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Revista Científica da FMC - Vol.

13, Nº 2, Dezembro de 2018 ARTIGO DE REVISÃO

DOI 10.29184/1980-7813.rcfmc.198.vol.13.n2.2018

ANATOMOFISIOLOGIA DO ESTRESSE E O PROCESSO DE ADOECIMENTO


ANATOMOPHYSIOLOGY OF STRESS AND THE PROCESS OF ILLNESS
1
Thalita Pereira de Oliveira Rocha *; Mateus Santos Matos1; Flávia Batista Correa1; Caio Oliveira Silva1; Rogério da Silva
Burla2

1 - Graduando(a) em Medicina pela Faculdade de Medicina de Campos – Rio de Janeiro


2 - Engenheiro agrônomo pela Universidade Estadual do Norte Fluminense, mestre em engenharia ambiental pelo Instituto
Federal Fluminense, graduando em Medicina pela Faculdade de Medicina de Campos – Rio de Janeiro

*Autor de Contato: Thalita Pereira de Oliveira Rocha – (32) 991065270; thalitapereiradeoliveira@gmail.com

RESUMO ABSTRACT
A organização produtiva contemporânea tem imposto The contemporary production organization has imposed
aos cidadãos um estilo de vida competitivo, com on citizens a competitive lifestyle, with the threat of
ameaça de desemprego, longas jornadas de trabalho, unemployment, long working hours, the need to
necessidade de consumir, além de outras dificuldades. consume, as well as other difficulties. During stressful
Durante eventos estressantes ocorre uma resposta do events, a hypothalamic-pituitary-adrenal axis response
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal que secreta o that secretes the hormone cortisol occurs. Depending
hormônio cortisol. Dependendo da duração e on the duration and intensity of the stressor, the high
intensidade do estressor, o nível elevado de cortisol level of cortisol may cause pathologies. The present
pode ocasionar patologias. O presente estudo buscou study sought to understand the anatomical and
compreender as bases anatômicas e fisiológicas do physiological bases of the process of illness caused by
processo de adoecimento causado pelo estresse chronic stress. Among the most studied pathologies
crônico. Dentre as patologias mais estudadas causadas caused by hypercortisolism are hypertension, increased
pelo hipercortisolismo estão a hipertensão arterial, blood glucose, muscle weakness, stretch marks,
aumento da glicose sanguínea, fraqueza muscular, osteoporosis, obesity, degeneration of the brain and
estrias, osteoporose, obesidade, degeneração do reduction of immunity. It is important to emphasize that
encéfalo e a redução da imunidade. É importante people emit different responses to stress, so that the
salientar que as pessoas emitem respostas diferentes signs and symptoms will not be equal among the
ao estresse, de forma que os sinais e sintomas não affected. Finally, any public or private initiative that
serão iguais entre os acometidos. Por fim, toda establishes social, economic and emotional stability can
iniciativa pública ou privada que estabeleça a suppress the pathologies associated with stress.
estabilidade social, econômica e emocional pode Keywords: hypothalamic-pituitary-adrenal axis,
suprimir as patologias associadas ao estresse. cortisol, pathologies.
Palavras-chaves: eixo hipotálamo-hipófise-adrenal,
cortisol, patologias.

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INTRODUÇÃO Na situação de estresse, a resposta neuronal da


O estresse ocorre quando um indivíduo recebe amígdala estimula a resposta hormonal do hipotálamo
um estímulo e o interpreta como algo nocivo ao seu induzindo a liberação do fator liberador de
equilíbrio interno. Quando a pessoa entende que ela corticotropina (CRH), que por sua vez estimula a
possui os meios adequados para enfrentar o agente hipófise ou pituitária a liberar outro hormônio, o
estressor, o estresse é minimizado ou nem sequer é adrenocorticotrópico (ACTH), na corrente sanguínea,
percebido. Por outro lado, se a pessoa julga que não que irá estimular as glândulas adrenais (zona
possui as ferramentas necessárias para lidar com o fasciculada) a liberar o hormônio cortisol que atuará
estressor, ela estará sob estresse (QUESADA, 2013). na resposta corporal ao estresse (OLIVEIRA, 2013).
Desta forma, percebe-se o caráter subjetivo do estresse, Simultaneamente, o hipotálamo atua diretamente
que dependerá de fatores genéticos, cognitivos e sobre o sistema nervoso autônomo para que ele
experiências anteriores (LUPIEN et al., 2007). desencadeie, imediatamente, a reação ao estresse. O
O estresse, enquanto, função normal no corpo é então preparado para a reação de luta ou fuga
organismo humano atua como promotor da motivação, através de uma via dupla: uma resposta nervosa de
da busca por melhorias nas atividades cotidianas, curta duração e uma resposta endócrina (hormonal)
estimulando os indivíduos para a superação dos (Figura 2), de maior duração (BEAR; CONNORS;
desafios. Este é o eustress, estresse fisiológico do PARADISO, 2017; OLIVEIRA, 2013).
organismo que funciona como elemento impulsionador
(SILVA, 2005).
Contudo, a rotina e o estilo de vida
contemporâneo tornaram-se extremamente frenéticos
quanto à exigência por resultados e produtividade. A
presença da competitividade nas relações humanas
tem desencadeado emoções negativas quanto à busca
por poder, sucesso e dinheiro, levando ao aumento
exagerado do estresse, além de ocasionar inúmeras
patologias físicas e mentais. Este é o distress, que é
anormal e patológico (SILVA, 2005). Figura 2 – Estimulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e
Quando há um agente estressor físico ou sistema nervoso autônomo em uma situação de estresse.
emocional, atuando sobre o organismo, ocorre a Adaptado de Lipp (2010).
ativação da amígdala (Figura 1), uma estrutura
encefálica que faz parte do sistema límbico, uma área As glândulas adrenais estão situadas
cerebral associada, entre outras coisas, com a imediatamente sobre os rins, sendo por isso, também
elaboração das emoções e a tradução destas em sinais conhecidas como glândulas suprarrenais (Figura 3).
bioquímicos (OLIVEIRA, 2013).

Figura 1 – Destaque da amígdala e hipocampo na vista medial do


lobo temporal, após, secção sagital do encéfalo. Adaptado de Figura 3 – Relação das glândulas adrenais com os rins. Adaptado
Bear; Connors; Paradiso (2017). de Koeppen; Stanton (2009).

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Embriologicamente, as glândulas adrenais são forma, o estresse pode se impor sobre o feedback
semelhantes à hipófise, pois ambas são originadas tanto inibitório direto do cortisol, provocando exacerbações
do tecido neural quanto de tecido epitelial. A porção na secreção do cortisol (GUYTON; HALL, 2011).
externa da glândula adrenal, conhecida com córtex, Situações de estresse crônico estão quase
desenvolve- se de células mesodérmicas, na região ao sempre associados a efeitos deletérios importantes
redor do polo superior dos rins em desenvolvimento. relacionados a condições clínicas crônicas e
Estas células formam cordões de células endócrinas degenerativas, tais como aumento da resistência
epiteliais que dão origem as células esteroidogênicas. insulínica, aterosclerose, maior deposição de gordura
Logo depois da formação do córtex adrenal, as células visceral, osteoporose, alterações imunológicas e
originárias da crista neural associadas aos gânglios transtornos psiquiátricos. (BORGES NETO, 2011;
simpáticos, denominadas células cromafins, migram MATOS, 2011). Neste sentido, o presente estudo,
para dentro do córtex e são envoltas pelas células baseado na revisão de literatura, teve por objetivo
corticais. Assim, as células cromafins ocupam a porção elucidar quais são as principais patologias físicas e
interna da glândula adrenal, que é denominada medula mentais que podem acometer os indivíduos que estão
(KOEPPEN; STANTON, 2009). submetidos ao estresse crônico.
As glândulas adrenais compreendem duas
regiões distintas: uma parte interna, ou medula, que 2- DISCUSSÃO
secreta adrenalina (epinefrina) e noradrenalina 2.1 - O Estresse e as Patologias Físicas
(norepinefrina) e uma camada externa ou córtex, que 2.1.1– O Estresse e o Encéfalo
é subdividida em três camadas: zona glomerulosa que O estresse leva à liberação do hormônio
secreta o mineralocorticoide aldosterona, zona esteróide cortisol pelo córtex da adrenal. Dadas as
fasciculada que produz, principalmente, o suas características lipossolúveis, os glicocorticoides
glicocorticoide cortisol e zona reticular produtora de podem facilmente atravessar a barreira
hormônios androgênicos (BEAR; CONNORS; hematoencefálica e acessar o cérebro onde eles se
PARADISO, 2017; OLIVEIRA, 2013). ligam aos receptores. As três áreas cerebrais mais
A zona fasciculada do córtex adrenal é a camada importantes que contêm receptores de glicocorticoides
do meio e a mais larga, ocupando cerca de 75% do são o hipocampo, a amígdala e os lobos frontais, que
córtex adrenal e é responsável por secretar os são estruturas cerebrais conhecidas por estarem
glicocorticoides cortisol e corticosterona, bem como envolvidas nos processos de aprendizagem e memória
pequena quantidade de androgênios e estrogênios (LUPIEN et al., 2007).
adrenais. A secreção dessa região é regulada, O cortisol, por meio da pela corrente sanguínea
especialmente, pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal chega até o encéfalo e liga-se aos receptores no
(HHA) por meio do hormônio adrenocorticotrópico citoplasma de muitos neurônios. A ativação dos
(ACTH) (GUYTON; HALL, 2011). receptores desencadeia respostas no núcleo da célula,
As percepções de dor causadas pelo estresse onde estimulam a transcrição gênica e, por
físico ou lesões nos tecidos são, inicialmente, consequência, a síntese proteica. Uma das ações do
transmitidas centralmente por meio do tronco cerebral cortisol é a facilitação da entrada de mais Ca2+ nos
e finalmente, para a eminência mediana do hipotálamo, neurônios através de canais iônicos dependentes de
onde o CRH é liberado para o sistema porta hipofisário. voltagem. Isso pode ocorrer devido a uma alteração
Rapidamente, toda a sequência de controle provoca a direta nos canais, ou pode ser causado indiretamente,
liberação de grande quantidade de cortisol no sangue. por mudanças no metabolismo energético celular.
O estresse psicológico pode ocasionar elevação Independente da causa, o maior influxo de Ca2+ nos
igualmente rápida da secreção de ACTH. Aceita-se neurônios aumenta a atividade de enzimas
que isso resulte do aumento no funcionamento do intracelulares que degradam ácidos nucleicos, proteínas
sistema límbico, particularmente na região da amígdala e lipídeos. Os neurônios literalmente se autodigerem
e do hipocampo, que transmitem, então, estímulos para (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017).
o hipotálamo. A figura 2 mostra que o próprio cortisol Por questões éticas, orgânicas e de
atua negativamente (feedback negativo) sobre o biossegurança, estudar o encéfalo humano é tarefa
hipotálamo e a pituitária para manter o seu ponto de extremamente difícil. Por isso, pesquisadores vêm
equilíbrio. Contudo, estudos demonstraram que os estudando encéfalos de pequenos animais, como por
estímulos estressantes são preponderantes. Desta exemplo, encéfalos de ratos. Diversos estudos

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revelaram que administração diária de corticosterona termo apresentaram mais sintomas emocionais, déficits
(o glicocorticoide do rato, análogo ao cortisol humano) de memória visual e dificuldades em recuperar as
por várias semanas levaram à redução dos dendritos informações verbais armazenadas quando comparadas
em muitos neurônios com receptores para as a termo. O estudo sugeriu que a exposição a
corticosterona. Poucas semanas mais tarde, essas inúmeros procedimentos invasivos e dolorosos durante
células começaram a morrer. Resultados semelhantes os cuidados neonatais contribuíram para estas
foram achados quando, em vez de receberem injeções alterações (QUESADA et al., 2012).
diárias de hormônios, os ratos foram estressados
durante inúmeros dias consecutivos (BEAR; 2.2– Elevação da Concentração Sanguínea de Glicose
CONNORS; PARADISO, 2017). O efeito metabólico mais bem estudado do
Pesquisas têm mostrado claramente que o estresse hormônio cortisol e de outros glicocorticoides é sua
crônico causa envelhecimento prematuro do encéfalo. capacidade de estimular a gliconeogênese (formação
Em humanos, exposição aos horrores da guerra, abuso de carboidratos a partir de aminoácidos, lactato e
sexual e outros tipos de violência extrema podem levar glicerol) pelo fígado, cuja atividade frequentemente
ao transtorno do estresse pós-traumático, com sintomas aumenta por até 10 vezes. Isso ocorre porque o cortisol
de ansiedade, distúrbios de memória e pensamentos estimula a síntese das enzimas necessárias para a
recorrentes. As pesquisas com imagens têm conversão de aminoácidos em glicose pelas células
consistentemente encontrado alterações degenerativas hepáticas. A maior produção de enzimas resulta do
nos encéfalos das vítimas, especialmente no hipocampo efeito dos glicocorticoides sobre a ativação da
(BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017). transcrição de DNA nos núcleos das células hepáticas,
Atualmente, inúmeras pesquisas têm buscado com a formação de RNAs mensageiros que, por sua
compreender a resposta cognitiva das crianças vez, sintetizam as enzimas necessárias para a
submetidas ao estresse. O estresse e seus hormônios gliconeogênese (GUYTON; HALL, 2011).
afetam negativamente a recuperação das informações Além disso, os aminoácidos dos tecidos extra-
armazenadas por crianças. Para comprovar tal hepáticos, principalmente, do tecido muscular são
afirmação, um estudo alemão com 44 crianças a termo mobilizados pelo cortisol. Como resultado, mais
foram aleatoriamente encaminhadas a uma situação aminoácidos são enviados para o plasma sanguíneo
estressante ou não estressante (situação controle), para entrar no processo de gliconeogênese no fígado
após, aprenderem a localização de 15 pares de figuras e, portanto, promover a formação de glicose
em um jogo de memória. O cortisol e a alfa-amilase (GUYTON; HALL, 2011).
foram mensurados imediatamente antes e mais três O cortisol também é responsável pela redução
vezes após a exposição ao agente estressor ou moderada da utilização de glicose na maior parte das
situação controle (+01 min, +10 min, +25 min). células do organismo. Apesar da causa dessa redução
Comparadas ao grupo controle, as crianças que foram não ser totalmente conhecida, a maioria dos
submetidas ao estresse tiveram um considerável pesquisadores acreditam que o cortisol retarde
aumento de cortisol e mais dificuldades em relembrar diretamente a velocidade de utilização de glicose, em
a posição das figuras. Além disso, observou-se, dentre algum local entre sua entrada nas células e sua
as crianças estressadas, uma positiva correlação entre degradação final (GUYTON; HALL, 2011).
aumento de cortisol e número de erros cometidos Tanto a redução da taxa de utilização da glicose
durante a evocação do posicionamento dos pares de pelos tecidos corporais quanto o aumento da
figuras no jogo de memória (QUESADA et al., 2012). gliconeogênese provocam a elevação da concentração
Quesada (2013) avaliou os efeitos da sanguínea de glicose. Por sua vez, a elevação da
prematuridade no funcionamento do eixo HHA e do concentração da glicose estimula a secreção de
sistema nervoso simpático na memória, no insulina. Os maiores níveis plasmáticos de insulina,
desenvolvimento comportamental e emocional em entretanto, não são tão eficazes na manutenção de
crianças. Foram constatadas alterações no níveis normais da glicose plasmática. Por motivos não
funcionamento do eixo HHA em crianças pré- termo, inteiramente elucidados, os altos níveis de
principalmente em meninas, quando comparadas a glicocorticoides reduzem a sensibilidade tecidual,
crianças a termo. O aumento de cortisol em resposta especialmente do músculo esquelético e tecido adiposo,
ao estressor foi maior em meninas pré-termo do que ao efeito hipoglicemiante da insulina (GUYTON;
em meninos pré- termo. Além disso, crianças pré- HALL, 2011).

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O aumento da concentração sanguínea de 2.4.2– Osteoporose


glicose é, em alguns casos, tão alto (50% ou mais, Exacerbações no funcionamento da glândula
acima do normal) que a patologia é conhecida como adrenal com liberação de altas taxas de cortisol
diabetes adrenal. A utilização de insulina reduz provocam redução significativa da deposição proteica
moderadamente a concentração sanguínea de glicose por todo o organismo, aumento do catabolismo proteico,
no diabetes adrenal porque os tecidos se tornam além de especificamente diminuir a atividade
resistentes aos efeitos da insulina (GUYTON; HALL, osteoblástica (GUYTON; HALL, 2011).
2011; PENTEADO; OLIVEIRA, 2009). Todos os ossos do corpo estão em constante
Andrade e Alves (2018) estudaram a influência remodelação, sendo os osteoclastos responsáveis pela
dos fatores socioeconômicos e psicológicos no controle reabsorção (retirada) óssea, enquanto os osteoblastos
glicêmico de crianças pequenas portadoras de diabetes são os formadores do novo osso que preencherá as
mellitus tipo 1. Eles observaram uma associação lacunas deixadas pelos osteoclastos. Quando o
negativa entre o controle glicêmico (níveis de glicocorticoide deprime a atividade osteoblástica, o osso
hemoglobina glicada), status socioeconômico e condição passa a ser mais reabsorvido do que depositado e assim,
psicológica. Ou seja, as crianças submetidas aos passam a ficar enfraquecidos (GUYTON; HALL, 2011;
estresses socioeconômicos e psicológicos apresentaram LANNA; MONTENEGRO JR.; PAULA, 2003).
mais chances de apresentar valores indesejados de
hemoglobina glicada (ANDRADE; ALVES, 2018). 2.5– Obesidade Causada por Excesso de Cortisol
As altas taxas de cortisol oriundas do estresse
2.3– Redução das Proteínas Celulares crônico podem desregular o eixo HHA e promover
Um dos efeitos marcantes do cortisol nos um aumento na ingestão de alimentos de alta
sistemas metabólicos do organismo é a depleção das palatabilidade e a deposição de gordura (essencialmente
reservas proteicas em, praticamente, todas as células visceral), devido à interação com vários componentes
corporais, exceto no fígado. Este quadro é originado endócrinos. Além disso, os glicocorticoides podem
pela diminuição na produção de proteínas, além do diminuir a produção de hormônios tireoidianos e assim,
maior catabolismo das proteínas pré-existentes nas diminuir a taxa de metabolismo basal de forma a
células. Ambos os efeitos podem resultar parcialmente favorecer o ganho de peso. Os elevados níveis de
na redução do transporte de aminoácidos para os estresse podem ativar centros cerebrais de motivação
tecidos extra-hepáticos e, principalmente, porque o e recompensa, de modo que o organismo passa a
cortisol também reduz os processos de transcrição e a desejar alimentos de maior palatabilidade, geralmente,
subsequente síntese proteica em muitos tecidos extra- mais calóricos (MELIN; PINHÃO; CORREIA, 2013).
hepáticos, especialmente nos músculos e nos tecidos Inúmeras pessoas com excesso de secreção de
linfoides (GUYTON; HALL, 2011). cortisol desenvolvem tipo peculiar de obesidade, com
deposição excessiva de gordura no tórax e na cabeça,
2.4– Fraqueza Muscular gerando sinais clínicos chamados de “giba de búfalo” e
Na presença de altas taxas de produção de “face em lua cheia”. Embora sua causa seja
cortisol, as fibras musculares podem ficar tão fracas desconhecida, foi sugerido que essa obesidade resulte do
que o indivíduo pode apresentar dificuldades para se estímulo excessivo a ingestão alimentar, de modo que a
levantar da posição agachada. Isso ocorre devido à gordura seja gerada em alguns tecidos mais rapidamente
redução da síntese proteica e do aumento do catabolismo do que é mobilizada e oxidada (GUYTON; HALL, 2011).
das proteínas musculares que terão seus aminoácidos
desviados para o processo de gliconeogênese 2.6- Efeito do Cortisol sobre a Imunidade
(AMOEDO, 2010; GUYTON; HALL, 2011). O cortisol em excesso tem a capacidade de re-
duzir o número de eosinófilos e linfócitos sanguíneos.
2.4.1– Estrias Esse efeito começa alguns minutos após a administra-
Até mesmo as proteínas das fibras colágenas ção de cortisol e fica acentuado após algumas horas
no tecido subcutâneo são parcialmente metabolizadas, (GUYTON; HALL, 2011).
de modo que os tecidos subcutâneos se tornam frágeis, Sendo assim, a linfocitopenia ou eosinopenia
resultando em grandes estrias arroxeadas em várias constituem um critério diagnóstico importante para a
partes do corpo, em especial no abdome (GUYTON; superprodução de cortisol pelas adrenais. Além do mais,
HALL, 2011). a utilização de altas doses de cortisol ocasiona atrofia

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significativa de todos os tecidos linfoides do organismo, batimentos cardíacos e o fluxo sanguíneo para os
o que reduz a produção de células T e de anticorpos. músculos, ajustando o corpo para lidar com os
Com isso, o nível da imunidade contra inúmeros estressores, em reações de luta ou fuga. Além disso, o
patógenos é reduzido. Isso pode, ocasionalmente, causar cortisol possui vários benefícios como, por exemplo, a
infecções graves e morte por doenças, que em condições resolução dos processos inflamatórios dentro de horas
normais não seriam letais, tais como a tuberculose em ou de alguns dias, com aumento da regeneração
pessoa cuja doença havia sido controlada antes tecidual. Ainda, o cortisol e outros glicocorticoides
(GUYTON; HALL, 2011; MATTOS, 2011). possuem a capacidade de reduzir substancialmente a
Contudo, a capacidade do cortisol e de outros imunidade, os tornando agentes uteis para a prevenção
glicocorticoides de diminuir a imunidade os torna da rejeição imunológica de órgãos transplantados
ferramentas úteis na prevenção da rejeição imunológica (GUYTON; HALL, 2011).
de corações, rins e outros órgãos transplantados Contudo, exposição a altos níveis de cortisol
(GUYTON; HALL, 2011; MATTOS, 2011). devido à prolongada estimulação do eixo HHA e do
sistema nervoso autônomo podem representar um risco
2.7– Hipertensão Arterial à saúde dos indivíduos. Para ilustrar o modo como
O cortisol possui baixa ação mineralocorticoide, concentrações elevadas de cortisol podem prejudicar
porém, é produzido em grande quantidade. Os a saúde humana, basta entender a doença de Cushing.
mineralocorticoides receberam esse nome por atuarem, Nessa doença, o surgimento de tumores na hipófise
especificamente, nos eletrólitos (“minerais”) dos ocasiona à hipersecreção crônica de ACTH e,
líquidos extracelulares, em especial sódio e potássio consequentemente, ao hipercortisolismo. Os
(AMOEDO, 2010; GUYTON; HALL, 2011). portadores dessa doença são mais suscetíveis a
Em condições orgânicas normais, a função doenças crônicas, problemas cardíacos, diabetes e
mineralocorticoide do cortisol é pouco expressiva, déficits de memória (GUYTON; HALL, 2011).
apenas recebendo papel importante nas situações de Ainda, é importante destacar que o estresse atua
aumento anormal de liberação do cortisol. A aldosterona negativamente nas funções fisiológicas de adultos e
e o cortisol (em menor escala) promovem a maior crianças, sendo os quadros agravados quando os
reabsorção do sódio pelos túbulos renais (AMOEDO, indivíduos são expostos a traumas como, por exemplo,
2010; GUYTON; HALL, 2011). violência doméstica ou abuso sexual.
Quando ocorre excesso de sal no líquido Ademais, o estresse pode provocar um mau
extracelular, a osmolaridade do líquido aumenta, o que funcionamento do eixo hipotálamo- hipófise-tireoide,
estimula a maior reabsorção de água para normalizar pois, o CRH apresenta um importante papel na inibição
a concentração extracelular de sal. Isso aumenta o da secreção de hormônios, dentre os quais o hormônio
volume do líquido extracelular. Além disso, o aumento liberador de tireotropina (TRH) e o hormônio
da osmolaridade causado pelo sal em excesso no líquido tireoestimulante (TSH), diminuindo as funções da
extracelular estimula também o mecanismo secretor tireoide (TSIGOS; CHROUSOS, 2002; VILELA,
do hipotálamo-hipófise posterior, que passa a secretar 2014). O hormônio TSH atua diretamente na tireoide
maior quantidade de hormônio antidiurético (ADH), para estimular a produção dos hormônios triiodotironina
também conhecido como vasopressina. Esse hormônio (T3) e tiroxina (T4).
então faz com que os rins reabsorvam quantidade maior É preciso destacar que as pessoas com estresse
de água pelos túbulos renais, reduzindo o volume de crônico não necessariamente apresentarão todos os
urina e elevando o volume do líquido extracelular sinais e sintomas oriundos do funcionamento anormal
(AMOEDO, 2010; GUYTON; HALL, 2011). do eixo HHA. Afinal, como apresentado, o estresse
O aumento do volume do líquido extracelular possui um caráter individual, sendo a resposta diferente
aumenta o volume sanguíneo, consequentemente, entre os indivíduos. Ou seja, os mesmos poderão
aumentando a pressão arterial (GUYTON; HALL, 2011). apresentar uma ou mais patologias, sendo o grau de
adoecimento resultado de fatores genéticos, cognitivos,
3– CONSIDERAÇÕES FINAIS estilo de vida e experiências anteriores.
As reações fisiológicas ao estresse são Para minimizar o estresse imposto as pessoas
essenciais para a sobrevivência e adaptação das cotidianamente é necessário adotar medidas que
espécies, pois liberam energia (aumento da podem ser divididas em dois grupos: as de cunho
concentração de glicose plasmática), aumentam os pessoal e as de responsabilidade do Estado. Nas

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medidas pessoais de combate ao estresse destacam- habitacionais e opções de lazer, cultura e esporte.
se a necessidade das pessoas se preocuparem menos Em suma, toda e qualquer ação que ofereça
com as coisas que não podem ser mudadas, buscar paz, tranquilidade e estabilidade as pessoas pode evitar
realizar atividades que são prazerosas, se cobrar menos o estresse e, por consequência, minimizar as suas
e comemorar mais, desenvolver a inteligência patologias associadas.
emocional e eliminar hábitos estressantes. O Neste sentido, Oliveira (2013) avaliou se a
acompanhamento por um profissional devidamente modalidade terapêutica de imposição de mãos – Reiki
habilitado pode contribuir para o alcance de resultados – seria capaz de produz alterações de parâmetros
satisfatórios. psicofisiológicos e de qualidade de vida, em voluntários
Dentre as obrigações do Estado em promover idosos com sintomas de estresse. O autor demonstrou
saúde à população é importante que o mesmo ofereça que houve a redução dos níveis de estresse, dos níveis
condições dignas de trabalho, acesso à saúde de de ansiedade e depressão e redução da percepção de
qualidade, saneamento básico, mobilidade urbana, tensão muscular, além, da elevação do bem estar.
segurança pública, segurança alimentar, políticas

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