edredom. A esta altura, Tyler já me viu mais
vezes pelada que de roupa.
Ele se inclina para ligar um dos abajures ao lado da cama, e quando a luz
bate em seu rosto, vejo que está com um sorriso metido. Então se abaixa ao
lado da cama até car com os olhos na altura dos meus e en a a mão no
bolso para pegar algo que ergue na frente do meu rosto. São as chaves do
carro.
– Todo seu.
Fico de boca aberta, piscando, surpresa. A oportunidade de dirigir um
Audi R8 no meio da noite era a última coisa que eu esperava. Observo as
chaves e o chaveiro do Audi brilhando na luz. Estendo a mão para pegar, um
sorrisinho nascendo no rosto.
– Mesmo não con ando em mim?
– Eu devo estar louco, né? – brinca ele, baixinho. Ele ca de pé e puxa
minha mão para me tirar da cama. Então olha para mim. – Mas estamos em
Nova York. Loucura é só o que se faz nessa cidade.
Totalmente desperta agora, sinto uma onda de animação. A ideia de
dirigir o carro de Tyler e do potencial daquele motor me enche de euforia.
Nunca fui muito fã de carros, mas o do Tyler é uma exceção. Pego minhas
roupas e as visto com pressa, revirando o quarto atrás dos All Stars. Estou
usando esse tênis há quatro semanas seguidas. Parecem ser os únicos
sapatos que uso, e não estão mais tão brancos quanto eram no começo.
– Um arranhão no meu bebê e você já era – diz Tyler, mas está sorrindo.
Ele passa o braço por cima dos meus ombros e me leva até a porta,
abrindo-a sem fazer barulho e me guiando pela sala.
Na escuridão, vejo a silhueta de Snake no sofá. No dele, ainda bem. Está
dormindo profundamente, roncando um pouco, então Tyler e eu cruzamos
a sala pé ante pé e saímos o mais silenciosamente possível. Chegamos ao
corredor sem acordá-lo, então Tyler me solta para trancar a porta.
O prédio está silencioso, e a gente ca em silêncio por medo de acordar
as pessoas ao passar pelos outros apartamentos. Assim seguimos para o
elevador. Balanço as chaves e sinto Tyler me observando pelo canto do olho.
Espero não ser presa por isso.
Quando saímos do prédio para a 74th Street, percebo que Nova York
continua agitada. Claro que a quantidade de pessoas nas calçadas é bem
menor do que durante o dia, mas considerando que são três da manhã ainda
tem bastante carro na rua. A maioria táxis. Não está calor, mas também não
está frio.
Estacionado junto ao meio- o do outro lado da rua está o carro de Tyler,
me esperando. Eu olho para ele, a animação crescendo dentro de mim, e
logo destranco a porta. Para a minha surpresa, porém, Tyler pega as chaves
da minha mão e atravessa a rua correndo. Abre a porta do motorista e olha
de volta para mim com brilho nos olhos. Estou com as sobrancelhas
erguidas, exigindo uma explicação.
– O quê? Você achou que eu ia deixar você dirigir em Manhattan? –
Tyler dá uma risada e entra no veículo. Logo antes de bater a porta,
completa: – Mas de jeito nenhum.
Cruzo os braços, irritada, então me forço a ir até o carro e me sento no
banco do passageiro. Olho para ele de cara feia.
– Então onde eu vou dirigir?
– Em Jersey City – responde Tyler ao ligar o motor, que solta um
rosnado, fazendo um arrepio percorrer meu corpo.
– Jersey City?
– Aham – a rma ele. – No estacionamento da Target.
O painel do carro se acende com uma luz laranja na escuridão, os
números brilhando. A música e o ar-condicionado ligam automaticamente
no centro do painel, e eu me inclino para a frente para ajustar a temperatura
antes de afundar no assento. Tyler tira o carro da vaga apertada, e eu coloco
o cinto de segurança.
Ainda bem, porque no momento em que viramos a esquina na Second
Avenue, ele pisa fundo até chegarmos a um sinal. Ouço enquanto ele deixa o
motor em ponto morto, esperando. Ele me dá uma olhada de lado, sorri e
trinca a mandíbula antes de estreitar os olhos para a rua à frente. Somos os
primeiros do sinal. Na nossa frente, a rua está vazia. Os dedos de Tyler
apertam o câmbio, a outra mão segurando com rmeza o volante. A luz
vermelha vira amarela, então ele pisa fundo no acelerador, fazendo os pneus
cantarem como um trovão enquanto o carro catapulta na avenida. A
velocidade é tanta que meu corpo é jogado contra o banco. O motor ruge
atrás de nós, o exaustor cuspindo um rastro de fumaça. Em geral eu sou
contra esse tipo de coisa, mas, neste exato momento, às três da manhã em
Manhattan, estou adorando.
Quando Tyler passa a sexta marcha, ele dá uma piscadinha para mim e
abre um sorriso travesso. Seu olhar volta a se concentrar na rua, e conforme
o carro acelera, eu me vejo apertando o banco com uma das mãos e o cinto
de segurança com a outra. Dou uma olhada para o medidor de velocidade e
percebo que estamos voando a mais que o dobro do limite, e Tyler só
diminui quando o trânsito à frente para por causa de outro sinal.
Não temos outra oportunidade de correr depois disso, mas só porque as
ruas estão cheias demais. Ficamos presos atrás de um caminhão e só
conseguimos ultrapassá-lo quando pegamos a direita na Houston Street.
Continuamos atravessando Manhattan até entrarmos em um túnel, bem
parecido com o Lincoln Tunnel por onde passei no meu primeiro dia aqui,
mas Tyler explica que esse é o Holland Tunnel.
Saímos dele em poucos minutos, e momentos depois chegamos a Jersey
City. Tyler entra no estacionamento da Target. A loja está fechada, e não só o
estacionamento é imenso, mas também está totalmente vazio. Perfeito.
Tyler para bem no meio do estacionamento e respira fundo no silêncio
repentino, os olhos avaliando os arredores pelo para-brisa, e, pelo visto,
aprovando o lugar. Então se vira para mim.
– Divirta-se.
A gente abre as portas e sai do carro ao mesmo tempo. Nervosa, dou
uma olhada no asfalto, contornando o veículo, meu corpo tocando o de
Tyler ao passarmos um pelo outro. Agora que chegou a hora de realmente
dirigir o carro dele, estou um pouco ansiosa. Com medo de bater, mas ao
mesmo tempo querendo mostrar a ele o que sei fazer.
No banco do motorista, engulo em seco ao ajustar o assento, me
aproximando do volante para meus pés conseguirem alcançar os pedais.
Enquanto Tyler me observa com empolgação, ligo o motor de novo.
Observo o estacionamento mais uma vez, me preparando e pensando em
quanto espaço tenho enquanto a velamos os cintos de segurança.
Não dirijo um carro manual já faz um tempo, e estou tão acostumada ao
câmbio automático que para começar levo um tempo para voltar ao hábito
de usar o pé esquerdo para a embreagem. O carro dá um solavanco e para
na minha primeira tentativa de dar a partida.
– Você tem razão – diz Tyler, rindo ao meu lado. – Sabe dirigir
perfeitamente com câmbio manual.
– Cala a boca – resmungo, sem nem olhar para ele.
Estou tão concentrada em ligar o motor de novo que me desligo
totalmente do som da sua risada. Ele pode zombar da minha habilidade no
volante quanto quiser. Vou mostrar que está errado.
Desta vez, me certi co de que estou preparada para o câmbio manual.
Coloco o carro na primeira, pisando fundo na embreagem, lentamente
começando a aquecer o motor, e quando estou satisfeita com o rugido piso
fundo no acelerador. O veículo salta à frente, comendo o asfalto do
estacionamento. É tão poderoso que por um momento co apavorada, mas
só seguro o volante com mais força e piso ainda mais no acelerador. Em
segundos o carro já está voando a noventa quilômetros por hora, e pelo
canto do olho vejo Tyler erguer as sobrancelhas olhando ora para mim, ora
para a pista. Eu freio e mudo de marcha algumas vezes ao chegarmos ao m
do estacionamento, girando o volante para a direita e fazendo o carro cantar
pneu.
Disparo de novo, ainda mais rápido desta vez, chegando até a sexta
marcha, e tem algo tão emocionante em dirigir um carro manual que passo
o tempo todo sorrindo. Dá muito mais controle.
– Até quanto esse carro vai? – grito por cima do ronco do motor.
Não tiro os olhos da pista e na mesma hora faço a curva, contornando a
loja, esquecendo de trocar de marcha. O carro quase capota para a calçada,
mas graças a Deus segura rme, assim como eu e Tyler aqui dentro: Tyler
segura a alça acima da porta do carona, e só me resta segurar o volante com
tanta força que meus dedos chegam a car brancos.
– Não exagera! – avisa ele. – Não tem espaço su ciente para passar dos
140!
– Cento e quarenta, então.
Abro um sorriso para ele antes de voltar a olhar para a frente, e paro na
extremidade do estacionamento. Tem bastante espaço até o outro lado. Vou
conseguir.
– Merda – murmura Tyler ao me ouvir acelerar o motor de novo. Ele
sabe exatamente o que vou fazer. – Gata, mesmo se for a última coisa que
você for fazer, não esquece de frear.
– Se você não con a em mim – retruco, sorrindo –, pode dar o fora do
carro.
Indico a porta com um aceno e forço o motor ainda mais, com tanta
força que chega a vibrar nos meus ouvidos.
Tyler arregala os olhos, mas não se mexe, nem pensa em sair. Ele só
segura o cinto de segurança com mais força, aperta minha coxa e, com a voz
rouca, diz:
– Pisa fundo.
É o que faço. En o o pé no acelerador, e o carro decola tanto que nossos
corpos são imprensados nos assentos. Tyler começa a rir conforme a
velocidade aumenta. Ele aperta minha coxa, e isso me distrai tanto que
tenho que literalmente me forçar a ignorá-lo enquanto olho do velocímetro
para o estacionamento. Cem. Piso fundo até meu pé estar tocando o chão do
carro. Cento e dez. Cento e vinte. Cento e quarenta.
Mas não paro. É isso que Tyler está esperando que eu faça. Parar é
covardia. Eu gosto do risco, então faço o oposto do que deveria. Mantenho o
pé no acelerador. Cento e cinquenta.
– Eden – avisa Tyler, com rmeza e temor. Ele segura o cinto com mais
força. Cento e sessenta. – Eden.
No segundo em que atinjo essa marca, en o rapidamente o pé no freio,
pisando com toda a força, até os pneus cantarem no asfalto. Aperto o volante
quando meu corpo voa para a frente, e de repente começo a entrar em
pânico ao perceber quão pouco espaço tem entre o carro e o m do
estacionamento. Fecho os olhos. Parece que leva uma eternidade até o carro
realmente parar. Ofegante, quando percebo que paramos abro os olhos
devagar e dou uma olhada pelo para-brisa. Estamos a centímetros da
calçada.
Quando me viro para Tyler, ele está me encarando sem acreditar, de
olhos arregalados e boquiaberto. A única coisa que consegue dizer é:
– Cacete, Eden.
– Ainda não terminei – digo com um sorriso, e aí, sim, ele entra em
pânico.
Solta a minha coxa, se afunda no banco e suspira de alívio por ainda
estar vivo.
Pego o prendedor de cabelo no meu pulso e faço um rabo de cavalo alto,
para não me atrapalhar. Cheia de adrenalina, tiro o casaco e a camiseta. O
carro está quente mesmo. Jogo as roupas no colo de Tyler e reviro os olhos
quando ele sorri para mim. Até parece que ele nunca me viu de sutiã antes.
Seguro o volante e devagar dirijo até o centro do estacionamento, então
paro. Respiro fundo e me concentro. Só consegui fazer isso uma vez. Estou
determinada a fazer de novo, para impressionar Tyler, mas sei que o risco de
tudo sair ridiculamente errado e eu acabar parecendo uma idiota é grande.
Mas vale a tentativa.
Tyler olha para mim intrigado, tentando descobrir o que vou fazer.
Acelerando mais uma vez, giro o volante até o m, segurando-o com força.
– Não – diz ele quando percebe. – Você vai ter que comprar pneus novos
para mim depois disso.
E ele tem razão. Vou mesmo ter que comprar pneus novos para ele,
porque vou queimar estes aqui.
Quando o motor está no ponto, piso no acelerador. O carro gira para a
direita, os pneus queimando no asfalto, cantando. O carro continua girando,
e eu dou risada. Olho pelo retrovisor e abro um sorriso orgulhoso, quando
nuvens de fumaça engolem o carro. Círculos escuros surgem no chão, e eu
decido que é hora de parar de queimar borracha e piso no freio.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, meu coração disparado de
animação, e esperamos a fumaça dissipar.
– Pronto, acabei – anuncio, sem conseguir tirar o sorriso dos lábios.
– Onde diabos você aprendeu a fazer isso?
– O pai do Dean me ensinou – admito.
Foi em março, e passamos horas tentando até eu conseguir fazer direito.
Tyler franze as sobrancelhas sem acreditar em uma palavra que eu falei.
– Hugh ensinou você a dar cavalo de pau?
– Aham – respondo, dando de ombros. Ainda estou bem orgulhosa da
minha habilidade, para ser sincera. Tyler com certeza não estava esperando.
– Ele ia trocar os pneus da picape, então deixou que eu e o Dean
brincássemos antes.
– Ah – diz ele. – Certo, vamos trocar.
Enquanto ele sai do carro e dá a volta pela frente, passo por cima do
câmbio para me acomodar no assento do carona. Deixo para lá a camisa e o
casaco, mas a velo o cinto. Ainda temos meia hora de viagem até em casa.
Mas Tyler acha que o show ainda não terminou. Ele fecha a porta, coloca
o cinto e dá uma olhada no retrovisor ao estudar intensamente a área atrás
de nós. Ele não me dá nenhum aviso, e bem quando olho para ele
descon ada, ele passa a ré e pisa no acelerador. Virando-se para o para-brisa
traseiro, ele xa o olhar na estrada. O carro começa a acelerar em linha reta
para trás, e quando Tyler se vira para a frente de novo, murmura:
– Se segura.
No segundo em que ele diz isso, pisa no freio e gira o volante num
círculo completo. O carro gira 180 graus para a direita, e no instante em que
para de frente, Tyler passa a primeira. O ímpeto da ré tão rápido logo se
transfere, e de repente estamos andando na mesma reta, só que não mais de
costas. Tyler freia bem quando chegamos à saída do estacionamento.
Ergo a mão para acender a luz interna, olhando para ele. Seus olhos
esmeralda brilham ainda mais.
– Desde quando você faz curva em J?
– Desde quando você sabe o que é uma curva em J? – retruca Tyler, e
imediatamente agarra meu rosto e me beija intensamente.
Não parece que estamos no meio da noite nem que acabamos de fazer
isso algumas horas antes. Tudo é tão familiar agora que um sorriso escapa
dos meus lábios. Gosto de como nada disso parece mais estranho. Gosto de
como parece normal. Não errado. Normal. Agarro o casaco de Tyler, me
sento no colo dele e puxo seu corpo para mim, pressionando meu peito no
dele. O espaço disponível é limitado, mas a gente insiste, e embora seja
apertado, Tyler passa as mãos pela minha pele, agarrando meus quadris.
– Estou começando a querer que meu carro tivesse banco de trás –
murmura ele com uma risadinha.
Reviro os olhos e, com um sorriso sedutor, sussurro:
– A gente improvisa.
O motor ainda está ligado, mas nem eu nem ele parecemos dar
nenhuma atenção. Eu me estico para desligar a luz enquanto Tyler segura o
fecho do meu sutiã. Ele está cando melhor nisso, não demora mais tanto, e
bem quando ele vai abrir o fecho, meu celular toca.
O aparelho vibra no bolso traseiro da calça jeans, me fazendo parar.
Troco um olhar perplexo com Tyler ao me afastar dele, pegando o telefone.
Fico surpresa ao ver o nome de Rachael piscando na tela.
Tyler se recosta no assento, derrotado, e passa a mão no cabelo,
apoiando a outra no volante.
– Cacete, Eden.
– Não é culpa minha! – digo.
Não sei por que Rachael está ligando a essa hora e, meio irritada com a
interrupção, atendo a ligação soando bem mais mal-humorada do que
gostaria.
– Fala.
– Eita, Eden, você está mesmo parecendo uma nova-iorquina irritada –
retruca a voz animada de Rachael. – Não falo com você faz séculos e você
me atende assim?
– Rachael – digo, devagar. – Você sabe que são quase quatro da manhã
aqui, né? Tipo, no meio da madrugada?
– Ah, meu Deus, não acredito! – explode ela com um gritinho. Rachael
sempre esquece a diferença de fuso. Na minha primeira semana em Nova
York, ela sempre ligava depois da meia-noite. Não importava quantas vezes
eu lhe lembrasse a diferença de três horas, ela nunca lembrava. – Esqueci
totalmente. Não são nem uma aqui. Eu te acordei?
– Não, tudo bem, estou acordada.
Tyler me encara, impaciente, e só dou de ombros. Não posso desligar na
cara dela.
– Certo, então, eu tenho que te falar de terça.
– Rápido – insiste ele.
Balanço a mão para ele, cruzando os braços no assento e pressionando o
telefone na orelha.
– Falar o quê?
Terça é quando Rachael e Meghan chegam a Nova York para a viagem de
aniversário atrasado de Meg. Vão car cinco dias aqui, e mal posso esperar
para vê-las. Mas no momento meus pensamentos não estão exatamente
focados na chegada das minhas amigas à cidade, e sim em Tyler e no fato de
que ele está me olhando de cara feia. Está me distraindo.
– A gente vai car no hotel Lowell – informa Rachael, a voz clara e
con ante. Não esperava nada menos dela. – Estou olhando o mapa agora, e é
na esquina da 63rd Street com a Madison Avenue. Você tem ideia de onde
ca?
Tento visualizar a organização da cidade. A Madison Avenue, tenho
quase certeza, ca a três quarteirões a oeste do apartamento do Tyler. A 63rd
Street ca a onze quarteirões para o sul.
– O apartamento do Tyler é na 74th Street. A norte do hotel.
– Então é perto?
– Mais ou menos, acho?
– Ótimo. Eu preciso que vocês façam uma coisa para mim. – Ela para e
respira fundo enquanto eu suspiro longe do aparelho. Conhecendo minha
amiga, eu não me surpreenderia com qualquer que seja o pedido.
Normalmente são umas coisas loucas. Desta vez, porém, não é o caso. – Na
terça à noite, você pode ir nos esperar no hotel? O Tyler também. Eu te
mando o número do quarto por mensagem quando zermos o check-in e
tal. Queremos muito ver vocês.
– Claro, a gente passa lá. – Pelo canto do olho, vejo Tyler se empertigar e
erguer as sobrancelhas, questionando o uso do plural, querendo saber para
onde vai ser arrastado. Mais tarde eu explico. – Rachael, está bem tarde aqui.
– Ah, meu Deus, verdade. Desculpa, Eden – pede ela, e para variar
parece sincera. Normalmente é a gente tem que arrancar um pedido de
desculpas da Rachael. – Boa noite, amiga.
Eu desligo e suspiro, então abro um sorriso. Desligo o celular e o jogo no
chão do carro, então me concentro em fazer carinho no rosto de Tyler. Ele
não parece se abalar muito de início, mas no segundo em que lhe lanço um
olhar inocente, ele me perdoa por interromper nosso momento, me pega de
volta e continua exatamente de onde paramos.
Nem se lembra de perguntar o que vamos fazer na terça.
20

Pouco depois das oito da noite na terça, Tyler e eu seguimos para o hotel na
63rd com a Madison. O sol está começando a afundar lentamente entre os
edifícios de Manhattan enquanto Tyler dirige pela Park Avenue. Está de
óculos escuros, uma das mãos no volante e a outra brincando no cabelo, o
cotovelo apoiado na porta.
– Elas só podem estar de sacanagem – resmunga ele depois de um
tempo. – O Lowell? Por favor.
– Como assim?
Ele bufa, e, embora eu não consiga ver por causa dos óculos escuros,
tenho certeza de que revirou os olhos.
– Rachael e Meghan estão na faculdade. Você acha que podem pagar um
lugar assim? Quer dizer, a Meghan acabou de voltar da Europa.
Provavelmente tem dez dólares na conta.
– Tyler, você tinha dezesseis anos e estava no colégio quando comprou
esse carro com a sua boa e velha herança – relembro, e então, para provar
meu ponto, completo: – Acha mesmo que pessoas de dezesseis anos podem
comprar um carro assim?
– Só acho estranho, sei lá – responde ele, ignorando meu comentário.
Levamos apenas dez minutos para chegar à 63rd Street, e Tyler dá a ré
numa vaga em uma manobra rápida, bem em frente à Santa Fe Opera.
Minha habilidade de estacionar não chega aos pés da dele – ainda me
surpreende que ele consiga fazer isso em menos de seis segundos.
Quando sai do carro, Tyler joga os óculos no painel e bate a porta com
força. Sigo logo atrás, intrigada. Não sei qual é o problema dele.
O Lowell ca logo adiante, na esquina com a Madison Avenue. Com
tijolos vermelhos, portas douradas e toldos brancos lindos, dou uma olhada
rápida, antes que Tyler resmungue e me arraste porta adentro. Um porteiro
nos recepciona, nos dando as boas-vindas ao hotel e desejando uma boa
noite. Tyler solta um suspiro, e tenho a impressão de que ele não quer estar
aqui. No momento, ou ele é contra hotéis de luxo, ou contra Rachael e
Meghan.
A recepção é pequena mas aconchegante, com vários lugares para sentar,
e Tyler e eu vamos direto para o elevador. O quarto delas é no décimo andar.
Tyler cruza os braços e se reclina no corrimão.
– O que você tem? – pergunto, nalmente.
– Por que estou aqui? – responde ele, sem hesitar.
Eu franzo a testa, perplexa com a pergunta.
– Elas são suas amigas.
– Eden! Acho que não falei com a Rachael mais de seis vezes no último
ano, e com a Meghan muito menos. Nem você. Pode admitir.
Dou de ombros. De certa forma ele tem razão. Meghan não faz lá muito
esforço para falar com a gente. É quase como se tivesse cado feliz de sair de
Los Angeles. A gente só conseguia se falar quando ela ia para casa às vezes.
Nem eu me sinto tão próxima dela como antes.
– Tá, tudo bem, com a Meghan é mais difícil de manter contato –
admito.
– Fala sério – responde ele com uma risada seca. – Ela claramente não
quer mais nada com a gente. Ela só liga para Utah e para o tal do Jared. Eles
já se casaram? Porque é o que está parecendo.
– Nossa, Tyler.
– Olha – diz ele, baixinho. – Só é estranho. Eu não sou mais amigo delas.
Acontece.
O elevador para devagar e a porta apita ao se abrir, interrompendo a
conversa, embora di cilmente eu tivesse como contra-argumentar. Tyler
ainda está mal-humorado e não tenta disfarçar enquanto seguimos pelo
corredor. Pego o celular de novo, con rmando se vi as informações corretas
nas mensagens de Rachael, então paro em frente à porta certa e bato.
Enquanto esperamos, olho para ele. Está encarando a porta, a expressão
neutra, e me pego avaliando cada detalhe do seu rosto. A pele morena e o
cabelo preto e bagunçado, que ele atribui aos genes latinos, os olhos cor de
esmeralda vibrantes que alternam entre secos e reluzentes, sua mandíbula
perfeitamente desenhada com a quantidade certa de barba...
Tudo isso... Tudo isso é meu.
– O quê? – pergunta ele, ao perceber meu olhar.
Não consigo conter meu encanto diante dele, e quando meus lábios se
curvam num sorriso tímido, só dou de ombros.
– Nada.
A porta é aberta, tão rápido que provoca uma brisa, e antes que eu
consiga olhar para a frente sou puxada para o quarto e para os braços de
alguém.
Reconheço o perfume e o cheiro do xampu na hora. É Rachael. Ela tem
esse cheiro desde que a conheci. O cabelão cobre meu rosto enquanto ela me
abraça com força e grita, e não consigo fazer nada além de rir junto. É muito
bom vê-la. Me faz lembrar da minha vida em Santa Monica, da qual quase
esqueci completamente nessas últimas quatro semanas.
– Nossa, Rachael – murmuro. – Assim você vai quebrar meu braço
Ainda rindo, consigo me soltar e olhar para ela.
O cabelo está um pouco mais escuro do que me lembro, e claramente
vários centímetros mais curto, mas não menciono isso. Lembro que Dean
comentou que ela não tinha cado feliz. De resto, é a minha mesma melhor
amiga de sempre, com um sorrisão no rosto.
– Que saudade!
– Também! – digo.
Não tinha percebido isso até agora. Tenho estado tão distraída com todo
o resto, e agora estou começando a me sentir culpada.
– Tyler!
Rachael arregala os olhos por um momento, surpresa, e não tenho como
julgá-la. Parece que ele envelheceu cinco anos desde que se mudou. Ele
ainda está parado sem jeito perto da porta, mas Rachael corre para abraçá-lo
também. É um abraço rápido, e quando ela se afasta puxa-o para dentro do
quarto e fecha a porta.
– Não acredito que já faz um ano – fala Rachael.
– É, é louco – diz Tyler com um sorrisinho, que não sei se é verdadeiro
ou falso.
De toda forma, ele não parece mais desconfortável.
Enquanto eles conversam, paro um minuto para dar uma olhada no
quarto. É imenso, e parece que tem cômodos separados, além do banheiro e
de uma minicozinha. É todo de piso de madeira com tapetes persas, ao
mesmo tempo elegante e vintage e moderno. Tem uns quadros
impressionantes nas paredes, mas não co olhando por muito tempo, e logo
volto para perto de Tyler.
– Então, o metrô é seguro? – pergunta Rachael, de olhos arregalados. –
A gente não vai levar um tiro nem nada?
– Relaxa – diz Tyler, e sei que ele quer revirar os olhos, mas se segura. –
É só não car parada com cara de turista que vai car tudo bem.
Dou uma olhada pelo quarto de novo. Tem alguma coisa faltando. Levo
um segundo para perceber, mas, quando percebo, me volto para Rachael e
pergunto:
– Cadê a Meghan?
Devagar, Rachael olha para mim. Quase sorri, mas morde o lábio e dá de
ombros.
– Ela voltou com alguma virose da Europa. Literalmente não parava de
vomitar. Então não veio.
– Então você veio para cá sozinha?
As palavras mal deixaram meus lábios quando alguém passa os braços
por cima dos meus ombros e dos de Tyler, nos abraçando com força. Levo
um susto, e antes de eu sequer ter a chance de me virar uma voz murmura:
– E aí, nova-iorquinos.
Meu coração para. Não pelo susto momentâneo, mas por causa da voz. É
uma voz que conheço bem demais.
Dean.
Eu levanto o braço dele e me viro no exato momento que Tyler. Acertei
na mosca.
Dean está parado na minha frente, um imenso sorriso no rosto, os olhos
escuros brilhando ao me abraçar com força junto ao peito. Estou tão
chocada que nem consigo retribuir o abraço. Fico parada, boquiaberta, sem
dizer nada. Por cima do ombro de Dean, Tyler me encara, o rosto tão pálido
quanto o meu. Estamos pensando exatamente a mesma coisa: Queria que
isso não estivesse acontecendo neste momento.
– Surpresa! – sussurra Dean.
A voz dele faz um calafrio percorrer meu corpo. Ele en a o rosto no
meu cabelo, e tudo parece tão estranho. Não estou mais acostumada com
Dean. Estou acostumada com Tyler.
Não era para Dean estar aqui. Não era para ele estar em Nova York com
Tyler e comigo. Era para ele estar em Santa Monica. Era para eu ter mais
duas semanas para descobrir o que fazer em relação a ele. Não estou pronta
para lidar com isso agora. Dean aqui pode estragar tudo.
Quando ele nalmente me solta, ca me encarando com olhos
apaixonados e balançando a cabeça com um sorriso. Grande e sincero. Dói
ver isso.
– Nossa, como eu senti saudade – diz ele, e pressiona os lábios contra os
meus.
Fico surpresa de início, tanto que nem consigo me afastar. Antes eu
sentia algo quando beijava Dean, mas agora não sinto nada. Não sinto
nenhuma adrenalina. Dean me beija suave mas freneticamente, como se
estivesse tentando se lembrar do que sentia falta, mas não consigo beijá-lo
da mesma forma. Não quero. Para mim, é um beijo sem vida.
Tento pedir desculpas a Tyler com os olhos. Seu corpo está tenso, e ele
me encara com uma expressão fria. Do nada ele agarra o ombro de Dean e o
puxa para trás, interrompendo nosso beijo. Fico grata.
– Pô, cara, está esquecendo do seu melhor amigo aqui? – pergunta Tyler,
e quando Dean se vira, Tyler abre um sorriso, mas eu sei a verdade.
Vejo um brilho de fúria nos olhos dele. Vejo a mandíbula contraída.
Dean, por outro lado, não enxerga nada além da felicidade no rosto do
melhor amigo.
– Minha nossa, o que aconteceu com a sua voz?
– Morando em Nova York com um cara de Boston – diz Tyler, seco. –
Acaba estragando o sotaque.
Rindo, Dean o puxa para um meio abraço enquanto eles trocam
tapinhas nas costas, e quando Dean se afasta Tyler pergunta:
– Então, o que está fazendo aqui? – Ele nem tenta esconder o tom áspero
da voz. Só cruza os braços e ergue as sobrancelhas, esperando a resposta.
– Substituindo a Meghan – responde Dean. Está com uma camisa azul-
clara e jeans escuros, e en a as mãos nos bolsos da frente. – Foi bem em
cima da hora. Achei que o meu pai não me deixaria tirar folga, mas ele deu a
maior força. Ideia da Rachael.
Eu e Tyler fuzilamos Rachael com os olhos ao mesmo momento. Ela está
observando a cena com um sorriso radiante. Nós dois não estamos nada
contentes. Convidar Dean para Nova York? É literalmente a pior coisa que
ela poderia ter feito.
– Tyler, eu trouxe o seu melhor amigo, e Eden, eu trouxe seu namorado!
– comenta ela, o sorriso cada vez maior. – Sou ou não sou a melhor amiga
do mundo?
Não consigo responder. Sei que a intenção dela ao fazer isso foi a melhor
possível, mas Rachael não tem ideia do que acabou de fazer. Só tornou as
coisas muito mais complicadas. Duvido que Rachael ou Dean percebam,
mas para mim e para Tyler a tensão está cando insuportável.
Dou uma olhada em pânico para ele, que suspira e passa a mão pelo
cabelo. Não sei o que pensar. Não sei o que fazer. E, quando Dean para ao
meu lado de novo, passando o braço por cima dos meus ombros e me dando
um beijo na bochecha, começo a me sentir ainda pior.
Devemos contar a verdade, agora que ele está em Nova York? Ou vamos
esperar, como planejado? Essa é a parte difícil: saber quando magoar Dean.
É inevitável, só resta saber quando e onde. Não aqui, isso com certeza. Não
agora. Mas talvez em breve.
E, se achava que as coisas não podiam car piores, meu Deus, como eu
estava errada.
A porta do banheiro se abre, chamando a atenção dos quatro. Franzindo
as sobrancelhas, confusa, ouço alguém comentar:
– Gente, que banheira incrível.
Também reconheço essa voz. Uma voz que achei que nunca mais teria
que ouvir. Que pertence a alguém com quem não falo há dois anos. Estou
começando a empalidecer de novo, então ela sai do banheiro, o cabelo preso
num coque bagunçado e nada além de uma toalha branca envolvendo seu
corpo miúdo. Ela para quando nos vê, e seus olhos vão de mim para Tyler
no mesmo instante. Então, com uma tranquilidade quase dolorosa, Tiffani
sorri.
– Por que ninguém me falou que o meu casal de irmãos favorito tinha
chegado?
21

Estou convencida de que nada disso está mesmo acontecendo. Não é


possível. Dean não pode estar em Nova York. Tiffani não pode estar parada
na minha frente com um sorriso aparentemente ingênuo. Eu sei bem quem
ela é, sei que por trás dessa ingenuidade há pura maldade. É tudo que Tiffani
é e tudo que sempre foi. Manipuladora, controladora e disposta a derrubar
tudo e todos para conseguir o que quer. Na cabeça dela, o jeito dela é o
único possível. E ela está no mesmo cômodo que eu e Tyler. Está de pé na
frente das duas pessoas que sabe que pode destruir, as duas pessoas que
estão tentando desesperadamente esconder um segredo que só ela sabe.
– Vocês estão de sacanagem? – reclama Tyler, a voz atravessando a
atmosfera tensa.
Ele olha de cara feia para Dean e depois para Tiffani. Então balança a
cabeça, sem acreditar.
Rachael dá um suspiro, cruza os braços e se inclina em uma das cadeiras
vintage, chutando o tapete e olhando feio para Tyler.
– Ai, gente, cresce. Vocês terminaram, e daí? Faz dois anos. Superem.
– Você está falando sério, Rachael? – Tyler está com os olhos
arregalados, sem acreditar. Ele dá uma risada, tão surpreso com a situação
que acho que rir é a única coisa que ele consegue fazer. – Quer saber? Foda-
se. Estou indo embora. – Ele joga os braços para o alto, derrotado, dá as
costas e vai até a porta, abrindo-a com tanta força que as dobradiças rangem.
– Vou esperar no carro, Eden – diz, por cima do ombro.
Ele bate a porta com tanta raiva que o estrondo ecoa pelo quarto.
– Então vir para Nova York claramente não resolveu os problemas de
temperamento dele – comenta Rachael depois de um momento de silêncio.
Ela está brincando, claro, mas não acho graça. Na verdade, é muito
desrespeitoso. Tão grosseiro que não consigo me segurar e faço uma cara
feia para ela.
– Por que ele é sempre tão babaca? – diz Tiffani, a voz doce e baixa,
como se estivesse profundamente ofendida. – Ele tem problemas sérios. Tão
agressivo. É óbvio que puxou ao pai.
Estou prestes a falar algo, prestes a brigar com Tiffani por ter falado isso,
mas, por incrível que pareça, Dean é mais rápido.
– Gente, sério? – pergunta ele, passando o braço dos meus ombros para
a minha cintura. – Deixa ele em paz.
– Ai, é muito drama – resmunga Rachael. – Vocês não acham? Sair
batendo o pé assim... Não mudou nada, suponho.
– E ele está errado? – digo, olhando para Tiffani.
Nem vou tentar esconder minha raiva dela. Rachael está me irritando
também. Não mudou nada? Elas só estão vendo Tyler agora. É claro que ele
vai car transtornado ao ver Tiffani surgir do nada. Nem Rachael nem
Tiffani viram como ele está de verdade, o Tyler que está sempre sorrindo,
que ri com sinceridade. Elas ainda não viram o novo Tyler. Claro que é um
processo, mas ele vai chegar lá. Está muito mais feliz do que já foi, e os
insultos delas estão me enfurecendo. Eu sempre vou defendê-lo.
– Ah, não, você também – reclama Rachael, jogando a cabeça para trás e
fechando os olhos.
– Nossa, Eden – diz Tiffani –, achei que você tivesse amadurecido um
pouco, agora que se formou.
Parada na entrada do banheiro com a toalha na mão, ela olha para mim
com um ar de condescendência e faz biquinho.
– Qual o seu problema comigo, Tiffani? – pergunto, perdendo a cabeça
enquanto tiro o braço de Dean de mim e me aproximo dela. – Por que você
tem que ser sempre tão...?
Dean me segura por trás de novo, me puxando para si e me impedindo
de atacá-la.
– Tiffani, deixa de ser babaca – diz ele.
– Cala a porra da boca, Dean – retruca ela.
A voz perdeu toda a gentileza, agora cortante. Encarando nós dois com
um olhar irritado, ela vai para um dos quartos e bate a porta.
Dou uma olhada para Dean, que me solta e só dá de ombros como se
não fosse nada. Ele defendeu Tyler e me defendeu também, o que só
aumenta a minha culpa. Dean é assim. Sempre ajudando as pessoas. Logo
vou jogar a verdade na cara dele. É difícil pensar nisso, então me concentro
em outra coisa.
– Nossa, que drama – devolvo as palavras de Rachael sobre Tyler. Dou
um passo para longe de Dean e cruzo os braços, erguendo as sobrancelhas. –
O que ela está fazendo aqui, aliás?
Rachael se levanta da cadeira, suspirando ao se aproximar, trazendo uma
nuvem do seu perfume de novo.
– Ela estava incluída na viagem desde sempre, Eden. Eu só não
mencionei porque não queria te ouvir reclamar por meses. Vocês não
podem esquecer isso tudo?
– Esquecer? – repito. – Sério?
– Olha, eu entendo – diz ela. – Você odeia a Tiffani pelo que ela fez com
o Tyler, e ela te odeia por ter cado do lado dele. Mas isso faz anos. Não acha
que está sendo um pouco infantil? Não pode esquecer e perdoar? A Tiffani
fez isso. Ela está pronta para ser sua amiga de novo, amiga de vocês dois.
Assim como Tyler, quase dou uma risada. Rachael realmente não tem
ideia do que aconteceu dois verões atrás. Às vezes eu bem que queria que ela
soubesse. Mas ela não sabe, então só trinco os dentes para me impedir de
contar a verdade.
– Eu nunca vou ser amiga dela, Rachael. Nunca.
– Não se preocupa com isso – diz Dean atrás de mim, e levo um susto.
Não estou acostumada a ouvir a voz dele. Fico surpresa por ele ainda estar
aqui. Ele coloca a mão no meu ombro e para do meu lado, me oferecendo
um sorriso de apoio. – Você não precisa ser amiga dela.
– Que isso, Dean – resmunga Rachael. – Você tem que admitir que isso
faz as coisas carem estranhas para a gente.
– Não acho nada estranho – retruca ele, a expressão calma ao encará-la.
Vejo que ele está mentindo, mas sei que está tentando me defender, então
co parada sob o seu toque. – Nada é estranho a não ser que você faça ser
estranho, que é exatamente o que você fez agora.
Rachael contorce os lábios.
– Eu só estou tentando fazer todo mundo car junto de novo – diz,
parecendo meio triste.
Com isso, ela dá as costas e vai para o mesmo quarto em que Tiffani
entrou, me deixando sozinha com Dean.
Ele se vira para mim, meio chateado. Acho que nada disso aconteceu
como eles imaginavam.
– Talvez tenha sido uma má ideia pedir para vocês virem para cá –
resmunga ele. – A gente queria fazer uma surpresa, e eu tinha que te ver
ainda hoje. Não dava para esperar até amanhã.
– Bem, cá estou eu – digo, também para baixo.
Dou uma risada, mas não é sincera. Estou começando a car enjoada.
Não consigo lidar com Dean e Tiffani em Nova York ao mesmo tempo. É
demais para mim.
– E as pessoas dizem que a paisagem é a coisa mais bonita de Nova York
– diz ele, os lábios se curvando num sorriso, as sobrancelhas se erguendo.
É então que percebo que ele raspou aquela barba horrível que tinha
deixado crescer.
Reviro os olhos e dou um tapinha no ombro dele.
– Ai, Dean, sério?
– Eu não podia deixar passar – diz ele, o sorriso enrugando o canto dos
olhos, enquanto segura meus ombros e me encara. – No mês que você
passou longe eu pensei em tantas frases bregas para te dizer.
Ele me beija, e como estamos sozinhos desta vez ele passa as mãos pelo
meu corpo, dos meus ombros à cintura. Ele me beija como se fosse a
primeira vez.
É difícil beijá-lo com o mesmo entusiasmo. Como eu poderia? Mesmo
assim, eu tento, porque ainda não estou pronta para causar descon ança.
Estou tentando agir normalmente. Tentando agir como se não estivesse
apaixonada pelo melhor amigo dele e como se não fosse contar a verdade
para ele logo.
Sou eu a acabar o beijo quando ca insuportável. Dou de ombros, franzo
a testa e olho para a porta.
– Dean, é melhor eu ir embora – falo, baixinho. – O Tyler está esperando
no carro.
– É, tudo bem – diz ele, nalmente soltando meu corpo e se afastando.
Ele ainda está sorrindo. – Nós três vamos sair para comer, de qualquer
forma. Ver a cidade, acho. Mas amanhã vamos car juntos, certo?
Duvido que Tyler tope fazer alguma coisa com eles, e me pego
gaguejando que tenho planos para amanhã, mas Dean ca confuso. Não sei
o que fazer: devo continuar agindo normalmente com ele, ou dar um gelo
para que ele perceba que tem algo acontecendo? Não sei o que vai magoá-lo
menos, então acabo concordando em encontrá-lo amanhã à noite.
Tudo isso é pesado demais para mim, e quando me despeço de Dean e
grito tchau para Rachael pela porta fechada do quarto dela, percebo que
minhas mãos estão tremendo. Saio do quarto o mais rápido possível,
tentando não transparecer que estou louca para ir embora, e não espero pelo
elevador. Preciso desesperadamente me afastar de Dean e Tiffani, então
desço de escada mesmo, correndo num ritmo irregular os dez andares até a
recepção. Saio correndo do prédio antes mesmo que o porteiro, de
sobrancelhas erguidas, tenha chance de abrir a porta para mim.
Graças a Deus, o carro de Tyler ainda está parado em frente à Santa Fe
Opera. O motor está ligado, então abro a porta do passageiro e entro sem
hesitar, batendo a porta.
Com a respiração pesada, olho para Tyler. O corpo dele está tenso no
banco, as mãos agarrando o volante com tanta força que seus dedos estão
brancos, os braços, rígidos. Ele não me encara, só trinca os dentes,
concentrado na rua à frente.
Quando ele abre a boca, só consegue falar:
– O que a gente faz agora?
– Não sei – respondo. Solto um gemido e baixo a cabeça no painel,
passando as mãos pelo cabelo. Fecho os olhos com força enquanto tento
processar o que acabou de acontecer, mas tudo parece um borrão. Não
consigo encaixar as peças. Devagar, levanto a cabeça e me viro para ele. –
Tyler, será que contamos para ele? Quer dizer, é o certo, não é?
– Temos que contar – responde, com a voz mais lenta, mais calma. Ele
me encara com preocupação. – Eu sei que íamos esperar até voltar para casa,
mas ele está aqui agora, e temos que fazer a coisa certa, pelo menos uma vez.
– Quando?
– O quê?
Engulo o nó que se formou na minha garganta.
– Quando vamos contar para ele?
Tyler dá de ombros.
– Podemos contar amanhã. Podemos voltar lá para cima e contar agora
mesmo, mas isso vai estragar a viagem dele, porque ele vai car péssimo. Ou
– completa ele – podemos esperar até o último dia. Aí contamos na noite
antes de eles irem embora. Pelo menos assim ele vai poder aproveitar Nova
York e não vai precisar car perto de nós por muito tempo antes de entrar
num avião e nos deixar para trás. Não é melhor?
– Você quer que eu nja que está tudo bem por cinco dias?
Nervosa, torço os dedos. Eu amo Dean. Por isso é tão difícil. Não vou
terminar porque não quero car com ele. Vou terminar porque me
reencontrei com Tyler, porque não é justo com Dean ter uma namorada
apaixonada por outro.
– É só agir meio diferente, assim ele vai perceber que tem alguma coisa
estranha – fala Tyler, mas franze a testa. – Cara, ele vai odiar a gente, né?
Você viu como ele olhou para você?
– Olhou para a gente – corrijo. Pego o cinto de segurança e prendo,
soltando um suspiro que não tinha percebido que estava prendendo. – Ele
estava tão feliz de ver a gente.
– Aliás, vamos deixar o Dean de lado por um segundo – diz Tyler ao sair
da vaga e pegar a Madison Avenue. A voz dele ca amarga de novo. – Por
que a Tiffani veio? “Casal favorito de irmãos”? Que merda foi aquela? Ela
sabe que odeia a gente.
– Acho que ela só me odeia, na verdade – digo com uma risadinha ao
me recostar no banco, observando enquanto Tyler dirige. – Sabe, porque eu
roubei o namorado dela e tal.
Tyler me dá uma olhada de soslaio e ri também, a expressão se
suavizando. Com uma das mãos no volante, ele estica o outro braço e
entrelaça os dedos aos meus, a pele macia e quente, como sempre.
– E você não sabe como sou grato por isso.
22

No dia seguinte, eu e Tyler estamos uma pilha de nervos. Não dá para evitar.
É uma agonia saber que Dean está tão perto. Temos que redobrar os
cuidados de novo, tomando conta de todas as palavras e nos certi cando de
não trocar olhares demais. Voltamos a ser só irmãos postiços de novo.
E embora estejamos tentando agir tão normal e inocentemente quanto
possível, Tyler está com di culdade para esconder sua irritação, porque
Dean vem me buscar a qualquer segundo. Está passando um café na cozinha
enquanto eu ando de um lado para outro da sala, esperando a batida na
porta, e até Emily percebe o clima tenso.
Ela pausa o lme na TV, o que não agrada nem um pouco Snake, e nos
observa intrigada, os olhos indo de mim para Tyler.
– Qual o problema?
– Eden vai sair – diz Tyler, me encarando, mexendo o café sem nem
olhar para baixo, a mandíbula tensa. – O namorado dela apareceu de
surpresa ontem de noite aqui na cidade. Eu mencionei que a minha ex
maluca também veio? Porque foi isso que aconteceu.
– A Tiffani? – pergunta Emily.
Paro no meio e encaro Tyler com uma expressão de curiosidade, as
sobrancelhas erguidas. Ele deve ter falado sobre a Tiffani para Emily. Na
verdade, acho que deve ter contado quase tudo sobre a vida dele. Ela sempre
parece saber todos os mínimos detalhes.
– Aham – responde Tyler, ríspido.
Ele nos dá as costas e se concentra no café, desviando a atenção de Emily
para mim.
– Eden, eu não sabia que você tinha namorado – comenta ela, me
encarando tão intensamente que co desconfortável.
– É, tá bom, quem se importa – reclama Snake, tentando tirar o controle
da mão dela, mas Emily só empurra o peito dele e continua a olhar para
mim.
– A gente está junto há um ano e meio – digo, baixinho. Um ano e meio.
É esse o tanto de tempo que desperdicei da vida de Dean. – Ele se chama
Dean.
Como se ensaiado, ouvimos uma batida na porta. Todo mundo se vira
ao mesmo tempo, mas Tyler e eu logo nos entreolhamos. Ele para de mexer
o café, as mãos paralisadas no ar, e mordo o interior da minha bochecha.
Não quero ver Dean hoje à noite, mas se eu desmarcar ele vai saber
imediatamente que tem algo errado. E ainda não estou pronta para contar a
verdade.
Sinto os olhos de todos em mim ao me aproximar da entrada do
apartamento, ajeitando a saia ao andar. Devagar, abro a porta. E, claro, é o
Dean.
Ele respira fundo, aliviado, assim que me vê e abre um sorriso.
– Ah, ainda bem que a gente acertou o apartamento.
– A gente?
Neste momento, Rachael e Tiffani aparecem atrás dele, meio sem fôlego,
como se tivessem subido os doze andares de escada. Aperto a maçaneta
quando Tiffani sorri e arregala os olhos para mim.
– O que vocês estão fazendo aqui? – pergunta Tyler da cozinha, e
quando olho para trás vejo que ele largou o café na bancada e está se
aproximando, com as mãos nos bolsos, mas isso não me impede de perceber
que estão fechadas com força.
– A gente queria ver seu apartamento! – diz Rachael, toda animada. Mas
o tom logo muda, e ela dá de ombros, envergonhada. – E também porque
ontem foi horrível. A gente queria conversar.
Tyler olha para as duas por um longo momento, principalmente para
Tiffani, e vejo que ele está quase literalmente brigando com o ímpeto de
enxotá-la. Por m, ele se afasta da porta.
– Tá, podem entrar – resmunga.
Rachael entra primeiro, com Tiffani logo atrás. Tyler me olha e dá de
ombros, e faço uma careta e puxo Dean para dentro pela camisa, fechando a
porta com o pé. Tanto Snake quanto Emily se levantam, observando,
constrangidos, as visitas da Califórnia. Snake não tira os olhos de Rachael, e
Emily, de Tiffani.
– Certo – diz Tyler, apresentando todo mundo rapidamente, dizendo o
nome o contexto de cada um sem se estender muito.
Snake, colega de quarto, de Boston. Emily, inglesa da turnê. Rachael é
uma amiga. Tiffani é só a Tiffani. Dean é só o cara com quem estou
namorando. Tyler não menciona que, certa vez, eles já foram melhores
amigos. Para quê? A amizade vai acabar nos próximos quatro dias.
Snake parte para cima de Rachael quando as apresentações sem graça
acabam, e tento lhe lançar um olhar de aviso, mas ele ou não vê ou decide
ignorar. Seus olhos cinzentos estão xos nela, e quando ele estende a mão, se
apresentando, surpreendentemente desta vez é como Stephen.
Eu bufo de leve e dou uma olhada para Tiffani. Ela está encarando
xamente Emily a alguns metros de distância, e observo nervosa quando
Emily se aproxima, com tranquilidade.
– Então você é a Tiffani?
– O que você quer dizer com isso? – Ela estreita os olhos, surpresa com o
tom de voz de Emily.
Se Emily morasse em Santa Monica, saberia que é melhor não se meter
com Tiffani Parkinson. Mas infelizmente ela não mora, então não conhece
essa regra básica de sobrevivência.
– Ah, nada – prossegue ela, dando de ombros. – É que já ouvi muito
sobre você, só isso.
– Sério?
Tiffani ca toda feliz de ouvir isso, como se amasse a ideia do próprio
nome sendo citado nas conversas alheias. Na maior parte do tempo, as
palavras que acompanham seu nome não são elogiosas.
Emily sorri, mas não é sincero. Pela primeira vez ela parece estar com o
pé atrás. Se costuma ser fofa e de fala mansa, hoje está bem diferente.
– Com certeza. Mas não se preocupe, eu tenho certeza de que tudo que
ouvi foi bem el.
Não ouço a besteira que Tiffani resolve responder, porque minha
atenção é desviada para Tyler, que se aproxima de mim e de Dean. Ele está
sorrindo. Com sinceridade? Acho que não.
– Então, Dean, quer conhecer o apartamento? – sugere ele.
Dean balança a cabeça e responde:
– Acho que a gente já vai indo. Não quero perder mais tempo.
– Que isso, cara, vamos lá, deixa eu te mostrar minha casa. – Tyler passa
o braço pelos ombros do amigo, afastando-o de mim com um aperto forte
no ombro. Acho que Dean não conseguiria se safar mesmo se tentasse. –
Vem ver a vista. Dá para a ird Avenue.
Ele leva Dean para a sala e o conduz até a janela, prendendo-o ali.
Enquanto Dean observa a rua lá fora, Tyler sorri para mim, e só me resta
revirar os olhos em resposta.
Pelo canto do olho, vejo Tiffani se aproximando deles, en ando-se entre
os dois e passando os braços pelos ombros deles. Tyler na mesma hora se
afasta.
– Então, o que a gente está olhando? – pergunta ela.
Do outro lado da sala, Snake ainda está conversando com Rachael, que
enrola mechas do cabelo na ponta dos dedos, os lábios entreabertos,
ouvindo seja lá o que Snake fala para garotas.
A cena toda me confunde. Não sei por quê, mas minha vida em Santa
Monica parecia totalmente separada do meu verão em Nova York. Ou dois
mundos não deveriam se encontrar nunca. Agora que isso aconteceu, sinto
um enjoo sem m. No último mês, Nova York foi meu porto seguro. Foi
como se eu pudesse esquecer totalmente minha vida em casa. Esquecer
nossos pais, nossos amigos, Dean. A melhor parte é que Nova York me fez
esquecer que Tyler é meu irmão postiço, até agora. A realidade nos deu um
belo tapa na cara. E, nossa, como doeu.
– Minha nossa – resmunga Emily ao se aproximar de mim, cruzando os
braços. Ela para ao meu lado e indica Tiffani com a cabeça. – Essa aí é
exatamente o que eu imaginava. Entrando aqui como se fosse a tal.
– Você colocou ela no lugar rapidinho – digo, dando uma olhada de
soslaio para Emily, reparando em sua expressão de desgosto para Tiffani.
Mantenho a voz baixa. – O que foi aquilo?
Emily dá de ombros, seu olhar cando mais tranquilo.
– Tyler me contou sobre ela – responde. Na janela, Tyler aponta as lojas e
cafés na avenida lá embaixo, ainda ignorando totalmente a persistência de
Tiffani em se encostar nele. – O que ela fez foi horrível – completa Emily. –
Não aguento garotas assim. Além disso, eu defendo meus amigos.
– Cuidado – murmuro, sem tirar os olhos de Tiffani. Ela está com uma
das mãos nas costas de Tyler e outra nos próprios quadris. – Você não quer
enfrentar a raiva dela.
Emily dá um passo à frente e se vira para mim, dá uma risada e
pergunta:
– Falando por experiência própria?
– Sem dúvida.
Lidar com Tiffani foi um inferno. É difícil car perto dela depois de tudo
que aconteceu. Ela tem um senso de poder tão grande, tanto na forma de
sorrir quanto na forma de falar. É assustador.
Ela deve ter desistido de se en ar na conversa de Tyler e Dean, porque
dá meia-volta e des la até onde estou com Emily. Ela suspira ao se
aproximar, os olhos xos em mim. Sorri e, como sempre, é falsa e amarga.
– Eden. Lá fora. Agora.
Eu nem pisco, só continuo parada.
– Não, valeu, estou bem aqui.
Tiffani não aceita essa resposta e simplesmente agarra meu pulso e me
puxa porta afora. Olho para Emily, cando para trás, mas ela dá de ombros,
de olhos arregalados. Sou levada contra a minha vontade para o corredor, e
Tiffani só me solta quando fecha a porta.
– O que você quer?
Eu cruzo os braços e dou um passo para trás quando ela se vira para me
encarar.
Adiante no corredor, um cara está saindo do seu apartamento. Tiffani
espera em silêncio enquanto ele passa por nós em direção ao elevador.
Depois que ele some, o sorriso dela ca maligno, e ela estreita os olhos.
– Resumindo? Estou começando a sentir saudades do Tyler.
É tão ridículo que caio na risada, de tão surreal que é a cena. Talvez não
soasse tão hilário se a relação deles tivesse sido honesta e verdadeira. Mas
não foi. Ela não pode sentir saudade de alguém que nunca amou. Ainda
rindo, pergunto:
– Quer elaborar mais?
– Estou começando a sentir saudades do Tyler e você vai me ajudar a
conquistá-lo de novo – retruca ela, sem hesitar, cruzando os braços e
pressionando os lábios numa linha na.
Eu paro de rir. Agora a cena é só triste. Ela realmente está fora de si.
– Você sabe que isso nunca vai acontecer, né?
– E por que não? Ele vai voltar para a Califórnia, nós dois estamos
solteiros, e é impressão minha ou o seu irmão cou bem mais gato?
Ela suspira e nge se abanar teatralmente, as bochechas tingidas de rosa.
– Vai para o inferno, Tiffani.
– Nossa, mas que nervosinha. – Ela arqueja e toca o peito como se
estivesse magoada, mas eu só reviro os olhos. Ela é tão dramática. – Espera –
continua ela. Por um segundo, parece deixar o ngimento de lado, porque
me olha com uma perplexidade que é totalmente sincera. Vejo sua expressão
mudando, e então solta um suspiro. – Espera. Você não continua cando
com ele, né?
Sou pega tão de surpresa pela pergunta que não respondo. Mesmo se eu
tentasse negar, ela saberia. Ela sempre sabe. Fico sem reação, engulo em seco
e baixo os olhos. Tiffani faz parecer tão casual. A gente nunca só “ cou”.
Sempre foi mais que isso.
– Ai, meu Deus – diz Tiffani, baixinho. O choque é evidente na sua voz.
Desta vez, não está zombando nem desdenhando. – Sério?
Eu a encaro, mas logo fecho os olhos com força e escondo o rosto nas
mãos. Minhas bochechas estão vermelhas, e tudo que consigo murmurar
por entre os dedos é:
– Não é nada sério.
Eu sei que estou mentindo para mim mesma. Sei que é sério. Sempre vai
ser.
– Nada sério? – Tiffani parece superar rápido demais a informação de
que eu e Tyler ainda estamos juntos, porque agora sua voz está tomada por
uma alegria que ela tenta muito esconder. – Mas, Eden... você está com o
Dean.
Balançando a cabeça, eu me viro e volto a caminhar na direção do
apartamento. Estou mordendo meu lábio com força e respirando devagar
para não chorar. Dói saber que a única pessoa que tem conhecimento do
meu relacionamento com Tyler é a pessoa cruel o bastante para contar para
todo mundo. Sei que é isso que ela quer fazer, e o fato de que ainda não fez é
o que me deixa mais nervosa. Ela está guardando nosso segredo por um
motivo, e, conhecendo-a bem, não é porque é uma boa amiga.
– Espera – chama Tiffani. Eu paro de andar, mas não me viro. Fecho os
olhos e espero. – Divirta-se no seu encontro com Dean. Você vai comentar
que está chifrando ele?
Trinco os dentes. Não preciso encará-la para saber que está sorrindo,
que está amando cada segundo disso tudo. Mas não lhe dou a satisfação de
saber quanto suas palavras me desconcertam. Fico de boca fechada e
continuo andando.
– Eden – chama ela de novo quando chego à porta do apartamento. Eu
me detenho, com os dedos em volta da maçaneta. Eu sei que não deveria dar
ouvidos ao que quer que ela diga, mas não consigo evitar. – Você engordou
uns quilinhos desde que te vi pela última vez?
Suas palavras tocam bem na ferida. É uma frase que não ouço há anos,
algo que eu ouvia em Portland e que eu temia mais que tudo. Achei que
nalmente tinha superado a preocupação com o meu peso, mas meio
segundo depois que essas palavras saem da boca de Tiffani toda a
autoestima que construí nos últimos anos desaparece e meu coração dispara
enquanto luto contra as lágrimas. Mesmo se eu quisesse responder, não
conseguiria. Mesmo se quisesse olhar para ela, não conseguiria, não mais.
Abro a porta com força e entro o mais rápido possível, usando todos os
trincos existentes. De jeito nenhum ela vai voltar para este apartamento. Não
depois disso.
Respirando pesado, noto o silêncio do apartamento e, quando me viro
devagar, todo mundo está me olhando. Rachael e Snake pararam de
conversar. Emily está parada exatamente onde a deixei, as sobrancelhas
erguidas. Tyler e Dean estão na cozinha, Tyler tomando seu café e Dean com
uma expressão derrotada. É para Rachael que eu olho por mais tempo.
Tiffani não me lançou esse comentário por acaso. Foi de propósito, e as
únicas pessoas nesta sala que poderiam ter contado isso para ela são Tyler,
Dean e Rachael. Não é difícil descobrir o culpado.
Não queria chamar a atenção, mas estou prestes a explodir em lágrimas,
então chamo Rachael e vou direto para o banheiro. Passo por Dean e Tyler e
fecho a porta, só abrindo de novo alguns segundos depois, quando Rachael
bate. Eu abro e a puxo para dentro, trancando a porta.
– O que foi? – pergunta ela na mesma hora, confusa.
– Você falou para a Tiffani?
– Falei o quê?
– Que eu... – Respiro fundo e me apoio na pia antes de encará-la de
novo. Se eu me visse agora, tenho certeza de que pareceria arrasada, porque
é assim que estou me sentindo. – Que eu sou assim. O motivo para eu me
exercitar tanto.
As rugas de preocupação na testa dela se aprofundam.
– Bom, talvez eu tenha comentado, tipo, mil anos atrás – admite ela
baixinho. – Ela me perguntou por que você era tão obcecada por corrida.
– Rachael! – Solto um gemido e jogo a cabeça para trás, passando as
mãos no cabelo e encarando o teto. Estou começando a me arrepender de
ter con ado nela. Estou começando a desejar nunca ter falado nada para
ninguém. – Agora ela sabe a melhor forma de acabar comigo. – Ela toca os
lábios com uma expressão culpada e ca quieta, sem saber o que dizer. – Ela
acabou de me perguntar se eu engordei. Você acha que eu engordei?
Eu olho para baixo, para mim mesma, observando cada centímetro do
meu corpo. Ultimamente tenho me sentido feliz. Finalmente encontrei o
equilíbrio perfeito entre comer de forma saudável e malhar, sem ser muito
radical, sem monitorar todas as coisas que como. Não pulo mais as refeições.
Não me sinto mais culpada por car um dia sem correr. Faz meses que não
tenho um único pensamento a respeito do meu peso, mas agora é como se
tudo estivesse voltando de uma só vez. Começo a tentar contar
quantas fatias de pizza comi desde que cheguei em Nova York. Tento contar
quantas doses extras de caramelo adicionei aos meus lattes no ano passado.
Eu me pergunto se talvez me permitir relaxar foi uma ideia ruim desde o
início.
– Eden, você está ótima – diz Rachael, erguendo meu rosto gentilmente,
me encarando com um olhar preocupado. – Para com isso – diz ela com
rmeza. Ela dá um passo para trás e, baixando as mãos, suspira. – Olha, eu
vou falar com a Tiffani. Ela sabe que fazer esse tipo de comentário não é
legal. Mas, por favor, não ca chateada por isso. Só vai e aproveita sua noite
com o Dean.
Não sei como vou conseguir fazer isso agora. Nem quero mais sair do
banheiro, quanto mais sair em público com o cara que vou largar em breve.
Neste humor, acho que não vou conseguir ngir.
Alguém bate na porta, e eu e Rachael olhamos. A voz de Dean vibra pela
madeira.
– Tudo bem aí?
Outra batida, desta vez bem mais gentil, e a voz desta vez não é de Dean,
e sim de Tyler.
– Eden?
– Ela já vai sair! – responde Rachael. Quando ela se vira para mim de
novo, tem uma lágrima escorrendo pela minha bochecha, e ela se apressa
para limpá-la com o polegar. – Olha, tudo bem – diz, baixinho, me
envolvendo num abraço apertado e cálido, e sussurra com o rosto en ado
no meu cabelo. – Me desculpa. Você não precisa ser amiga da Tiffani. Eu
não ligo.
– Espero de verdade que não – murmuro –, porque isso nunca vai
acontecer.

Dean me leva para jantar num restaurante chamado Bella Blu, na Lexington
Avenue. É um lugarzinho italiano, o que não me surpreende nem um pouco.
Dean sempre teve orgulho de suas raízes italianas, como Tyler sempre teve
orgulho de suas raízes latinas, apesar de ter herdado do pai.
Acabamos chegando vinte minutos atrasados para a reserva, em parte
porque Tyler cou prendendo Dean de propósito, e em parte porque me
tranquei no banheiro com Rachael. Antes de sair, sequei os olhos e deixei
Rachael consertar minha maquiagem. O resultado cou muito melhor que
estava. Ninguém perguntou o que tinha acontecido e ninguém perguntou
por que Tiffani estava trancada no corredor. Eles não ousariam.
Rachael tinha voltado à conversa com Snake quando saí com Dean.
Tyler estava de cara feia. Emily cou me encarando, o olhar não só curioso
mas também um pouco descon ado. No corredor, Tiffani, encostada na
parede de braços cruzados e um sorriso no rosto, nos desejou boa-noite.
Dean agradeceu, aparentemente sem perceber a leve malícia na sua voz, e eu
nem sequer olhei para ela, que aproveitou a oportunidade para entrar de
novo no apartamento. Eu não tinha mais segurança para bater de frente com
ela. Só queria me esconder.
No Bella Blu, porém, a noite começa a piorar. Estou me sentindo
culpada demais por estar aqui. Na minha primeira noite em Nova York
estive numa situação exatamente igual, sentada no meio de um restaurante
italiano aconchegante. Só que o restaurante era o Pietrasanta, não o Bella
Blu, e na minha frente estava Tyler, não Dean.
– Então eu juro – disse Dean ao dar mais uma garfada em seu ravióli de
lagosta – que vou para faculdade ano que vem. Eu sei que falei que ia me
inscrever este ano, mas na verdade está sendo bem legal trabalhar com o
meu pai. Nada de aula, nada de estudo. Só carros maneiros.
Eu reviro minha salada Caesar, sem prestar muita atenção, o olhar vazio.
Estive movendo croûtons pelos últimos dez minutos e mal comi. Não quero.
– Aham.
– E eu sei que tinha decidido ir para Berkeley, mas comecei a dar uma
olhada nos cursos de administração em Illinois e...
– Quê?
Tiro os olhos da salada para encarar Dean, seus olhos tão cálidos e
brilhantes como sempre.
– Illinois – repete ele com um sorriso. – Assim a gente vai car mais
perto.
Meu estômago se revira, e me esforço para não demonstrar minha
apreensão. Nós dois sabíamos que eu ia me mudar para o outro lado do país
em dois meses, mas nunca chegamos a discutir o assunto. Ninguém queria
trazer o assunto à tona. Sempre foi difícil para nós conversar sobre carmos
separados por quatro anos. Teríamos os verões. Férias de primavera e
inverno. Feriados de Ação de Graças. Não deixaríamos de nos ver
totalmente, mas seria diferente e difícil. Agora não ligo de me mudar para
longe de Dean. Na verdade, acho que quando ele for embora de Nova York
vai car feliz por eu estar indo morar em outro estado. Acho que nunca mais
vai querer me ver.
– Mas você sempre quis ir para Berkeley – falo, baixinho.
– Eu sei. Mas a gente caria a três mil quilômetros de distância se eu
decidisse continuar na Califórnia. – Ele pega outro pedaço do ravióli e leva
um momento para engolir, pegando o copo e tomando um gole rápido.
Devagar, ele se inclina para a frente. – Eu estava dando uma olhada na
Northwestern. Dizem que o curso de economia lá é ótimo, e sabe a melhor
parte? – Ele para, não porque espera que eu responda, mas porque quer
sorrir para mim. – É em Evanston. Fica a apenas trinta quilômetros da
Universidade de Chicago.
Fico olhando a or no centro da mesa, observando suas cores enquanto
tento processar o que Dean falou. Ele está disposto a abrir mão da faculdade
dos sonhos para que a gente não que distante. Ele é assim. Sempre altruísta,
sempre gentil e disposto a fazer sacrifícios por quem ama. Ele podia ter ido
para a faculdade ano passado, mas não foi, porque o pai sempre quis que ele
trabalhasse na o cina. Eu sei que ele gosta de carros, mas também sei como
ele sonha em ter uma carreira em administração. Mas ele deixou esse sonho
de lado por um ano porque quer viver a tradição da família Carter primeiro.
Está disposto a se inscrever em outras faculdades porque não quer car a
milhares de quilômetros de mim.
– Acho que é melhor você não tirar Berkeley da jogada – digo, sem olhar
para ele.
Ainda estou concentrada na or, ainda re etindo.
– Por quê?
– Porque é uma faculdade incrível.
– A Northwestern também é – retruca ele. – E ca tipo do seu lado.
Olho para ele de novo. Empurro o meu prato, quase intocado,
entrelaçando as mãos na mesa à minha frente.
– Mas você sempre disse que não queria sair da Califórnia.
Acho que Dean esperava que eu fosse car animada com a ideia de ele se
mudar para Illinois ano que vem, porque seu sorriso começa a diminuir. Ele
franze a testa.
– Eden – diz, com rmeza, os olhos se estreitando ao me encarar. – Eu já
vou ter que aguentar um ano inteiro sem você. É uma viagem de quase
trinta horas, mas eu poderia ir para Chicago uma vez por mês, e você vai
voltar nos feriados, e eu poderia até arrumar outro trabalho para conseguir
te ver mais. Mas isso é por um ano. Não vou conseguir viver assim por
quatro.
– Dean.
– É por isso que, quando eu for para a faculdade ano que vem, quero ir
para uma perto de você – continua ele, me ignorando. Ele se reclina na
cadeira, cruzando os braços e sorrindo de novo. – Ei, imagina só. Você vai
estar no segundo ano, e eu é que vou ser o calouro. Que reviravolta, hein?
Se eu estivesse planejando continuar namorando Dean, talvez eu
estivesse animada. Mas é tão difícil ouvi-lo falar dos nossos planos futuros
juntos quando sei que não há futuro para nós, e acho que não tem nada que
eu possa falar agora que o faça mudar de ideia em relação à faculdade.
Quando Tyler e eu contarmos a verdade, acho que ele vai mudar de ideia. Aí
sim tenho certeza de que vai voltar a pensar em Berkeley. De nitivamente
não vai querer car nem perto de mim.
– Dean – murmuro. Dói olhar para ele, ver como ele me olha com os
olhos brilhantes e cheios de honestidade e amor e nada mais. Eu gostaria de
poder olhá-lo da mesma forma. Ele merece isso e muito mais. Eu o amo, de
verdade. Desde que camos pela primeira vez, não houve um momento em
que eu não o amasse. É só que o meu coração pertence ao Tyler. Terminar
com Dean é a coisa certa a fazer. – Eu te amo – digo, sem tirar os olhos dele.
Na verdade, acho que nem pisco. – Você sabe disso, não sabe?
Ele estende a mão por cima da mesa e pega a minha. Quando seu sorriso
chega aos olhos, responde:
– É claro que sei.
E, naquele momento, não posso fazer nada além de torcer para que ele
saiba mesmo.
23

Quando volto da minha corrida matinal no dia seguinte, decidiu-se que as


meninas e os caras vão fazer programas separados. Não sei exatamente
quem tomou essa decisão, só sei que sou contra. Tyler, Snake e Dean vão ver
uma exposição de carros antigos fora da cidade, e a gente vai para a Times
Square. Também não tive nenhum poder sobre essa decisão, e quando tento
protestar contra os planos em que fui incluída sem ser consultada, não
chego a lugar algum. Até Emily está hesitante em passar a tarde com Rachael
e Tiffani.
Então, pelas várias horas que passamos nos entornos da Times Square,
Emily e eu camos alguns passos atrás delas. Nem consigo olhar para
Tiffani, quanto mais falar com ela, então mantenho a distância. Às vezes,
quando ela e Rachael entram nas lojas, eu e Emily camos do lado de fora,
conversando sozinhas, torcendo para que elas não percebam nossa ausência.
Além disso, já visitei a Times Square várias vezes nas últimas quatro
semanas, então já não é mais novidade para mim nem para Emily. A nal, ela
passou um ano morando em Nova York. Para Rachael e Tiffani, porém, a
Times Square é tão hipnotizante e fascinante quanto foi para mim na
primeira vez em que Tyler me trouxe aqui. Por essa razão, e só por essa
razão, não me importo de parar várias vezes para elas tirarem fotos.
– Ela anda assim de verdade, ou você acha que está fazendo de
propósito? – pergunta Emily baixinho enquanto seguimos nossas duas
companheiras pela 43rd Street.
O espaço entre nós está aumentando aos poucos, e Emily inclina a
cabeça para o lado ao observar a forma de Tiffani caminhar. Ela marcha
como se fosse atacar um alvo militar.
– É de propósito. Ela não andava assim – murmuro de volta, com
cuidado para Rachael e Tiffani não nos escutem, embora isso seja
praticamente impossível, porque a Times Square está cheia e barulhenta
como sempre. – O pior é que ela era legal quando a conheci, mas depois foi
tudo por água abaixo.
– O que aconteceu?
– Longa história – respondo. Acho que não conseguiria explicar mesmo
se tentasse. Então, Emily, o Tyler terminou com ela por minha causa! Até
parece. Como se eu pudesse falar isso. – E nem me diga que você não está
com pressa, porque eu realmente não quero falar sobre isso.
– Eu não ia insistir – responde Emily.
Dou uma olhada de soslaio para ela e de repente me ocorre que estou
escolhendo car com ela e não com Rachael, minha melhor amiga. Me sinto
culpada por implicar com Emily no começo, mas foi antes de eu saber que
não havia nada entre ela e Tyler. Agora estou começando a considerá-la uma
amiga, e nosso ódio compartilhado por Tiffani é uma ótima ligação.
Minutos depois, Tiffani entra no Brooklyn Diner enquanto Rachael
espera por nós na porta. Já são quase três da tarde e ainda não almoçamos,
então não nos importamos de parar. É um intervalo entre as lojas.
Ficamos numa cabine no fundo do salão, perto da janela, mas as sacolas
de compras da Tiffani ocupam metade do banco que divide com Rachael. Eu
me sento ao lado de Emily, é claro, e me asseguro de que vou car de frente
para Rachael. Tiffani está na minha diagonal, o que é ótimo, porque assim
mal preciso olhar para ela, o que não faço. Baixo a cabeça e contorço as
mãos, ansiosa.
As três cam um tempo lendo o cardápio, mas eu nem toco no meu.
Rachael percebe depois de alguns minutos e estreita os olhos para mim por
cima do seu, me cutucando por baixo da mesa com o pé. Eu a ignoro,
olhando o uxo de pessoas na Times Square pela janela. Os moradores
costuram as calçadas por entre os turistas lerdos, que nem parecem perceber
que estão bloqueando a passagem ao parar e analisar seus mapas, tirar
fotogra as, perguntar aos amigos qual caminho devem pegar a seguir.
Mesmo dentro do restaurante consigo sentir a frustração dos nova-
iorquinos.
– Então você é da Inglaterra? – ouço Tiffani perguntar para Emily.
Apoio o cotovelo na mesa e o queixo na mão, ainda encarando a 43rd
Street. Mas continuo ouvindo.
– Aham – responde Emily, descon ada. – Perto de Londres.
– Você já morava aqui ou se mudou por causa do negócio da turnê de
conscientização?
– Eu vim para a turnê – responde Emily, baixinho, dando as respostas
mais curtas possíveis.
Acho que ela não está muito no clima de conversar com Tiffani, e não
posso culpá-la.
– Então você foi abusada?
Fico de queixo caído no momento em que as palavras saem da boca de
Tiffani. Estou tão chocada que viro o rosto para encará-la, sem acreditar. Ela
continua olhando para Emily, os lábios contraídos enquanto espera a
resposta.
– Tiffani! – repreende Rachael, horrorizada. – Que coisa mais insensível
de se dizer.
– Foi só uma pergunta – diz Tiffani, olhando de soslaio para Rachael,
voltando-se para Emily em seguida e dando de ombros. – E aí? Foi?
– Ela não precisa responder isso – digo, séria, fuzilando Tiffani com o
olhar. Eu não queria chamar a atenção dela para mim, mas isso foi demais.
Tiffani me encara, irritada.
– Você não deveria estar escolhendo suas toneladas de comida em vez de
se meter na conversa dos outros?
– Tiffani – resmunga Rachael, mordendo o lábio com uma expressão
envergonhada para mim.
Tiffani só dá de ombros de novo como se não percebesse o problema.
Sinto o estômago revirar mais uma vez ao tentar ignorar o comentário
dela, mas é difícil. É duro ngir que não me magoa, que não me causa mais
mal-estar do que já estou sentindo. Não quero car sentada aqui esperando
a garçonete chegar, porque assim vou ter que aguentar a cara feia de Rachael
e o sorrisinho irônico de Tiffani quando eu não pedir nada, e pre ro evitar a
situação toda.
– Com licença – murmuro, e Emily imediatamente se levanta para me
deixar sair do reservado. Rachael franze a testa para mim, descon ada,
questionando minha saída, então me apresso a dizer: – Banheiro.
E saio para procurar.
Os banheiros cam do outro lado do restaurante, e quando passo pela
porta rapidamente percebo que são bem pequenos. Só algumas cabines,
duas pias. Por sorte, não tem mais ninguém, então me apoio na parede ao
lado dos secadores de mão, respirando fundo.
Não quero voltar lá para fora. Não quero olhar para Tiffani de novo. Só
quero sair daqui, voltar para o apartamento e me consolar com Tyler. Por
um minuto, tento visualizar a planta do restaurante, tentando imaginar
alguma maneira de sair do banheiro e ir embora sem que Rachael, Tiffani ou
Emily percebam. Mas então penso melhor em Emily, sentada ali com duas
completas estranhas, sendo que já não gosta de uma delas. Tiffani percebeu
isso e agora sei que está decidida a ridicularizar Emily da mesma forma que
está tentando fazer comigo. Começo a desejar ter pedido para Emily vir ao
banheiro comigo em vez de tê-la deixado sozinha lá. Só por causa dela, sei
que mais cedo ou mais tarde vou ter que me forçar a voltar para a mesa.
Daqui a pouco. Por enquanto, só posso torcer para Rachael defendê-la se
Tiffani zer mais algum comentário inapropriado.
Minha paz no banheiro não dura muito, porém, porque depois de cinco
minutos a porta se abre. A pessoa que entra é a que não quero ver tão cedo.
– Por que está demorando tanto? – pergunta Tiffani, cruzando os braços
ao se aproximar de mim. Eu só passo direto, esbarrando nela quando tento
sair. – Espera.
– O que foi, Tiffani? – retruco, dando meia-volta. Nunca vou conseguir
aturar essa garota. – Hein?
– Eu quei acordada ontem à noite – diz ela calmamente. – Pensando.
Ela começa a andar de um lado para outro do banheiro, indo de mim até
os secadores na parede dos fundos, com as mãos na cintura. Está tentando
ser dramática de propósito, como sempre. Mas eu não engulo isso, só cruzo
os braços e suspiro enquanto espero ela continuar.
– Então, ontem de noite, enquanto você estava com o Dean, eu conversei
com o Tyler. Pedi desculpas pelo que aconteceu no passado. Ele levou numa
boa – diz ela. Não sei bem se está mentindo ou não, porque Tyler com
certeza não mencionou nada disso depois que voltei do jantar com Dean.
Não mencionou pedido de desculpas nem nada sobre levar numa boa. –
Acho que eu poderia ter outra chance com ele – completa ela ao parar na
minha frente e me encarar. – É claro, se você não estivesse no caminho.
Entendo na mesma hora o que ela quer dizer e só consigo rir.
– Você acha mesmo que ele vai terminar comigo para car com você? –
Reviro os olhos de tão patético que isso soa. Essa é a única coisa que não é
assustadora em Tiffani: os seus planos ridículos. Acho que só estão piorando
com o tempo. – Nossa, mas você está mesmo se enganando.
– É claro que não – insiste ela, tão lentamente que chega a me causar
agonia, seus lábios se torcendo num sorrisinho. – Eu sei que ele não vai fazer
isso, por isso preciso que você faça.
– Espera – digo. As palavras dela perderam a graça. – O quê?
– Quero que você termine sei lá o que tem entre vocês – dispara ela, os
olhos semicerrados, o pé batendo nos azulejos impacientemente.
Balanço a cabeça rapidamente. Ela deve estar doida de verdade se acha
que eu faria algo assim.
– Isso não vai acontecer – respondo com a voz rme, apesar de me sentir
tão fraca em comparação a ela.
– Acho que vou dar uma ligada para o Dean, então.
Ela en a a mão na bolsa e pega o celular, levando alguns segundos para
digitar algo e, quando ergue os olhos, sorri ao ver minha expressão
horrorizada. Então mostra o aparelho para mim, e o nome dele já está na
tela, com a ligação chamando.
– Não!
Avanço para tentar tirar o celular da mão dela. Meu coração está
disparado, e eu não consigo respirar. Meu sangue todo gela, meu rosto ca
pálido.
Tiffani dá um sorriso sinistro e estende a mão para me afastar. Com a
outra ela ergue o aparelho o mais alto possível. Coloca a ligação no viva-voz,
fazendo o toque repetitivo da chamada ecoar no banheiro.
– Termina com Tyler e eu não conto nada para o Dean. Combinado?
– Tá bom! – grito.
Não tenho escolha. Até minhas mãos estão tremendo, meu peito pesa.
Imediatamente Tiffani me empurra para trás e desliga antes que Dean
atenda. Estou tão paralisada que nem co aliviada.
– Então, é o seguinte – começa ela com um sorriso tão malicioso que é
difícil sequer encará-la. Estou realmente enjoada agora. Desejando ter
mesmo fugido do restaurante na primeira oportunidade. – Preciso que você
faça isso hoje à noite. Não ligo para o que vai dizer para o Tyler, contanto
que deixe claro que esse casinho nojento acabou. Depois disso, você vai vir
car no nosso hotel.
– O quê?
Minha voz não passa de um sussurro fraco agora, nada rme e forte
como eu gostaria. Estou fraca. Derrotada.
– Você sabe, para dar aquele efeito dramático. – O sorriso de Tiffani
aumenta ainda mais, e não sei como ela sequer consegue se divertir com o
estado em que me encontro de pavor, atordoamento. É mesmo uma sádica.
– Além disso – completa ela, dando de ombros –, eu não sou burra. Você
pode contar para o Tyler sobre essa conversa, então acho que seria melhor se
viesse car com o Dean. Eu já pensei em tudo, então quando passar pela sua
cabeça, porque eu sei que vai passar, se já não passou, que você pode
simplesmente contar a verdade para o Dean por conta própria, não perca
seu tempo. Porque se isso acontecer, vou ligar para os seus pais e contar o
que está havendo para eles, e sei que você não vai querer fazer isso antes,
porque não vai querer contar uma coisa dessas por telefone.
De repente ela parece bem mais esperta do que eu achava. Esse plano
não parece tão cômico quanto parecia alguns minutos atrás. Estou sendo
forçada a decidir quem magoar: Tyler, Dean ou meus pais. Ela me
encurralou exatamente como queria, sem opção a não ser fazer o que ela
quer.
– Você está me chantageando?
– Não – responde Tiffani, o sorriso nalmente diminuindo enquanto ela
se aproxima, a voz ameaçadora. – Só estou me certi cando de que saiba o
que vai acontecer caso não me faça esse favor.
– Se você acha que isso vai funcionar, que sabendo que não vai –
murmuro, engolindo em seco. – Ele nunca vai voltar para você.
– Ah, Eden – diz ela, o rosto relaxando ao dar um passo para trás e soltar
uma risadinha. – A gente sabe bem como Tyler é com distrações, e olha só
que coincidência: eu estou bem aqui para distraí-lo de você.
Quando estou prestes a rebater, a porta do banheiro se abre de novo, e
desta vez é Emily. Ela en a a cabeça dentro do banheiro com as
sobrancelhas erguidas, olhando de mim para Tiffani um tanto descon ada, e
pergunta:
– O que vocês duas estão fazendo?
– Só um pacto – responde Tiffani, passando o braço por cima dos meus
ombros, apertando meu corpo junto ao dela.
Sinto seu sorriso de novo quando sua bochecha toca na minha, mas
estou paralisada demais para reagir. Não consigo ngir um sorriso para
Emily. Não consigo franzir a testa. Só consigo tentar respirar, totalmente
distante, encarando as pias à direita.
Hoje à noite, vou ter que magoar Tyler por um bem maior e nunca me
senti tão apavorada.
24

Tyler está andando de um lado para outro no apartamento faz um tempo.


Ele leva algumas roupas do quarto para a área de serviço. Ajuda Snake a
trocar as dobradiças da porta de um armário da cozinha. Limpa a cafeteira
em silêncio, concentrado, cantarolando sozinho de vez em quando. O tempo
todo co observando do sofá, com um nó na garganta ao considerar a
melhor forma de fazer o que preciso.
Emily está do meu lado, zapeando na TV e de vez em quando me
perguntando se estou bem. Toda vez respondo que estou ótima, mas a
verdade é que não estou nem perto disso.
É só quando Snake diz que vai ao mercado que respiro fundo e decido
acabar logo com esse tormento. Eu me levanto do sofá, atraindo olhares
curiosos de Emily ao cruzar a sala e parar no balcão da cozinha. Tyler ergue
os olhos da cafeteira e sorri para mim.
– Que foi?
– Vem comigo para o telhado – peço, baixinho, sem exatamente dar a
resposta que ele esperava.
Seus olhos se iluminam e na mesma hora ele para o que está fazendo. Eu
engulo em seco ao ver seu sorriso.
– Como que eu nunca pensei nisso antes? – sussurra ele, se aproximando
por cima do balcão para Emily não ouvir nossa conversa.
– Tyler, estou falando sério.
A expressão dele muda de erte para preocupação em um segundo, e me
viro para a porta, me esforçando para não deixar que ele veja que já estou à
beira das lágrimas. Tento aguentar rme, apesar de estar a ponto de perder o
controle. Se eu abrir a boca, é capaz de gritar, então saio com Tyler do
apartamento e subo até telhado em silêncio. Felizmente, ele não tenta fazer
nenhuma pergunta no caminho, mesmo quando estamos no elevador, a
poucos centímetros de distância.
O sol já se pôs há muito tempo, são quase dez da noite, e o céu está com
um tom azul-escuro quando abro a porta do telhado e adentro o terraço.
Veri co se tem mais alguém aqui antes de atravessar o pátio de concreto
devagar.
Por trás de mim, Tyler me abraça pela cintura e pressiona o nariz na
minha bochecha, murmurando no meu ouvido:
– Gata, está tudo bem?
Sua voz me dá um aperto no peito, e sinto um calafrio, duas vezes. Eu
me viro em seus braços, estreitando os olhos com uma mistura de dor e
confusão ao encará-lo. Ainda não consigo acreditar que estou nesta situação
horrível e não sei exatamente o que vou dizer, mas sei que, quando tiro as
mãos de Tyler da minha cintura, seu olhar está tão apreensivo quanto o
meu.
– Tyler, preciso que você me escute com atenção.
Ele assente e respira fundo.
– Estou ouvindo.
Demoro um pouco para criar a coragem de dizer o que pretendo dizer. É
a única desculpa lógica que consigo imaginar que faria algum sentido para
Tyler. A única desculpa que poderia justi car algo assim. Mesmo que
minhas palavras não sejam verdadeiras, elas precisam ser críveis. Incapaz de
continuar encarando Tyler, olho para o chão, para suas botas marrons, e
meu coração apertasse despedaça quando nalmente ouso dizer a ele:
– Eu quero car com o Dean.
– O quê?
Não preciso olhar para ele para perceber o choque na sua voz, para saber
que ele não sabe como reagir ao que acabei de dizer. Dói demais. Dói
saber que minhas palavras causaram isso.
– Eu não quero mais fazer isso – digo. – Eu amo o Dean.
Tyler leva alguns segundos para registrar minhas palavras. No momento
em que ele realmente as assimila, seus olhos imediatamente se arregalam,
em pânico. Ele chega mais perto e segura meu pulso com delicadeza.
Percebo até que ele olha para o próprio bíceps, para a tatuagem com o meu
nome. Ele engole em seco e me encara.
– Você disse que não faria isso. Você disse que não mudaria de ideia.
Fechando os olhos, puxo a mão e dou um passo para trás, me forçando a
dizer coisas completamente contra a minha vontade.
– Ver o Dean de novo me fez perceber que... que eu quero car com ele.
Não com você.
Ele inclina a cabeça para o lado, respirando fundo ao se afastar de mim.
Ele passa as mãos pelo cabelo, puxando os os, erguendo o rosto para o céu,
andando pelo terraço. Então fecha a mão num punho e soca o ar.
– Você não pode fazer isso comigo de novo.
É nesse momento que meu coração se parte. Os pedaços dilaceram meu
peito, e agora estou tremendo, tomada pela culpa. Eu não ousaria desistir de
nós de novo, mas está fora do meu controle. Tenho fé, porém, que, no
momento em que Tiffani for embora de Nova York, vou poder explicar a ele
o que realmente está acontecendo. Tenho fé que ele entenderá por que estou
fazendo isso.
– Me desculpa.
De repente, lágrimas encharcam meus olhos, e quando encaro Tyler, a
esmeralda nos olhos dele está tão apagada que me embrulha o estômago. Ele
está em negação, balançando a cabeça, e percebo que não consigo mais car
aqui em cima com ele. Eu me viro e respiro fundo para segurar as lágrimas e
conseguir chegar até a porta.
– Eden, espera – chama Tyler baixinho atrás de mim, com a voz rouca.
Ouço seus passos no concreto quando ele vem correndo, me seguindo
prédio adentro, desesperado. – Por favor. Isso não é justo.
– Sinto muito – resmungo novamente, me recusando a olhar para ele e
andando o mais rápido que posso.
Não quero pegar o elevador para não ser forçada a conversar com ele em
um espaço tão pequeno, então desço de escada. Acabo correndo, dois
degraus de cada vez, enquanto Tyler me segue.
Estou virando no quarto lance quando ele se en a na minha frente,
segurando meus ombros e me impedindo de continuar.
– Por quê? – pergunta, a voz ainda embargada, ainda rouca, ainda
magoada. – Pensei que estivesse tudo bem entre a gente. O que aconteceu?
Eu z alguma coisa de errado? Me diz!
Não consigo nem começar a responder. A verdade é que estava tudo
bem. Estava tudo bem até Tiffani chegar. Tyler não fez nada de errado, e eu
jamais mentiria dizendo isso para ele, então só en o o ombro no seu peito e
o empurro, tirando-o do caminho. Desta vez, desço ainda mais rápido, meus
All Stars guinchando nos degraus enquanto tento me desligar da voz de
Tyler gritando meu nome sem parar. Sua voz não está grossa, nem é rme
ou grave. Ele não está com raiva. Não está furioso. Está apenas... magoado.
Só isso. Completamente magoado.
Quando chego ao décimo segundo andar, estou chorando de soluçar. As
lágrimas escorrem pelo meu rosto, e não tenho forças para enxugá-las.
Minha garganta está tão apertada que parece que vou sufocar. Tyler está com
a respiração ofegante atrás de mim, e, quando chego à porta do
apartamento, rezo para que ainda esteja destrancada. Quando abro, Emily
leva um susto, pulando do sofá e se virando para nós em choque, os olhos
arregalados, boquiaberta.
Mas nem Tyler nem eu prestamos atenção nela, porque vou direto para o
quarto dele, de cabeça baixa, na tentativa de esconder o choro, mas acho que
Emily percebe mesmo assim. Até tento bater a porta, mas Tyler espalma as
mãos na madeira bem a tempo, empurrando-a de volta.
– Eden – sussurra ele ao entrar atrás de mim. Ele fecha a porta devagar,
mantendo a voz baixa. Quando olho para ele com a visão embaçada,
percebo que os cantos dos olhos dele estão um pouco inchados. – O que fez
você mudar de ideia? Por que o Dean? Por que não eu? Só me responda isso.
Por favor.
– Porque o Dean não é meu irmão postiço.
Não estou mais olhando para ele. Meu coração está acelerado, assolado
pela dor, e me movo pelo quarto, abrindo as portas do armário e pegando
minha mochila da prateleira do topo. Começo a vasculhar, arrancando
algumas das minhas roupas dos cabides e colocando-as na bolsa antes de
passar por Tyler em direção à cômoda.
– O que você está fazendo? – sussurra Tyler, os ombros curvados ao me
encarar, a testa franzida.
Pela primeira vez em anos, seus olhos parecem sem vida novamente,
bem como costumavam ser.
– Eu vou car no hotel com Dean.
Minha voz soa tão patética. Minhas palavras não passam de um soluço, e
nem tenho certeza de que é possível compreendê-las. De qualquer maneira,
continuo juntando meus pertences, pego sem jeito meu carregador de
celular da tomada. En o tudo na mochila e fecho, colocando-a no ombro.
Eu me empertigo.
– O que eu posso fazer para te impedir? – pergunta Tyler, e soa mais
como uma súplica do que qualquer coisa. Ele dá um passo na minha direção
de novo, segurando meu rosto e minha mão. Ele aperta os meus dedos com
tanta força que por um momento dói, e o calor da pele dele queima meu
queixo. – Tem algo que eu possa fazer para você mudar de ideia?
Com toda a minha força, tiro a mão da dele.
– Não.
E vou embora. Seguro a alça da mochila e passo a outra mão pelo cabelo,
me perguntando se existe alguma maneira de ludibriar Tiffani. Ela tinha
razão: eu poderia ter contado a verdade para Dean antes, e assim ela não
teria nada com que me ameaçar. O plano era mesmo contar para Dean de
qualquer maneira, só não tão cedo. Essa seria a única maneira de evitar
completamente o que acabei de fazer, mas Tiffani já pensou em tudo e, se eu
contasse para Dean, ela se adiantaria e revelaria a verdade para nossos pais.
Eu não estou pronta para isso.
Tyler não tenta me seguir quando disparo quarto afora e cruzo a sala.
Nem Emily me questiona ao me ver indo embora. Não me importo que ela
me veja chorando agora. Ela parece preocupada, e tudo o que posso fazer é
dar um sorriso triste ao fechar a porta. Não sei o que Tyler vai dizer para ela,
mas sei que no momento, sinceramente, não estou nem aí se ele contar a
verdade sobre o que aconteceu, a verdade sobre a gente. Eu só quero fugir.
Desta vez, pego o elevador, meus lábios tremendo, passando pela
portaria e chegando à rua ainda aos prantos, mas não ligo. Não ligo de
chorar tarde da noite nas ruas de Nova York. Tudo o que sei é que respirar
fundo o ar da noite me relaxa, então fecho bem os olhos por alguns
segundos enquanto viro devagar a esquina para a ird Avenue. Meu peito
começa a relaxar e até meu tremor começa a diminuir.
São vinte minutos a pé até o Lowell, descendo direto pela ird Avenue e
atravessando a 63rd Street. Eu não me importo. Gosto do espaço e da
privacidade, apesar de ainda haver pessoas nas calçadas e um pouco de
trânsito. É bom car sozinha, para variar. Sem Tyler. Sem Tiffani. Sem Dean
nem Rachael, nem Snake nem Emily. Só eu. Recebo alguns olhares curiosos
das transeuntes e me pergunto se pareço uma doida fugindo de algum lugar.
Mas também não me importo. O que as pessoas de Manhattan pensam de
mim não é minha maior preocupação no momento.
A noite está mais fria do que eu lembrava quando estava no telhado,
então en o as mãos no bolso do casaco ao chegar à 63rd Street, suspirando
de alívio ao passar pela Santa Fe Opera. Já não tenho mais forças para chorar
quando chego ao hotel, as lágrimas secaram nas minhas bochechas. Meus
olhos estão inchados e vermelhos, então eu os esfrego, tentando esconder
que estive chorando, mas acho que só acabo piorando a situação, porque eles
começam a arder.
Desta vez tem um porteiro diferente na entrada do hotel, um homem de
meia-idade com cabelos grisalhos que abre a porta e me deseja uma boa
noite de sono. Não digo a ele que nem sou hóspede, e certamente não
menciono que duvido que eu vá dormir hoje à noite, muito menos bem.
Então só agradeço.
Passo pela recepção e atravesso o saguão, seguindo até o elevador
enquanto tento me lembrar do caminho que zemos para chegar ao quarto.
Sei que é no décimo andar, então aperto o botão e espero enquanto o
elevador sobe suavemente. Encaro meu re exo na parede espelhada. Minha
aparência está horrível, e é óbvio que chorei por uns quinze minutos
seguidos. Sei que não tem nada que eu possa fazer para esconder esse fato e
tenho certeza de que Tiffani cará superfeliz ao me ver nesse estado. Em
uma última tentativa de melhorar o inchaço, seco os olhos com as mangas
do casaco, mas logo desisto completamente.
Saio do elevador, me concentrando em manter a respiração calma ao
caminhar pelo corredor do décimo andar até o quarto deles. Quando chego,
co parada na porta por um tempo. De nitivamente não quero entrar. Não
quero encarar o sorriso satisfeito de Tiffani, nem quero ver Dean. Acho que
Rachael é a única que não ligo de ver, mas isso me faz pensar em como vou
explicar o que aconteceu para ela e para Dean. Como explicar o motivo do
meu choro incontrolável? Que motivo devo dar a eles para car no hotel?
Duvido que Tiffani tenha contado sobre o nosso acordo.
Depois de respirar fundo algumas vezes, nalmente bato na porta. Já
passa das dez, mas ainda ouço a TV deles ligada. Não demora muito para
alguém atender e, enquanto ouço as trancas sendo abertas, me preparo para
quem será. Estou torcendo de verdade para que seja Rachael, mas não. É
Tiffani. Isso não me surpreende.
– Eden! – exclama ela, surpresa, mas ao mesmo tempo com um sorriso
glorioso no rosto. Está vestindo um roupão de seda, que mantém fechado
com uma das mãos enquanto segura a porta com a outra. – O que você está
fazendo aqui?
Trinco os dentes e abruptamente a empurro para passar. Não consigo
lidar com a atuação dela num momento como este, e quando vou, a
contragosto, para o centro da sala, ouço Tiffani fechar a porta. Dean se
levanta de uma daquelas horrorosas cadeiras vintage, as sobrancelhas
erguidas enquanto se pergunta por que estou aqui. Ele está usando uma
calça de moletom preta e uma camiseta branca, e na mesma hora se
aproxima de mim. Não demora muito para a preocupação surgir em seu
rosto.
– O que você está fazendo aqui? – pergunta ele, abaixando-se um pouco
para nossos rostos carem na mesma altura. Ele me olha preocupado –
Eden, o que aconteceu?
Pego a mão dele, entrelaçando os nossos dedos. Sua presença me
reconforta. Dean sempre conseguiu me tranquilizar, simplesmente com o
som de sua voz. Sempre tão carinhoso, sempre tão gentil. Dou um passo à
frente e aninho o rosto no seu peito, a camisa grudando nos meus olhos
úmidos.
– Eu briguei com Tyler – sussurro, embora isso esteja longe da verdade.
Também sei que Tiffani está nos observando ali perto, mas eu a ignoro,
fechando os olhos com força. – Pensei em vir car aqui com você.
Não é verdade. É só ngimento. Meu abraço em Dean, no entanto, é
sincero. Eu continuo mesmo abraçando-o, não para deixar Tiffani feliz, mas
porque preciso. Preciso de Dean agora. Preciso do meu namorado.
Ele me aperta ainda mais, apoiando a testa na minha têmpora enquanto
respira suavemente junto ao meu ouvido.
– Que bom que você veio para cá – diz ele gentilmente. – Você é mais
que bem-vinda a car com a gente. Certo, Tiffani?
Ele dá um passo para trás, mas mantém o braço em volta de mim, me
segurando perto.
– É claro! – concorda Tiffani, a voz simpática e cheia de pena, como se
não fosse ela por trás de tudo isso. – Não acredito que vocês brigaram.
Geralmente se dão tão bem!
Se eu não estivesse tão destruída, talvez tivesse energia para xingá-la.
Tudo o que posso fazer agora, porém, é me aproximar ainda mais de Dean.
Envolvo suas costas com os braços e inspiro seu perfume. Geralmente ele
cheira a graxa e poluição, mas agora que está a cinco mil quilômetros da
o cina, só cheira a sabão comum.
– Por favor, não ca assim – diz ele, esfregando meu braço. – O que quer
que tenha acontecido logo vai passar.
– Eu só quero dormir – murmuro, ainda sentindo os olhos atentos de
Tiffani em mim.
A TV ainda está ressoando ao fundo também e, para falar a verdade, eu
quero mesmo ir dormir. Quero adormecer e depois acordar e perceber que
nada disso aconteceu de verdade. Vou me sentir melhor pela manhã. Menos
destruída.
Dean abaixa a mão e envolve a minha de leve enquanto me puxa devagar
para o outro lado do quarto. Ele abre uma das portas e, quando olho para
trás, a boca de Tiffani se contorce em outro de seus infames sorrisos. Ela fala
algo, mas não entendo direito e não me importo. Aperto a mão de Dean
com mais força ao me virar, seguindo-o para o quarto e fechando a porta.
O quarto é grande, com uma enorme cama king size bem no meio e
obras de arte mais complexas decorando as paredes. A bagagem dele está
largada no chão, e ele rapidamente chuta tudo para o lado, soltando minha
mão.
– Rachael e Tiff dividem o outro quarto – explica ele. – Este é meu.
Coloco a mochila na cama e começo a abrir os zíperes.
– Cadê a Rachael?
– Já foi dormir.
Dando de ombros, Dean para na lateral da cama e começa a ajustar os
travesseiros, jogando alguns para o lado e puxando o edredom para trás.
Tudo é bege. Ele segura a bainha da camiseta e a tira num movimento
rápido, dobrando-a de qualquer jeito e jogando na única cadeira no canto
do quarto. Ele parece nervoso de novo, a testa enrugada de preocupação ao
olhar para mim.
– Você tem certeza de que está bem?
Eu apoio a mão no seu peito nu, tentando abrir um sorriso.
– Tenho. Vou estar melhor de manhã. Só preciso dormir um pouco.
Sei, pelo jeito com que franze a testa, que Dean sabe que estou
mentindo, mas não insiste, e eu co feliz, porque pre ro não falar sobre isso.
Não poderia, nem se quisesse. Eu não poderia dizer a ele que a única razão
para eu estar aqui é porque Tiffani criou uma maneira perfeita de me
chantagear, mas também não aguento mais inventar mentiras. Se Dean
perguntar, talvez eu diga a ele que minha discussão com Tyler foi sobre
nossos pais. Isso funcionaria.
Tiro a roupa e en o tudo na mochila, percebendo que não trouxe nem
metade do que deveria. Suspirando, fecho a mochila e a jogo no chão
enquanto dou a volta na cama só de calcinha e sutiã. Quando Dean apaga as
luzes, eu me deito e me enrolo no edredom. O quarto mergulha na
escuridão, e ouço Dean se deitando ao meu lado segundos depois.
– Como eu disse, não se preocupe muito com isso – murmura ao
aproximar o corpo do meu, a pele do peito um pouco fria ao tocar nas
minhas costas. Ele passa o braço por cima da minha barriga, e eu respiro
fundo, colocando minha mão em cima da dele. – Vai passar – lembra ele
mais uma vez, e eu realmente espero que tenha razão.

Às duas da manhã, ainda estou acordada. Deitada, encarando o teto,


tentando tirar a imagem do rosto de Tyler da minha mente. Não consigo
parar de ouvir sua voz. Não consigo para de pensar nele. Penso na expressão
nos olhos dele quando falei que queria car com Dean e penso em como ele
implorou para que eu reconsiderasse a decisão.
Às três, não aguento.
Dean já se virou para o outro lado da cama, a centímetros de mim, então
é fácil empurrar o edredom e me levantar sem acordá-lo. Meus olhos já se
ajustaram ao escuro, então sigo as silhuetas dos móveis e procuro minha
mochila, revirando-a até encontrar meu celular. Ligo para Tyler na hora. O
número está nos favoritos.
Na primeira tentativa cai na caixa postal, mas isso não me surpreende.
São três da manhã. Provavelmente ele está dormindo, mas estou desesperada
para falar com ele, então ligo de novo, torcendo para que, se eu insistir, ele
acabe acordando.
– Eden – diz a voz do outro lado da linha. Mas não é Tyler, é Emily.
– Emily? – digo, baixinho, dando uma olhada para Dean, que continua
dormindo. – Cadê o Tyler?
– Eden, ele está superbêbado – conta Emily, sem hesitar, a voz rouca e
baixa, como se estivesse meio dormindo. – Tipo, muito mesmo.
– O quê?
Ela respira fundo.
– Hum, ele acordou a gente faz meia hora, mais ou menos. Estava
quebrando garrafas na cozinha, mal se aguentando em pé. – Ela para um
pouco, e aperto o telefone com mais força na orelha, ouvindo o som de vozes
masculinas no apartamento. Não entendo o que estão dizendo, mas
reconheço o sotaque pesado de Snake. – O que aconteceu com vocês dois? –
pergunta Emily, suspirando. Dá para ouvir que ela está passando pela sala
quando as vozes cam mais altas, e ela levanta a voz para que eu consiga
ouvir. – Ele cou superirritado depois que você saiu, e agora o Stephen está
meio de babá no banheiro porque ele não para de vomitar. – Ela tira o
celular do Tyler da orelha por um segundo e reclama: – Droga, Snake, não
deixa a cabeça dele cair. Aqui, fala com a Eden.
Ouço uma confusão enquanto o celular é passado para ele, e no fundo
ouço Tyler vomitando e gemendo. Emily suspira de novo, Snake continua
xingando. É aí que começo a me sentir ainda mais culpada do que já estava.
Sei que sou o motivo disso. Sei que causei isso.
– Vou para aí – digo, esquecendo de falar baixo.
En o a mão na mochila e começo a tirar algumas das roupas.
– Não acho que seja uma boa ideia – responde Snake na mesma hora, a
voz tão rme que paro o que estou fazendo, com uma perna en ada na calça
jeans. – Ele está meio que te odiando no momento. Se você vier só vai piorar
as coisas. Deixa que a gente cuida disso. Não se preocupa. – Logo depois de
ele dizer isso, ouço Tyler vomitando. Emily suspira de novo, e daqui não
consigo fazer nada além de passar a mão pelo cabelo, os lábios franzidos. –
Mas que merda, cara – reclama Snake, desligando.
Por um minuto mais ou menos, co olhando para o brilho do celular,
incrédula, enquanto tiro a calça jeans e a chuto para o lado. Agora estou
mesmo me sentindo muito culpada, e se as luzes estivessem acesas tenho
certeza de que meu re exo no espelho estaria pálido. Trinco os dentes e jogo
o telefone no chão em um ataque de raiva de mim mesma, sem nem me
importar com o barulho. Dean nem sequer se mexe, no entanto, e quando
começo a perder o controle de novo, me en o de volta na cama. Encontro
conforto novamente nele, então me aproximo das suas costas e pego sua
mão. Fico brincando com os dedos dele por um tempo, girando-os em volta
dos meus, antes de apertar com força e enterrar o rosto na sua escápula. Em
apenas três dias, vou deixá-lo. Vou contar a verdade a ele, e não posso fazer
nada além de torcer para que ele e Tyler me perdoem pelas decisões que fui
forçada a tomar.
25

Só consigo pegar no sono quase às seis da manhã. Acabo acordando depois


do meio-dia, então me levanto meio desorientada. Minha cabeça está
pesada, como sempre ca depois que eu choro demais, e Dean não está mais
na cama ao meu lado. Eu me apoio nos cotovelos e dou uma olhada no
quarto. Meu telefone está caído de tela para baixo no chão e parte das
minhas roupas está espalhada para fora da mochila. Eu suspiro. Ontem foi
horrível.
O quarto está silencioso. Nenhuma voz, nenhum barulho da TV. Não
culpo Dean por sair. Ele está em Nova York, a nal – não pode perder tempo
no hotel. Tem tantas coisas para ver e tão pouco tempo. Isso não me impede
de chamar por ele, no entanto, por via das dúvidas.
Eu me surpreendo ao receber uma resposta. A voz de Dean ecoa da sala,
e segundos depois ele en a a cabeça pela porta entreaberta, com um sorriso
caloroso.
– Finalmente!
Eu reviro os olhos, me sentando e puxando o edredom para cobrir o
peito.
– Cadê a Rachael e a Tiffani?
– A Rachael foi almoçar com o Snap.
Ergo a sobrancelha.
– Snake?
– É, é, isso aí – con rma Dean. Ele entra no quarto e fecha a porta.
Ainda está só com a calça de moletom azul-marinho de ontem à noite e
parece tranquilo. – Ele não tem uns 25 anos?
– Vinte e um – digo, baixinho. Se eu ainda não estivesse tão confusa
sobre o que aconteceu ontem à noite, talvez me perguntasse por que minha
amiga resolveu sair com ele. Desde que o Trevor terminou com ela nas
férias, Rachael insistiu que queria car sozinha. Essa decisão claramente não
durou muito. – E a Tiffani?
– Não sei – diz Dean ao subir na cama ao meu lado, deitando-se apoiado
nos cotovelos. – E não quero saber. – Ele pousa a mão fria no meu quadril e
puxando meu corpo para perto do dele. Seus lábios imediatamente
encontram o caminho até o meu pescoço, e ele deixa beijos lentos e suaves
na minha pele. – Senti saudade – murmura.
Ele passa a mão delicadamente pela lateral do meu corpo, pousando os
lábios no canto da minha boca.
Ele me beija com gentileza, como sempre, mas não consigo
corresponder com o mesmo carinho. Não consigo sequer beijá-lo, porque
em minha visão periférica reparo em meus All Stars no chão e me lembro de
Tyler. Claro. Foi ele quem me deu os tênis. Foi ele que deixou aquela
mensagem. Ele me disse para não desistir, mas é exatamente isso que acha
que eu z. Não sei bem como deixar claro para Tyler que não desisti, que
tudo isso é temporário, só até Tiffani ir embora de Nova York. Não sei como
vou consertar tudo.
Desconfortável, passo a mão pelo cabelo de Dean e o empurro devagar.
– Hoje não.
Ele olha para mim com os olhos arregalados, confuso.
– Como assim?
Meus olhos se voltam para os tênis. O material branco desbotado, a
caligra a rabiscada de Tyler na faixa de borracha. É totalmente irracional,
mas tenho uma ideia. É algo que apenas Tyler vai compreender.
– Preciso fazer uma coisa – digo para Dean.
Sem nem um segundo de hesitação, jogo o edredom para longe e co de
pé, pegando minha mochila no chão.
– Como assim? – repete Dean, sentando-se enquanto olha para mim,
como se não conseguisse acreditar que acabei de rejeitá-lo. Em primeiro
lugar, mal acordei. Em segundo, estou dormindo com o melhor amigo dele.
Em terceiro, vou contar a verdade em breve e acho que car aqui e ngir que
está tudo bem é literalmente a pior coisa que eu poderia fazer. – O que você
precisa fazer neste exato momento que é tão importante?
Ainda de calcinha e sutiã, pego as minhas coisas do chão, a mochila,
meu telefone e os tênis, pronta para sair do quarto.
– Não posso contar – respondo, e saio.
Passo pela sala e corro para o banheiro. Ouço Dean vindo atrás de mim.
Tranco a porta antes que ele me alcance.
– Eden – diz ele do lado de fora, batendo uma vez. – O que houve? Isso
tem a ver com o que aconteceu ontem à noite?
Eu o ignoro e corro para tirar minhas roupas da mochila de novo, agora
não na escuridão, no meio da noite, e as espalho pelo banheiro tentando
montar um look com as roupas aleatórias que peguei quando estava saindo.
Não quero demorar muito, então nem tomo banho, só lavo o rosto. Passo
um total de cinco minutos me arrumando, e depois que calço os tênis, fecho
a bolsa e penduro a alça no ombro.
Quando abro a porta do banheiro, Dean está encostado no batente. Na
mesma hora ele pula para trás, os olhos cheios de pânico vendo a expressão
no meu rosto. Bem baixinho, ele pergunta:
– Eu z algo errado?
– Você nunca faz nada errado, Dean, esse é o problema! – reclamo,
balançando a cabeça e passando, espremida, por ele.
Estou tão zangada comigo mesma agora, tão furiosa, que pareço estar
descontando nele. Sinto meu coração se partir ao ver a preocupação nos
olhos de Dean. É tão difícil saber que terei que magoá-lo em breve, porque
ele é a única pessoa que eu nunca, jamais, queria magoar. Ele merece alguém
muito melhor que eu.
Fico esperando que ele diga alguma coisa, mas ele está sem palavras.
Como se não soubesse nem por onde começar a compreender o que está
passando pela minha cabeça, e não consigo encará-lo ao sair do quarto.
Simplesmente fecho a porta e continuo andando, e quanto mais avanço pelo
corredor, mais minha atenção sai de Dean e se concentra em outra coisa.
Minhas motivação e missão atuais. Minha ideia irracional.
Descendo no elevador para o saguão principal, veri co minha mochila
duas vezes para me certi car de que joguei minha carteira lá ontem à noite e
suspiro de alívio por ter feito isso. Pego meu telefone e tento me desviar de
um grupo de turistas reunidos em torno da recepção, tomando cuidado para
não esbarrar em nenhuma das bagagens, e depois agradeço novamente ao
porteiro por abrir a porta para mim.
Ando na rua com pressa, olhando meu celular. Abro o mapa do metrô e
ao mesmo tempo procuro estúdios em potencial. Ainda sem saber muito
bem em que direção ir, me detenho em uma esquina para descobrir. As ruas
estão agitadas, como de costume, então paro junto à parede do prédio mais
próximo, decidida a não bloquear o uxo de pedestres.
Não levo mais de dez minutos para escolher o estúdio e descobrir que
metrô pegar, e embora eu tenha que percorrer três quilômetros de
Manhattan sozinha, estou bastante con ante.
Passo por entre turistas fascinados como se morasse em Manhattan há
anos. Está cada vez mais fácil entender a con guração da cidade,
especialmente depois de andar por estas ruas por um mês, então já decorei
os caminhos pelo Upper East Side. Chego à estação em pouco mais de cinco
minutos e, felizmente, estou com meu cartão do metrô.
Quatro semanas atrás, o metrô me apavorava. Tyler tinha que me
arrastar para a estação naquela época, mas agora estou entrando em uma
estação totalmente nova para mim sem a menor preocupação. Isso, é claro,
até eu chegar à plataforma certa. O lugar fede. A estação está muito quente,
e, para piorar, muito cheia, e não faço questão de esconder meu nojo. Antes
de vir para Nova York, eu não esperava que o metrô fosse luxuoso ou sequer
limpo, mas pelo menos as outras estações não me davam vontade de
vomitar. Prendo a respiração e paro esmagada entre uma mulher com um
carrinho de bebê e um grupo de jovens turistas asiáticos. Se minha mãe
soubesse que estou aqui sozinha, ela me mataria.
O trem chega depois de alguns minutos, mas tem tanta gente na
plataforma que eu nem consigo entrar. Não sou corajosa o su ciente para
abrir caminho a cotoveladas, então me afasto quando o trem enche e parte, e
então me aproximo de novo da borda da plataforma, me perguntando por
quanto tempo vou conseguir sobreviver aqui embaixo antes que a fumaça
tóxica me mate. Estou com medo de respirar, então fecho os olhos e seguro a
mochila o mais forte possível enquanto espero o próximo trem.
Ele chega cinco minutos depois, e desta vez luto pelo meu espaço. De
jeito nenhum vou car mais um segundo nesse buraco negro que é a estação
da 59th Street. Está lotado, então co de pé, mas não me importo. Só vai
levar alguns minutos até a Grand Central, então não demora muito para eu
sair do trem.
Estive na Grand Central Station inúmeras vezes durante este verão,
então faço a transferência para o metrô da 42nd com facilidade. Vou cando
mais nervosa com o passar do tempo, mas digo a mim mesma que não vou
desistir. Posso estar agindo baseada em uma decisão repentina, e pode ser
loucura, e pode ser idiotice, mas simplesmente faz sentido. Simplesmente
parece certo, por algum motivo estranho, e é só por esse motivo que vou
adiante nos meus planos, pegando o ônibus até a Times Square.
Saio da estação às pressas quando chego e sigo o mapa no meu telefone,
revezando o olhar entre as ruas de Manhattan e a tela, veri cando se ainda
estou no caminho certo. Viro à esquerda na avenida e sigo dois quarteirões
para sul, logo depois da 40th Street e do prédio do New York Times, e é aí
que encontro o que estou procurando.
O estúdio ca em cima de uma loja que vende lembrancinhas de Nova
York e ao lado de um Subway, e mal tenho tempo para avaliar o lugar pelo
lado de fora. Só quero acabar logo com isso, em vez de car remoendo na
minha cabeça o que estou prestes a fazer. Paro nas escadas, no entanto, para
olhar meus All Stars.
Inclinando o pé para o lado, corro os olhos pela caligra a de Tyler. Faz
quatro semanas desde que ele me disse para não desistir. Tudo o que posso
fazer agora é mostrar para ele que não desisti, da maneira mais óbvia
possível que consigo imaginar, e quando abro a porta do estúdio de
tatuagem, estou sorrindo.
Estou descendo a Lexington Avenue quando Emily me liga. Já são quase
cinco da tarde, em plena hora do rush, o trânsito todo parado e as calçadas
movimentadas. Eu não pretendia car fora a tarde toda, mas depois de
andar para lá e para cá, esperar duas horas no estúdio e parar para tomar
almoçar por quase uma hora, estou chegando ao apartamento só agora.
Então, quando meu telefone vibra no bolso de trás da calça jeans, atendo a
ligação de Emily e continuo andando.
– E aí, tudo bem?
– Estou meio que trancada do lado de fora do apartamento – diz Emily,
sem graça.
– O quê? – Sem querer esbarro em um cara ao passar, e ele me lança um
olhar indignado. Só dou de ombros em resposta e me afasto, desesperada
para não irritar mais ninguém. – Como você fez isso?
– Eu estava lá em casa, encaixotando algumas coisas, e não pensei em
pegar as chaves porque achei que Tyler estaria aqui. Tipo, ele passou o dia
todo na cama, então imaginei que ele não fosse a lugar algum tão cedo, mas
estou batendo já faz dez minutos e ninguém atende – explica Emily,
suspirando do outro lado da linha.
– Cadê o Snake?
– Tenho quase certeza de que ele levou a sua amiga para sair – diz ela, e
tem razão. Dean tinha comentado que os dois tinham combinado de
almoçar. É meio estranho. – Pelo menos acho que foi isso que ele disse –
continua Emily. – Não faço ideia, ainda estava meio dormindo na hora
porque a gente cou a noite toda acordado cuidando do Tyler.
– Como ele está? – A noite passada foi a pior de todo o verão, e Tiffani
foi a culpada por tudo isso. Se ela nunca tivesse vindo para Nova York, se
tivesse abandonado anos atrás seu delírio de car com Tyler, nada disso teria
acontecido. Eu não teria contado essas mentiras para Tyler, e ele não
teria voltado à sua antiga mentalidade, que diz que ser imprudente é a
melhor distração.
– De ressaca, mas estava começando a se sentir um pouco melhor
quando saí – responde Emily com uma risada, como se estivesse revirando
os olhos. – Você por acaso não tem uma chave extra, tem?
– Para a sua sorte – digo. – Estou andando com uma cópia da chave para
cima e para baixo faz duas semanas, mas nunca usei.
Tyler nalmente con ava em mim o su ciente para me dar uma chave
extra, caso eu precisasse entrar no apartamento quando estivesse sozinha, e
eu tinha guardado no compartimento com zíper da minha carteira desde
então.
– Se não for muito incômodo – diz Emily –, você acha que poderia vir
aqui trazer para mim?
– Claro. – Minha voz se ergue sobre o burburinho da cidade. Como uma
verdadeira nova-iorquina. – Eu estava indo para aí agora mesmo. Estou a
poucos quarteirões de distância.
– Perfeito – diz ela. – Obrigada, Eden. Vejo você em alguns minutos.
Desligo e en o o celular de volta no bolso. Enquanto sigo para o
apartamento de Tyler, vejo o prédio surgindo, imponente, na esquina, do
outro lado da rua, mas não perco muito tempo fazendo isso. Acabo
desviando o olhar para o meu pulso, e sinto a mesma onda de descrença que
senti todo o caminho até aqui. Mesmo no metrô, quei olhando sem parar,
virando o braço esquerdo de um lado para outro, tentando fazer a luz bater
no meu pulso exatamente no ângulo certo. Mesmo subindo lances de escada
e abrindo caminho pelas estações, não conseguia tirar os olhos do braço, de
vez em quando passando a ponta dos dedos por cima do papel- lme só para
me lembrar de que estou completa e totalmente fora de mim. Meu pai
literalmente vai me matar quando vir isso. Isso se minha mãe não me matar
primeiro por andar sozinha por Nova York.
Chego ao prédio e corro até o elevador. Nos dez segundos que levo para
chegar ao décimo segundo andar, pego um casaco na mochila e visto,
garantindo que meu pulso esteja coberto. Não quero que Emily faça
perguntas sobre isso, e para ser sincera não sei como Tyler vai reagir. Só
espero que entenda o que estou tentando dizer, sem que eu precise falar uma
única palavra. Tiffani disse que eu não podia contar a Tyler o que estava
acontecendo, mas isso não signi ca que não posso tentar mostrar a verdade
a ele.
Emily está sentada de pernas cruzadas ao lado da porta, parecendo um
pouco cansada. Ela se levanta na mesma hora, se ajeitando e sorrindo.
– E aí? – digo, mexendo nos cordões do casaco e tentando me lembrar
da ligação de cinco minutos atrás. Na verdade, não prestei muita atenção no
que ela disse, mas agora é como se de repente suas palavras estivessem claras
na minha mente. – Eu não sabia que você tinha seu próprio apartamento.
– Sim, no Queens – diz ela, dando de ombros.
– Então, por que você cou aqui? Tyler nunca me disse o motivo.
– Eu estava dividindo o apartamento com um cara, e estava tudo ótimo
no início, mas nos últimos tempos começou a car complicado. A gente teve
uma briga enorme e ele me expulsou – admite ela, sem olhar nos meus
olhos. Sua voz ca mais baixa, e ela suspira, franzindo a testa. – Para ser
sincera, ele era um babaca completo, e eu não sabia para onde ir, então liguei
para Tyler.
Tiro a mochila do ombro e abro o zíper, levantando a perna e
equilibrando-a no joelho enquanto vasculho a carteira. Continuo
conversando com Emily, mas estou concentrada demais para olhar para ela.
– Por que você estava encaixotando suas coisas?
– Porque vou começar a mandar tudo para casa – diz ela. – Volto para
Londres semana que vem.
Paro de mexer na mochila e levanto o rosto.
– O quê?
– Quero dizer, está na hora de ir embora. A turnê terminou faz mais de
um mês. – Ela sorri de uma maneira que deixa claro que na verdade não
quer ir, como se a ideia de voltar para a Inglaterra não a deixasse muito
contente. Não posso culpá-la. Parte de mim nem sempre quer voltar para
Santa Monica. – Então, achou? – pergunta, o tom da voz mudando junto
com o assunto.
– Sim. Aqui. – Pego minha carteira, abrindo o zíper do compartimento
menor e puxando a chave, que passo para Emily enquanto fecho a mochila
de novo e entro no apartamento logo atrás dela.
Ao passar pela porta, Emily para imediatamente, e acabo batendo nas
costas dela. Quando olho por cima do seu ombro, sou recebida pela última
coisa que esperava ver. Nunca, em um milhão de anos, eu teria imaginado
que uma cena tão familiar aconteceria diante dos meus olhos. Na verdade,
levo pelo menos uns dez segundos para assimilar completamente a cena, e
pelo menos outros doze para Tyler se afastar de Tiffani.
Ele estava imprensando Tiffani no balcão da cozinha, e as mãos dela
estão no queixo de Tyler, que beija o ombro dela como sempre beija o meu.
Ele está com uma das mãos na lombar dela e a outra nos quadris, e não levo
mais do que um segundo para perceber que blusa dela já está desamarrada.
Tenho ashbacks de quando conheci Tiffani, no dia em que os dois estavam
se pegando nos provadores da American Apparel, e não consigo acreditar
que isso está acontecendo de novo. Não consigo aceitar que ela está
conseguindo o que queria de novo. Nem de longe compreendo que toda essa
situação, esse jogo de manipulação inteiro, funcionou exatamente como ela
previu. Mais que tudo, não acredito no Tyler fez. Não acredito que ele tenha
tornado tudo tão fácil tanto para ela.
Quando ele nalmente percebe em sua visão periférica que Emily e eu
estamos ali, na mesma hora afasta os lábios da pele de Tiffani, dando um
passo bem grande para trás. Olha só para mim, assustado, logo antes de
desviar a atenção para a protuberância na calça jeans.
– Eden.
Tiffani arfa dramaticamente, dando um passo para a frente e passando
os braços com força em torno do bíceps dele, o que carrega meu nome.
– Ai, meu Deus! Que situação constrangedora.
– Eden – diz Tyler novamente.
Ele não afasta Tiffani. Nem sequer recua, na verdade. Só ca parado ali,
olhando para mim sem um pingo de vergonha. Verdade seja dita, ele está
mesmo péssimo. O cabelo está todo despenteado, os olhos, inchados, como
ele se estivesse exausto.
Não estou chateada. Estou puta. Furiosa. Passando por Emily, que está
paralisada, em choque, sem saber como reagir, entro na sala sem hesitar.
– Nem tenta se explicar, Tyler – sibilo por entre os dentes, minhas mãos
fechadas em punhos ao lado do corpo. – Não acredito que você...
– Eden – interrompe ele, dizendo meu nome pela terceira vez, a voz
nervosa mas rme. – Eu não ia me explicar. Eu ia pedir para você dar o fora
do meu apartamento.
Meus ombros afundam na mesma hora, e eu vacilo ao olhar para ele,
atordoada.
– O quê?
– Você ouviu – diz Tiffani. Não me surpreende ver que um sorriso
vitorioso estampa seu rosto. Um olhar cruel. – Vocês duas poderiam sair e
dar um pouco de privacidade para a gente? Vocês não têm academias e
terapeutas para ir?
Meu queixo cai. Suas palavras, jogadas contra nós de maneira tão casual,
me atingem com tal força que não consigo encontrar energia para sentir
raiva. Eu e Emily nos entreolhamos. Ela também está boquiaberta,
completamente chocada com o que acabou de ouvir. Neste exato momento,
sinto pena de Tiffani. Sinto pena, porque ela só ca feliz quando atinge o
ponto fraco das pessoas. Sinto pena, porque ela se aproveita das fraquezas
dos outros. Por isso, nunca vou perdoá-la. Nem agora nem nunca.
Percebo que Tyler não está mais olhando para mim. Ele se voltou para
Tiffani e a encara com uma expressão de nojo. Ele afasta as mãos dela e dá
um passo para longe, balançando a cabeça.
– Não acredito que você falou isso – diz lentamente.
Tiffani revira os olhos, mas o tempo todo uma fúria diferente vai
se formando dentro de mim. Ver Tiffani e Tyler juntos me deixa muito
desconfortável. Nada disso deveria acontecer. Tyler não deveria voltar para
ela em busca de uma maldita distração, não importa quão chateado e
irritado estivesse comigo, e percebo que o sentimento que ca cada vez mais
intenso dentro de mim não passa de desespero. Estou desesperada para
consertar tudo isso, desesperada para mostrar a Tyler que ainda estou aqui,
ainda in nitamente apaixonada por ele.
Dane-se Tiffani. Danem-se os joguinhos dela. Neste momento, não
consigo manter essa farsa por mais nem um segundo. Não consigo ver Tyler
me olhando com aquela expressão de desgosto, como se não quisesse estar
perto de mim.
Não me importo nem que Emily esteja presente. Não me importo que
Tiffani vá contar a verdade a Dean. Não me importo, porque Emily e Dean
descobrirem a verdade é muito menos aterrorizante do que Tyler nunca me
perdoar pelas coisas que falei ontem à noite.
Antes que eu perceba, cruzo a sala e me aproximo de Tyler, as palavras
saindo da minha boca antes que eu possa pensar duas vezes no que estou
fazendo.
– O que eu falei ontem à noite foi mentira – murmuro, meus olhos
centrados em Tyler e só nele. – Eu não escolhi o Dean. Escolhi você. Sempre
vou escolher você. – Olho para Tiffani, agora com raiva e coragem
su cientes para encará-la. – Ela me forçou a terminar com você ontem à
noite porque é uma vaca.
Tiffani continua sorrindo, mas percebo as rachaduras aparecendo
enquanto ela tenta esconder a raiva. Esforçando-se para parecer calma e
inocente, ela responde, tensa:
– Por que eu faria isso, Eden?
– Porque você quer Tyler de volta – interrompe Emily de repente, atrás
de mim, e me viro para ela, que se aproxima de mim. Fico surpresa por ela
não estar confusa nem chocada. Acabei de deixar claro que Tyler é muito
mais do que só meu irmão postiço, mas ela não deu a mínima. Só parece
irritada, cruzando os braços, sem tirar olhos de Tiffani. – Você ameaçou a
Eden. Eu ouvi, no restaurante. – Ela olha para Tyler e sua voz ca mais
suave, depois olha para mim por um momento. – Eden está dizendo a
verdade, Tyler.
– Por favor. Se você vai mentir, pelo menos diga alguma coisa lógica –
zomba Tiffani, mas vejo o pânico nos seus olhos enquanto ajeita a blusa,
percebendo que seu momento de conquistar Tyler está se esvaindo por entre
os dedos. Ela sabe que está perdendo. – Eu nunca faria uma coisa dessas.
Os olhos de Tyler ainda são ferozes, mas agora não por minha causa. É
por causa de Tiffani. Ele dá outro passo para longe dela, parando entre mim
e Emily. Somos nós três contra ela.
– Fora – ordena ele.
– O quê?
– Fora – repete, perdendo a paciência ao apontar o polegar por cima do
ombro em direção à porta. Sua voz está irritada e sua postura é decidida, e
ele de nitivamente não vai recuar. – Agora.
Furiosa, Tiffani está com uma expressão contrariada ao passar entre nós,
espalmando a mão de propósito no peito de Tyler e o empurrando. Ela
esbarra em Emily, sem conseguir controlar seu desprezo por nós, e na
mesma hora para e se vira para mim, balançando a cabeça e, por incrível
que pareça, sorri.
– Você está acabada dessa vez – sibila, e sei que é verdade.
Sei que ela vai contar para Dean agora. É claro que vai.
– A porta é para lá – digo calmamente, embora minha vontade seja
gritar na cara dela, e dou um passo para o lado.
Indico a porta com a cabeça, e nalmente ela vai embora a passos rmes,
batendo a porta ao sair.
O lugar é tomado pelo silêncio. Ninguém sabe o que dizer ou como
reagir. Ninguém quer falar primeiro. Emily só ca olhando para mim com as
sobrancelhas erguidas, e Tyler basicamente só ca parado de costas para
nós, de cabeça baixa. Ouço sua respiração acelerada, e é quase como se eu
conseguisse ouvir seus pensamentos, e depois de um tempo percebo que
preciso ser a primeira a falar.
Entorpecida pelo que acabou de acontecer, preciso me forçar a atravessar
a sala, me aproximando devagar de Tyler por trás. Toco de leve em seu
braço.
– Tyler...
Ele balança a cabeça, desolado.
– Tenho... Tenho que esvaziar a cabeça – diz, baixinho.
Afastando-se de mim, ele entra no quarto. Alguns segundos depois,
volta, calçando um par de sapatos, com as chaves do carro penduradas no
indicador.
– Não é bom você dirigir por enquanto – comenta Emily, preocupada.
Olho para ela, ainda me perguntando por que ela não questionou o que
falei sobre Tyler. Talvez não tenha entendido. Sei lá. É estranho. Nos últimos
dois anos, sempre imaginei que as pessoas fossem car indignadas, enojadas
e confusas quando e se descobrissem. Emily é a primeira pessoa a quem eu
contei, mesmo que indiretamente, e ela nem reagiu. Então só co esperando.
Fico esperando que ela pergunte: “O que diabos está acontecendo entre
vocês?” Estou só esperando alguma coisa. Qualquer coisa.
– Dane-se – diz Tyler.
Ele pega as chaves do apartamento no balcão da cozinha e passa por nós
duas, tomando cuidado para não nos tocar, e então sai. Ele não bate a porta
como Tiffani. Só fecha com cuidado.
Tudo que mais quero agora é ir atrás dele, explicar melhor as coisas, mas
sei que ele precisa de espaço. Precisa entender primeiro o básico, e depois
vamos poder conversar sobre essa situação toda. Depois, quando ele voltar,
seja lá quando for isso. No momento, porém, ainda estou perplexa com
Emily. Contar a verdade não era para ser tão assim fácil. E sim aterrorizante.
– Emily – digo devagar, desconfortável.
Ela pode não estar me enchendo de perguntas, mas com certeza deve
estar intrigada. Não posso deixar o assunto para lá sem antes esclarecer as
coisas, o que realmente está acontecendo, então tomo coragem e enfrento o
meu maior medo: contar a verdade.
– Então, Tyler e eu...
– Nem precisa explicar – diz ela, dando de ombros, passando por mim
na direção da cozinha.
Fico encarando Emily da sala enquanto ela pega uma garrafa de água da
geladeira. Casualmente, ela tira a tampa e se apoia na bancada. Para minha
imensa surpresa, ela só me lança um olhar gentil e sorri da maneira mais
delicada e reconfortante possível.
– Eu já tinha sacado.
26

De início, as palavras de Emily não fazem sentido. Já tinha sacado?


Impossível. Eu e Tyler fomos tão cuidadosos, tão atentos... Me assusta que,
mesmo tendo nos esforçado tanto para manter o relacionamento em
segredo, Emily tenha percebido. Por um momento me apavora pensar que
ela talvez não seja a única. Quantas outras pessoas no passado já tiveram
suspeitas? Quantas outras se perguntaram se havia algo mais entre nós? Só
espero que a resposta seja zero. Emily, por outro lado, não parece ver
problema em Tyler ser meu irmão postiço. Não acha estranho, recriminável,
confuso nem repulsivo. Só consigo perguntar:
– Como você sabia?
Ela bebe um gole de água, ainda sorrindo, e isso me deixa feliz. Temi que
o comentário de Tiffani sobre terapia fosse magoá-la, mas ela parece ter
ignorado aquilo como eu ignorei a história da academia. Foi uma tentativa
baixa de nos atingir. Agora, porém, há outras questões em jogo. Devagar,
Emily fecha a garrafa de água e dá de ombros.
– Só cou óbvio.
– Como? Não era para ser óbvio – admito, baixinho, tentando aceitar
que estou mesmo discutindo o assunto com outra pessoa além do Tyler. É
esquisito. Não estou acostumada.
– É, eu imaginei isso também – diz Emily com uma risadinha amigável.
– Para ser sincera, foram várias coisas.
Vou até o balcão e me debruço, olhando para Emily curiosa e confusa.
– Tipo o quê? O que nos entregou?
– Bem, Tyler deixou de dormir no sofá para dormir no quarto com você.
Tipo, tudo bem, irmãos dividem a cama o tempo todo, mas percebi que
tinha algo mais rolando. Um dia desses quei procurando vocês, não sabia
que já tinham ido dormir, e quando abri a porta do quarto do Tyler vocês
estavam dormindo superabraçados. Pensei na hora que nem morta eu
dormiria assim com meu irmão.
Levanto as sobrancelhas.
– Você sacou só por isso?
– Não – diz ela. – Teve a tatuagem dele também. Notei uma manhã,
quando você estava no banho, e quando perguntei por que ele decidiu tatuar
o seu nome, ele só deu de ombros e disse que era porque você era irmã dele.
Achei estranho. Se fosse assim, por que não tatuar o nome dos irmãos
também? Especialmente considerando que são irmãos de verdade. Sem
ofensa.
– Imagina. Eu sabia que aquela tatuagem era uma má ideia – digo, quase
rindo.
Também é bastante irônico, considerando o que acabei de fazer, e dou
uma olhada rápida no pulso para garantir que ainda está coberto pela
manga. Vou mostrar para Tyler depois. No momento, no entanto, estou
concentrada em Emily. De todas as vezes em que imaginei ter essa conversa
com alguém, sobre mim e Tyler, nunca supus que pudesse ser assim. Tão
casual. Tão fácil.
– O que mais nos entregou?
Emily pousa os dedos nos lábios e pensa por um momento, focando o
nada antes de encontrar meu olhar ansioso.
– O Tyler já deixou você ler o discurso da turnê dele? – pergunta ela.
Eu me surpreendo por um segundo e tento pensar na resposta, confusa.
Tyler e eu nos ligamos incontáveis vezes durante o ano em que ele cou
longe, mas não me lembro exatamente de ele ter lido o discurso completo
para mim. Quando se mudou para Nova York, ainda estava escrevendo, e
naquela época às vezes perguntava o que eu achava de alguma palavra que
havia escolhido. Eu sempre lhe dizia que tudo estava ótimo, cru e honesto, e
bem ele. Eu nunca ouvi a versão nal. Nunca pedi para ouvir.
– Não – admito, por m. – Por quê?
Emily abre um sorriso enorme e se inclina para trás, passando a garrafa
entre as mãos.
– No nal dos discursos, a gente tinha que falar sobre os efeitos
colaterais do abuso. O dano psicológico – diz, e eu me pergunto se ela está
desconfortável, mas não. Ela passou um ano inteiro falando sobre isso, assim
como Tyler. Está acostumada. – Então o Tyler falava sobre as drogas, a
bebida e tudo mais, e sempre falava de uma garota. Nunca mencionava o
nome, mas falava que ela foi a primeira pessoa em anos a se preocupar com
o que ele estava passando. A primeira pessoa a querer ajudar de verdade, e
como isso foi exatamente o que ela fez, sem nem perceber. Ele dizia a todos
que ela era a razão para as coisas começarem a mudar e melhorar. Ele falava
sobre ela como se estivesse apaixonado, e a gente sempre cou se
perguntando por que ele nunca dizia o nome dela. – Ela para por um
minuto, sem sorrir exatamente, mas sem fazer cara feia também. Respira
fundo e diz: – Eu me dei conta de que era porque aquela garota é você.
Suas palavras demoram um pouco para serem assimiladas. Apenas olho
para ela em silêncio enquanto tento processar o que ela acabou de me
contar. Tyler nunca mencionou que falava sobre mim no discurso. Nunca,
nem uma vez, comentou que falava de mim dessa maneira. Não sei como
me sinto sobre isso. Desconfortável? Não muito. Surpresa? Com certeza. Só
consigo pensar que estou muito, muito apaixonada por ele, mas ele nem está
aqui. Quero desesperadamente encontrá-lo, agora mesmo. Tocá-lo, dizer
que o amo. E não em francês desta vez.
Quando Emily percebe que vou demorar um pouco para dizer alguma
coisa, ela continua falando, dando a volta no balcão da cozinha.
– Então eu pensei que tinha alguma coisa acontecendo entre vocês dois,
mas não queria perguntar, aí seu namorado apareceu, então pensei que
estava imaginando coisas. Mas então ontem à noite descobri que estava
certa, que não estava imaginando nada.
– Quando eu fui embora? – chuto, me afastando do balcão e me virando
para encará-la.
– Não – diz ela. – Depois disso. – Ela se afasta de mim e atravessa a sala
de estar, meus olhos a seguindo. Ela fala por cima do ombro enquanto anda,
levantando a voz ao desaparecer no quarto do Tyler: – O Tyler gravou um
monte de vídeos durante a turnê, então eu estava mandando os arquivos
para mim mesma – ouço Emily dizer, reaparecendo na porta do quarto com
um notebook nas mãos –, e encontrei uma coisa que acho que você deveria
ver. Não sei se você sabe ou não.
Minha curiosidade aumenta, e corro para me sentar ao lado de Emily,
que coloca o notebook na mesa de centro e o abre. Torço as mãos no colo,
ansiosa, enquanto ela liga o computador. Não nos recostamos no sofá.
Ficamos sentamos bem na borda, inclinadas para a frente, encarando a tela.
Emily não demora muito para entrar na conta do Tyler e abrir os arquivos.
Ela vai direto para o vídeo mais recente a ser transferido para o notebook e
abre o arquivo. Não é nada além de uma tela preta. Ela pausa antes que o
vídeo comece e se vira para mim.
– Então eu abri esse vídeo sem querer e juro que só assisti tipo aos
primeiros dez minutos e... – Suas palavras morrem quando ela pega o
notebook e gentilmente coloca no meu colo. – Bem, eu só acho que você
deveria assistir. Talvez você queira car sozinha, talvez queira car
confortável.
Ela se levanta e volta para a cozinha para buscar sua água, o rabo de
cavalo frouxo balançando nos ombros, e eu a observo, com testa franzida,
curiosa e ligeiramente descon ada ao mesmo tempo. Ela sempre foi tão legal
comigo. Sempre.
– Emily? – Mordo o lábio, e quando ela se vira para mim arqueia as
sobrancelhas e espera. – Me desculpa.
Ela inclina a cabeça para o lado.
– Pelo quê?
– Pela maneira que te tratei no começo – digo, dando de ombros, sem
jeito, então admito: – Eu achei que rolasse alguma coisa entre você e o Tyler.
Envergonhada, baixo a cabeça entre as mãos e solto um gemido.
Agora Emily ri. Ri muito, e eu faço o mesmo.
– Relaxa – garante ela. – Eu entendo.
É bom rir depois de tudo que aconteceu. Apesar de Tiffani
provavelmente estar a caminho do hotel, ardendo de raiva, prestes a contar a
verdade para Dean, e apesar de Tyler ter fugido para sabe-se lá onde, eu
ainda estou sorrindo. Estou sorrindo porque o nosso segredo não parece
mais tão errado, tão escandaloso ou tão aterrorizante.
Eu me levanto, o notebook apoiado no braço enquanto olho para trás,
falando com Emily mais uma vez.
– E obrigada – acrescento.
– Pelo quê?
– Por não nos julgar – respondo, baixinho.
Ela não responde, apenas assente. Ela é a segunda pessoa a descobrir,
mas é a primeira a aceitar nossa relação e, por isso, serei eternamente grata.
É maravilhoso saber que alguém entende.
Com uma última troca de sorrisos, eu me viro e vou para o quarto de
Tyler, pegando minha mochila do chão, fechando a porta e colocando o
notebook na cama. As cortinas estão fechadas, como se não tivessem sido
abertas o dia todo, e a cama de Tyler ainda está desfeita. Não dá para culpá-
lo. Ele devia estar com uma ressaca horrível. Suspirando, eu tiro o casaco
com cuidado e jogo para o lado junto com a minha bolsa. É aí que me
lembro da novidade no pulso.
Ligo as luzes, erguendo o braço enquanto estudo a pele de perto. O
plástico parece úmido e grudento, e as letras estão fortes e escuras embaixo.
Com todo o cuidado e delicadeza possíveis, retiro o plástico. Minha pele
está levemente inchada e um pouco vermelha, mas parece tudo bem. É
exatamente o que eu queria, do jeito que eu imaginei.
Ao longo do meu pulso esquerdo, as palavras No te rindas me encaram.
Está na caligra a do Tyler, exatamente como ele escreveu no tênis que me
deu. Suas palavras. Sua letra. Seu único e simples pedido. Ele é o único que
vai entender, e por esse único motivo, eu a adoro.
Jogando o plástico na lata de lixo no canto do quarto, apago as luzes e
pego meus fones de ouvido na mesa de cabeceira. Eu me acomodo, ajeito os
travesseiros, subo na cama e me reclino. Então me cubro com o edredom e
pego o notebook. Sem perder mais um segundo, conecto os fones de ouvido,
encaro a tela escura e dou início ao vídeo.
No começo, nada parece estar acontecendo. A imagem muda um pouco,
mas está escuro demais para entender exatamente o que estou vendo.
Aumento o volume e, para minha surpresa, ouço a voz de Tyler. Baixa e
sussurrada, nada além de um sopro gentil.
Fecho os olhos e escuto, sentindo o estômago revirar com a voz. Ele diz
meu nome para a lmadora. Meu aniversário. Minha cor favorita. Onde eu
nasci. A cor do meu cabelo e dos meus olhos. Devagar, ele continua. Leva
um minuto inteiro só para descrever meus olhos, e é aí que decido parar o
vídeo e checar a duração. Arregalo os olhos, chocada.
O vídeo tem quatro horas e 27 minutos.
Só pode ser um erro. Não tem outra explicação.
Durante quatro horas e meia, ouço a voz de Tyler, sussurrando sem
parar e rindo baixinho. Ele conta à lmadora como foi que nos conhecemos.
Fala sobre todas as coisas que ama em mim, algumas das quais são hábitos e
maneirismos que eu mesma nunca percebi. Ele fala e fala e fala, quase sem
parar e sem um único segundo de hesitação, enquanto re ete sobre os
nossos momentos juntos. Conversas e beijos, invasões de propriedade e
festas.
Conforme o vídeo se estende, à medida que as horas passam, a escuridão
diminui gradualmente. O vídeo ca mais nítido com o tempo, e os
contornos das coisas começam a car mais claros. Depois da segunda hora,
consigo ver o rosto de Tyler inteiro, seus olhos claros. Ele está no quarto,
bem onde estou agora. Na terceira hora, ele afasta a câmera de si e a aponta
para mim. Eu. Bem ali, bem ao lado dele, dormindo o tempo todo.
No momento em que o vídeo termina, já está claro na tela. Tyler nem
parece cansado ao mencionar o La Breve Vita, e é aí que tudo começa a soar
familiar. Suas palavras depois desse ponto. Já ouvi antes.
É nesse exato momento que Tyler vira a câmera para mim de novo, a voz
baixinha murmurando:
– Ei, você acordou, nalmente.
– O que você está fazendo? – Ainda pareço estar dormindo, e meus olhos
cansados encaram a tela.
– Só brincando.
Sua voz ecoa pelos meus fones de ouvido, e balanço a cabeça em total
descrença. Só brincando? Ele está falando de mim há mais de quatro horas.
É quase como se não quisesse que eu visse isso, não quisesse que eu soubesse
disso.
No vídeo, conversamos brevemente sobre o Quatro de Julho, como me
lembro de fazer, e então ele coloca a câmera na mesa de cabeceira. É aí que o
puxo para mim, e ele en a o rosto no meu e começamos a nos beijar.
Estamos rindo, até eu pedir a ele para desligar a câmera. Ele pergunta se
pode deixar ligada. Segundos depois, ele se aproxima da lente às pressas e o
vídeo apaga. Fim.
Depois de passar a noite toda ouvindo o que Tyler tinha a dizer sobre
mim e de ouvir tudo de que ele se lembrava dos últimos dois anos, até
mesmo o menor dos detalhes, ele conseguiu me deixar às lágrimas, que
escorrem pelas minhas bochechas em ondas quentes enquanto encaro a tela.
Está preta de novo, de volta ao começo do vídeo, na madrugada, e vejo meu
re exo me encarando. Não estou chorando porque estou chateada. Estou
surpresa. Meu corpo inteiro está entorpecido. Entender de verdade quão
profundo é o amor de Tyler por mim, realmente sentir isso... acho que é a
coisa mais reconfortante e assustadora do mundo.
Dou play no vídeo de novo, desta vez pulando direto para a marca de
duas horas. Pulo de um ponto a outro por um tempo em um intervalo de
meia hora, procurando um momento especí co. É a minha parte favorita do
vídeo inteiro, a única vez em que Tyler fala diretamente comigo, e não com a
câmera, enquanto ainda estou dormindo. Quando encontro, respiro fundo e
me recosto nos travesseiros. Apertando o botão mais uma vez, fecho os
olhos e escuto.
– Eu não sei como deveria ser estar apaixonado por alguém – admite
Tyler com uma risada baixa. – Mas se estar apaixonado signi ca pensar em
alguém todos os segundos de todos os dias... Se estar apaixonado signi ca que
seu humor muda quando a pessoa está por perto... Se estar apaixonado
signi ca que você faria tudo e qualquer coisa por ela... – murmura. – Então
estou in nitamente apaixonado por você.
27

Já são quase dez da noite quando desligo o notebook de Tyler. Estou deitada
aqui já faz um tempo. Só pensando. Sobre Tyler e sobre o vídeo e sobre nós
dois. Eu me pergunto aonde isso tudo vai acabar. Quando Dean descobrir a
verdade e quando contarmos tudo aos nossos pais, o que vai acontecer? E
depois? Eu e Tyler vamos continuar juntos? Vamos ter que esperar alguns
meses até a situação toda se acalmar? Não sei. Só sei que estou cando
cansada de esperar. Já faz dois anos e não chegamos a lugar nenhum. Dois
anos e eu ainda não posso apresentar Tyler como meu namorado para as
pessoas. Será que um dia vou conseguir fazer isso? Só me resta torcer para
que ninguém que chocado ao nos ver juntos.
Ainda estou sentada sozinha em silêncio, confortável no escuro, quando
a porta se abre devagar, com um rangido. Espero ver Emily, mas é Tyler. Ele
está de cabeça baixa e ca parado à porta, a mão apoiada na maçaneta.
Parece mais calmo agora. Não confuso ou com raiva, mas não exatamente
relaxado também. Só calmo.
– A gente pode conversar? – pergunta ele.
Tem um quê de nervoso na voz, como se achasse que eu pudesse recusar.
Não consigo ver claramente o rosto dele, mas sei que ele não quer me olhar
nos olhos agora. Está encarando o chão.
Não respondo, só assinto uma vez, na esperança de que ele consiga ver.
Espalmo as mãos no colchão e passo para o outro lado da cama, mais perto
da janela, desejando que ele se junte a mim no espaço cálido que acabei de
abrir. É exatamente isso que ele faz. Em silêncio, ele fecha a porta com um
clique baixo e se aproxima, deitando-se na cama ao meu lado. Passa o braço
ao meu redor, e eu descanso a cabeça no ombro dele. Nós dois camos
assim, respirando suavemente por um tempo, e mesmo que ele tenha pedido
para conversar, não queremos isso. Só olhamos para a frente, para as portas
espelhadas do armário diante da cama, para os re exos das nossas silhuetas
no escuro.
Depois de um tempo, Tyler decide nalmente dizer alguma coisa, mas
não se move nem um centímetro ao pigarrear e perguntar, tão baixo que é
quase um sussurro.
– O que aconteceu ontem?
O silêncio parece frágil demais para levantar a voz.
Fecho os olhos e tento resumir os acontecimentos dos últimos dias.
Tudo começou a dar errado na terça-feira, assim que Tiffani pisou em Nova
York. Só estou aliviada agora porque, embora eu tenha feito uma bagunça
danada e de Dean provavelmente já saber a verdade agora, Tiffani não
conseguiu o que queria. O tiro saiu pela culatra. Tyler estar aqui comigo
prova que ele cou do meu lado, que é em mim que ele acredita.
– Tiffani queria você de volta – revelo, a cabeça ainda no ombro dele.
Seu peito sobe e desce. – Ela achou que isso só poderia acontecer se eu não
estivesse no caminho. Disse que eu tinha que terminar com você, ou ela
contaria a verdade para o Dean. Se contássemos para o Dean primeiro, ela
contaria para os nossos pais.
É um pouco mais complicado, mas conto a versão mais simples apenas
porque não quero falar sobre isso. Tento olhar para Tyler, mas do meu
ângulo só vejo sua testa.
– Que merda – murmura ele. Vejo que ele passa a mão pelos cabelos
enquanto dá um longo suspiro. Ele balança a cabeça devagar e aperta meu
corpo junto ao seu. – Me desculpa por ser tão idiota. Eu estava puto com
você, não pensei direito.
– Me desculpa também.
Ele dá uma risadinha, baixa e ofegante, como as do vídeo. Acho que não
vou contar que sei da existência do vídeo. Acho que vou manter isso em
segredo.
– Sério, eu pensei que você tivesse desistido de mim – admite Tyler. –
Nunca mais me assusta desse jeito.
Acho que nunca vou desistir, especialmente agora, e acho que esse é o
melhor momento para mostrar a Tyler a novidade no meu pulso. Não
preciso fazer nenhuma declaração agora. Acho que suas próprias palavras,
sua própria citação são a única declaração de que ele precisa. Sorrindo,
levanto a mão e ergo o mindinho, inclinando o pulso na direção de Tyler.
– Prometo que não faço mais isso.
Ele está prestes a prender o mindinho no meu quando para, segura meu
pulso e dá um pulo para a frente. Quando olho de soslaio, ele está
estreitando os olhos no escuro para as palavras rabiscadas na minha pele.
Então se vira para mim de olhos arregalados.
– O que é isso?
– Talvez seja melhor acender a luz – digo, mordendo o lábio, um pouco
ansiosa. Imagino as sobrancelhas de Tyler se erguendo enquanto ele tira o
braço de cima de mim e se estica para acender o abajur na mesa de
cabeceira, a outra mão ainda segurando meu pulso.
O quarto ca claro na hora, e mal presto atenção ao meu pulso. Só quero
saber de Tyler, admirado, seus olhos brilhando e seus lábios se abrindo, o
rosto todo se iluminando do jeito mais adorável possível ao estudar cada
detalhe da surpresa no meu pulso.
– Não acredito – diz ele, me encarando com uma expressão cheia de
inocência.
Ele chega a parecer mais jovem, como se fosse criança de novo.
Dou uma risada e examino minha nova tatuagem de novo. Ainda está
um pouco vermelha e às vezes sinto uma pontada quente, mas vale a pena só
pela felicidade de Tyler.
– Eu z hoje de tarde – digo, respondendo à pergunta que ele nem fez,
mas sei que quer fazer, então continuo explicando: – Foi a única coisa em
que consegui pensar que faria sentido apenas para nós dois. É sua. Foi o que
você escreveu.
– Você foi bem mais esperta do que eu – diz ele com um sorriso tímido
ao levantar um pouco o braço esquerdo, olhando a própria tatuagem, no
bíceps, com apenas quatro letras. – Eu não fui tão original. Ei, o “te” parece
um pouco torto – diz ele, apontando as palavras no meu pulso de novo.
– Isso porque você escreveu um pouco torto – retruco, revirando os
olhos, e pelo visto só então Tyler percebe que minha tatuagem é com a letra
dele, porque seu rosto ca vermelho e ele desvia o olhar. Saio da cama, ainda
sorrindo, me ajoelho no carpete e olho para Tyler do outro lado da cama. É
difícil acreditar que hoje à tarde tudo deu errado e agora tudo parece certo
de novo. – Aliás, a Emily sabe.
– Sabe o quê? – pergunta Tyler, seus olhos nunca deixando os meus.
– Sobre nós – digo lentamente, e me levanto do chão. Olho para Tyler,
ainda na cama, me observando. – Ela sabe que somos mais do que só irmãos
postiços.
– Você contou para ela? – Ele se levanta na mesma hora, em pânico.
– Ela descobriu sozinha – conto.
De preocupado, ele passa para confuso, tentando processar o fato de que
Emily sabe a verdade.
– E – completo, dando a volta na cama com um sorriso largo brincando
nos lábios – ela nem se importa. Ficou totalmente de boa com isso.
Os olhos de Tyler se arregalam novamente ao me seguirem pelo quarto.
– Sério?
– Aham. – Eu me aproximo, seguro seu rosto e o beijo, encostando meus
lábios nos dele antes de me afastar e acrescentar: – As pessoas saberem a
verdade não é tão ruim assim.
Tyler me olha sério por um momento, seus olhos mergulhando fundo
nos meus. Eu me pergunto se ele acha que estou brincando, mas
de nitivamente não estou. Então o beijo de novo, quase como se tentando
garantir que está tudo bem, para variar. Não consigo evitar. Estou sorrindo
contra os lábios dele, meus olhos fechados com força, e me delicio nesse
sentimento de aceitação mais uma vez. É tão incrível e forte que nem sei
como lidar com isso. Não estou mais com medo de que as pessoas
descubram que estou apaixonada pelo meu irmão postiço. Somos só duas
pessoas com um rótulo. Nada mais.
Mesmo com di culdade, Tyler se afasta e coloca as mãos nos meus
quadris, gentilmente me empurrando um passo para trás.
– O Snake sabe?
– Acho que não – respondo. Devagar, um sorriso nervoso cresce em
meus lábios quando seguro uma das mãos de Tyler. Eu a tiro dos meus
quadris e giro os dedos em torno dos dele. – Ele já voltou? A gente devia
contar para ele. O que você acha, vamos contar para ele?
Tyler solta uma risada, jogando a cabeça para trás e me puxando para si.
– Seria bom se você estivesse tão animada assim para dar a notícia para
o seu pai – murmura ele, sorrindo ao abrir a porta.
Ele me leva para a sala de estar, e é a primeira vez que saio do quarto
dele em quase cinco horas. Estava envolvida demais no vídeo que Emily me
mostrou. Com quatro horas e 27 minutos de duração.
Falando em Emily, ela está sentada em um dos sofás da sala, cercada por
cadernos e folhas de papel estranhos espalhados pela mesa de centro. A TV
está ligada, mas com o volume baixo, como se só estivesse servindo de ruído
de fundo. Ela olha para cima quando ouve nossos passos e na mesma hora
abre um sorriso.
– Então isso quer dizer que vocês dois se resolveram?
Tyler não responde, só me leva até o sofá e levanta nossas mãos
entrelaçadas, erguendo as sobrancelhas para ela.
– Você sabe?
– Sei.
– E isso não te assusta? – pergunta ele, tão confuso quanto eu.
Por dois anos, nós dois imaginamos reações totalmente diferentes da
dela. Tyler solta minha mão.
– Não – diz Emily, balançando a cabeça e clicando a caneta algumas
vezes, sem demonstrar qualquer choque. – Para ser sincera, acho que vocês
têm que fazer o que quiserem. A vida é curta demais.
Suas palavras me fazem sorrir, e passo os braços ao redor do bíceps de
Tyler e o aperto com força.
– La breve vita – murmuro, olhando para ele. – A vida é curta.
Quando ele está prestes a responder, ouvimos uma comoção na porta.
Umas batidas, um barulho de algo caindo. Nós três olhamos, e no começo
penso que pode ser Dean tentando derrubar a porta para matar tanto Tyler
quanto a mim, mas solto um suspiro de alívio quando ouço a chave sendo
inserida na fechadura. É Snake, nalmente.
A porta se abre segundos depois e, por força do hábito, solto Tyler e dou
um passo para trás. Sem contar que ainda não contamos para Snake.
– Esse foi um almoço bem longo – brinca Emily, inclinando-se para a
frente de modo que possa vê-lo entre mim e Tyler.
Ela morde a ponta da caneta na mão e arqueia as sobrancelhas,
provocando-o um pouco.
Snake só revira os olhos cinzentos e vai até a cozinha. É a primeira vez
que o vejo desde que saiu para fazer compras ontem à noite e, por incrível
que pareça, está todo bem vestido. Está usando até uma camisa de botão,
passada e tudo.
– É, eu sei, eu levei a Rachael para jantar também. Fiz o passeio
completo de Manhattan com ela.
– Snake – digo, encarando-o com um olhar severo e cruzando os braços
–, quem disse que você podia chamar a minha melhor amiga para sair?
Só estou brincando, é claro, mas ele mesmo assim dá meia-volta e
estreita os olhos para mim.
– O que ela está fazendo aqui tão rápido? – pergunta, olhando para
Tyler, mas também só de brincadeira. – Vocês estão amiguinhos de novo?
– Na verdade... – interrompo, dando um passo à frente e retorcendo as
mãos, ansiosa. Quero que Snake saiba a verdade. Quero contar a verdade.
Nunca zemos isso antes, e agora me sinto corajosa o su ciente para tentar.
– Temos uma coisa para te contar.
Olho rapidamente para Emily, que começou a roer a tampa da caneta no
sofá, nervosa, e então para Tyler, atrás de mim. Ele me encara com aqueles
olhos intensos e sorri, mas não de maneira sedutora. É mais um sorriso que
diz: vamos nessa. Ele dá um passo à frente para car do meu lado de novo.
Snake nos observa com um olhar curioso.
Não sei exatamente o que dizer ou como contar a verdade, mas de
repente nem preciso mais falar nada, porque Tyler me vira para si e, do
nada, pressiona os lábios nos meus pelo que parece ser a centésima vez a
esta altura.
Isso me pega de surpresa. É a última coisa que eu esperava neste
momento, mas ao mesmo tempo não consigo me afastar. Continuo
beijando-o também, envolvida pela sensação de familiaridade dos seus
lábios. De nitivamente sinto Snake e Emily nos observando, mas não
consigo me importar.
Tyler se afasta quase tão abruptamente quanto se aproximou e encara
Snake.
– Me diz o que você está pensando – ordena. – Agora.
Olho para Snake. Ele está nos encarando da cozinha, congelado. Está um
pouco atordoado, mas tudo bem. É de se esperar que as pessoas quem
chocadas no começo. Devagar, ele engole em seco e troca um olhar
preocupado com Emily.
– Mas que merda é essa? – pergunta, fazendo uma careta. Ele bufa e dá
uma risada desconfortável, sem saber o que pensar e o que dizer.
– Estou apaixonado por ela – diz Tyler, e sua voz é tão gentil e honesta
que sorrio para ele.
Acho que poderia ouvir Tyler dizer aquelas palavras sem parar por toda
a eternidade. Acho que nunca vou me cansar de ouvi-lo dizer isso em voz
alta.
– Mas... – Snake para e olha para Emily de novo, como se estivesse
procurando apoio. Deve estar se perguntando por que ela não está tão
chocada quanto ele e por que está sorrindo diante do desenrolar dessa cena.
Snake balança a cabeça e solta o ar. – Vocês não são, tipo, irmãos postiços?
– Somos – digo, corajosa o su ciente para me pronunciar a nosso favor.
Não quero mais sentir que estou fazendo algo errado só porque me
apaixonei pelo meu irmão postiço. Sei que está tudo bem. – Mas não somos
parentes consanguíneos – explico. – Também não crescemos juntos, então
nem nos vemos como irmãos. Entende?
Olho para ele e mordo lábio, com a expressão mais gentil possível,
rezando para que Snake entenda e, com sorte, aceite. No momento, ainda
está um pouco surpreso.
– Ah... Então vocês estão namorando ou alguma coisa assim? – pergunta
ele, se apoiando na beirada da bancada e coçando a cabeça. – Vocês estão
falando sério ou estão só de sacanagem comigo?
– A gente não está namorando – responde Tyler, com a voz rme. – É
complicado. Só me diz o que você está pensando agora.
Ele dá de ombros.
– Tipo, é um pouco estranho – admite. – Meus pais são bem religiosos.
Tenho certeza de que eles iam querer que eu denunciasse vocês dois para
Jesus. – Ele relaxa um pouco, revira os olhos, depois nos dá as costas
para abrir uma porta do armário e pegar um saco de Doritos. Quando ele se
recosta na bancada, joga alguns biscoitos na boca e mastiga fazendo barulho
enquanto observa Emily. – E o que você acha disso tudo? – pergunta a ela
depois de um minuto.
– Eu já sabia – diz Emily, dando de ombros e arrumando as folhas de
papel. – Não me incomoda.
Snake mastiga mais alguns biscoitos, pensativo, inclinando a cabeça um
pouco para o lado.
– É um pouco estranho – repete ele. – Mas não tenho nenhum problema
com isso. – Ele abre um sorriso, e quase na mesma hora uma expressão
brincalhona surge em seu rosto, a sobrancelha erguida para Tyler. – Então
vocês têm umas tradições familiares safadinhas, é?
Tyler e eu rimos, mas nosso momento de alívio não dura muito. Uma
batida na porta atrai todas as atenções. Não é uma batida qualquer, mas um
golpe forte que ecoa pelo apartamento. É implacável e tão decidido que
transmite muita raiva. Olho para Tyler, dominada pelo pânico. Já está tarde.
Estamos todos aqui. Só tem uma pessoa que apareceria neste momento, e
apenas uma pessoa que poderia estar irritada o su ciente para bater na
porta dessa maneira. Tyler pensa o mesmo, porque seus olhos se enchem de
medo e ele engole em seco. Nós dois sabemos que é Dean. Tiffani deve ter
nalmente contado a verdade.
– Não abre a porta – dispara Snake em voz baixa, apertando com força o
saco de Doritos. – Isso tem cara de polícia.
– Não é a polícia – digo, baixinho, desesperada.
Dean continua batendo. Depois de um segundo, ele grita meu nome, e,
no momento em que ouço o sofrimento em sua voz, meu coração se parte.
Ele sabe com certeza. Ele sabe a verdade e descobriu da pior maneira
possível. Sei que tenho que abrir a porta. Tenho que encará-lo, por mais que
de nitivamente não queira fazer isso.
Tyler, Snake e Emily me observam em silêncio quando me forço a ir até
lá. Minhas pernas estão rígidas e meu estômago está revirado e, quando
chego à porta, destranco-a lentamente. E abro.
Dean está de pé diante de mim, a respiração pesada e o punho erguido,
pronto para continuar batendo. Seus olhos furiosos encontram os meus, e
meu corpo inteiro se paralisa, o sangue em minhas veias congelando e meus
membros perdendo a força. A expressão em seus olhos é algo que nunca vi
antes. Estão tão sombrios, tão raivosos e tão magoados. Não parece o Dean,
e é isso que é tão assustador. Suas bochechas estão vermelhas, como se
pegando fogo de raiva.
– É verdade? – pergunta ele, com a voz tensa.
Seguro a porta com ainda mais força, mantendo-a aberta, tão enjoada
que acho que não consigo falar. Fecho os olhos e abaixo a cabeça. Não
suporto olhar para ele. Dói demais. Mas meu silêncio diz tudo que ele
precisa saber. Meu silêncio diz a ele que é verdade, que estou, sim,
apaixonada por Tyler esse tempo todo.
Dean solta um longo suspiro enquanto processa isso, e sinto que está
balançando a cabeça. Então pergunta, num tom autoritário:
– Quem é?
Sou forçada a erguer o rosto. Minhas sobrancelhas se franzem em
confusão, lágrimas brotando nos meus olhos ao pensar nesta situação
horrível. Eu sabia que Dean caria magoado no nal disso tudo. Eu sabia
desde o momento em que cheguei a esta cidade, desde o segundo em que
Tyler deixou claro que não tinha me esquecido. Era inevitável. Nós não
tínhamos opção. Se não disséssemos a verdade, ele se magoaria. Se
disséssemos, também. Disso tínhamos noção. O que não entendo, no
entanto, é a pergunta dele.
– Como assim?
– Com quem você está me traindo? – retruca ele. Sua voz está fervendo
de desprezo e ele me olha com nojo. Não posso culpá-lo. Eu também me
odeio por tudo isso. – Pelo menos tenha a decência de me dizer.
Minha garganta fecha. É claro. É claro que Tiffani não mencionou Tyler.
É claro que ela ia querer que eu mesma admitisse. Mas não sei se consigo.
Não sei se consigo dizer o nome de Tyler. Isso magoaria Dean demais. Eu
poderia mentir. Poderia me recusar a dizer, ou poderia soltar um nome
falso, mas quando olho para ele de novo – olho para ele de verdade –, vejo
nos seus olhos quanto ele está sofrendo e percebo que a honestidade é
mesmo a única coisa que posso lhe oferecer neste momento. Não posso mais
mentir para ele.
Eu me forço a continuar respirando e olho para trás. Snake está
debruçado na bancada da cozinha, en ando punhados de Doritos na boca e
observando a cena com extremo interesse, e Emily rói a tampa da caneta,
mas pelo menos se esforça para disfarçar que está prestando atenção, com o
rosto en ado nos cadernos, nos olhando de canto de olho. Ou Dean não
percebeu que temos companhia, ou simplesmente não se importa. Tyler, por
outro lado, já está a caminho.
Ele para bem atrás de mim e coloca a mão na porta também, logo acima
da minha. Agora que ele está segurando, solto a mão e me concentro em
Dean de novo. Ele ainda está esperando uma resposta, mais irritado a cada
segundo que passa. Estou feliz que Tyler tenha se aproximado, aliviada por
não ter que fazer isso sozinha, por ele estar ao meu lado e por estarmos
juntos nisso.
Sinto que Tyler respira fundo atrás de mim e se atreve a dizer, quase
num sopro:
– Ela está traindo você comigo.
Dean se encolhe, o rosto inteiro consumido pela descrença quando ele
recua um passo para o corredor, balançando a cabeça rapidamente.
– Do que você está falando?
– Dean – sussurro, a voz engasgada na garganta. Engulo em seco e
controlo a vontade de chorar. – Eu te amo. Muito. – Dói dizer isso, porque é
verdade, e essa é a pior parte. Eu amo mesmo o Dean. Talvez tudo isso fosse
bem mais fácil se eu não o amasse. – É só que eu também amo o Tyler.
– Do que você está falando?
Dean ca mais confuso do que furioso. Não assimila nossas palavras. Ele
olha de Tyler para mim e move os lábios como se fosse dizer alguma coisa,
mas as palavras fogem.
– Olha – começa Tyler, dando um passo à frente. Ele tenta colocar a mão
no ombro de Dean, que a afasta agressivamente, recuando ainda mais para o
corredor. Tyler continua, dando uma explicação confusa e prolixa. – Sou eu
o cara com quem ela está. A gente não planejou isso acontecendo assim.
Juro que não, mas não deu para evitar. Você acha que eu escolheria me
apaixonar pela minha irmã postiça? Claro que não. Foi assim que as coisas
aconteceram, e a gente... a gente ia te contar. Pode acreditar, a gente queria
contar já fazia um tempo, mas não sabia como. Me desculpa, cara. Me
desculpa mesmo, mas eu... Eu preciso dela.
Dean permanece em silêncio por vários longos segundos, a mente
tentando compreender as novas informações que acabou de receber.
– Vocês dois... – Ele começa, com di culdade de dizer as palavras num
primeiro momento. Fechando os punhos, ele me encara. – Há quanto tempo
isso está acontecendo?
– Dois anos – sussurro. Sei que vou começar a chorar a qualquer
momento. Sinto as lágrimas surgindo no canto dos olhos, lutando para se
libertarem. Tento segurá-las a todo custo. – Eu me apaixonei por Tyler antes
de me apaixonar por você.
– Dois anos? – repete Dean, olhando para mim sem acreditar, seus olhos
se arregalando com decepção e fúria ao perceber que durante todo o tempo
em que estivemos juntos meu coração estava dividido.
Ele está tentando compreender tudo isso e, quando nalmente chega a
uma conclusão, se aproxima de Tyler, até seus rostos carem grudados. Com
os lábios comprimidos e os olhos magoados e furiosos, Dean analisa a
expressão de Tyler. Por m, os dois se encaram, a poucos centímetros um do
outro.
– Você dormiu com ela? – pergunta devagar. A pergunta o destrói. Ele
não quer ouvir a resposta. Não quer mesmo. – Você dormiu com ela?
– Cara, olha... – começa Tyler, mas tentar inventar uma explicação é
totalmente inútil no momento.
Seu melhor amigo já perdeu a cabeça.
– Seu babaca! – grita Dean.
Ele levanta as mãos cerradas, e em uma fração de segundo en a o punho
esquerdo na lateral do rosto de Tyler, logo abaixo do olho.
Tyler tropeça para trás, entrando no apartamento, esbarrando em mim e
me desequilibrando. Nós dois recuamos, e Snake e Emily prendem a
respiração em algum lugar ao fundo. Esqueci que eles ainda estavam
assistindo a tudo. Emily cou de pé, perplexa, em dúvida se deve ou não se
envolver. Snake ainda está en ando mais Doritos na boca, com as
sobrancelhas erguidas.
Tyler se endireita, estreitando os olhos para Dean, que entra no
apartamento, os punhos ainda fechados.
– Vai nessa – ordena Tyler com um aceno de cabeça rme. – Me bate de
novo. Eu mereço. Vamos lá.
Dean não responde. Em segundos, ele acerta Tyler mais uma vez, os nós
dos dedos pegando em cheio na sua bochecha, provocando um som oco e
dolorido. Com o rosto corado de raiva, Dean ergue os punhos novamente,
pronto para dar outro soco.
Tyler esfrega o rosto devagar, massageando a pele para aliviar a dor,
começando a car irritado, ainda encarando Dean.
– Tudo bem – diz ele, bruscamente, a voz ameaçadora. – Se me bater de
novo, vou bater em você com o dobro da força.
Respiro fundo, horrorizada, quando Dean gira o punho mais uma vez,
mas Tyler bloqueia o golpe depressa, os corpos se chocando. Os dois
caminham para trás, cambaleando pelo apartamento, e Emily sai do
caminho pouco antes de eles caírem por cima do encosto do sofá. Dean
nalmente consegue dar o terceiro soco, acertando Tyler com força no nariz.
Tyler perdeu a paciência pela primeira vez em anos e agora está tão
irritado que as profundezas dos seus olhos estão tempestuosas, ferozes,
perigosas e imprevisíveis. Ele recua o braço direito e acerta a mandíbula de
Dean. Seus bíceps estão exionados, toda a força sendo transferida para as
mãos enquanto ele continua acertando socos em Dean, atingindo-o tão
rápido e tão implacavelmente que Dean nem sequer tem chance de contra-
atacar.
– Tyler, para! – grito, mas não passa de um gemido estrangulado.
Saio correndo, tentando agarrar a parte de trás da camiseta de Tyler e
puxá-lo para longe de Dean, mas ele mal parece notar minha presença e, no
meio dos mil socos por segundo, acaba quase me dando uma cotovelada no
rosto. Cambaleio para trás, com as mãos nas bochechas. Não tenho certeza
do que deveria fazer.
De alguma forma, Dean consegue se abaixar e se jogar contra Tyler,
empurrando-o para trás, e os dois voam por cima da mesa de centro. Com
um estrondo, o vidro se quebra sob eles, e um baque nauseante indica que
Tyler atingiu o chão primeiro, cheio de cacos de vidro e dos papéis de Emily.
Mas isso não para os dois. Tem tanta adrenalina nas veias deles no momento
que ninguém sente dor.
– Faz alguma coisa! – grito para Snake, encarando-o enquanto ele
continua a assistir à cena em segurança na cozinha.
Ele é o único forte o su ciente para ajudar, e só agora percebo que estou
chorando.
– Tudo bem, tudo bem – diz ele, em voz alta, largando o saco de Doritos
no balcão e correndo até a sala de estar. Arregaçando as mangas, contorna
os sofás e segura Dean, agarrando-o pelo tronco com força e o puxando para
longe de Tyler. – Parem com essa merda agora! – grita ele, jogando Dean
para o lado, na minha direção.
Até Emily corre para ajudar, estendendo a mão para levantar Tyler do
chão. Ele trinca os dentes com força e encara Dean do outro lado da sala,
mas então a adrenalina parece baixar, porque ele olha para baixo, para si
mesmo, e sua expressão se suaviza. Tem muitos cacos de vidro grudados
nele, e ele não hesita em segurar a barra da camiseta e tirá-la de uma vez.
Inúmeros arranhões agora decoram as costas dele, mas estou mais
preocupada com seu braço direito. Sangue jorra do tríceps, uindo pelo
cotovelo e pingando no tapete. Quando ele nalmente percebe isso, só o que
consegue fazer é olhar para Emily, que sai correndo para pegar o kit de
primeiros socorros na cozinha.
Com lágrimas escorrendo pelo rosto, olho para Dean a m de ver se ele
está bem. Ele não parece tão machucado quanto Tyler, embora sua
mandíbula esteja bastante arranhada e o olho esquerdo esteja inchado.
Ofegando, ele aperta o olho meio fechado enquanto me encara.
– Lá fora – ordena, a voz ainda tão dura quanto estava quando ele
apareceu à porta.
Sem me esperar, ele sai pisando rme.
Sentindo um aperto na boca do estômago, olho para Tyler antes de me
mover. Ele ainda está de pé no meio dos estilhaços onde cava a mesa de
centro, a expressão um pouco distante, como se estivesse atordoado. Emily
está parada ao lado dele, e Snake também oferece ajuda, os dois passando
ataduras e curativos um ao outro. Tudo o que quero é ajudar. A nal, fui eu
que causei tudo isso, mas sei que agora preciso lidar com Dean.
Tremendo de nervosismo, eu me forço a ir em direção à porta, seguindo
Dean para o corredor. No segundo em que chego lá, ele bate a porta. Desta
vez, parece que não quer plateia, e a esta altura estou destruída demais para
falar, então co quieta. Só enxugo as lágrimas enquanto uso todas as minhas
forças para encará-lo.
– Você me traiu – murmura Dean, como se precisasse dizer isso em voz
alta para acreditar. Cauteloso, ele me encara, e meu coração se despedaça ao
ver o estado dele. Acabado. Destruído. – Eu te amava, e o tempo todo... o
tempo todo você tinha esse lance com Tyler. Ele é meu melhor amigo, Eden!
Ele é seu irmão!
– Me desculpa! – grito, com a voz embargada. É tarde demais para
desculpas, mas é a única coisa que posso fazer. Acho que Dean nunca vai me
perdoar. Percebo isso pela expressão de repugnância que domina seu rosto.
Não estou acostumada a ver Dean assim. Estou acostumada a ver seus olhos
gentis e seu sorriso doce. Acho que nunca mais terei isso. – Não sei o que
mais posso dizer.
– Nunca mais fala comigo – adverte ele, a voz rouca e seca. Dando um
passo para trás, se afasta de mim e en a bruscamente a mão no bolso de trás
da calça jeans, tirando a carteira. Sua bochecha machucada começou a
sangrar, e eu controlo o ímpeto de tocá-lo, de ajudá-lo. – Aqui – retruca
Dean depois de alguns segundos.
Ríspido, ele joga uma nota de cinco dólares em mim. A nota bate no
meu peito, e eu a pego antes que caia no chão. Quando olho para baixo,
percebo que é a nossa nota de cinco dólares. Ergo o olhar, o coração ainda
mais partido do que já estava. Meus lábios tremem quando Dean murmura:
– Cinco dólares para vocês dois carem fora da minha vida.
En ando a carteira de volta no bolso, ele esfrega a bochecha e dá as
costas para mim. Sem esperar mais um segundo, segue para o elevador, sem
sequer olhar para trás. Eu co vendo Dean ir embora, as lágrimas
escorrendo pelo rosto ao encarar suas costas, me sentindo totalmente
impotente. Me apoio na porta do apartamento do Tyler e, quando meus
joelhos perdem as forças e eu simplesmente não consigo mais car de pé,
deslizo até chegar ao chão. En ando o rosto nas mãos, soluço sem parar ao
ouvir Dean partir.
Minha única esperança era jamais perdê-lo. Sempre torci para que ele
fosse capaz de entender e nos perdoar, mesmo que demorasse um pouco.
Sempre desejei que Dean casse bem, mas pelo visto não desejei com força
su ciente, porque tudo o que torci para que não acontecesse foi exatamente
o que aconteceu.
28

Na manhã seguinte, uma tensão paira no ar. Senti isso desde que acordei,
algumas horas atrás. Ninguém no apartamento falou muita coisa, cada um
cou no seu canto. Acho que Snake ainda está tentando lidar com nossa
revelação, porque toda vez que co a menos de meio metro de Tyler,
percebo que ele nos observa de longe. Tyler está mais quieto do que o
normal. Eu entendo, porque também estou. É difícil car animada quando
me sinto tão perdida e chateada com tudo o que aconteceu. Tyler e eu não
queremos conversar sobre ontem à noite. Não queremos falar sobre Dean.
Não soube mais nada do Dean desde que me deu as costas noite passada.
Não me surpreende. Duvido que algum dia ele vá falar comigo de novo,
muito menos logo na manhã seguinte. Tiffani também não deu mais sinal de
vida. Nenhuma mensagem se exibindo por ter contado a Dean a verdade.
Nenhuma provocação sádica. Só silêncio. Rachael foi a única que me
mandou uma mensagem, e com o único objetivo de exigir uma explicação
sobre o que houve, então vou encontrá-la para um café daqui a pouco. Estou
com medo.
Saindo da lavanderia depois de passar a meia hora mais infeliz do
mundo colocando roupa na secadora, volto para a cozinha e dou uma
olhada no relógio de parede. São quase onze e meia. Na sala, Tyler e Snake
estão conversando sobre o placar de algum jogo de futebol americano. O
cômodo ca meio vazio sem a mesa de centro. Levamos uma eternidade
para limpar tudo ontem de noite e agora não podemos andar na sala
descalços, para o caso de ainda ter cacos de vidro escondidos no carpete.
– Acho que eu já vou – anuncio.
Estou pronta já faz um tempo, mas me mantive ocupada até a hora de
sair. Não quero chegar cedo demais, mas também não quero me atrasar.
Tyler na mesma hora se levanta, com a testa franzida de preocupação. O
braço direito ainda está enfaixado. O vidro fez um estrago.
– Tem certeza de que não quer que eu vá?
– Acho que é melhor eu lidar com isso sozinha – respondo, abrindo um
sorriso agradecido pela oferta. É claro que eu adoraria que Tyler estivesse do
meu lado, mas sei que é só comigo que Rachael quer conversar. É entre mim
e ela. – Não devo demorar muito.
– Eden – diz Snake, estalando os dedos para chamar a minha atenção.
Então sorri. – Diz para a Rachael que vou passar no hotel hoje às oito.
Cruzo os braços e franzo o cenho, descon ada.
– Você sabe que ela vai embora amanhã, não sabe?
– Eden – repete ele, a voz severa enquanto balança a cabeça para mim.
Ele se endireita no sofá, me olhando e pousando as mãos no peito. – Você
não acredita em amor verdadeiro? Ele não conhece limites. A distância não
passa de um número.
Ele tenta manter a expressão séria, imprimindo sinceridade, mas não
consegue se segurar por muito tempo: as palavras mal saíram de seus lábios
e ele já cai na risada, baixando as mãos.
– Fala sério. – Revirando os olhos e dando risada, pego a chave na
bancada antes de ir para a porta.
Claro que lanço um último olhar para Tyler ao sair. Ele ainda está me
olhando, de testa franzida. Parece desamparado, como se quisesse vir
comigo para me apoiar e me ajudar a explicar a situação. Dou de ombros e
me forço a sorrir para ele, tentando tranquilizá-lo, embora esteja um pouco
a ita. Sem hesitar, saio do apartamento.
Desço de escada em vez de pegar o elevador, e enquanto percorro os
doze lances mando uma mensagem para Rachael avisando que estou a
caminho. Vou encontrá-la no Joe Coffee, bem na esquina. Só fui lá uma vez,
com Tyler, mas foi o primeiro lugar em que pensei, e lembro que o café era
ótimo. Rachael e eu concluímos que marcar no Lowell seria uma péssima
ideia, já que Dean não quer me ver nem pintada de ouro. Então vamos car
longe do hotel.
É quando saio do prédio que o nervosismo realmente começa a bater.
Não sei bem o que esperar de Rachael. Ela pode ser compreensiva. Pode
achar repulsivo. Pode estar furiosa. Tenho muito o que explicar, tanto sobre
Tyler quanto sobre Dean. Pelo tom das mensagens dela hoje de manhã,
tenho a impressão de que ela não está muito feliz com as decisões que tomei.
Respirando fundo ao entrar na Lexington Avenue, tento permanecer o
mais calma possível. O Joe Coffee ca logo à frente, mas paro e apoio a mão
na vitrine de uma loja de roupas para me equilibrar. Levo pelo menos um
minuto para desacelerar minha respiração e acalmar o estômago. Só quero
que tudo isso acabe o mais rápido possível. Só quero que todos saibam a
verdade e aceitem. Só quero pular esta parte de uma vez, essa prestação de
conta. Franzindo a testa, percebo que as próximas pessoas a descobrirem a
verdade vão ser nossos pais.
Quando chego ao Joe Coffee, já passa das onze e meia. O lugar é bem
pequeno, com poucas mesas. Entro na la e tiro cinco dólares do bolso de
trás da calça jeans. Olhando para a nota, dou um suspiro. Não é a mesma,
mas, ainda assim, é o su ciente para trazer à tona a lembrança. Devo
guardar a nota de cinco dólares que dividi com Dean pelos últimos dois
anos? A nota que ele, imprudente, rabiscou toda? Ou deveria simplesmente
gastar logo? Jogar fora? Doar para um sem-teto? Tenho certeza de que um
morador de rua não se importaria caso a nota estivesse um pouco
maltratada.
A la avança e, enquanto espero, acabo observando os potes de biscoitos
alinhados no balcão. Eu me pergunto o que Dean está fazendo agora. Como
está se sentindo. Se está bem. Duvido que esteja. Ele parecia destruído
ontem à noite. Dava para ouvir o sofrimento na voz, ver em seus olhos.
Impossível estar bem.
Minha garganta está seca quando chega a minha vez, então faço o meu
pedido para o barista com a voz rouca. Evito minha dose extra de caramelo
de sempre. Engorda demais. Engolindo em seco, tamborilo no balcão
enquanto espero, dando um passo para o lado. Bem que eu gostaria de
conseguir ignorar meus pensamentos. Não quero pensar em Dean. Não
quero pensar em como sou desprezível e em como me sinto péssima.
Não demora muito para que meu latte que pronto, bem quente como
pedi, e vou até uma mesa vazia junto às janelas. Coloco o café na mesa e
puxo uma cadeira, me sentando devagar e observando a avenida do lado de
fora. Neste momento, eu poderia estar na Re nery. Poderia estar olhando
para o Santa Monica Boulevard. Poderia estar em casa. Por um breve
momento, tenho a sensação de estar lá. Mas então lembro que não estou na
Re nery, que não estou em Santa Monica. Ainda estou em Nova York. Parte
de mim sente saudades de casa. Parte de mim ca feliz.
O café tem um ambiente descontraído, exatamente o contrário de como
me sinto. Meu coração está disparado e meu olhar repousa no meu re exo
fraco na vitrine. No momento, não tenho orgulho de mim mesma. Há dois
anos faço tudo errado. Fiz besteira, e agora estou me perguntando se valeu a
pena.
Sem pensar, envolvo a caneca com tanta força que acabo queimando as
mãos. Afasto-as depressa, saindo do transe. Sentindo-me um pouco vazia,
eu as examino por um tempo, em especial os vincos das palmas.
– Eden.
Meus olhos encontram Rachael. Ela me encara com a testa franzida e os
lábios contraídos. Puxa a outra cadeira e se senta, colocando a bolsa com
cuidado na mesa.
Eu a observo enquanto ela olha pela vitrine por um tempo. O clima não
está nada bom. Nenhuma de nós está disposta a falar primeiro, e o silêncio é
pesado. Sinto um nó na garganta, mas sei que preciso dizer alguma coisa,
então pego a caneca e tomo um longo gole do meu latte. Colocando-o de
volta na mesa, abro a boca para falar, mas Rachael olha para mim
exatamente ao mesmo tempo e, surpreendentemente, se pronuncia
primeiro.
– Eu não acredito que você fez isso – diz ela, entre dentes, a voz baixa e
séria.
– Rachael... – Eu tento pensar no que dizer, em como me explicar, mas
ela me interrompe antes que eu tenha a chance de continuar:
– Não, Eden. Não acredito que você traiu o Dean. E com o Tyler. O
Tyler! – Ela bufa, engolindo em seco, balançando a cabeça com nojo e se
afastando um pouco de mim.
– Por favor, só me escuta – imploro, olhando ao redor para garantir que
ninguém esteja ouvindo. Pre ro que os outros clientes não quem sabendo
que sou uma pessoa horrível.
– Você sabe quanto tempo levei para acalmar o Dean ontem à noite?
Tem ideia? – Rachael estreita os olhos para mim, a expressão irritada e o
tom cortante. – Porque, por três horas seguidas, eu tive que ver um dos
meus melhores amigos chorar. Tem noção da merda que isso foi? Ficar
vendo Dean chorar porque você achou que não tinha problema trair seu
namorado?
– Eu não achei isso – murmuro.
Virando o rosto, apoio os cotovelos na mesa e escondo o rosto nas mãos.
Solto o ar com força, de olhos fechados. Estou com tanta vergonha que não
consigo encará-la. Não posso justi car minhas decisões e ações, mas posso
pelo menos tentar explicar as razões por trás de tudo isso, e é exatamente o
que faço.
– Eu me envolvi com o Tyler antes de começar a sair com o Dean –
admito, a voz abafada pelas mãos. Sinto um nó se formar na garganta. –
Tudo isso começou dois anos atrás, quando conheci todos vocês. Naquela
época, era impossível que as coisas com ele fossem adiante, então desisti
dele. Não porque eu quisesse, mas porque precisei.
Ainda é esquisito conversar com as pessoas sobre a minha relação com
Tyler. Ser tão aberta sobre isso... É uma sensação estranha. Acabei muito
acostumada a manter tudo em segredo. Abaixo mais a cabeça, as palavras
ainda murmuradas, baixas.
– E então percebi que também gostava do Dean. Mas aquela alguma
coisa com o Tyler nunca morreu. Eu passei um ano e meio ignorando isso,
Rachael. Tentei tanto ignorar, juro, eu tentei. – Engolindo o nó na garganta,
passo as mãos pelo cabelo e devagar levanto a cabeça, olhando de soslaio
para Rachael. Ela está ouvindo com atenção. – Mas então eu vim para cá e...
percebi que eu realmente amo o Tyler. E que quero car com ele. A gente ia
contar para o Dean hoje, mas Tiffani foi mais rápida.
Rachael não diz nada por um tempo. Só olha pela janela e depois para
mim, os lábios tremendo de vez em quando.
– Não acredito que você ainda tem coragem de dizer isso.
– Dizer o quê?
– Que ama o Tyler. – Ela estremece quando as palavras saem de seus
lábios. – Que bizarro, Eden.
Solto um gemido baixo e pego meu latte de novo, tomando um longo
gole para ganhar tempo enquanto tento pensar em uma explicação lógica.
Imagino que seja difícil para alguém que não tenha vivido exatamente a
mesma situação e as mesmas circunstâncias entender.
– Deixa eu contextualizar para você. – Eu me inclino para a frente e co
na beira da cadeira, encarando-a ao colocar minha caneca de volta na mesa.
– Imagina que seus pais são divorciados. Então imagina que seu pai se casa,
digamos... com a mãe do Stephen.
Rachael tenta controlar o rubor que toma suas bochechas, mordendo o
lábio. Usar Stephen para explicar foi a única coisa que me veio à cabeça. A
única coisa que faria sentido para ela.
– Então isso signi ca que o Stephen se tornaria seu irmão postiço. Mas
você o veria mesmo como irmão? Não tem relação de sangue – esclareço,
dando bastante ênfase, e depois cruzo os braços. – Ele literalmente seria um
estranho qualquer que você seria forçada a considerar irmão. Você não pôde
evitar se apaixonar por ele, certo? E se essa pessoa for a pessoa e a única
coisa que impedisse vocês de carem juntos é a maldita certidão de
casamento entre o seu pai e a mãe dele? Porque foi isso que aconteceu
comigo e com o Tyler, e é uma merda, Rachael. É uma merda mesmo.
Solto um longo suspiro e balanço a cabeça, triste pela situação toda. Se o
meu pai e Ella não tivessem se casado, não teria problema nenhum me
apaixonar pelo Tyler. Mas eles são casados, então isso é considerado
inaceitável. Fixo os olhos na calçada do lado de fora e afundo na cadeira.
– Eu penso em vocês dois como irmãos faz anos – diz Rachael
calmamente. – Então é claro que estou achando esquisito. Por que você não
disse nada antes? Eu sou sua melhor amiga. Por que você não me contou?
– Eu estava com medo – admito. Ainda estou, só não tanto quanto antes.
Pensar em manter meu relacionamento com Tyler em segredo para sempre
me assusta mais do que contar para os nossos pais. – E com vergonha. A
sensação era a de que estava fazendo algo errado, mas superei isso agora. Sei
que tudo bem sentir o que sinto por ele.
Olho de relance para Rachael, tentando avaliar o que ela está pensando,
e co aliviada ao descobrir que ela não parece mais tão zangada quanto
antes. Só está estarrecida, como se houvesse uma centena de perguntas que
gostaria de fazer. Então ela começa:
– Seu pai e Ella sabem? Sua mãe?
– Vamos contar a eles quando chegarmos em casa – respondo.
Tento não me deter nesse pensamento por muito tempo. Talvez eu não
esteja mais tão nervosa ou apreensiva com a situação, mas não signi ca que
essa parte não me amedronta. Se começar a pensar demais, vou acabar
imaginando tudo que pode dar errado.
– E aí? – insiste Rachael, inclinando a cabeça. Nossas vozes passaram de
sussurros para um tom relativamente normal. A agitação, o vapor e o som
das máquinas de café não nos dão outra escolha. – Vocês vão car juntos?
– Não sei.
Rachael franze a testa e joga as mãos para o alto, frustrada.
– Então para que tudo isso? Para que ferrar com a vida do Dean desse
jeito se você e o Tyler não vão car juntos? – A cadeira dela arranha o chão
quando ela se afasta da mesa e se levanta. – Sinceramente, não sei no que
você está pensando – diz ela, pegando a bolsa da mesa e se afastando alguns
passos de mim. – O Dean te ama. Você sabe disso. Ele foi ótimo para você
desde o primeiro dia, mas você vai escolher o Tyler? O que vê nele? Sabe o
que dizem sobre pessoas que sofreram abuso... – murmura, se
encaminhando para a porta.
Um pessoal sentado na mesa comum atrás olha, surpreso com o tema da
conversa. Rachael nem se importa, só dá de ombros e abre a porta ao
completar:
– Elas acabam se tornando abusivas também. Não venha rastejando de
volta para o Dean quando o Tyler se tornar tóxico.
Largo as mãos no colo, onde Rachael não percebe que estão cerradas.
Trinco os dentes, me forçando a não explodir. Até engulo o suspiro de
choque que subiu pela minha garganta. Sei muito bem que Rachael nunca
gostou de verdade do Tyler, apesar de serem do mesmo grupo de amigos,
mas isso não lhe dá o direito de ser tão grosseira e venenosa com ele.
Rachael não conhece Tyler como eu. Não entende quanto ele se esforçou
para consertar as coisas, para melhorar. Tentando manter a calma, seguro
meu latte de novo, me virando para encarar a janela mais uma vez.
– Tenha um bom voo para casa amanhã – digo, séria. Eu me recuso a
ouvir a opinião dela sobre Tyler.
Não ligo para o que ela pensa dele e não ligo se ela aceita nosso
relacionamento ou não. Realmente não me importo mais. Cansei.
– A propósito – acrescento, cruzando as pernas e pegando meu café –,
Stephen mandou avisar que vai te buscar às oito.
Um golpe de ar me atinge quando a porta do Joe Coffee se fecha na
minha cara. Rachael desaparece do lado de fora em questão de segundos.
Deixo escapar um suspiro que não percebi que estava prendendo, baixo o
olhar para a mesa e me concentro no vapor que sobe do meu latte.
Não consigo nem mensurar quanto estou aliviada por saber que Rachael,
Dean e Tiffani estão voltando para casa amanhã. Os últimos dias passaram
voando, um borrão doloroso, e co feliz por não precisar mais lidar com
eles. Pelo menos até semana que vem. Tyler e eu também voltamos para casa
em apenas quatro dias, na quarta-feira à noite. Talvez até lá a raiva e a
descrença de Rachael tenham diminuído, e talvez então eu consiga
conversar com ela de novo. Talvez até lá ela já tenha me perdoado. Da
mesma forma, talvez eu a perdoe pelo comentário sobre o Tyler. Talvez,
apenas talvez, ela nalmente entenda que eu não quis que nada disso
acontecesse.
Fico no Joe Coffee mais um tempo. É bom estar sozinha de novo. Tão
sozinha quanto é possível em Nova York. Traço círculos no tampo de
madeira. Volto ao balcão para pedir um segundo latte, sem me sentir
culpada por isso. E peço uma dose de caramelo extra. Observo pela janela as
pessoas que andam pela Lexington Avenue. Tiro uns minutos para
responder algumas mensagens da minha mãe e da Ella, omitindo o fato de
que não estou mais namorando Dean. Minha mãe ama o Dean. Ella
também. O cara mais doce do mundo, diriam.
Quando nalmente olho para o relógio, percebo que passei quase duas
horas aqui. São quase uma e meia da tarde. Tyler deve estar se perguntando
onde estou, porque, embora nosso relacionamento seja complicado, sem
dúvida não leva duas horas para ser explicado.
Então volto para o apartamento, meu ritmo lento e fora de sincronia
com o restante da cidade. Ando como se não tivesse um propósito, porque
não tenho mesmo. Só estou caminhando pela Lexington Avenue, entrando
na 74th Street, me sentindo... Bem, não sinto nada. É isso mesmo. Não
me sinto vazia, desanimada ou triste, muito menos feliz ou empolgada. Só
não sinto nada. Estou entorpecida.
Depois de subir os doze lances de escada até o apartamento de Tyler,
metade de mim está pronta para cair na cama e dormir por mil anos. A
outra metade? A outra metade está pronta para beijar Tyler sem parar.
Quando destranco e abro a porta, Tyler é a primeira pessoa a me receber.
Ele vem andando da cozinha com uma faca de manteiga na mão, a testa
franzida de preocupação, exatamente como estava antes de eu sair. Duvido
muito que ele tenha relaxado desde o momento em que pisei fora de casa.
– Como foi? – pergunta ele imediatamente, fechando a porta atrás de
mim depois que entro na sala, e ca parado esperando minha resposta.
– Vamos colocar desta maneira... – murmuro, contraindo os lábios e
franzindo a testa. – Quando chegarmos em casa, acho que não teremos
muitos amigos.
As sobrancelhas de Tyler se erguem devagar.
– Nada bem, então.
Inclino a cabeça para o lado e observo Snake e Emily. Os dois estão na
cozinha, discutindo, com pratos nas mãos e agitando os talheres. Neste
apartamento, fazer o almoço é sempre uma tarefa conjunta e nada simples.
Olho para Tyler e suspiro.
– Juro, é melhor você valer a pena. É melhor valer a pena a briga com o
Dean e com a Rachael.
Quase em câmera lenta, os cantos dos lábios de Tyler se curvam no
menor dos sorrisos. Ele dá um passo na minha direção, os olhos faiscando.
– Não posso dar certeza – responde ele calmamente –, mas realmente
espero que sim.
Seu sorriso se amplia, espelhando o meu, nossas expressões se
iluminando. Com cuidado, ele segura meu rosto com a mão e se inclina para
me beijar.
– Ei! – grita Snake da cozinha.
É tão repentino que Tyler e eu paramos na mesma hora, nos afastando
antes que nossos lábios possam se tocar. Nós nos viramos para Snake, e
descobrimos que ele e Emily estão nos observando por trás do balcão da
cozinha. Os dois estão sorrindo, achando graça da cena. Com um prato na
mão, Snake aponta para a gente.
– Nada de beijo imoral na sala de estar!
E, pela primeira vez em tempos, nós quatro rimos.
29

Quatro dias depois, estou sofrendo para aceitar que meu tempo em Nova
York chegou ao m. Passei o ano inteiro contando os dias até chegar aqui, e
agora a experiência que eu tanto queria acabou. Minhas seis semanas se
passaram. O ano de Tyler aqui terminou. Está na hora de voltar para Santa
Monica, para a praia, para o boulevard e para o píer. Está na hora de ir para
casa.
Ao empurrar minha mala para a sala, começo a me sentir nostálgica. É
verdade o que as pessoas dizem sobre Nova York – é incrível, mesmo. Vou
sentir saudade de acordar com o som do trânsito lá fora. Vou sentir saudade
do uxo constante de pessoas nas calçadas. Vou sentir saudade de andar
nesse metrô maldito. Do Central Park. Do zumbido constante. Do beisebol.
Dos sotaques. Acho que vou sentir saudade de tudo nesta cidade e agora
compreendo por que ela é tão icônica.
– Pronta? – ouço Tyler perguntar ao parar atrás de mim.
Olho para ele e suspiro, melancólica, com um sorriso triste.
– Acho que sim
Ele parece mais jovem hoje, principalmente porque decidiu tirar a barba,
e agora seu rosto está completamente liso, então ele en m está com cara de
dezenove anos. Atravessando a sala, joga a bolsa de viagem preta no sofá e se
vira para mim, observando minha mala. Está completamente abarrotada.
Talvez eu tenha comprado muita coisa durante minha estadia na cidade, ou
talvez eu tenha jogado tudo dentro de qualquer jeito, mas, seja o que for,
está tão estufada que começo a me preocupar com excesso de bagagem.
Levei cinco minutos para fechá-la, e ainda assim ela ameaça abrir a qualquer
momento.
– Sabe, você pode despachar metade das suas coisas junto com as
minhas – comenta Tyler, nalmente dando uma risada. Ele para, vira minha
mala no chão e se abaixa, abrindo-a. Cruzo os braços e co observando
enquanto ele pega uma braçada das minhas coisas e volta para a sala,
en ando tudo na própria mala. – Tenta fechar agora.
Revirando os olhos, tento fechar a mala de novo, e desta vez é muito
mais fácil. Eu me levanto e sorrio e então corro para o quarto dele pela
última vez para pegar meus tênis e a mochila. Os dois estão largados no
chão, mas antes de pegá-los dou uma olhada no cômodo. Está
completamente vazio. Nenhum pôster na parede. Nada no armário. O
quarto geralmente tem o cheiro do Tyler, mas hoje não. O carro de Tyler e a
maioria de seus pertences foram enviados para o outro lado do país três dias
atrás.
Mal paramos no apartamento nesse tempo. Ficamos ocupados demais
tentando preencher nossos últimos momentos na cidade com o máximo de
lembranças possível: revisitando as principais atrações turísticas mais uma
vez e procurando cafés que ainda não tínhamos experimentado, jogando
beisebol no Central Park de novo e passando um dia inteiro cruzando os
outros quatro distritos. Ontem à noite, Tyler até me levou ao Pietrasanta de
novo, para fechar nosso verão exatamente como começamos, e não poderia
ter sido mais perfeito.
Calçando meus All Stars e levando a mochila até a sala, olho para Tyler e
franzo a testa, melancólica. Antes sorrindo, ele agora está intrigado.
– Não quero ir para casa – admito.
Tyler não responde logo de cara, só me observa com a cabeça inclinada
para o lado, os olhos faiscando.
– Não está animada para contar ao seu pai que está perdidamente
apaixonada por mim? – pergunta ele por m, tentando ao máximo conter o
riso.
– Ah, tenho certeza de que ele vai car muito animado. – Minha voz é
puro sarcasmo, mas estou sorrindo. – Sabe, é que você é muito encantador.
Tyler ri e balança a cabeça. Os dois nunca se deram muito bem, então
acho que meu pai não vai car muito animado por eu ter me apaixonado
logo pelo Tyler. Isso se antes de tudo ele conseguir aceitar um
relacionamento entre irmãos postiços.
A porta do quarto do Snake se abre, e ele coloca a cabeça para fora, se
encostando no batente.
– Vocês ainda estão aqui?
– Achou que a gente ia embora sem se despedir, Stephen Rivera? –
retruca Tyler, com um olhar desa ador, indo até seu colega de quarto.
– Meu Deus, como estou feliz de me livrar de você – murmura Snake,
sorrindo enquanto eles dão um daqueles meio abraços com tapinhas nas
costas.
Parece ontem de manhã de novo, quando nós três nos despedimos de
Emily. Ela partiu pouco depois das cinco da manhã, com todo mundo ainda
meio dormindo. Estava triste. Prometemos que manteríamos contato, até
brincamos sobre uma reunião anual. Esse tipo de despedida é o mais
assustador. Quando a gente sabe que as chances de um reencontro são muito
pequenas. A esta altura Emily já está em Londres de novo e, hoje à noite,
Tyler e eu estaremos de volta a Santa Monica. Snake é o único que ca em
Nova York, com seu último ano de faculdade ainda pela frente.
Sinceramente, acho que eu não poderia ter pedido a companhia de duas
pessoas melhores para curtir minha viagem a Nova York e continuo mais
agradecida do que nunca por terem me recebido tão bem. Vou sentir muita
saudade dos dois.
Tyler e Snake cam um tempo relembrando o ano que passou, rindo e
trocando insultos de brincadeira antes de soltarem um suspiro. Snake até me
puxa para um abraço. Ele diz que não sou tão chata assim, e digo que ele
também não é dos piores. Trocamos um sorriso antes que ele invente uma
última piada ruim sobre Portland, e então Tyler e eu pegamos nossas
bagagens e saímos do apartamento pela última vez.
São quase oito da noite quando chegamos a Los Angeles. Estamos no LAX, é
claro, e passamos uns bons vinte minutos esperando na esteira de bagagens
até que as nossas malas apareçam por último. Quem mandou sermos os
primeiros a fazer check-in em Newark? E, embora tenha cado irritado e
impaciente, Tyler consegue voltar a se animar quando atravessamos o nível
de desembarque do Terminal 6.
Não demoramos muito para avistar Jamie. É difícil não vê-lo. Ele aparece
do nada e vem bem na nossa direção, a mão erguida para chamar nossa
atenção, um sorriso imenso estampado no rosto. Dá um quentinho no
coração ver Jamie tão feliz em nos receber, e por um momento voltar para
casa não parece tão ruim assim.
– Olha ele lá – digo para Tyler, mas ele mal presta atenção em mim. Está
totalmente focado no irmão, com um brilho no olhar.
Pouco depois, Jamie nalmente nos alcança, e Tyler imediatamente o
puxa para um abraço. Recuo um passo ou dois, admirando a cena. Depois
de passar seis semanas com Tyler, esqueci que o resto da nossa família não o
vê há mais de um ano.
Tyler se afasta depois de um tempo, apoiando as mãos nos ombros de
Jamie e o observando, perplexo.
– Cara, mal estou te reconhecendo! – diz Tyler com uma risada. –
Quando você cou tão alto? E o que você fez com o seu cabelo?
Jamie dá de ombros, um pouco envergonhado, passando a mão sem jeito
no cabelo. Para ser sincera, não vejo uma mudança tão drástica, em especial
porque não passei tanto tempo longe, mas Jamie cresceu mesmo vários
centímetros e cortou o cabelo no ano passado. Está curtinho faz alguns
meses, e daqui a pouco ele já vai estar do tamanho de Tyler. Os dois são
muito mais altos que eu.
– Ah, nada de mais – diz Jamie, um pouco constrangido. Ele desvia os
olhos para mim. – Como foi Nova York?
– Incrível – respondo. Eu me seguro para não trocar um olhar revelador
com Tyler e, em vez disso, mordo o lábio e mantenho a atenção em Jamie. –
Você conseguiu chegar bem?
– Consegui... mas demorei. – Ele puxa as chaves do carro do bolso de
trás. – Acabei indo para o andar de baixo primeiro. Finalmente encontrei o
caminho até o estacionamento. As instruções da mamãe não foram tão boas.
– Ei – diz Tyler, pulando para a frente. Ele pega as chaves da mão de
Jamie e as ergue, examinando-as antes de encarar o irmão. – Ela te deu o
Range Rover? Que história é essa? A mamãe nunca me deixou dirigir o
Rover quando eu tinha a sua idade. Ela não comprou aquele BMW para
você? Cadê?
– Ah, bati com o para-choque dianteiro na semana passada – admite
Jamie, baixando os olhos para o chão do aeroporto com as bochechas
coradas. – Bati num poste. Está na o cina do Hugh Carter agora, então você
pode dizer para o Dean caprichar nele para mim e depois me dar um
desconto – brinca, mas nem Tyler nem eu rimos.
Trocamos um olhar rápido, sem graça. Tyler passa a mão pelo cabelo e
suspira enquanto fazem um anúncio pelo sistema de som do aeroporto. Isso
nos permite car em silêncio por um momento, sem que Jamie estranhe.
Talvez fosse bom mencionar que Dean não quer mais papo comigo e com
Tyler e que provavelmente ele ou o pai não vão mais oferecer descontos para
a nossa família na o cina, mas não parece a hora certa de contar isso.
– Vamos nessa – diz Tyler, ajeitando a alça da bolsa no ombro e
empurrando Jamie para a frente, indicando a saída com a cabeça. – Quero
ver essas suas desabilidades de direção.
– Eu dirijo melhor que você – murmura Jamie, mas ainda está sorrindo
ao pegar de volta as chaves de Tyler.
Ele gira o molho no dedo indicador, e percebo que tem uma foto presa à
coleção de chaveiros que Ella juntou ao longo dos anos. É uma foto pequena,
de Tyler, Jamie e Chase quando eram bem mais novos. Aposto que Ella mal
pode esperar para ver o lho mais velho. Até consigo imaginá-la,
provavelmente andando de um lado para outro em casa, aguardando.
Enquanto Tyler e Jamie seguem na frente, o braço de Tyler sobre os
ombros do irmão, empurro minha mala atrás deles. Respiro fundo devagar e
me vejo dando um sorriso quase triste. É difícil acreditar que Tyler cou um
ano inteiro longe e, sinceramente, não tenho muita certeza de como
aguentou sozinho por tanto tempo. Claro, ele pode ter voltado a fumar
maconha no ano passado, mas parou. É reconfortante saber que está de
volta. Que está em casa.
– Ei, eu já bati num poste? – pergunta Tyler para Jamie, o tom leve e
brincalhão. – Nunca, porque eu dirijo melhor.
– Sério? – pergunta Jamie com ar de sarcasmo. – Porque seu carro
chegou ontem à noite e de nitivamente você precisa de pneus novos. Que
merda você fez com eles?
– Pergunta para a Eden – murmura Tyler, olhando para mim por cima
do ombro.
Ele sorri, e eu faço cara feia, empurrando-o de leve.
Saímos do terminal, atravessando as plataformas que dão no
estacionamento, seguindo Jamie em direção às profundezas do nível inferior
até o carro de Ella. Está estacionado em uma vaga apertada, e Tyler
imediatamente estala a língua em desaprovação quando Jamie abre o porta-
malas.
– O quê? – reclama Jamie, cruzando os braços, agitado, parando ao lado
da porta do motorista.
– Desabilidades de estacionamento – comenta Tyler, jogando a bolsa no
porta-malas, e depois se virando para pegar a minha mala, ainda com um
sorriso no rosto.
A mala continua pesando uma tonelada, e eu mal consegui tirá-la
sozinha da esteira de bagagens sem a ajuda do Tyler, quanto mais levantá-la,
então agradeço e me sento no banco traseiro.
Tyler bate o porta-malas com um baque antes que ele e Jamie entrem no
carro, trocando vários comentários pouco elogiosos enquanto Jamie liga o
motor e começa a difícil tarefa de sair do aeroporto. Ele foi incrível por se
oferecer para nos buscar, porque eu de nitivamente teria recusado a tarefa.
Muitas saídas confusas. Fácil demais acabar na avenida errada.
No entanto, com a ajuda de Tyler, Jamie consegue nos levar até o Lincoln
Boulevard, sentido norte, direto para Santa Monica. É a rota mais fácil de
volta à cidade. Relaxo no caminho, largada no banco traseiro de couro
olhando pela janela. É estranho observar o horizonte. É estranho não estar
rodeada de edifícios e arranha-céus. O sol já começou a se pôr lentamente, o
céu assumiu um lindo tom de laranja. O rádio toca baixinho ao fundo,
enquanto Tyler e Jamie passam a maior parte do tempo conversando e
rindo, colocando em dia um ano de histórias. Eu continuo sem participar da
conversa. Ajusto o ar-condicionado da parte de trás do carro para que o ar
venha direto para o meu rosto, então cruzo as pernas e fecho os olhos,
apoiando a cabeça na janela. Tão tranquilo. Tão relaxado. Tão Califórnia.
Vinte minutos depois, quando chegamos a Santa Monica, co atenta
quando ouço Jamie dizer:
– Preciso te contar uma coisa. Mas depois.
– Por que não agora? – pergunta Tyler.
Devagar, entreabro os olhos, sem me mexer um centímetro, e co
ouvindo.
– Ah – diz Jamie, olhando para mim pelo retrovisor. Fecho os olhos de
novo, torcendo para ele achar que peguei no sono. – A Eden está aqui.
– E...? – retruca Tyler. Seu tom não é mais gentil, e sim irritado. – A não
ser que você tenha engravidado aquela sua namorada ou algo do tipo,
qualquer coisa que você precise me contar pode contar agora. O que foi?
Quando espio de novo, noto que Jamie virou para a estrada, as mãos no
volante. Ele ca quieto por um tempo, a postura rígida. Tyler se inclina para
encará-lo e estreita os olhos, esperando. Bem devagar, Jamie dá um suspiro
profundo, cabisbaixo.
– Só vou te contar isso porque a mamãe não queria contar, mas acho que
você deveria saber – diz ele, parecendo nervoso, e ca em silêncio por um
longo momento. Por m, olha para Tyler e diz as palavras que eu menos
esperava ouvir: – O papai saiu.
– O quê? – pergunta Tyler, boquiaberto.
– Ele saiu faz algumas semanas – diz Jamie, com a voz fraca.
Quando olho pelo retrovisor, vejo Jamie franzindo a testa. Tyler, por
outro lado, empalidece e se recosta no banco, olhando xamente para a
frente tentando processar a notícia. O rádio ainda está ligado, uma música
pop engraçadinha deslocada na atmosfera tensa do carro.
Agora abro os olhos de vez, me empertigando. Também estou um pouco
chocada. Sempre soube que o pai deles estava na prisão. Sempre o imaginei
trancado em uma cela. Mas nunca me passou pela cabeça que um dia ele
sairia, porque essa é a parte em que ninguém pensa. Ninguém pensa naquela
pessoa de volta às ruas. Ninguém pensa naquela pessoa com o livre-arbítrio
para fazer o que quiser de novo. Ninguém pensa naquela pessoa vivendo a
vida de novo. Essa é a parte assustadora. Essa é a parte em que ninguém
quer pensar.
– Já se passaram sete anos? – pergunta Tyler, quase incrédulo, se
erguendo no banco, seu corpo tenso. Pressionando o painel, ele solta o cinto
de segurança e se vira para Jamie, com os olhos ferozes, irritado. – Eu pensei
que tinham sido só seis – retruca. – Foram só seis anos!
– Foram sete – murmura Jamie, olhando de Tyler para a estrada. Ele
tenta se concentrar na direção, mas a crescente fúria de Tyler está
di cultando. – A mamãe não tem me contado muita coisa – continua ele. –
Mas você se lembra do Wesley Meyer? Ele ia lá em casa tantas vezes que a
gente chamava o cara de tio Wes. – Ele olha de novo para Tyler para avaliar
sua expressão, só que o irmão mais velho simplesmente trinca os dentes em
resposta. – Bem, a mamãe acha que o papai está na casa dele.
– Esse babaca está na cidade? – sussurra Tyler, desligando o rádio na
hora. O carro ca em silêncio, e o único barulho é o do motor enquanto
seguimos por Santa Monica, atravessando a Pico Boulevard. – Ele está aqui?
No banco de trás, me sinto impotente. Não há nada que eu possa fazer
nessa situação, mas sei que Tyler está cando mais irritado a cada segundo
que passa, então me estico e coloco a mão no ombro dele, apertando com
força para que ele lembre que estou aqui.
– Vamos para lá – ordena Tyler do nada, socando o painel duas vezes e
encarando Jamie com um olhar rme e levemente ameaçador.
– O quê?
– Para a casa do Wesley Meyer. Agora.
– Tyler... – Jamie para e balança a cabeça. – Eu não vou te levar para lá.
– Tudo bem, então para o carro. – Inclinando o corpo para longe de
Jamie, em direção à porta, ele segura a maçaneta e olha para o irmão, ainda
transtornado, esperando.
– Não vou parar o carro – insiste Jamie, segurando o volante com ainda
mais força.
– Eu não estou brincando, Jay! – rosna Tyler, espalmando a mão no
painel mais uma vez. Aquilo assusta Jamie, que se encolhe, fazendo o carro
desviar ligeiramente para a direita e quase subir o meio- o. Mesmo que o
carro da Ella chegue em casa sem arranhões, tenho certeza de que, no
mínimo, o painel vai car meio amassado. – Para a porra do carro.
Gemendo, Jamie por m cede. Ele para na calçada, deixa o motor ligado,
abre a porta do carro e sai.
– Você sabe que essa ideia é idiota – murmura, chutando o asfalto e
dando a volta no veículo.
Tyler está prestes a abrir a porta do carona, mas, antes que ele saia, puxo
seu ombro contra o encosto do banco para impedi-lo de se mover. Soltando
o cinto de segurança, eu me inclino para a frente.
– O que está fazendo, Tyler? – pergunto.
Agora que posso olhar nos olhos dele, vejo quão furioso está. Parte de
mim não o culpa pela raiva, mas outra parte também está se perguntando o
que se passa na cabeça dele. Sei que Tyler pode ser um pouco irracional e
co ainda mais preocupada quando reparo no olhar desnorteado dele e no
maxilar trincado. Ele se recusa a me responder, só afasta minha mão e abre a
porta do carro, pisando forte na calçada.
– Tyler! – grito, mas ele já saiu, indo para o lado do motorista.
Jamie se senta no banco do passageiro, bate a porta e cruza os braços,
derrotado. Franzo a testa e me recosto de novo, retorcendo as mãos. Não
tenho certeza do que devo fazer.
Tyler se senta ao volante, levando um momento para ajustar o câmbio
automático, e depois dá a partida. O carro de Ella ronca pela Ninth Street,
alimentado pela fúria de Tyler, atravessando a cidade no sentido norte.
Tento chamar sua atenção pelo espelho retrovisor algumas vezes, mas ele
nem olha.
– Era por isso que a mamãe não queria te contar – diz Jamie, levantando
as mãos, exasperado, quando Tyler passa direto por uma placa pedindo que
os motoristas parem. – Ela sabia que você ia perder a cabeça.
Tyler não responde ao irmão, assim como não respondeu a mim, e acho
que Jamie e eu já percebemos que ele não vai falar mais nada. Desistimos
também. Só trocamos olhares preocupados e damos de ombros enquanto
Tyler dirige. Nós dois sabemos exatamente para onde ele está indo, mas não
há nada que possamos fazer no momento. Ele ca tamborilando os
indicadores no volante enquanto a raiva continua a crescer dentro de si.
Em menos de dez minutos o carro segue pela Alta Avenue. Tyler olha de
um lado para outro, atento. Ele freia no cruzamento com a 25th Street, o
olhar xo em uma casa especí ca diante de nós, na esquina, com tijolos
brancos e telhas vermelhas. É a casa de Wesley Meyer, quem quer que ele
seja, portanto também a atual residência do pai de Tyler e Jamie. Claro, essa
é a única razão para estarmos aqui. Por causa do pai deles.
Tyler desliga o motor, nos deixando em silêncio. Ele ca encarando a
casa sem dizer nada, a respiração pesada, a mandíbula tensa outra vez. É
como se estivesse discutindo mentalmente consigo mesmo se deve ou não
sair do carro.
– E aí? – pergunta Jamie, interrompendo o clima tenso. – Você vai bater
na porta e dizer que o odeia? Dar um soco nele? Acabar com a raça dele?
Tyler trinca os dentes e inclina ainda mais o rosto para a janela, o mais
longe possível do olhar severo de Jamie.
– Você não entende – sussurra, fazendo o vidro embaçar.
– Ei – retruca Jamie na hora, balançando a cabeça, apesar de Tyler nem
estar olhando para ele. – Acha que eu também não quero quebrar a cara
dele? Por sua causa? Mas, por favor, cara. Pensa direito. Para quê? É uma
ideia idiota, e só vai fazer a mamãe ter um colapso nervoso quando souber
que você chegou perto dele.
O que Jamie está falando faz muito sentido, mas pelo visto tem o efeito
oposto, porque Tyler sai do carro, bem na hora que vou tentar falar alguma
coisa para ajudar. Saio também, quase que por re exo, então dou a volta no
veículo e paro na frente dele, no meio do gramado. Empurro o peito dele
com força, fazendo-o dar um passo para trás.
– Jamie tem razão. Você não quer fazer isso.
– Quero, sim.
Ele ainda está com aquele olhar aterrorizante que não estou mais
acostumada a ver. Dois anos atrás, era comum. Ele não é mais assim. Tyler
perdeu aquela hostilidade faz um tempo, substituída por toda a positividade
que surgiu em sua vida quando começou a usar o passado como ferramenta
para ajudar os outros. No entanto, agora parece que tudo isso acabou. A
raiva está de volta. O garoto com a expressão endurecida e os olhos ferozes,
que passava todos os segundos dos seus dias odiando o pai, está parado na
minha frente agora.
– Por que eu não deveria fazer isso? – pergunta ele.
Como naquela época, me esforço para ajudá-lo a fazer o melhor para ele.
Agora, isso signi ca fugir desta casa antes que se arrependa de algo.
– Porque você está bem há quase dois anos – sussurro, ainda com as
mãos no seu peito, sentindo seu coração batendo forte e rápido. – Por favor,
não se envolva em toda essa confusão de novo. Olha como isso te deixou
antes, Tyler. Só ca longe dele.
– Eden – diz Tyler lentamente por entre os dentes. Estendendo a mão,
ele segura as minhas, mantendo-as no seu peito. Seu coração parece disparar
ainda mais enquanto seus olhos se abrandam por um breve momento. –
Quero que ele me veja agora. Só quero parar na frente dele pela primeira vez
em sete anos. Preciso que ele saiba que errou, porque não pode mais fazer
parte da nossa vida. Nem da minha, nem da do Jamie, do Chase e da minha
mãe. Estamos todos perfeitamente bem sem ele agora. Quero que ele saiba
disso. – Abaixando a cabeça, ele suspira e aperta minhas mãos. Depois de
um momento, olha para mim. – E talvez dar um ou dois socos nele.
– Eu entendo – digo, mantendo a voz baixa. Temo que, se falarmos mais
alto, o pai dele possa nos ouvir lá de dentro. Se é que ele está mesmo aqui. –
Entendo que você queira enfrentá-lo. Não julgo. Mas, Tyler, pensa bem. O
que vai acontecer se você perder o controle no segundo em que vir seu pai
de novo? Você já está bravo, então é melhor deixar pra lá. Pelo menos por
hoje. Você pode lidar com o seu pai em outro momento. Você precisa
assimilar tudo isso primeiro, certo?
Tyler olha por cima do meu ombro em direção à casa por um tempo, mil
emoções passando pelos seus olhos. Não consigo imaginar exatamente o que
ele está sentindo. Sua expressão muda muito rápido.
Relaxando o rosto, ele engole em seco e me encara.
– Certo – sussurra. Soltando as minhas mãos, ele segura o meu rosto
com gentileza, levantando meu queixo. – Certo.
Fechando os olhos, suave e lentamente ele encosta os lábios nos meus.
Isso me surpreende por uma fração de segundo: parece tão deslocado no
meio do surto de raiva dele. Não sei muito bem qual é a razão por trás disso,
seja para sentir conforto ou segurança ou as duas coisas, só sei que
obviamente Tyler esqueceu que não estamos sozinhos.
Enquanto o pânico toma conta de mim, dou um passo rápido para trás e
o empurro. Eu me viro para o Range Rover ainda estacionado na rua. Pelo
para-brisa, nosso irmão está observando a cena, perplexo.
30

Jamie dirige em silêncio. Ele voltou para o volante, os lábios apertados. Não
tira os olhos da estrada, sem jamais olhar para Tyler ou para mim. Não
consigo decifrar se está confuso ou furioso ou as duas coisas. De qualquer
forma, sua expressão deixa claro que ele não gostou da notícia. Talvez Tyler
pudesse ter sido menos franco quando contou a verdade ao nosso irmão, e
talvez eu pudesse ter me esforçado mais para oferecer uma explicação,
porque no momento Jamie parece simplesmente enojado. No entanto, a
novidade em questão foi su ciente para distrair Tyler, fazê-lo sair do
gramado de Wesley Meyer e voltar para o carro.
Estou no banco de trás de novo, mordendo o lábio e mexendo no cinto
de segurança, ansiosa e sobretudo um pouco envergonhada. Ver Jamie com
cara de nojo ao saber sobre mim e Tyler não me dá qualquer esperança de
uma reação diferente dos nossos pais. Se nosso irmão de dezesseis anos não
aguentou, duvido muito que papai e Ella aguentem. Felizmente, não é para
lá que estamos indo agora. Vamos para a casa da minha mãe. Vamos dar a
notícia para ela primeiro. Ideia do Tyler. A gente ia esperar até amanhã, mas
agora que Jamie sabe, é melhor contar ao resto da família hoje à noite. A
cada segundo que passa, co cada vez mais nauseada ao pensar nisso. O
momento chegou mesmo.
O trajeto até a casa da minha mãe leva poucos minutos. Jamie estaciona
na calçada atrás do meu carro, deixando o motor ligado e permanecendo em
silêncio. Ele não diz uma só palavra nem tira as mãos do volante.
Simplesmente encara o para-brisa com os olhos semicerrados. Tyler encara
o irmão por um tempo, tentando chamar a sua atenção, mas é inútil. Por
m, só se vira para mim e dá de ombros, me avisando que é hora de ir.
Solto o cinto de segurança e saio do carro entorpecida. Meus lábios estão
franzidos, estou me sentindo culpada demais. Não consigo evitar. Tyler e
Jamie sempre foram próximos, muito mais do que de Chase, e raramente
brigam. Mas agora Jamie parece chateado, e sinto que é tudo por minha
causa. Essa atmosfera tensa não estaria nos sufocando agora se eu não
tivesse me apaixonado por Tyler. Tudo o que posso fazer é esperar que em
breve Jamie mude de ideia, da mesma forma que espero que aconteça com
Rachael. Mas não há absolutamente sentido nenhum em achar que Dean vai
aceitar nosso relacionamento. Eu estaria me iludindo se acreditasse que isso
tem alguma possibilidade de acontecer.
Fechando a porta do carro com cuidado, vou até o porta-malas, parando
ao lado de Tyler. Ele já está colocando minha mala na calçada, com uma
expressão desolada, embora tente me oferecer um sorriso tranquilizador.
Isso não me anima muito, porque não há nenhuma certeza em seu rosto.
Tyler está tão preocupado quanto eu.
Colocando a alça da bolsa no ombro, ele fecha o porta-malas e dá a volta
no veículo. Para ao lado da janela do motorista e bate duas vezes no vidro
com o nó dos dedos. Jamie não reage de imediato, mas, quando percebe que
Tyler não vai desistir, decide abrir a janela. Pela primeira vez desde que
deixamos o gramado de Wesley Meyer, Jamie se vira para olhar o irmão.
– A gente vai para casa daqui a pouco – murmura Tyler, com os olhos
gentis, tentando apelar para o lado sentimental de Jamie. – Então só... Só
não diz nada. Por favor. A gente mesmo tem que contar para a mamãe e
para o Dave. – Baixando a cabeça por um segundo, ele solta um suspiro e
depois olha para cima. – Tá?
Jamie não reage, por isso não sabemos se ele vai correr para casa e dar a
notícia aos nossos pais ou não. Tudo o que ele faz é virar o rosto para a
frente de novo e fechar a janela. Isso força Tyler a tirar as mãos da porta e
dar um passo para trás, franzindo a testa exatamente como eu. Ficamos
observando Jamie se afastar, até o Range Rover desaparecer na esquina
momentos depois. Não sei Tyler, mas eu estou bem desconfortável.
– Pensei que fosse ser bem melhor – diz Tyler.
Quando ele se vira para mim, percebo que está com um sorriso triste.
No entanto, ao mesmo tempo é caloroso, de certa forma quase divertido, o
que é su ciente para me fazer esquecer por um segundo que estamos prestes
a entrar em casa e contar a verdade para minha mãe.
– É – digo, ajeitando a mochila no ombro. – Acho que me beijar na
frente dele não foi a melhor maneira de dar a notícia.
Tyler sorri.
– Foi mal.
Revirando os olhos, levanto a alça da mala e começo a puxá-la pelo
caminho até a porta da frente. Tyler segue bem atrás de mim, tão perto que
consigo ouvir sua respiração, e assim que ele coloca a mão nas minhas
costas, a porta se abre. Na mesma hora, ele afasta a mão.
– Você está em casa! – grita minha mãe, correndo na minha direção.
Em uma fração de segundo, sou envolvida no seu abraço caloroso. Ela
me aperta tanto que temo sufocar e, quando tento me desvencilhar, ouço um
latido familiar.
Por cima do ombro da minha mãe, vejo Gucci vindo aos pulos na minha
direção, com orelhas erguidas e o rabo balançando rápido, a língua para
fora. Fecho os olhos e me preparo, esperando o momento em que seu corpo
forte vai me derrubar no chão, e é exatamente o que acontece. Ela pula nas
patas traseiras, as dianteiras no meu peito, e na mesma hora sou arrancada
dos braços da minha mãe. Cambaleio para trás com o peso dela, mas não
caio. Tyler me segura antes, meu corpo colidindo com o dele e nós dois
sendo obrigados a recuar um passo. Gucci nalmente volta para o chão.
– Meu Deus – digo, me espanando enquanto Tyler me ajuda a me
equilibrar.
Por sorte, Gucci começa a investigar Tyler, girando em torno das pernas
dele e farejando suas botas, mas seu rabo continua me batendo atrás dos
joelhos, então me afasto dos dois e levo a mala para dentro.
– Ela passou uma semana chorando depois que você viajou – conta a
minha mãe com uma risada, me puxando para outro abraço, breve desta
vez, e quando ela se afasta passa os olhos por mim de cima a baixo. – Mas
de nitivamente eu senti mais saudade do que ela. Estou tão feliz que você
tenha voltado viva para casa!
Eu reviro os olhos, balançando a cabeça para ela.
– Aham, cá estou eu. Viva. Mesmo depois de ter andado de metrô e
caminhado sozinha por Manhattan e visitado o Bronx – completo, com um
sorriso brincalhão.
Minha mãe ca horrorizada.
– Tyler!
Ele ergue os olhos, parando de coçar as orelhas de Gucci e erguendo a
cabeça para minha mãe.
– Hein?
– Você levou minha lha para o Bronx? – pergunta ela, mas a gente sabe
que está de brincadeira.
Ela cruza os braços, séria, e bate o pé enquanto espera a resposta.
– Foi mal – diz Tyler com um sorriso, dando mais um tapinha na cabeça
de Gucci antes de se levantar. Seus olhos, seu sorriso e sua voz são
totalmente inocentes. – Foi para um jogo de beisebol. Mas, tirando isso,
acho que cuidei bem dela.
Seus olhos encontram os meus e seu sorriso aumenta.
– Você me convenceu a me sentar na beirada do terraço do seu prédio –
comento.
Ele dá um pulo para a frente, passando o braço em volta da minha
cabeça e tapando a minha boca com a mão.
– Shhh.
Dando de ombros, ele dá uma risada nervosa e abre outro daqueles seus
sorrisos para a minha mãe, do tipo que torna impossível alguém car bravo
com ele.
– Ah, Tyler... – diz minha mãe com uma risada. Balançando a cabeça, ela
suspira e o observa com uma expressão calorosa no rosto. – Bem-vindo de
volta. Aposto que é estranho estar em casa. Mas, ei, entrem, vocês dois, e nos
contem tudo sobre Nova York. – Batendo palmas, ela assobia uma vez e
chama: – Gucci! Para dentro! – Nossa cadela hiperativa responde voltando
aos pulos para casa, com a minha mãe atrás.
Eu e Tyler camos parados no lugar, e, quando minha mãe sai de vista,
me viro para ele e respiro fundo.
– Então, vamos mesmo fazer isso? – pergunto, em voz baixa.
– Com certeza – responde Tyler, sem hesitar. Passando o braço por cima
dos meus ombros, ele me puxa e beija minha têmpora. – Espero que sua
mãe não esteja olhando pela janela – sussurra.
Olho de soslaio para ele e percebo que está sorrindo. Faço o mesmo, dou
de ombros e o empurro enquanto pego minha mala, arrastando-a pela porta
aberta. Fico contente que Tyler ainda tenha capacidade de dar risada agora,
porque está fazendo tudo isso parecer bem menos assustador, e co contente
que ele não esteja mais pensando no pai. Está tudo bem agora. Em dez
minutos, não sei se ainda estará.
Tyler me segue, e assim que entro sinto cheiro de canela. Minha testa se
franze de preocupação só de pensar em minha mãe tentando cozinhar,
então largo a mala ao lado da porta e vou até a cozinha, observando as
bancadas em busca de alguma sobremesa catastró ca e deformada. Antes
que eu encontre alguma coisa, ela surge no corredor com Jack ao lado, e na
mesma hora paro de mexer nos armários. Vejo Tyler revirando os olhos para
mim.
– Então, Eden... – começa Jack, sorrindo para mim com seus dentes
brancos e brilhantes. Ao mesmo tempo, ele está mexendo no relógio de
pulso, ajustando o fecho, e percebo pelo cabelo bagunçado e úmido que deve
ter acabado de tomar banho. – Como foi Nova York?
– Incrível – digo, mas meus olhos vagam para as mãos da minha mãe.
Eu estudo seus dedos com atenção, vendo se algo importante aconteceu
enquanto estive longe. Mas não. Nada de aliança ainda. Suspiro.
Mamãe se vira para ele e pousa a mão no seu braço, com um sorriso
caloroso.
– Eles parecem meio cansados. Que tal um café? – Ela lança um olhar
atento para nós dois. – Acho que vocês precisam de uma dose da boa e velha
cafeína.
– Pode deixar comigo – diz Jack, esfregando o ombro dela antes de
passar por mim em direção à máquina de café.
– Tudo bem – digo rapidamente. Olho para Tyler e meneio a cabeça uma
vez logo antes de olhar para a minha mãe. – Não vamos car muito tempo.
Ainda não fomos ver o papai e a Ella, então ainda temos que passar na casa
deles. Na verdade, mãe, você pode só se sentar um segundo? Você também,
Jack.
Acho que minha voz trêmula deixa bem claro que há motivo para se
preocuparem, porque, no momento em que as palavras saem dos meus
lábios, seus sorrisos desaparecem, as sobrancelhas se erguem com
descon ança. Eles trocam um olhar cauteloso e depois me seguem até a sala
de estar.
– Ai, meu Deus – geme minha mãe, pressionando as têmporas. Até
Gucci vem do outro lado da casa, como se quisesse ouvir a notícia, roçando
pelas pernas dela. – O que aconteceu em Nova York? O que você fez, Eden?
Tyler se vira para mim com um sorrisinho reconfortante, e desta vez é
sincero. Ele tira a bolsa de viagem do ombro, deixando-a no chão, e depois
caminha até mim. Apoiando a mão nas minhas costas, ele me conduz para o
sofá em frente ao que minha mãe e Jack estão sentados. Também nos
sentamos. Quando ergo o olhar e me deparo com as expressões cautelosas
deles, cai a cha. Estamos mesmo prestes a confessar a verdade. Já zemos
isso antes. Dissemos a verdade para o Snake – ou melhor, mostramos a
verdade a ele –, mas contar para os pais é diferente. Ella e meu pai são os que
realmente importam, porque são os nossos pais, mas contar para a minha
mãe também é um grande passo.
– Eden? – insiste minha mãe. Ansiosa, ela prende de volta mechas de
cabelo no coque, antes arrumado. – O que foi? Você está me assustando.
Sei que, se eu car em silêncio por mais tempo, é provável que a mamãe
tire conclusões precipitadas. Vai achar que cometi um assassinato em Nova
York. Que roubei um banco. Que quebrei todas as leis já inventadas pela
humanidade. Então sei que preciso começar a falar logo. Tyler parece sentir
minha apreensão, porque se inclina um pouco para a frente, pousando a
mão no meu joelho e me apertando para chamar minha atenção. Troco um
olhar rápido com ele, que abre a boca, como se fosse falar por mim. Mas,
felizmente, ele não faz isso. Só assente. Nós dois sabemos que sou eu que
tenho que dizer a verdade para a minha mãe, e estou torcendo para que
Tyler se encarregue de contar para o papai e para Ella.
Baixo os olhos para Gucci, esparramada no chão aos pés de Jack,
ofegante. Engolindo o nó na garganta, solto o ar que estava segurando.
– O que precisamos dizer é realmente importante – começo, ainda
encarando o cachorro. A mão de Tyler continua no meu joelho. – Então, por
favor, tenha a mente aberta.
– Eden – diz ela. – O que está acontecendo?
Levanto o rosto. Minha mãe está de braços cruzados agora, a expressão
mais irritada do que preocupada. Até Jack está um pouco exasperado, como
se minha demora para revelar a verdade estivesse torturando os dois. Não
consigo evitar. É difícil forçar as palavras a saírem. Tyler aperta meu joelho
ainda mais.
– Tá bom – digo, mais como uma tentativa de convencer a mim mesma
de que consigo. Meu estômago está dando cambalhotas quando tento olhar
nos olhos da minha mãe, de tão difícil que é. Temo que eles se sintam
enojados e decepcionados. – Tá bom – repito.
Respirando fundo, pouso os olhos no ombro da minha mãe e me forço a
soltar de uma vez as palavras que sempre tive medo de dizer. Só quatro
palavras. Tão simples e de nitivamente a maneira mais fácil de expressar a
verdade. Então murmuro:
– Eu amo o Tyler.
Silêncio. Minha mãe e Jack apenas me encaram. Quero que eles digam
alguma coisa. Qualquer coisa. Frustrada com a falta de reação, olho para
Tyler em busca de ajuda, mas ele está ocupado demais franzindo as
sobrancelhas para sequer tentar fazer alguma coisa. Volto a olhar para
minha mãe e, tentando enfatizar minhas palavras, seguro a mão de Tyler no
meu joelho e me aproximo dele no sofá. Ainda nada.
– Sabe, estou apaixonada por ele – esclareço. Ela nem pisca. – Tipo, por
esse Tyler. Ele – acrescento, apontando o garoto ao meu lado em uma última
tentativa nal de ser clara. – Sabe, meu irmão postiço?
Finalmente, minha mãe se mexe. Ela abre a boca devagar, trocando um
olhar com Jack. Estou esperando que ela grite, exija que eu explique esses
meus sentimentos irracionais, mas, em vez disso, ela dá um empurrão de
brincadeira no ombro de Jack.
– Você me deve setenta dólares!
Jack geme, mas ri ao mesmo tempo, e os lábios da minha mãe se curvam
em um sorriso, e eu só co ali, parada, confusa. Agora sou eu quem está
esperando por uma explicação. Até Tyler esfrega o queixo ao meu lado,
tentando entender por que as pessoas sentadas à nossa frente estão rindo.
Rindo. Talvez minha mãe ache que estou brincando. Talvez ache que tudo
isso é uma piada.
Solto a mão de Tyler, balançando a cabeça, confusa.
– Mãe?
Seu olhar vai de Jack para mim, e sua risada diminui, mas o sorriso
permanece. Ela suspira e relaxa os ombros.
– Fizemos uma aposta – admite ela. – Cinquenta dólares que havia algo
entre vocês – continua, acenando para Tyler e para mim – e mais vinte
dólares se você nos contasse.
– O quê? – Arquejo, sem acreditar.
Até Tyler está rindo agora, mas ainda não compreendo. Não entendo
bem o que está acontecendo. Não entendo por que não estou levando uma
bronca.
– Eden, por favor – diz minha mãe, revirando os olhos e se abaixando
para coçar atrás das orelhas de Gucci. – Eu sou sua mãe. Percebo tudo em
você, especialmente como você olha para ele – murmura, tirando os olhos
do cachorro por um segundo e sorrindo para Tyler. – Sempre achei que era
parecido com o jeito que você olhava para o Dean. – Então ela para e se
ajeita no sofá. Seu sorriso vacila, e ela franze a testa de preocupação quando
um novo pensamento lhe ocorre. – Eden... e o Dean?
Sinto um aperto no peito só de ouvir seu nome. Ainda estou me
sentindo tão culpada. Tenho tentado não pensar muito nele, mas é difícil. É
difícil ignorar o fato de que eu o magoei. Sinto a bile subindo pela minha
garganta, mas engulo com força e respiro fundo.
– Ele sabe – murmuro, incapaz de encarar minha mãe. – Acabou. Ele
odeia a gente.
– Ah, Eden... – diz ela, os lábios contraídos em uma expressão de pena.
Ela deve perceber como meu rosto muda ao contar isso e sem dúvida deve
perceber que Tyler esfrega minha coxa para me consolar, porque suspira e
diz: – Sinto muito pelo Dean. Ele é um garoto legal. – Suas palavras me dão
vontade de chorar, e ela deve notar isso, porque logo tenta aliviar o clima. –
Então, a partir de agora, sempre que eu encontrar a Liz no supermercado,
vou ter que dar a ela aquele sorriso de minha- lha-partiu-o-coração-do-
seu- lho? Ou prefere que eu que de cabeça baixa e passe direto?
– Mãe – digo com rmeza. – Sério agora. Você realmente não liga?
Só para deixar claro de novo, aponto para mim e para Tyler.
– É claro que não é a situação ideal – admite ela –, mas saiba que, se
vocês levarem isso adiante, duvido que será fácil. Vocês vão encontrar
pessoas que não aprovam. Vão encontrar pessoas que não apoiam. Mas, por
mim, não ligo. Quem poderia te culpar?
Ela abre um sorriso deslumbrante para Tyler, os olhos brilhando ao
acenar para ele. É quase horrível, na verdade, considerando que ela tem
quarenta anos.
– Mãe! – reclamo, envergonhada. Quando olho para Tyler, ele está um
pouco corado, rindo baixinho, meio tímido.
E, como se para dar força ao que minha mãe disse, percebo que ele lança
um olhar intenso para ela. Não me surpreenderia se ele estivesse fazendo
isso de propósito. O Tyler é assim mesmo.
Jack dá um tapinha na coxa da mamãe e se levanta, balançando a cabeça
em sinal de desaprovação.
– Não sei vocês, mas eu de nitivamente preciso de café. E... Karen?
Fique longe dos adolescentes.
Com uma piscadela, ele dá a volta no sofá e vai para a cozinha. Gucci se
levanta e o segue.
Mamãe revira os olhos para Jack e depois se recosta no sofá, cruzando as
pernas.
– Então suponho que vocês não tenham contado para o seu pai e para
Ella ainda, certo?
– Ainda não – responde Tyler por mim, chegando para a beirada do sofá
e se inclinando um pouco para a frente. Ele pigarreia. – É isso que vamos
fazer agora.
– Vocês são corajosos – diz ela enquanto a cafeteira começa a apitar no
fundo. – Boa sorte.
– Vamos precisar – falo, sorrindo. Tirando a mão de Tyler da minha
perna, eu me levanto e seguro as mãos da minha mãe, puxando-a do sofá e
abraçando-a com força. Aceitação. De novo. Acho que nunca vou conseguir
superar essa sensação boa. – Obrigada, mãe. De verdade. Obrigada –
sussurro, en ando o rosto no seu ombro enquanto a abraço.
– Ei, eu aceito qualquer decisão sua, contanto que você esteja feliz – diz
ela. Quando se afasta de mim e recua, acho que está prestes a sorrir, mas
então sua expressão vacila. Ela segura meu pulso, examinando as palavras já
formando uma casquinha na minha pele. – Mas que merda é essa?
Abro um sorrisão e puxo meu pulso para longe. Eu me viro rápido e
puxo Tyler do sofá, quase deslocando seu ombro.
– Desculpa, mãe, temos que ir! – grito, puxando Tyler para a porta.
Eu o solto, correndo até a cozinha para pegar as chaves do meu carro
penduradas na parede, quase tropeçando na Gucci. Jack ergue as
sobrancelhas para mim, mas só dou de ombros e corro de volta para Tyler,
que está pegando sua bolsa de viagem do chão.
– Eden! – berra minha mãe, mas já estou do lado de fora.
– Sua lha é muito imprudente! – grita Tyler por cima do ombro, rindo
ao fechar a porta.
Ele ainda não parou de rir quando corre para me alcançar, seu olhar
suave. Nenhum de nós esperava que os últimos cinco minutos
transcorressem dessa maneira. Nenhum de nós esperava que fosse tão fácil.
– A seguir – digo, imitando um comentarista de TV –, o confronto nal.
Destrancando meu carro, corro para o lado do motorista e entro. É um
pouco estranho estar ao volante do meu carro de novo.
Tyler joga a bolsa no banco de trás e se acomoda no banco do
passageiro, com um sorriso torto nos lábios.
– Pense assim – diz ele enquanto fecha a porta. – Esta vai ser a última
vez que teremos que fazer isso.
– Não vejo a hora – comento, porque ele tem toda a razão. Depois de
contarmos aos nossos pais, não precisaremos mais contar a verdade para
ninguém. Todo mundo que importa já vai saber. Vai ser o m dos segredos.
Só de pensar nisso já é su ciente para me fazer sorrir enquanto manobro
para a rua, começando a curta viagem até a casa dos nossos pais. – Aliás –
acrescento –, desta vez quem vai falar é você.
Tyler ri de novo, recostando-se no banco enquanto coloca a mão na
minha coxa. Acho que ele faz isso sem nem perceber, mas, para mim, é uma
enorme distração.
– Não tem problema – diz ele. – É com o seu pai que estou mais
preocupado. Ele já me odeia o su ciente. Imagina quando souber que estou
dormindo com a lha dele.
Zombando, ele aperta minha coxa com mais força, e eu quase bato em
um carro estacionado.
– É, me faça um favor e não mencione isso para ele – murmuro,
lançando um olhar de advertência enquanto recupero o controle do veículo.
Estamos os dois sorrindo. Sabemos que meu pai seria capaz de matá-lo
se descobrisse. Ele nunca cava muito feliz quando eu passava a noite na
casa do Dean, e ele gostava do Dean.
– Então, como você quer que eu conte? – pergunta Tyler, girando o
corpo para me encarar enquanto dirijo. Está com uma expressão boba no
rosto, quase animada, então pigarreia teatralmente e gesticula. – Sr. Munro,
me permita usar um segundo do seu precioso tempo para informá-lo de que
tenho o maior tesão na sua única lha, que, a propósito, não é mais menor de
idade e pode tomar as próprias decisões – diz ele, a voz solene e brincalhona
enquanto adota um tom so sticado. – Além disso, David Munro, sua lha
teimosa, persistente, inteligente e linda tem uma bunda incrível.
Viro a esquina na Deidre Avenue, revirando os olhos. Ele está prestes a
cair na gargalhada, mas morde o lábio.
– E aí? – pergunta. – Você acha que ele aprovaria minha abordagem?
– Vamos pensar em outra coisa – digo.
Tyler nalmente desiste da piada, deixando escapar a risada que estava
reprimindo. Não consigo evitar de pensar em como isso é gostoso. Nós dois
rindo, apesar de tudo. Gosto de como conseguimos fazer piada com essa
história toda, mesmo que esteja longe de ser uma situação leve, e gosto de
que, apesar de estarmos a poucos minutos da casa, eu não me sinta nada
nervosa.
Segundos depois, passamos pela casa do Dean. É impossível ignorar
como a atmosfera no carro imediatamente pesa. Tanto Tyler quanto eu
olhamos para o lugar ao mesmo tempo, sem desviar o olhar nem por um
segundo ao passar. O carro do Dean está estacionado na rua. A caminhonete
do pai também – cujos pneus Dean e eu destruímos. Talvez se sentindo
culpado, Tyler tira a mão da minha coxa.
– Você acha que ele está aí agora? – pergunta ele com a voz baixa.
– Não sei – respondo.
Engolindo em seco, volto os olhos para a avenida à frente e continuo
dirigindo, pisando ainda mais no acelerador para deixar a casa do Dean para
trás o mais rápido possível. Eu me forço a não olhar para trás pelo retrovisor.
Só continuo dirigindo. A partir de agora, vou fazer um caminho diferente
entre a casa da minha mãe e a do meu pai. Um caminho que ignore
completamente a casa dele.
Já passa das nove, e o céu está cada vez mais escuro, mas nossa casa está
bem iluminada quando estaciono atrás do carro do Tyler na calçada. O
Lexus do meu pai e o Range Rover de Ella ocupam a entrada para
automóveis, como sempre, e os lhos estacionam em frente à casa. O BMW
de Jamie não está aqui, é claro, por causa daquele para-choque amassado
que ele mencionou.
– Acho que eles estão em casa! – brinco, indicando a casa pelo para-
brisa.
Todas as luzes possíveis estão ligadas, fazendo o lugar todo parecer uma
lâmpada gigante. Até a luz no quarto em que durmo quando passo a noite lá
está acesa, e por uma fração de segundo co estressada querendo saber por
quê.
– Ei, estou feliz que pelo menos meu bebê chegou aqui inteiro – diz
Tyler, apontando para o Audi com um sorriso de satisfação, abrindo a porta
e saindo.
Pegando a bolsa no banco de trás, ele corre até seu carro e o examina
minuciosamente, provavelmente procurando arranhões suspeitos que
possam ter ocorrido por algum erro de manuseio durante o transporte de
uma costa à outra.
Suspirando, desligo o motor e saio do carro, que parece um pedaço de
ferro-velho comparado ao do Tyler, e depois olho para a casa e para o meu
irmão postiço. Agora estou começando a car nervosa.
– Então, você vem?
– Aham – responde Tyler, um pouco distraído.
Ajeitando a alça da bolsa no ombro pela centésima vez hoje, ele dá um
tapinha no capô do seu amado carro e então se junta a mim no gramado.
Devagar, seus lábios se erguem em um sorrisinho e, exatamente ao mesmo
tempo, nós dois nos viramos e encaramos o que nos espera mais à frente.
Lado a lado, estamos prestes a enfrentar nosso maior medo dos últimos
dois anos. Foi uma longa jornada, difícil desde o início, mas é um alívio
saber que nalmente vai terminar. Nossos pais teriam que descobrir mais
cedo ou mais tarde. Levamos dois anos para aceitar a verdade e criar
coragem para admitir a quem mais importa, e agora que o obstáculo nal
está bem diante de nós, não podemos desistir.
Suspirando do meu lado, Tyler segura a minha mão e envolve meus
dedos com rmeza. Trocamos um olhar. Nós dois estamos sorrindo.
– Vamos nessa – diz ele.
31

Como sempre, a casa cheira a lavanda. É a marca registrada de Ella. Quando


você passa um tempo longe e retorna, o aroma ca ainda mais acentuado. Eu
e Tyler entramos no corredor, parados ao pé da escada. Damos uma olhada
na sala, mas não tem ninguém lá, embora a TV esteja ligada.
Tyler larga a bolsa de viagem no primeiro degrau, alongando os ombros
antes de pigarrear e gritar:
– Chegamos!
Passamos alguns segundos esperando. Então, a comoção tem início.
Ouvimos passos no andar de cima, mas Ella chega primeiro até nós,
correndo da cozinha. Está chorando antes mesmo de dizer qualquer palavra,
um sorriso imenso no rosto ao abraçar o lho. Ele é bem mais alto que ela,
mas mesmo assim ela en a as mãos no cabelo dele. Observo os dois com um
sorriso, ao mesmo tempo triste e feliz. Ella e Tyler sempre foram próximos, e
sei bem como ela sentiu saudade dele no ano que passou. Falava dele o
tempo todo. De como estava orgulhosa. Perguntava se ligar cinco vezes por
dia era demais. Meu pai volta e meia revirava os olhos e saía de perto. Eu
sempre cava. Sempre dizia que também sentia saudade do Tyler.
Ella dá um passo para trás, segurando o queixo de Tyler enquanto olha
para o lho cheia de amor e carinho.
– Você está mesmo aqui!
Ela quase explode de alegria, lágrimas ainda escorrendo dos olhos, dá
mil beijos no rosto dele.
– Mãe, calma – diz Tyler, virando a cabeça para o lado. Ele segura os
pulsos dela e afasta as mãos de seu rosto, rindo. – Eca.
Ella funga, abrindo um sorriso envergonhado enquanto enxuga as
lágrimas com o polegar. Está prestes a dizer alguma coisa quando Chase sai
da cozinha, mas Tyler nem sequer olha para o irmão, porque de repente
nossa atenção é atraída por passos descendo a escada.
Meu pai de nitivamente não está feliz em nos ver. Ele desce os degraus
correndo, os olhos semicerrados e o rosto vermelho. Antes de chegar ao
primeiro andar, ele já rosnou:
– É verdade?
Ele não está olhando para Ella. Não está olhando para Chase. Está
olhando para Tyler e para mim.
Sabemos muito bem do que ele está falando. Meu corpo inteiro parece
murchar; meu coração afunda no peito. Não consigo responder, nem Tyler.
Estamos surpresos demais com a pergunta para reagir.
– Dave... – murmura Ella, dando um passo à frente e se virando para o
marido. Sua expressão é perplexa, as sobrancelhas franzidas. – Que história
é essa?
Uma gura se mexe no topo da escada, chamando minha atenção na
hora. Então vejo Jamie. Ele está parado lá em cima, os lábios franzidos e os
braços cruzados enquanto assiste ao desenrolar da cena. Não é difícil
entender o que houve, perceber que Jamie simplesmente não conseguiu car
de boca fechada até a gente chegar, mesmo depois de Tyler ter deixado claro
que a gente queria contar aos nossos pais. Falar pessoalmente era a coisa
certa a fazer. Meu pai ter ouvido a notícia pelo Jamie é literalmente a pior
coisa que poderia ter acontecido. Dá a impressão de que a gente não ia
contar a verdade para ele e Ella.
Tyler deve ter notado a presença de Jamie também, porque ele se lança
em direção à escada com os punhos cerrados, murmurando algo que não
entendo. Sem um segundo de hesitação, porém, meu pai o impede de passar,
agarra a camiseta de Tyler e o empurra contra a parede, em seguida cruza
com rmeza o braço no peito de Tyler para mantê-lo no lugar. Ella perde o
fôlego, horrorizada, e pula em cima do meu pai, tentando afastá-lo de Tyler,
puxando seu ombro, mas ele é forte demais e nem se mexe.
– É verdade? – grita ele novamente, o rosto a centímetros do de Tyler
enquanto faz mais força contra seu peito.
De repente, sinto um cheiro de bebida no ar e olho com descon ança
para o meu pai quando percebo que está vindo dele.
Ella dá um passo lento na direção dos dois, arregalando os olhos devagar
enquanto pergunta calmamente:
– O que é verdade?
– Esses dois! – Meu pai quase engasga com as palavras, tão enfurecido e
descrente que mal consegue formular as frases. Sua voz ainda está alta e
irritada, e ele só consegue acenar com a cabeça na minha direção. – Ele e
Eden! Meu Deus, eu nem sei o que pensar!
Tyler nalmente afasta meu pai com um empurrão rme, se
endireitando na hora. As veias em seu pescoço pulsam quando ele
murmura:
– Deixa a gente explicar, porra.
Ella continua sem entender o que está acontecendo. Ela olha de mim
para o meu pai e para Tyler como se estivesse procurando as respostas em
nosso rosto. A respiração do meu pai está pesada, as mãos pressionando as
têmporas, e ele balança a cabeça, tentando compreender essa nova
informação. Então ela se vira para Tyler, o rosto tenso de preocupação, igual
ao da minha mãe. Sei que milhões de coisas devem estar passando pela
cabeça dela agora.
– Explicar o quê, Tyler?
Ele passa a mão pelo cabelo e olha para a mãe, levando um segundo para
pensar nas palavras certas a dizer. Meu pai ergueu os olhos de novo
para encará-lo enquanto espera ouvir a explicação, e sua respiração está tão
alta que é o único som que ouvimos além da TV. Mas Tyler nem sequer olha
para o meu pai. Só continua encarando Ella, de vez em quando Chase, que
de nitivamente não sabe o que está acontecendo, mas escuta tudo de
qualquer maneira. Depois de um tempo, Tyler nalmente baixa o olhar e
suspira, pronto para falar por nós dois.
– Não era para nada disso acontecer – diz calmamente, sem olhar para
cima –, mas aconteceu. Não vou me sentir mal por isso e não vou pedir
desculpas, porque não me arrependo. Simplesmente aconteceu e, para ser
sincero, não é culpa nossa. Se é culpa de alguém, é de vocês. – Ele ergue o
rosto, encarando Ella e meu pai. Tyler engole em seco. – A culpa é de vocês,
na verdade, por unir a gente sob o mesmo teto.
Meu pai na mesma hora solta um bufo irônico, colocando as mãos nos
quadris e se virando na direção oposta, ainda balançando a cabeça. Ella, no
entanto, só nos encara. Está ainda mais perplexa do que estava alguns
segundos atrás.
– Do que você está falando? – pergunta.
– Estou falando de Eden – diz Tyler, sem pensar duas vezes. Ele olha por
cima do ombro para mim, xando os olhos nos meus. Eles se tornam gentis
por um momento, e ele assente, então dou um passo para a frente, parando
ao seu lado. Estou tão agradecida por ele estar cuidando de tudo. Eu mal
consigo olhar meu pai e Ella nos olhos, muito menos falar a verdade para
eles. Tyler, por outro lado, não para. – Estou apaixonado por ela. Já faz dois
anos. Então, sim, Dave, é verdade.
Ella abre a boca, chocada, piscando sem parar, mal conseguindo
sussurrar:
– O quê?
– Isso é uma vergonha! Vocês estão zombando desta família! É isso que
vocês querem? Fazer a gente de bobo? Meu Deus, dá para imaginar o
que vão dizer se isso se espalhar?! – retruca meu pai, virando-se para nos
encarar. As rugas ao redor dos seus olhos parecem ainda mais visíveis agora,
talvez porque seu olhar está mais raivoso que nunca. E, como se não
aguentasse mais olhar para a gente, dá as costas, murmurando: – Você me
dá nojo.
Foi para mim, é claro, e, quando ele passa, me empurra com o ombro.
De repente, Tyler voa do meu lado para cima do meu pai, dando um
soco que acerta em cheio o rosto dele, com um baque horrível. Meu pai gira
para o lado na hora, batendo no corrimão e caindo desajeitadamente.
– Tyler! – grita Ella, pulando para a frente.
Ela não se aproxima do lho, porém. Vai até meu pai, se abaixando para
veri car se ele está bem, tocando suavemente o rosto dele.
No mesmo momento, eu me viro para Tyler, erguendo as mãos,
frustrada, me perguntando o que diabos está fazendo. Ele está ofegante, e
seus olhos ainda estão xos no meu pai, então por precaução eu seguro seu
punho.
Jamie desceu alguns degraus em direção ao meu pai enquanto tenta não
fazer contato visual com Tyler ou comigo. Seu rosto está um pouco
vermelho, e talvez ele esteja se sentindo culpado demais para se meter,
porque só ca no fundo, observando, sem ajudar. Até Chase decide car de
fora. Ele se afasta lentamente em direção à cozinha, observando de longe.
– Nossa, Eden – murmura meu pai com desprezo, chamando minha
atenção ao se levantar de novo, com os olhos ferozes. – Mesmo que o Tyler
não fosse esse bosta do seu irmão postiço... É esse o tipo de cara com quem
você quer estar, é? – Ele indica a própria bochecha e depois acena para Tyler.
– Um garoto descontrolado que vai acabar na prisão que nem o pai?
– David! – exclama Ella.
As palavras do meu pai são tão cruéis que por um momento me sinto
mal por ele achar razoável dizer uma coisa dessas, não importa quão furioso
esteja. É o su ciente para me deixar transtornada, então trinco os dentes
com tanta força que temo deslocar a mandíbula. Quando me forço a olhar
para Tyler, vejo a dor e a tristeza em seus olhos, e ele reage às palavras do
meu pai da única maneira que sabe: com raiva e violência, como ele foi
criado. O músculo em sua mandíbula se contrai e seu punho está ainda mais
cerrado debaixo da minha mão, então eu o solto. Meu pai merece.
Tyler dá outro soco nele sem hesitar. É claro que sim. Desta vez, não
posso culpá-lo. Na verdade, me sinto até bastante satisfeita quando o punho
dele acerta o nariz do meu pai, que recua apenas um ou dois passos desta
vez, conseguindo manter o equilíbrio ao tocar o rosto, procurando sangue.
Não tem, mas ele mesmo assim levanta as sobrancelhas e dá um sorriso
incrédulo.
– Olha só isso! – grita ele. – Agredido duas vezes no espaço de um
minuto! Meu Deus, Eden, suas escolhas de vida são mesmo fantásticas!
Primeiro você decide estudar numa faculdade de merda no meio do nada e
agora quer car com esse imbecil! Seu irmão postiço!
Ele começa a rir, cruel, apoiado na parede.
Tyler dá um passo em sua direção novamente, pronto para dar outro
soco.
– Olha quem está falando.
Sinceramente, acho que também sou capaz de pular em cima do meu pai
agora. Desde que ele abandonou minha mãe e a mim, nossa relação se
deteriorou. Talvez porque passei três anos sem vê-lo. Talvez porque ele
passou três anos sem querer me ver. Algo mudou quando ele foi embora, e
desde então tem sido difícil, mas isso se estabilizou há um tempo. Estamos
tentando nos dar bem e estava funcionando até agora. Ele nunca foi tão
desagradável antes, tão maldoso. Estou me esforçando para manter a calma,
mas é difícil não explodir. Tem um milhão de coisas que eu poderia gritar na
cara dele, mas, antes que Tyler ou eu possamos fazer alguma coisa
impensada, Ella vem correndo da cozinha. Eu nem tinha percebido que ela
não estava mais ali, mas de repente ela aparece na nossa frente, empurrando
nós dois para longe do meu pai.
– Olha, saiam daqui – diz ela, baixo e depressa, en ando as chaves do
carro de Tyler na mão dele e fechando os dedos ao redor. – Eu não sei o que
pensar agora e sinto muito por ele. – Ela lança um olhar por cima do ombro
em direção ao meu pai, que ainda está rindo. Agora Jamie está tentando
fazê-lo car quieto, e quando Ella se volta para nós, está com uma expressão
enfurecida. – Ele tirou o resto da semana de folga, então tomou umas e...
Olha, sinto muito mesmo, meninos. A gente realmente precisa conversar
sobre o que está acontecendo entre vocês dois, mas agora vocês precisam ir
embora.
– Não ca com raiva da gente – sussurro, engolindo em seco. – Por favor.
Ella solta um suspiro profundo, olhando para o meu pai de novo. Então
franze o cenho ainda mais.
– Só me deixem pensar nisso. Agora vão. – Delicadamente, ela dá um
tapinha na bochecha de Tyler. – E cuida dessa mão.
Tyler e eu olhamos para baixo ao mesmo tempo. Acho que ele nem
percebeu até agora, mas abriu duas juntas na mão direita e está sangrando.
Ele suspira, apertando a mão. Eu tento encontrar seus olhos, mas ele se
recusa a me encarar. Em vez disso, pega sua bolsa, que foi jogada no chão, ao
mesmo tempo que Ella volta para o meu pai, ajudando Jamie a acalmá-lo.
Chase ainda está escondido na cozinha.
Tyler não diz uma palavra quando se vira para a porta, só toca meu
ombro com o seu enquanto passa por mim, indo lá para fora sem olhar para
trás. Na mesma hora dou meia-volta e o sigo, correndo para acompanhar
seus passos enquanto ele passa pelo gramado em direção ao carro.
– Tyler – chamo, sem resposta. Silêncio. – Tyler – chamo de novo,
segurando-o pelo cotovelo.
Quando ele sente meu toque, nalmente para de andar e se vira.
– O que a gente vai fazer agora? – pergunta ele, os olhos sombrios.
Seu rosto está completamente pálido, a expressão vazia.
– Você pode car na casa da minha mãe – responde. Ela não vai se
importar. Minha mãe gosta do Tyler e, dadas as circunstâncias, tenho
certeza de que vai deixar que ele passe a noite. – Vamos lá, vem comigo.
– Tá bom. – É tudo o que ele diz.
Nos poucos metros que percorre até o carro, eu o observo, me
perguntando se é seguro deixá-lo dirigir. Ele parece um pouco distante e
entorpecido, como se fosse desmaiar a qualquer segundo, mas entra no
carro e liga o motor.
Vou no meu carro de volta à casa da minha mãe, com Tyler me seguindo
no dele, e o tempo todo me pergunto por que não sinto nada. Não estou
chateada. Não estou brava. Não mais, pelo menos. Não estou frustrada.
Nada. De certa forma, o que aconteceu é quase o que sempre imaginei. Papai
nunca aceitaria isso bem, bêbado ou não, e Ella... Não consigo entender se
ela cou horrorizada ou só surpresa. Meu pai, por outro lado, é
simplesmente um babaca, como sempre foi. Já estou acostumada. Às vezes
ele é legal. Às vezes, ele é esse cara de hoje à noite.
Não sei o que vai acontecer agora. Não sei se amanhã tudo vai estar
tranquilo de novo. Só precisamos de uma chance de nos explicar, de fazê-los
entender, e isso só pode acontecer se meu pai e Ella nos derem tempo, o que
sem dúvida não tivemos hoje. Talvez depois que a raiva, a confusão e o
choque iniciais passarem, eles consigam nos ouvir. Eles não têm escolha. O
que mais podem fazer? Nos expulsar da família para sempre? Nos proibir de
car juntos?
Faço um caminho que não passa pela casa do Dean para voltar para a
minha, tamborilando com impaciência no volante enquanto dirijo em
silêncio. Fico olhando pelo retrovisor se Tyler continua atrás de mim. E
continua, é claro, tão colado à minha traseira que, a qualquer momento, é
capaz de bater no meu para-choque. De alguma maneira, nossos carros
conseguem chegar à casa da minha mãe intactos. Sem perder tempo, saio do
meu.
Já passa das dez. Vou até a porta do carro de Tyler e o espero sair. Ele
está tão pálido quanto antes, e sua mão parece pior.
– Eu pediria desculpa por bater no seu pai – diz ele calmamente,
pegando sua bolsa –, mas não me arrependo.
Ele se vira e segue em direção à porta da casa. Mais uma vez, não me
espera, e começo a achar que está com raiva de mim.
– Eu z alguma coisa errada? – pergunto quando o alcanço de novo.
Paro na frente dele um segundo antes de entrarmos.
– Não – diz ele. Tyler desvia os olhos para a rua por um segundo,
suspirando e pressionando a própria testa antes de me encarar novamente. –
Me desculpa. Esta noite foi uma merda. Estou pensando no meu pai e no
Jamie, na minha mãe, no seu pai e em você – murmura. Lentamente, seus
lábios se abrem em um meio sorriso. – Mas principalmente em você. – Ele
ta o relógio e, quando olha para mim, dá de ombros. – Sabe, já passa de
uma da manhã em Nova York. Não sei você, mas estou exausto.
Eu não estava, porém, agora que Tyler falou, de repente sinto meu corpo
pesar de fadiga. Parece que Nova York foi mil anos atrás, mas a verdade é
que ainda estávamos lá hoje à tarde. Tanta coisa aconteceu desde então, com
um voo de seis horas no meio e a diferença de fuso horário, e tudo que eu
quero neste momento é ir direto para a cama.
– Que tal a gente lidar com tudo isso amanhã de manhã? – sugiro.
Tyler assente, e nós entramos.
Mamãe e Jack estão assistindo a um lme na TV, os dois esparramados e
abraçados no sofá. Gucci dorme no chão e, apesar de abrir os olhos ao ouvir
nossa chegada, não se dá ao trabalho de se levantar e nos receber. Mamãe e
Jack, no entanto, imediatamente param o lme, intrigados com nossa
presença.
– Vocês não parecem muito aliviados – comenta ela, franzindo as
sobrancelhas. Já está com o roupão de dormir, então segura a gola fechada
enquanto se levanta. – Tyler, por que você voltou para cá?
– Não foi lá essas coisas – admito, olhando para Tyler e dando de
ombros. Ele ainda parece quieto demais. – Meu pai estava bêbado e agiu que
nem um idiota, e Ella falou para a gente ir embora.
Minha mãe bufa e balança a cabeça, nada satisfeita e decepcionada,
provavelmente com o meu pai. Então vem até nós com um sorriso gentil no
rosto.
– Tenho certeza de que vai car tudo bem – tranquiliza ela, a voz suave.
– Só deem a eles algum tempo para digerir isso.
Minha cabeça está pesada, e eu franzo a testa.
– E se não adiantar?
Ela pensa na minha pergunta por um tempo, até olha para Jack em
busca de ajuda, mas ele só dá de ombros, então ela faz uma careta e dá de
ombros também.
– Não sei o que dizer, Eden.
– Você pode cuidar da mão do Tyler? – pergunto, rapidamente
mudando de assunto.
Não quero mais pensar no meu pai e na Ella agora. Estou cansada
demais para lidar com eles, e Tyler está machucado, então é nisso que me
concentro. Seguro a mão dele para mamãe examinar.
– Minha nossa, o que você fez? – retruca ela, encarando Tyler e
deixando-o envergonhado.
– Ele bateu no meu pai – respondo por ele. – Duas vezes.
– Azar do Dave – murmura mamãe, contendo um sorriso. – Tyler, vem
até a pia.
Mamãe leva poucos minutos para fazer um curativo. Nesse intervalo, no
entanto, Jack consegue oferecer uma cerveja a Tyler, e eu pergunto sem jeito
se Tyler pode passar a noite aqui em casa, e minha mãe concorda. Segundo
ela, qualquer pessoa que dê um soco no meu pai é mais que bem-vinda na
nossa casa. Tyler agradece a hospitalidade, mas recusa a cerveja. Está
cansado demais.
– A gente vai dormir um pouco – digo para minha mãe enquanto ela
arruma a cozinha, Tyler abrindo e fechando a mão, como se o exercício fosse
fazer os cortes desaparecerem. – Está tarde em Nova York.
– Bem, espero que vocês se sintam um pouco melhores com tudo isso
amanhã – deseja ela, me puxando para um abraço rápido, e então ela e Jack
nos desejam boa-noite e voltam ao lme.
Pego a mão de Tyler, entrelaçando nossos dedos enquanto o puxo pelo
corredor. Meu quarto é o primeiro, mas mal toquei na maçaneta quando
ouço minha mãe pigarrear atrás de nós. Na mesma hora largo Tyler e me
viro.
– Eu sei que sou uma mãe superlegal e tudo o mais, mas não sou tão
legal assim – diz ela, lançando um olhar atento para Tyler, a expressão
severa. – O Tyler pode car no quarto de hóspedes.
– Não tem problema – diz Tyler.
Revirando os olhos, eu me viro e sigo pelo corredor. O quarto de
hóspedes é o último à esquerda, e é o único da casa que quase nunca é
usado, então levo Tyler até lá, parando na porta. As luzes do corredor
também estão apagadas, então tenho que observá-lo no escuro. Fico quieta
por um momento esperando meus olhos se ajustarem e, quando isso
acontece, percebo que Tyler está tando o chão.
– Você tem certeza de que está bem? – pergunto, cada vez mais
preocupada.
Tento fazer contato visual, mas não consigo.
Tyler segura a porta e a abre, passando por mim e entrando no quarto de
hóspedes sem sequer olhar para cima.
– A gente conversa depois – responde ele, calmamente.
– Ei – reclamo, cruzando os braços, entrando no quarto atrás dele e
acendendo a luz. Fico parada esperando, contorcendo os lábios. – Eu
perguntei se você está bem.
Tyler suspira, cabisbaixo, ainda de costas para mim. Ele joga a bolsa em
cima da cama e passa a mão pelo cabelo, puxando suavemente as pontas
antes de se virar para mim.
– Não vou mentir e dizer que estou bem quando não estou – confessa ele
nalmente.
– Então conversa comigo.
Eu me aproximo dele e apoio a mão no seu peito. Olho para ele,
sentindo seu coração batendo devagar e forte.
Mas Tyler claramente não quer conversar, porque cuidadosamente pega
meu pulso e afasta minha mão, dando um passo para trás.
– Eu disse que a gente vai conversar depois – repete ele com rmeza,
como se estivesse falando sério e não quisesse que eu insistisse. Virando-se
para mim, ele se senta na beirada da cama e se inclina para a frente,
entrelaçando as mãos. – Você pode fechar a porta quando sair? – pergunta, a
voz tão baixa que é quase um sussurro.
Não tenho muita certeza do que Tyler está sentindo agora, mas ele
deixou bem claro que quer car sozinho, então me forço a sair, apesar de
querer muito car. Quando chego à porta, apoio a mão no batente e me viro
para ele. Tyler está sentado quieto, pensativo.
– Se você quiser, pode ir escondido para o meu quarto depois da meia-
noite – sussurro, mas ele nem reage, muito menos responde, então fecho a
porta e o deixo em paz.

Não sei que horas são quando acordo, e não sei há quanto tempo Tyler está
me cutucando, mas sei que levo um susto. Quase caio da cama de tanta
surpresa com o intruso no meu quarto, meu coração disparado.
Empurrando meu edredom, me estico para a mesa de cabeceira, procurando
o interruptor do abajur na escuridão. Finalmente encontro, e o canto do
meu quarto se ilumina com uma luz cálida.
– Meu Deus, Tyler – murmuro, soltando o ar e inclinando a cabeça para
a frente, com a mão na testa. Eu sei que falei para ele tentar entrar
escondido, mas caí em um sono tão pesado que esqueci totalmente. Não
estou acostumada a estar no meu quarto de novo, e com certeza não estou
acostumada com Tyler aqui. – Você quase me matou de susto – acrescento.
Tyler está de pé ao lado da minha cama, mas meio distante, e quando
sua gura alta se inclina sobre mim, seu rosto é iluminado pelo abajur. Isso
me faz perceber a mandíbula tensa, o nervosismo nos olhos e o nó na
garganta.
– Preciso falar com você agora – diz ele, baixinho.
– Sério? Você precisa falar comigo agora?
Segurando meu edredom com força junto ao peito, pego meu celular na
mesinha de cabeceira e olho a hora. São quatro e pouca da manhã, então
solto um gemido e me recosto nos travesseiros, revirando os olhos, irritada.
É aí que percebo que Tyler ainda está vestido, só que agora de jaqueta.
Tenho a sensação de que ele não está aqui para se deitar ao meu lado, então
me endireito na cama e me sento.
– Tyler?
Ele morde o lábio, parecendo nervoso, esfregando a nuca. Ao mesmo
tempo, se afasta ainda mais de mim, indo em direção à porta. A luz do
abajur na minha mesa de cabeceira não chega até lá, e o rosto dele ca
encoberto pela sombra, me impedindo de ver sua expressão quando ele diz:
– Preciso sair da cidade.
No começo não entendo. Suas palavras não fazem sentido e são tão
repentinas que não respondo de pronto. Ouço o silêncio da casa e encaro a
silhueta de Tyler perto da porta.
– Como assim? – pergunto.
– Estou dizendo que vou passar um tempo longe – responde Tyler.
Meu estômago se retorce em um nó. Agora estou bem acordada, e Tyler
tem toda a minha atenção. Um calafrio percorre meu corpo e me diz que
isso não vai acabar bem.
– Por quê?
Tyler solta um suspiro lento e profundo. Ele para ao lado da minha
cama, na luz, e sua sombra se move nas paredes.
– Tem coisa demais acontecendo agora – admite ele. – Eu preciso
entender tudo melhor.
Recostando-se na parede, ele para por um segundo para pensar nas
próximas frases que vai dizer, re etindo profundamente nas palavras certas
e em como dizê-las. Fico cada vez mais tensa.
– Sabe, eu não quero estar nem um pouco perto do meu pai. Não
consigo lidar com isso e acho que também não vou conseguir lidar com o
seu, porque acho que posso acabar batendo nos dois. – Outra pausa. Agora
estou começando a sentir frio, mesmo debaixo do edredom. A preocupação
cruza o rosto de Tyler e sua voz baixa para um sussurro quando ele
pergunta: – E se o seu pai estiver certo? E se eu acabar como o meu?
– Você não tem nada a ver com o seu pai, Tyler.
– Tenho, sim – argumenta, trincando os dentes. – Eu perco o controle
tão rápido quanto ele, e é isso que me assusta. Preciso sair da cidade, car o
mais longe possível dele.
– Vem para Chicago comigo – solto na mesma hora.
É o primeiro pensamento que me ocorre, e não é uma má ideia. No
outono vou fazer as malas e cruzar o país para morar na Cidade dos Ventos.
Percebo então que nunca pensei no que aconteceria em setembro, quando
eu me mudasse. Nunca considerei o fato de que Tyler e eu caríamos
distantes novamente. De repente, a ideia de Tyler vir comigo para Illinois é a
única coisa que desejo. Seria meio como fugir juntos. Meio.
Mas meu novo plano para nós dois logo é descartado. Curto e grosso,
Tyler responde:
– Não.
– Por quê? – pergunto, chateada e confusa.
Meu momento de animação chega ao m. Chicago já era.
Tyler fecha os olhos por um segundo e baixa a cabeça, encostando-se na
parede. Ainda tem uma aparência cansada, e estou começando a me
perguntar se ele sequer chegou a dormir. Quanto mais ele demora para
responder, mais nervosa co, e no m eu deveria mesmo car nervosa,
porque quando ele olha para mim de novo, seu rosto está contorcido,
deformado e magoado, e ele sussurra:
– Porque eu também não quero estar perto de você.
Devo ter ouvido errado. Preciso ter ouvido errado, porque no momento
em que a última palavra escapa dos seus lábios, dos lábios de Tyler, tudo
dentro de mim se agita. Meu estômago se revira ainda mais e minha voz ca
presa na garganta, surpresa com as palavras dele.
– Do que você está falando? – eu me forço a perguntar, com a voz fraca.
– Talvez você tivesse razão antes – responde ele, sem hesitar, falando
rápido e balançando a cabeça. – Talvez a gente não devesse car junto.
– Por que você está inventando isso agora? – exijo saber, a raiva
dominando cada centímetro do meu ser enquanto empurro o edredom para
longe e me levanto da cama.
Estou rezando, de verdade, para que isto seja um sonho. Tem que ser.
Tyler nunca diria isso.
Ele se afasta de mim quando chego perto, virando-se e se aproximando
da porta novamente. De costas para mim, sua voz rouca ousa me dizer:
– Não sei mais se quero isso.
É aí que tudo dentro de mim se despedaça. Meu coração para. Meus
pulmões colapsam. Minha garganta dói. Tudo, absolutamente tudo, de
repente dói. Desde a minha cabeça, que de repente parece pesada demais,
aos meus joelhos, que cedem lentamente, a ponto de eu ter que apoiar a mão
na parede para me estabilizar. Minha respiração acelera, e estou quase
hiperventilando enquanto tento entender o que está acontecendo.
– Você não acabou de dizer isso – murmuro.
– Sinto muito – responde Tyler na hora, se virando para me encarar.
Seus olhos estão sem vida, sem raiva, parecendo mais magoados do que
qualquer outra coisa, mas seu pedido de desculpas não soa nada sincero. Ele
não parece sentir nada. – Olha, tenho que ir.
Ele tira as chaves do carro do bolso e vai para a porta.
Embora me sinta paralisada, forço minhas pernas a se moverem e corro
até ele, parando na frente de Tyler, impedindo-o de abrir a porta.
– Não! Você não pode simplesmente ir embora assim! – grito,
exasperada com a brusquidão da cena e o raciocínio por trás daquilo. Até
agora Tyler não me deu uma razão para sua mudança de ideia repentina, e
isso só faz tudo doer ainda mais do que se ele simplesmente fosse honesto
comigo. – O que aconteceu com isso aqui, hein? – Empurro Tyler um passo
para trás e levanto o braço, esticando o pulso em frente ao seu rosto, minha
mão fechada com tanta força que as veias aparecem sob a tatuagem. – Você
disse que, se eu não desistisse, você também não desistiria! – Eu não me
importo de acordar minha mãe e Jack. No momento, eles são a última coisa
em que estou pensando. – E eu não desisti, então por que você está fazendo
essa merda?
Tyler aperta a ponte do nariz com os dedos, fechando os olhos e se
recusando a encarar as próprias palavras, gravadas na minha pele. É óbvio
agora que ele não acredita mais nelas, e ainda mais óbvio que sou uma idiota
por acreditar nele. Quando baixo a mão, sinto um soluço e tenho a sensação
de que vou vomitar a qualquer momento, então cubro a boca com a mão.
Mas não deveria ter feito isso, porque Tyler vê esse gesto como a
oportunidade perfeita para segurar meus ombros e me empurrar para o
lado. É exatamente isso que ele faz, para depois abrir a porta e partir sem dar
explicação.
Pelo visto acordamos Gucci, que está sentada no corredor do lado de
fora da minha porta, com os olhos brilhando, e Tyler tropeça nela, como se
nem percebesse sua presença. Gucci solta um ganido agudo e sai correndo.
– Tyler!
– Merda – murmura ele, rmando-se.
Ele para no corredor escuro, franzindo a testa, e depois segue para a sala.
Eu corro atrás dele, é claro, tentando pensar em algo, qualquer coisa, que
poderia dizer a ele para fazê-lo car ou pelo menos reconsiderar o que está
fazendo. Quando Tyler pega sua bolsa do sofá, digo as únicas palavras em
que consigo pensar.
– Por favor, por favor, por favor – imploro, a garganta tão seca que
começa a arder quando falo. Paro na frente dele de novo, mas está difícil
fazer contato visual, então espalmo as mãos no peito dele. – Por favor, não
faz isso. Você está chateado com tudo que aconteceu e está sendo irracional.
É só isso, Tyler – sussurro enquanto as lágrimas ameaçam cair, a voz
embargada. – Você nem tem um motivo real para ir embora assim. Se quer
mesmo deixar Santa Monica, é só vir para Chicago comigo. E não adianta
repetir que não quer mais car comigo, porque não acredito em você. Tudo
está indo tão bem... Sabe, a gente nalmente contou para todo mundo, Tyler!
A parte difícil passou! Aí de repente você decide isso?
Tyler está de olhos fechados de novo, porque parece ser a maneira mais
fácil de me evitar. Acho que não conseguiu olhar diretamente nos meus
olhos desde o momento em que me acordou. Ele abre a boca e solta um
suspiro. Então balança a cabeça devagar. E só. Sem resposta. Sem explicação.
Apenas o fraco aceno de cabeça que deixa claro que, não importa o que eu
diga, ele vai mesmo embora.
Tyler segura minhas mãos em seu peito, as aperta com força e as solta, e
estou tentando tanto não chorar que não tenho forças para impedi-lo. É por
isso que, quando ele se vira e atravessa a sala escura em direção à porta, eu
não faço nada. Não vou atrás dele. Nem me viro. Só olho para a parede, os
lábios tremendo quando as lágrimas jorram. Toco minha garganta e engulo
em seco, lutando contra o desejo de soluçar. Não quero que Tyler me ouça
chorar, mas, quando ouço a porta se abrindo, uma última onda de raiva me
domina, e sou forçada a me virar.
– Então irritamos nossos pais por nada? Magoamos Dean por nada? –
grito, trincando os dentes, minhas bochechas molhadas de lágrimas. Tyler
para e ouve. – Tudo porque você está se acovardando no último segundo?
– Não é isso – retruca Tyler, nalmente decidindo falar alguma coisa. Ele
olha para mim por cima do ombro, seus olhos tomados por uma emoção
que não consigo entender. – Só preciso de espaço por um tempo. Volto
quando estiver pronto.
– Mas eu te amo – sussurro, não porque acho que isso vai fazê-lo mudar
de ideia, mas porque quero que ele se lembre disso quando passar pela
porta.
– E eu preciso de você – solta Tyler. Isso me pega de surpresa,
considerando as circunstâncias. Isso contradiz tudo o que ele disse sobre
não querer mais car comigo, sobre desistir. – E esse é o problema, Eden. A
única razão para eu não ter quebrado a cara do seu pai hoje mais cedo foi
você. Não porque eu sabia que a coisa certa a fazer era ir embora. E sabe,
quando eu estava tentando largar a cocaína, só estava fazendo isso por você,
e não porque precisava parar para participar da turnê. É como se eu
precisasse de você para car bem, e não posso passar o resto da vida
dependendo de você assim. Eu preciso ser capaz de querer fazer a coisa
certa, por mim, e não por você, então preciso de um tempo longe. Preciso
saber que não vou car que nem o meu pai e, assim que tiver certeza disso,
eu volto. – Seus olhos estão inchados, como se ele estivesse lutando contra as
lágrimas, e a única coisa que consegue dizer por m são duas palavras
repletas de dor: – Eu prometo.
Sem mais qualquer explicação, ele apoia a cabeça no batente, respira
fundo e sai. Simples assim. Ele abre a porta, me lança um último olhar
desolado e sai. A porta se fecha sozinha atrás dele, e quando ouço aquele
clique horrível, a realidade me atinge com mais força ainda, naquele exato
momento: Tyler desistiu. E ainda não sei o real motivo.
A casa está escura e silenciosa e até um pouco fria, e co parada no meio
da sala de estar, entorpecida. Pelas frestas nas persianas, vejo Tyler entrar no
carro, bater a porta e dar a partida. Quando o motor ronca, sinto um nó na
garganta. Ele está mesmo indo embora, penso, e não há nada que eu possa
fazer para detê-lo. O carro se afasta pela rua tranquila. E ele vai embora.
Um gemido de dor escapa da minha garganta entre soluços enquanto os
faróis do carro iluminam as paredes da sala e desaparecem. Estou me
sentindo tão fraca que nem me aguento em pé, então me apoio na mobília
até chegar ao sofá, onde desabo, erguendo as pernas e apertando-as junto ao
peito enquanto tento controlar meus tremores excessivos. Não sei o que
pensar.
Quanto tempo Tyler vai levar para encontrar a própria força de vontade
e determinação? Alguns dias? Semanas? Meses? O que vou fazer enquanto
isso? Parar minha vida e esperar por ele? Infelizmente, isso não pode
acontecer. Agora vou ter que enfrentar meu pai e Ella sozinha. Vou ter que
lidar com Dean sozinha. Vou ter que lidar com Rachael e Tiffani sozinha.
Tyler me deixou para lidar com o nosso estrago sozinha. Era para ser nós
dois contra o mundo, Tyler e eu versus todo o resto. Agora sou só eu.
Do nada, ouço as patas de Gucci no piso de madeira enquanto ela se
aproxima de mim silenciosamente, ainda ganindo um pouco pela dor que
Tyler sem querer lhe in igiu. Ela sobe no sofá, cutucando meu joelho com o
focinho como se estivesse preocupada. Isso só faz mais lágrimas descerem
pelas minhas bochechas. Puxando-a para perto, eu a abraço e en o o rosto
nos seus pelos. Não se preocupe, penso, ele também me machucou.
Agradecimentos

Obrigada aos meus leitores que estiveram comigo desde o início e que viram
este livro crescer. Obrigada por tornarem o processo de escrita tão
agradável, e obrigada por carem comigo por tanto tempo. Obrigada a todos
na Black & White Publishing por acreditar neste livro tanto quanto eu. Serei
eternamente grata a Janne, por desejar que eu dominasse o mundo; a Karyn,
por todos os comentários e conhecimento transmitido; e a Laura, por
sempre cuidar de mim. Obrigada à minha família por seu apoio e sua
torcida in nitos, especialmente a minha mãe, Fenella, que sempre me levava
à biblioteca quando eu era mais nova para que eu pudesse me apaixonar
pelos livros; a meu pai, Stuart, que sempre me encorajou a ser escritora; e
por m ao meu avô, George West, por acreditar em mim desde o primeiro
dia. Obrigada a Heather Allen e Shannon Kinnear por ouvirem minhas
ideias e me deixarem falar sem parar sobre o livro, sem nunca me
mandarem car quieta, apesar de meu entusiasmo provavelmente ter
enlouquecido as duas. Obrigada a Neil Drysdale por me ajudar a chegar até
aqui. Obrigada, obrigada, obrigada. E, por m, obrigada a Danica Proe,
minha professora quando eu tinha onze anos, por ser a primeira pessoa a
me dizer que eu escrevia como uma escritora de verdade e por me fazer
perceber que escritora era exatamente o que eu queria ser.
Sobre a autora

ESTELLE MASKAME cresceu na pequena cidade de Peterhead, no


nordeste da Escócia. Ela vem de uma grande família de pescadores e sempre
foi apaixonada por livros. Aos 13 anos começou a escrever, e publicou a
trilogia Já Disse que Te Amo aos 19, passando a se dedicar integralmente à
escrita. Sua série já vendeu mais de 1 milhão de exemplares em 19 países.
Estelle construiu uma base de fãs grande e leal na plataforma Wattpad, onde
seus livros já tiveram mais de 4 milhões de acessos. Vencedora do Young
Scot of the Year Award, foi indicada a dois prêmios da Romantic Novelists’
Association.
CONHEÇA OS LIVROS DE ESTELLE MASKAME

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