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A palavra “missão”,1 nos dias atuais, já não está restrita somente ao ambiente cristão ou
religioso. As empresas, indústrias, instituições bancárias, etc., adaptam-se aos novos
tempos, deixando claro para funcionários e clientes a sua “missão”. Tornou-se comum
entrar num banco e ver escrito em letras garrafais: “Nossa missão é ser o melhor banco do
Brasil, assegurar a satisfação dos clientes, atender às expectativas dos acionistas e
contribuir para o desenvolvimento do país”;2 ou ainda receber uma carta em casa assinada
pelo presidente de uma grande multinacional cuja mensagem principal é comunicar a
missão da empresa.
Nosso ponto de partida para entender a Missão é afirmá-la como o testemunho do amor e
da presença de Deus na história pelos cristãos. Desejamos conceituar a missão no âmbito
do cristianismo contemporâneo, visando a utilização do termo no presente artigo.
Utilizaremos três conceitos: Missão,3 que será o conceito básico a ser desenvolvido;
missiologia,4 entendida como uma reflexão crítica sobre a Missão; e projeto missionário,
entendido como o conjunto de esforços, métodos e estratégias para levar adiante a Missão.
De acordo com o exposto acima, pode-se afirmar tacitamente que, em âmbito cristão,
existem atualmente quatro grandes projetos missionários mundiais: o católico romano,5 o
ecumênico,6 o evangelical7 e o fundamentalista.8 O católico romano e o fundamentalista
não serão abordados diretamentes na presente tese, apenas tangencialmente. Interessa-nos
os projetos ecumênico e evangelical.
1
O presente artigo é parte do capítulo primeiro da Tese de Doutorado do autor. A Tese, cujo título é "Pastoral como
o novo rosto da Missão - um estudo comparativo dos conceitos de Pastoral e Missão nos Movimentos Ecumênico e
Evangelical no Protestantismo Latino-Americano 1960-1992" foi desenvolvida na Universidade de Hamburgo,
Alemanha e na Universidade Metodista de São Paulo e defendida em 1997.
2
Cartaz do Banco do Brasil. Agência da Praia de Botafogo, Rio de Janeiro.
3
Nosso estudo tomará como ponto de partida as obras atuais que versam sobre Missão. Consultar: BLAUW,
Johannes. A natureza missionária da Igreja. São Paulo: Aste, 1966 BOSCH, David J. Transforming Mission:
paradigm shifts in theology of mission. New York: Orbis, 1991 CASTRO, Emilio. Hacia una pastoral
latinoamericana. Miami: INDEF/Caribe, 1971; COMBLIN, J. Teologia das Missões. Petrópolis: Vozes,
1980; COSTAS, Orlando E. Compromiso y Misión. Miami: Caribe, 1979; GONZALEZ, J. L. História de las
misiones. Buenos Aires: La Aurora, 1984; MARGULL, Hans J. Zeugnis und Dialog: Ausgewählte Schriften.
Hamburg: VadL, 1992; MÜLLER, Karl (org.). Teologia da Missão. Petrópolis: Vozes, 1995; SCHERER,
James A. Evangelho, Igreja e Reino: estudos comparativos de teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal,
1991; SUESS, Paulo. Evangelizar a partir dos projetos históricos dos outros: ensaio de missiologia. São
Paulo: Paulus, 1995; TUCKER, Ruth A. ...Até os confins da Terra: uma história biográfica das missões
cristãs. São Paulo: Vida Nova, 1989.
4
BOSCH, David J. Transforming Mission: paradigm shifts in theology of mission. New York: Orbis, 1991,.
p. 181 a 188; COSTAS, Orlando E. Compromiso y Misión. Miami: Caribe, 1979, p. 7 a 28; MÜLLER, Karl
(org.). Teologia da Missão. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 13 a 30.
5
O projeto missionário católico romano tem como seu principal artífice e divulgador o papa João Paulo II.
Consultar: BERNSTEIN, Carl & POLITI, Marco. Sua Santidade: João Paulo II e a história oculta de nosso
tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996. Para análises teológicas e encíclicas, consultar: SCHERER, James A.
Evangelho, Igreja e Reino: estudos comparativos de teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal, 1991, p. 146
a 171; MÜLLER, K., op. cit., p. 45-49, 201-213.
6
SCHERER, J. A., op. cit., p. 71 a 94.
7
STEUERNAGEL, Valdir R. A Missão da Igreja - Uma visão panorâmica sobre os desafios e propostas de
missão para a Igreja na antevéspera do terceiro milênio. Belo Horizonte: Missão Editora, 1994; CLEM.
John Stott comenta o Pacto de Lausanne. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 4).
8
GALINDO, Florencio. El protestantismo fundamentalista - Una experiencia ambigua para América Latina.
Navarra: Verbo Divino, 1992.
9
LATOURETTE, Keneth. A traves de la tormenta: historia de la expansión y las luchas del cristianismo
desde el año 1914 en adelante. Buenos Aires: La Aurora, 1945.
10
Consultar: TUCKER, Ruth A. ...Até os confins da Terra: uma história biográfica das missões cristãs. São
Paulo: Vida Nova, 1989, p. 70 - 77.
11
O projeto missionário dos Moravos expandiu-se da seguinte maneira: Ilhas Virgens (1732); Groenlândia
(1733); América do Norte (1734); Lapônia e América do Sul (1735); África do Sul (1736); Alaska (1885) e
América Central (1849).
12
TUCKER, R. A., op. cit., p. 120 - 128.
13
TUCKER, R. A., op. cit., p. 128 - 139.
14
TUCKER, R. A., op. cit., p. 154 - 162.
15
STRANSKY. “Missionary Societies”.In: Dictionary of the Ecumenical Movement. p. 696 a 699.
16
BOSCH, David J. Transforming Mission: paradigm shifts in theology of mission. New York: Orbis, 1991,
p. 302 a 313.
No final do século 20 e no início do século 19, teve início uma nova etapa na história das
missões mundiais, cujo marco principal foi a Conferência de Edimburgo (1910). Até a
realização dessa conferência, houve um processo que envolveu as sociedades missionárias
e os respectivos missionários que estavam espalhados pelo mundo. Na fase de preparação
para Edimburgo, foram realizadas três outras conferências mundiais de Missão: em
Liverpool (1860), em Londres (1888) e em Nova Iorque (1900). Também realizaram-se
conferências continentais, visando os missionários que retornavam ao país de origem, e
assembléias na Ásia, na África e América Latina.17 Em todos esses eventos, foram
debatidos temas como: tradução da Bíblia; ajuda médica; trabalho social; literatura em
língua nativa; formação de pessoal em nível nacional, continental e mundial; lugar e
formação da mulher; evangelização de novas regiões; crescimento da Igreja; relação entre
os missionários e os nativos; desenvolvimento, auto-sustento e auto-administração das
igrejas; e relação com os governos.
A Conferência de Missão Mundial, realizada em Edimburgo, Escócia, de 12 a 23 de junho
de 1910, marcou a história da missão mundial contemporânea. Na sequência foram
realizadas outras conferências. Em 1921, na cidade de Lake Mohonk, (EUA), fundou-se o
Concílio Missionário Internacional (Comin),18 que foi o responsável por convocar e
realizar as demais conferências: Jerusalém (1928); Tambaram (1938); Whitby (1947);
Willingen (1952); Achimota (1958); e Nova Dheli (1961).
O Concílio Missionário Internacional, em sua reunião de 1961, em Nova Dheli,
incorporou-se ao CMI, ocasião em que foi criada a Divisão (mais tarde Comissão) de
Missão e Evangelismo do CMI.19 Foi esta quem convocou e realizou as Conferências
Mundiais de Missão e Evangelização que se seguiram: México (1963); Bangcoc (1972);
Melbourne (1980); San Antonio (1989), e Salvador (1996).20
Em linhas gerais, podemos afirmar que o conceito de Missão foi-se tranformando,
paulatinamente, sempre de acordo com a perspectiva que atendia ao projeto missionário do
momento. No início do século 20, numa abordagem soteriológica, a Missão foi concebida
como salvação individual da condenação eterna. Em termos culturais, significou a
introdução dos povos do Leste e do Sul nos privilégios e bênçãos do ocidente cristão.
Ainda em termos eclesiológicos, foi muitas vezes entendida como a expansão das igrejas
ou denominações. Em alguns casos foi também concebida em termos de Reino de Deus.
Percebem-se, então, claramente, os vários enfoques e ênfases teológicas que se confundem
e se entrelaçam, tais como cristologia, soteriologia e doutrina trinitária. 21
Acompanhando a história do Concílio Missionário Internacional, percebemos que há
também uma mudança nos paradigmas da Missão. Em Edimburgo (1910), a preocupação
era com os continentes não-cristãos, mormente Ásia e África, que deveriam receber a
mensagem dos continentes cristãos, especificamente Europa e Estados Unidos da América
do Norte. Em Jerusalém (1928), o mal que ameaçava o cristianismo era o secularismo e
questionou-se também o significado da missão cristã em continentes não-cristãos.
Discutiu-se a relação da Missão com a Igreja e a independência das igrejas “jovens” das
igrejas-“mães”. A mensagem final da conferência rejeitou qualquer tipo de sincretismo e
17
BRENNECKE, Gerhard. Weltmission in Ökumenischer Zeit. Stuttgart: Evang. Missionsverlag GmbH,
1961, p. 214 a 232.
18
HOWELL, Leon. Fe en acción: La obra del Consejo Mundial de Iglesias desde 1975. Genebra: CMI,
1975, p. 27 a 38.
19
POTTER. “Mission”. In: Dictionary of the Ecumenical Movement. p. 690 a 696.
20
LONGUINI NETO, L.. Conferências anteriores a Salvador: dados históricos. Em: Tempo e Presença nº
289, set./out. 1996., p. 7 a 31.
21
BOSCH, D. J., op. cit., p. 389.
afirmou: “Nossa mensagem é Jesus Cristo. Não nos é permitido oferecer menos e não
podemos oferecer mais”.22
Na Conferência de Madras (1938) o eixo da discussão esteve voltado para as demais
religiões não-cristãs. Colaborou muito para essa análise o missionário holandês H.
Kraemer, que em nome do Concílio Missionário Internacional falou sobre “A mensagem
cristã em um mundo não-cristão”.23 Em Whitby (1947), a primeira Conferência Mundial
após a Segunda Grande Guerra, seguiram-se as orientações de Madras e afirmou-se que a
Missão e a Igreja são inseparáveis. Forjam-se o conceito de missiones ecclesiae. 24
O conceito de Missio Dei vai ser formulado a partir de Willingen (1952). Tal conceito
afirma que o ponto de partida da Missão é a Santíssima Trindade, ou seja, o Pai enviou o
Filho, e o Pai e o Filho enviaram o Espírito Santo para a redenção da humanidade.25 O
missiólogo holandês J. C. Hoenkendijk afirmou que quando a Missão tem como ponto
central a Igreja, ela precisa mudar, pois tem um ponto central errado. Em Willingen ficou
patente que tanto a Missão como a Igreja deveriam viver da Missio Dei e na Missio Dei, do
envio de Jesus e do Espírito Santo. Afirmou-se mais: não existe discípulo de Jesus Cristo
sem que seja um discípulo do trabalho missionário.26
A formação do CMI em 1948 influenciou, também, sem dúvida alguma, o movimento
missionário mundial. No CMI, igrejas de todas as partes do mundo encontraram-se como
irmãs em pé de igualdade. A partir de Willingen a hegemonia européia e norte-americana
nas missões mundiais foi questionada e novos caminhos se abriram. Essa reflexão tornou-
se patente na Assembléia de Achimota, Ghana, em 1957/58, e pela primeira vez foi dito
aos europeus e americanos: “Antes a Missão tinha problemas, hoje a Missão em si é o
problema”.27 Quando da integração do Concílio Missionário Internacional ao CMI na
Assembléia de Nova Dheli (1961), discutia-se se as igrejas não se tornariam um empecilho
para as Sociedades Missionárias no cumprimento da Missão.
A partir da Conferência do México (1963), o primeiro evento ecumênico de tal magnitude
realizado na América Latina, a expressão “missão mundial” tomou realmente sentido.
Falou-se da Missão no e para os seis continentes. Desde então, não tem mais sentido
relacioná-la como uma empresa dos países do ocidente cristão.
A partir da década de 1970, o conceito de Missão ficou intimamente ligado a questões
sociais. Em Bangcoc (1972/73) viu-se claramente a polarização ideológica tomar conta do
cenário, uma vez que pensar a Missão no seu contexto vital significava levar em conta as
ditaduras militares e a situação de exploração e miséria em que vivia a maior parte da
população mundial. Bangcoc teve como tema “A salvação hoje”, e subtemas como
“Cultura e identidade” e “Salvação e justiça social”, dentre outros. Essa conferência foi
marcada pela coragem e pelo compromisso de suas propostas. Acusam-na de ter sido
exageradamente verticalista e ter conceituado a “salvação” como algo extremamente
social.28 A reação a essa postura de Bangcoc veio com a Conferência de Melbourne (1980),
cujo tema foi “Venha o teu Reino” e a preocupação central foi o pobre. Enfatizou-se,
também, a “missão holística”, ou seja, integral que contemplasse todos os aspectos, não só
o social.29
22
BRENNECKE, Gerhard. Weltmission in Ökumenischer Zeit. Stuttgart: Evang. Missionsverlag GmbH,
1961, p. 220 a 222.
23
BRENNECKE, Gerhard., op. cit., p. 222 a 225.
24
BRENNECKE, Gerhard., op. cit., p. 225 a 227.
25
BOSCH. D. J., op. cit.,. p. 389 a 393.
26
BRENNECKE, Gerhard., op. cit., p. 227 a 230.
27
BRENNECKE, Gerhard., op. cit., p.230 a 231.
28
ARIAS, Mortimer. Salvação hoje. Petrópolis: Vozes, 1974. Trata-se da publicação em português das
palestras, relatórios e documentos da Conferência de Bangoc.
29
CMI. Venga tu Reino - perspectivas misioneras. Informe de la Conferencia Mundial de Missiones y
Quanto à cooperação internacional missionária, ainda que sem uma forma estrutural
definida como o CMI, podemos citar algumas instituições evangelicais que articularam,
nesse período mais recente, o movimento: Associação Interdenominacional para a Missão
no Exterior (Aime), composta por missões independentes e sociedades missionárias
interdenominacionais; Associação Evangelical para a Missão no Exterior (Aeme), que é o
braço missionário da Associação Nacional de Evangelicais dos EUA; Associação
Evangelística Billy Graham; Comunhão Evangelical Mundial (CEM), cujo nome em inglês
é Evangelical World Fellowship (EWF); Visão Mundial, especialmente o Departamento de
Pesquisa, Centro de Pesquisa Avançada sobre Missão e Comunicação (CPAMC);
Comunhão Cristã Interuniversitária; Campus Cruzade International; Escola de Missões do
Seminário Teológico de Fuller, em Pasadena, na Califórnia (EUA); e a Revista Christianity
Today32.
De 9 a 16 de abril de 1966, a Aime e a Aeme patrocinaram, em conjunto, um congresso
sobre a missão mundial da Igreja cujo propósito foi possibilitar que os líderes evangelicais
explicassem sua teologia e estratégia missionárias em contraposição ao Movimento
Ecumênico, na convicção de que o movimento missionário evangelical atingira a
maioridade. Por outro lado, o congresso não conseguiu encontrar uma solução aceitável
para as contínuas tensões existentes entre Igreja e Missão, nem uma fórmula aceitável para
expressar visivelmente a unidade espiritual sentida pelos evangelicais. O Congresso de
Wheaton ficou conhecido pelos ataques que fez ao Movimento Ecumênico, tais como:
liberalismo teológico; perda de convicção evangélica; universalismo teológico;
substituição da evangelização pela ação social; e busca da unidade às custas da verdade
bíblica33.
No mesmo ano de 1966 (de 24 de outubro a 4 de novembro) a revista Christianity Today
patrocinou, na cidade de Berlim (Alemanha), o Congresso Mundial de Evangelização. O
propósito era definir a evangelização bíblica, realçar a urgência e estudar os obstáculos à
evangelização e formas de superá-los. Seguindo a mesma linha de Wheaton, o Congresso
de Berlim preocupou-se em dar maior visibilidade e articulação ao Movimento Evangelical
como alternativa ao Movimento Ecumênico. Dentre as várias resoluções tomadas em
Berlim no campo da missão mundial, uma em especial afetou a Ásia, África e América
Latina: decidiu-se que, após Berlim, congressos continentais sobre evangelização deveriam
ser realizados. Na América Latina tivemos a convocação e realização de Clade I em Lima
(Peru), no ano de 1969.
Clade I foi o ponto de partida para a articulação do Movimento Evangelical na América
Latina, sobretudo porque reeditou em nível continental o mesmo descontentamento e
oposição que havia em nível mundial com o Movimento Ecumênico. Na América Latina, o
Movimento Ecumênico articulava-se por intermédio das Cela’s, cuja terceira e última
conferência de sua história foi realizada também em 1969.
Em nível de um novo conceito de Missão e de articulação de uma nova agenda pastoral
para os setores eclesiásticos conservadores do Continente, o congresso foi de tal
importância para. Nos corredores do Congresso surgiu uma articulação de teólogos
autóctones, cujo objetivo foi a formação de uma fraternidade de teólogos, o que mais tarde
veio a ser a Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL).
O redimensionamento da Missão no Movimento Evangelical contemporâneo vai acontecer
com o Congresso Mundial de Evangelização realizado em Lausanne (Suíça), em 1974. A
partir desse congresso forjou-se uma nova nomenclatura para o Movimento Evangelical,
uma vez que foi aceito um pacto, originalmente assinado por todos os participantes (2.700
32
SCHERER, J. A., op. cit., p. 123.
33
SCHERER, J. A., loc. cit.
pessoas) que ficou conhecido como o Pacto de Lausanne (PL) e que ensejou, ainda,
conceitos como Movimento de Lausanne ou Espírito de Lausanne.
O Pacto de Lausanne34 foi elaborado em três etapas, cujo relator final no congresso foi o
eminente e respeitado líder evangelical anglicano John Stott. A representatividade do Pacto
é abrangente, não só pelos temas que aborda, como também pela própria participação no
congresso - 50% dos participantes, oradores e comissão de planejamento eram oriundos do
Terceiro Mundo. Afirma-se que o PL foi fortemente influenciado pela teologia emergente
do Terceiro Mundo, o que fez com que houvesse muitas tensões, especialmente na relação
da evangelização com a responsabilidade social dos cristãos.
O Pacto de Lausanne aborda os seguintes temas: o propósito de Deus; a autoridade e o
poder da Bíblia; a unicidade e universalidade de Cristo; a natureza da evangelização; a
responsabilidade social cristã; a Igreja e a evangelização; a cooperação na evangelização;
esforço conjugado de igrejas na evangelização; urgência da tarefa evangelística;
evangelização e cultura; educação e liderança; conflito espiritual; liberdade e perseguição;
o poder do Espírito Santo; e o retorno de Cristo.35
Após o Congresso de Lausanne, foi organizado um Comitê de Lausanne para a
Evangelização Mundial (Clem) que, reunido no México, em 1976, criou três comissões de
trabalho: comunicação, teologia e estratégia. Desde então o Clem vem implementando, por
meio de consultas no mundo todo, o conceito de Missão à luz do Pacto de Lausanne, as
quais procuram relacionar as seções do PL de acordo com as necessidades de cada região.
Cada consulta foi acompanhada de uma série de materiais preparatórios e no final
publicou-se o resultado em vários idiomas. O PL e o Movimento Evangelical, como um
todo, ao articularem o conceito de Missão, fazem-no numa perspectiva em que conceitos
outros, tais como evangelização e evangelismo, ocupam um lugar que poderia ser
identificado como proselitismo e desrespeito ao cristianismo tradicional. 36 Por outro lado,
confundem o que poderia ser encarado como diálogo com outras religiões37 e tratam com
certa ingenuidade o homem e o mundo secularizado contemporâneos.38
As áreas em que o conceito de missão evangelical contribui bastante para o movimento
mundial de missões foram: um estilo de vida simples,39 tema que nem sempre é abordado
pelos países ricos quando se trata de Missão no chamado Terceiro Mundo; relação do
Evangelho com a cultura,40 uma vez que a transmissão do Evangelho, quase sempre, foi
encarada como um choque entre culturas e a destruição de culturas autóctones por outras
que se impunham, até mesmo por meio da violência; e responsabilidade social relacionada
com evangelização,41 algo extremamente relevante, sobretudo se levarmos em conta que o
Movimento Evangelical alcança os setores mais conservadores e até fundamentalistas do
protestantismo. Lamentavelmente, temos de constatar que a recepção do Pacto de
34
CLEM. John Stott comenta o Pacto de Lausanne., op. cit.
35
Informações atuais sobre o Pacto de Lausanne, até mesmo com tradução para vários idiomas, podem ser
encontradas na home page <http://www.goshen.net/Lausanne.>
36
CLEM. Chamam-se cristãos. São Paulo: ABU, Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 9); CLEM. O
desafio das novas religiões. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 8); CLEM. O
Evangelho e o marxista. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 7).
37
CLEM. Testemunho cristão junto aos muçulmanos. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série
Lausanne, 10).
38
CLEM. O Evangelho e o homem secularizado. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne,
6).
39
CLEM. Viva a simplicidade. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 5).
40
CLEM. O Evangelho e a cultura. São Paulo, ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 3).
41
CLEM. Evangelização e responsabilidade social. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série
Lausanne, 2); CLEM. Tive fome. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 1).
42
COOK, G. & VEGA, Alvaro (ed.). Movimiento de Lausana y Misión de la Iglesia: aportes desde América
Central. s. l., Celep, 1989.
43
COSTAS, Orlando E. Compromiso y Misión. Miami: Caribe, 1979, p. 89. “Temos dito que a ação pastoral
responde a um fenômeno maior: a missão de Deus. É necessário, pois, que veja a Teologia Pastoral com uma
ótica missiológica. Este esclarecimento é importante pois na maioria das teologias pastorais (católicas e
evangélicas) que se tem escrito, na Europa e nas Américas, a relação tem sido inversa. Sendo assim, tem-se
visto a missiologia como um apêndice, no máximo um capítulo, da pastoral. Assim, os católicos falam de
pastoral missionária e os evangélicos de missões e evangelização como divisões da teologia prática. Esta
perspectiva da pastoral necessita ser questionada pois leva em conta o caráter (e não meramente a dimensão)
missionário da pastoral. Sem missão não pode haver pastoral pois esta existe em virtude e em função da
missão. Daí que a fé bíblica apresente Deus como um Deus missionário que atua pastoralmente na história.”
44
STEUERNAGEL, V. R. (ed.)., op. cit., p. 203 a 226.
CONCLUSÃO
Nossa perspectiva, ao relacionar Pastoral e Missão, encontra respaldo na formulação
teológica de Orlando Costas:
Hemos dicho que la acción pastoral responde a un fenómeno mayor:
la misión de Dios. Hay, pues, que ver la teología pastoral con una óptica
misiológica. Esta aclaración es importante por cuanto en la mayoría de
las teologías pastorales (católicas y evangélicas) que se han escrito, en
Europa y en las Américas, la relación ha sido a la inversa. Es decir, se
ha visto la misiología como un apéndice, a lo máximo un capítulo, de la
pastoral. Así, los católicos hablan de pastoral misionera y los
evangélicos de misiones y evangelización como divisiones de la teología
práctica.
Esta perspectiva de la pastoral necesita ser cuestionada por cuanto
toma en cuenta el carácter (y no meramente la dimensión) misional de la
pastoral. Sin misión no puede haber pastoral por cuanto ésta existe en
virtud y función de la misión. De ahí que la fe bíblica presente a Dios
como un Dios misionero que actúa pastoralmente en la historia.52
49
Para maiores detalhes e compreensão global dos temas, consultar: “Declaración de Tailandia”. Pastoralia,
nº 10-11, jul./dez. 1983. p. 91 a 96.
50
Consultar: “Wheaton-83: la iglesia en respuesta a las necessidades humanas”. In: Pastoralia nº 10-11,
jul./dez. 1983. p. 100 a 113.
51
CELEP. The Gospel according to Lausanne: a critique. Latin American Pastoral Issues, nº 2.
52
COSTAS, O. E., op. cit., p. 89. “Temos dito que a ação pastoral responde a um fenômeno maior: a missão
de Deus. Faz-se necessário, pois, ver a Teologia Pastoral como uma ótica missiológica. Esse esclarecimento é
importante, uma vez que na maioria das teologias pastorais (católica e evangélica) escritas na Europa e nas
Américas, a relação tem sido inversa, ou seja, encaram a missiologia como um apêndice, no máximo um
capítulo, da Pastoral. Assim, os católicos falam de pastoral missionária e os evangélicos de missões e
evangelização como divisões da Teologia Prática. Essa perspectiva da Pastoral, necessita ser questionada,
porquanto, leva em consideração o caráter (e não meramente a dimensão) missional da Pastoral. Sem Missão
A síntese apresentada por Orlando Costas sobre Pastoral e Missão é a perspectiva que
desenvolvemos em nossa tese, procurando apresentar a Pastoral como o novo rosto da
Missão.
Em síntese, a história recente das missões nos mostra um confronto de paradigmas,
articulados segundo interesses de cada movimento. Em ambos os casos, a Missão foi
entendida como o esforço de “missionários heróicos”, esteve sob a tutela das Sociedades
Missionárias e passou a ser articulada pelo Comin, depois CMME (em âmbito ecumênico)
e pelo Movimento de Lausanne (em âmbito evangelical). Houve evolução e conjugação
dos conceitos de Missão como parte da Igreja ou a Igreja que faz Missão, a Missão como
Missio Dei e a pastoral como o novo rosto da Missão ou ainda como parceira da Missão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BERNSTEIN, Carl & POLITI, Marco. Sua Santidade: João Paulo II e a história oculta de
nosso tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
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CLEM.John Stott comenta o Pacto de Lausanne. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975.
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CLEM.O Evangelho e o homem secularizado. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série
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CLEM.O Evangelho e o marxista. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne,
7).
não pode haver Pastoral, porquanto esta existe em virtude e função da Missão. Por isso, a fé bíblica apresenta
a Deus como um Deus missionário que atua pastoralmente na história.”
CLEM.Testemunho cristão junto aos muçulmanos. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975.
(Série Lausanne, 10).
CLEM.Tive fome. São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1975. (Série Lausanne, 1).
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São Paulo: Paulus, 1995.
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