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Projeto Qualidade de Vida

CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E FISIOLOGIA DO ESTRESSE

As pesquisas sobre estresse enfatizam suas implicações para a saúde


física e mental do indivíduo, alterando sua produtividade e qualidade de vida.

A palavra Estresse deriva do latim, foi empregada popularmente no século


XVII com significado de fadiga. No século XVIII e XIX, na língua inglesa o termo
era utilizado para designar força, esforço e tensão. (PEREIRA, 2002.; BOTSARIS,
2003). A física define tensão como a relação da força sobre a superfície na qual é
aplicada, ou seja, a intensidade com que a força afeta a matéria. No seres
humanos tensão significa como e com que intensidade as influências do mundo
externo afetam o corpo e a mente.

O estresse pode ser definido como uma reação complexa e global do


organismo, envolvendo componentes físicos, psicológicos, mentais e hormonais
frente a situações que representem um desafio maior e que ultrapassem sua
capacidade de enfrentamento; visando adaptar o indivíduo à nova situação.

Segundo Pereira (2002), a palavra estresse teve tamanha difusão, que se


popularizou como sinônimo de qualquer alteração, em geral negativa, sentida pelo
indivíduo. Sendo comum o jargão “não me estresse” quando a pessoa está
pressionada, entristecida, ou na expectativa de algo bom ou ruim. Qualquer
sentimento de ansiedade e tensão rotineiramente é denominado estresse,
ocorrendo uma confusão, pois o estresse é encarado tanto como elemento
desencadeante como resultado do processo.

A primeira definição de Estresse foi elaborada por Hans Selye (1965),


médico e pesquisador austríaco, que observou em ratos submetidos a fatores de
agressão, reações específicas e inespecíficas do organismo buscando adaptação.
A esse conjunto de reações denominou Síndrome Geral de Adaptação. Em 1952
Hans Selye publicou um resumo de seus estudos e conferências, contendo a
evolução do conceito de estresse e da dinâmica da Síndrome de adaptação, bem
como seu potencial na gênese de doenças; e termina o texto reconhecendo a
necessidade de outros olhares sobre seu tema de estudo, e autoriza a ampliação
do conceito de estresse, por pesquisadores não só da área biológica, mas
também da psicologia, da sociologia, de estudiosos da saúde ambiental e
qualidade de vida.(ARANTES E VIEIRA, 2002)

Através do seu trabalho Selye propõem um novo modo de encarar o


organismo, onde as respostas orgânicas não são isoladas, mas relacionadas entre
si e entre os diversos sistemas.

Divide-se o estresse em três fases: alerta, resistência e exaustão. A


primeira fase – de alerta – é positiva, se caracteriza pela produção de adrenalina
tornando o indivíduo mais atento, criativo, produtivo, motivado, enfim, preparado
para ação. Essa fase também se denomina estresse inicial ou positivo.

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Na segunda fase – a da resistência – a pessoa lida com seus estressores


buscando manter a homeostase. Esta fase segue-se a uma fase de alerta
prolongada ou se novos estressores se agregam, caindo a produtividade e
aumentando a vulnerabilidade à doenças. Nesta fase observa-se aumento de
cortisol. Caso o indivíduo elimine o fator estressor, se restabelece o equilíbrio e o
processo de estresse se encerra. (BOTISSARIS, 2003.; PEREIRA, 2002). Na
persistência de fatores estressantes ocorre quebra da resistência e início da
terceira fase - exaustão - onde se inicia processo de adoecimento, depressão e
perda de concentração . (LIPP e TANGANELLI, 2002).

Lipp (2000), identificou uma nova fase do estresse entre a resistência e a


exaustão denominando-a de quase-exaustão. Quando a tensão ultrapassa o limite
gerenciável, diminuem a resistência física e emocional, exigindo grande esforço no
desempenho das atividades diárias, intercalando momentos de produtividade
normal e desconforto; o que gera ansiedade. O aumento do cortisol nesta fase
diminui as defesas imunológicas e podendo gerar adoecimento.

Tais fases podem ser diagnosticadas quantitativamente através do


inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp. (2000).

O estresse excessivo altera o processo de envelhecimento, acelerando-o.


(BOTSARIS, 2003.; LIPP, 2000). Segundo Botisaris (2003), o primeiro impacto do
estresse está na área psíquica e sono.

O estresse também pode ser positivo, quando a intensidade do estressor é breve,


gerando resposta leve e controlável, sendo estimulante e possibilitando
desenvolvimento emocional e intelectual. Esse tipo de estresse foi denominado
"eustresse" por SELYE (1965). Lipp (2000) classificou-o como estresse positivo ou
estresse ideal, onde se aprende a gerenciar a fase de alerta e recuperação,
beneficiando o indivíduo com o aumento da produtividade e criatividade
característicos da fase de alerta.

Pereira (2002), classifica os estressores em:


§ Estressores físicos – provenientes do ambiente externo, como ruídos, frio,
calor, acidente, fome e dor. Interferem predominantemente no corpo do
indivíduo.
§ Estressores cognitivos – avaliados como ameaçadores à integridade do
indivíduo ou do seu patrimônio,0 como provas, concursos, assaltos e
discussões.
§ Estressores emocionais – sentimentos de perda, medo, ira ou
acontecimentos como casamento, divórcio, mudanças onde o componente
afetivo predomina.

O homem não se reduz à sua biologia, que é o organismo em contato com


o mundo físico que o rodeia, mas é um ser biopsicossocial. A socialização existe
desde os primórdios da humanidade, tendo-se sofisticado progressivamente,

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trazendo novos desafios, disputas e regras e necessidade de adaptação. Cresce


com isso a tensão emocional que resulta em estresse em diferentes intensidades.

Lipp (2002), afirma que o estresse pode ser originado de fontes externas ou
internas. As internas estão relacionadas com a maneira de ser, do tipo de
personalidade e do modo de reagir à vida. Não sendo acontecimento em si
estressante, mas a maneira como é interpretada pela pessoa. Já os estressores
externos estão relacionados com as exigências do cotidiano: trabalho, família,
morte, doença, convívio social, perdas e violência.

Lipp (2000), estudando um grupo de 1843 pessoas, com idade entre 15 e


75 anos, classificou os sintomas de stress em físicos e psicológicos que se
intensificam conforme a fase do estresse.

Sintomas físicos:

- extremidades frias
- boca seca
- sudorese
- tensão muscular
- trismo e/ou bruxismo
- insônia
- taquicardia
- hiperventilação
- hipertensão arterial
- mudança de apetite
- problemas de memória
- mal-estar generalizado
- sensação de desgaste físico constante
- problemas dermatológicos
- cansaço constante
- tontura
- diarréia freqüente
- disfunção sexual
- náusea
- tiques
- úlcera
- enfarte

Sintomas psicológicos:

- aumento súbito da motivação


- entusiasmo súbito
- vontade de iniciar novos projetos
- sensibilidade emotiva excessiva
- dúvida quanto a si próprio

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- pensar constantemente num mesmo assunto


- irritabilidade excessiva
- diminuição da libido
- impossibilidade de trabalhar
- pesadelos
- sensação de incompetência em todas as áreas
- desejo de fuga
- apatia
- depressão
- raiva
- angústia
- perda de senso de humor

Além dos sinais psicológicos citados por Lipp, Fontana (1991),descreve


outros sintomas que influenciam o processo ensino- aprendizagem. Segundo ele o
estresse excessivo promove em decréscimo da concentração e atenção. As
memórias de curto e longo prazo deterioram-se, reduzindo sua amplitude e
reconhecimento. A velocidade de resposta torna-se imprevisível, aumentando os
índices de erros, perde-se o poder de concentração, de organização e
planejamento. Aumentam as tensões e os distúrbios do pensamento. A auto-
estima diminui, reforçando a sensação de depressão e desamparo. Diminui ainda
a articulação verbal, o interesse e entusiasmo pelo trabalho. Os níveis de energia
se reduzem e altera-se o padrão de sono. Neste estágio o uso de drogas pode se
instalar. O indivíduo fica crítico em relação ao meio e adquire tendência a ignorar
novas informações.

Alex Botsaris (2003), compara o estresse contemporâneo à figura de Atlas


o gigante da mitológica grega, denominando o conjunto de sintomas do estresse
de “complexo de Atlas”.

Após derrotado por Zeus o Titã Atlas foi condenado a sustentar a Terra,
mantendo-se fiel a essa missão, sendo sempre retratado com expressão de
agonia com o corpo curvado sob o peso da Terra.

A primeira vértebra cervical denomina-se Atlas, pela correlação da cabeça


com o planeta Terra e dessa vértebra com o gigante mitológico por sustentar o
peso da cabeça. Outra identificação se faz a nível psicológico, imaginando que a
vértebra Atlas suporta um cérebro cada vez mais sobrecarregado de informações,
demandas e tensão, que constituem o “mundo” do indivíduo; que mesmo no limite
de suas forças não pode deixar o pesado fardo, sob pena de tudo desabar. O
complexo de Atlas dá ao indivíduo a falsa convicção de que sem a sustentação
necessária o mundo ruirá sobre sua cabeça, é preciso sustentá-lo a qualquer
custo, exigindo um esforço tal, que leva o estresse continuado, que age
principalmente danificando estruturas sistema músculo esquelético do pescoço e
coluna, causando danos locais e à distância como alterações da articulação
temporo-mandibular, bruxismo, artrose, hérnia de disco, cefaléia, dor lombar e

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tendinites. Este autor, considera o estresse contemporâneo uma epidemia e um


problema de saúde pública a nível mundial.

Segundo PEREIRA (2002), o estresse teria a função de ajustar a


homeostase, melhorar a capacidade do indivíduo, garantindo-lhe sobrevivência e
qualidade de vida.

Walter Conon, em 1932, já descrevia que diante de oscilações do meio que


possam agredir o organismo, o corpo tende a se estabilizar e adaptar, buscando a
homeostase.

Sendo o ser humano um sistema aberto, que atua sobre o meio e sofre
influência dele, sua homeostase consiste num equilíbrio móvel e não estático,
diferente do equilíbrio fixo que é a inércia. Todos os seres vivos, compreendem
um sistema aberto, e sendo assim têm uma tendência a um estado de desordem
denominada entropia. A entropia é uma tendência natural e saudável, vinculada à
mudanças, a experimentação do novo, a adaptar-se e a buscar equilíbrio. Quando
a entropia aumenta até alcançar níveis insuportáveis o indivíduo adoece e morre.

Na tentativa de controlar os níveis de entropia, os sistemas abertos se


utilizam da negentropia, que é tendência a um estado de ordem.

Essas duas tendências à ordem e desordem, respectivamente negentropia


e entropia, se alternam buscando a homeostase do indivíduo. Que pode
apresentar num dado momento um alto nível de entropia, potencialmente perigoso
a sua saúde física e mental, devendo então, buscar mecanismos de negentropia a
fim de diminuir a entropia e restaurar a homeostase, num equilíbrio móvel,
semelhante a uma gangorra. Onde a entropia e negentropia se alternam em níveis
altos e baixos, buscando o equilíbrio. Os estímulos e exigências cotidianas podem
desequilibrar o indivíduo, gerando e ou aumentando a entropia. O desafio é criar
condições físicas, emocionais e mentais para que o organismo retorne sua
homeostase (CARMELLO, 2004).

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Representação Gráfica da Homeostase Como um Processo Dinâmico

Tal equilíbrio móvel interfere nas mensurações dos níveis de estresse e


qualidade de vida do indivíduo, que não são estáticas ou lineares, mas podem
apresentar oscilações para níveis mais altos ou mais baixos, num determinado
espaço de tempo, sendo esta uma característica de normalidade, pois não se
pode esperar níveis de qualidades de vida sempre altos e estresse
invariavelmente baixos.

O organismo como um todo participa do processo de estresse, diante da


percepção consciente ou inconsciente do agente estressor.

O cérebro através do hipotálamo, estimula a hipófise e o Sistema Nervoso


Simpático, que na medular da adrenal estimula a liberação de adrenalina e

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noradrenalina; que aumentam o débito cardíaco, a oferta sanguínea no rim,


cérebro e músculos, resultando em incremento da força física e rapidez de reflexo
além de diminuição nas funções digestivas.

O hipotálamo estimula a hipófise a liberar ACTH (corticotropina), que age


no córtex da adrenal, promovendo liberação de glicocorticóides que ativam o
metabolismo celular, aumentam a glicemia, a colesterolemia e a retenção de água
e eletrólitos. O CRF (Fator Liberador de Corticotropina), além de liberar ACTH,
age no tubo digestivo, compensando a falta de ingesta, inibe a fome, estimula a
defecção, mobilização de líquido e glicose para as células musculares. Seu
estímulo continuado pode causar úlceras, aumento ou diminuição dos movimentos
intestinais e alterações do apetite. Nesse processo o GH (Hormônio de
crescimento) e o ADH (Hormônio antidiurético) são coadjuvantes, potencializando
a ação dos glicocorticóides e adrenalina. O GH ativa o metabolismo aumentando a
glicemia e potência muscular, enquanto o ADH estimula a retenção de água pelos
rins. Quando se aciona o sistema parassimpático do organismo ocorre reação de
inibição, com paralisação e embotamento diante do agente agressor.

A betaendorfina participa da reação de estresse estimulando receptores


opióides, encontrados no cérebro e medula, causando bloqueio da dor, gerando
sensação de calma e bem estar; além de potencializar a ação antiinflamatória do
corticosteróide. Atua também promovendo a recuperação após o processo de
estresse, quando seu pico é máximo e a adrenalina e os corticosteróides estão em
declínio, promovendo sensação de alívio e relaxamento, como a que os
corredores experimentam após longa corrida, vivenciando o estresse físico dito
bom estresse, que aumenta a resistência muscular, capacidade
cardiorrespiratória, o sistema imunológico e funções cognitivas.

Na reação fisiológica do estresse o relaxamento produzido pela


betaendorfina é auxiliado pela melotonina liberada pela pineal. Esta tem ação na
indução do sono, neutralizando substâncias estimulantes permitindo o repouso.
Além de reduzir a pressão arterial, a freqüência cardíaca e a secreção de HCl no
estômago, neutraliza radicais livres e os reflexos do Sistema Nervoso Autônomo.

Durante a resposta fisiológica do estresse atuam pepitídeos de modulação


do comportamento sexual e parto, são eles: ocitocina e prolactina. A função
desses peptídeos é modular a reação do estresse em situações como a atração
sexual, o coito e o trabalho de parto, onde indutores do estresse são liberados,
devido a uma maior demanda de energia e vigor físico. No entanto a resposta
fisiológica do estresse pode causar ansiedade, apreensão, sensação de perigo,
desconforto, raiva irritação e agressividade, afetando o desfecho da fecundação.
Juntos ocitocina e prolactina conseguem abolir a liberação de FSH (Hormônio
Folículo Estimulante) inibindo a liberação de ovócitos pelo ovário, e
conseqüentemente impedindo a gravidez, que seria sobrecarga difícil de suportar
num momento de estresse intenso, e até provocando amenorréia.

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Outro neuropeptídeo que atua no processo fisiológico do estresse é o


neuropeptídeo Y, responsável pela regulação da temperatura corporal, redução de
apetite e liberação de hormônios sexuais. No estresse continuado o aumento
desse neuropipetídeo provoca ansiedade, sudorese noturna, alteração do peso e
do apetite.

O processo de estresse também interfere na função imunológica, através


da ação imunopressora dos glicocorticóides, antiinflamatórios da betaendorfina,
alterações leucocitárias e de mediadores de inflamação.

No estresse infeccioso atua também a substância P, que aumenta a


capacidade de resposta do organismo à percepção da dor.

Esta seqüência natural de estresse e recuperação pode ser representada do


seguinte modo:

AMEAÇA – REAÇÃO FISIOLÓGICA DO ESTRESSE – RELAXAMENTO.

Quando os estressores se prolongam não ocorre a fase de relaxamento,


mas sim de uma nova ameaça gerando o estresse ruim, nas suas fases de
resistência até exaustão; assim representada:

AMEAÇA – REAÇÃO FISIOLÓGICA DO ESTRESSE – AMEAÇA-REAÇÃO


FISIOLÓGICA DO ESTRESSE – AMEAÇA – ESTRESSE ACUMULADO –
DESGASTE – ADOECIMENTO.

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