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Estética
ORGANIZADORES ALDEMAR NOREK DE OLIVEIRA LIMA.
ORGANIZADORES ALDEMAR NOREK DE OLIVEIRA
ELLIS MONTEIRO DOS SANTOS PACHECO
LIMA. ELLIS MONTEIRO DOS SANTOS PACHECO
ISBN 9786555580754
Equipe de apoio educacional: Caroline Guglielmi, Danise Grimm, Jaqueline Morais, Laís Pessoa
Estética / Aldemar Norek de Oliveira Lima. Ellis Monteiro dos Santos Pacheco – São
Paulo: Cengage, 2020.
Bibliografia.
ISBN: 9786555580754
E-mail: sereducacional@sereducacional.com
PALAVRA DO GRUPO SER EDUCACIONAL
Janguiê Diniz
Autoria
Aldemar Norek de Oliveira Lima
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFRJ). Mestre em Ciências da Arquitetura na
área de História e Critica da Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ
- PROARQ/UFRJ). Doutorando no mesmo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ -
PROARQ/UFRJ. Professor Substituto do Departamento de História e Teoria da Arte da Escola de Belas-
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro- EBA-UFRJ.
Prefácio..................................................................................................................................................8
Neste livro, que vai apresentar a disciplina Estética, a autora acredita que o estudo
será mais proveitoso se a abordagem da estrutura não seguir uma narrativa linear,
porém, usará uma linguagem didática para apresentar os temas da obra em quatro
unidades, a saber: formação da estética como disciplina; estudo da arte clássica e sua
influência na atualidade; da Arte Medieval à Renascença – perspectivas da estética
arquitetônica; e, por fim, a trajetória da arquitetura moderna e contemporânea
Para isso, veremos como os filósofos elaboraram os conceitos de Estética, desde os pré-
socráticos até São Tomás de Aquino. Também iremos entender de que modo os conceitos
estéticos se relacionam com os conceitos da Ética e, por fim, como os conceitos de Estética
aparecem na arquitetura da Grécia e de Roma.
Bons estudos!
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1 CONCEITOS DE ESTÉTICA
Para melhor compreendermos em que consiste a disciplina Estética, será proveitoso fazermos
uma abordagem da estrutura desse estudo ao estilo de um romance contemporâneo: sua
apreensão será tão mais completa quanto menos seguirmos uma narrativa linear, com começo,
meio e fim nessa exata ordem. Iniciaremos pelo “meio”, que situamos na época do Iluminismo
(séculos XVII e XVIII), e a partir daí direcionaremos nosso olhar para o momento em que, na Grécia
do século V a.C. (e seguintes), a Filosofia ocidental floresceu, estabelecendo o modus operandi do
pensamento que está na base de nossa formação: metafísica, física, dialética etc.
A partir daí seguiremos a trajetória de tais construções conceituais pelo fim da Antiguidade,
atravessando a Idade Média até alcançar os primórdios da Modernidade, entre os séculos XIII e
XVI. Com isso, focaremos, por fim, nos desdobramentos dos conceitos da Estética em meio à crise
que se instaura com a derrocada dos ideais Iluministas, crise que nos alcança nos dias de hoje.
“Historicizar sempre”, defendeu o teórico e crítico da cultura Jameson (1992, p.9), e é por aí
que começaremos: pelo trânsito na História dos conceitos implicados nesse processo de refletir
sobre os termos da arte – e incluímos aqui a arquitetura, pelo o que ela contém de arte, como
veremos adiante, especialmente nos tópicos em que abordaremos o tratado de Vitrúvio –, tais
como o belo, o sublime e o grotesco. O pano de fundo desse trânsito histórico são os aspectos
múltiplos da realidade circundante: as relações políticas, econômicas e sociais que, como
veremos, foram determinantes na produção de tais conceitos.
O termo “estética” foi cunhado pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714 – 1762),
a partir da palavra grega aisthesis, que numa tradução expressa podemos entender como
“sensação”, e seu derivado aesthetikos, que significa perceber pelos sentidos, ou seja, aquela
imensa região da percepção humana mediada pelos cinco sentidos do corpo – visão, audição, tato,
olfato e paladar –, contrapondo-se ao campo do pensamento conceitual e abstrato, majoritário,
até então, na história cultural do ocidente. Uma questão aqui se apresenta como relevante: se
os gregos antigos possuíam uma palavra para as sensações, pelas impressões do mundo sensível
capturadas pelos sentidos, por que somente no século XVIII o pensamento estético começou a ser
tratado como domínio independente do conhecimento?
Eis a questão que nos importa iluminar: embora os gregos definissem perfeitamente a
existência de um campo sensível (o que vemos, ouvimos, tocamos etc) em contraposição a um
campo inteligível (elaboração de ideias abstratas como o bem, a justiça etc), notadamente, a partir
dos diálogos platônicos, depositavam todo o valor sobre este último, relegando o sensível, aquilo
que percebemos por meio de nossos sentidos, ao patamar da imprecisão, quando não da ilusão.
O fato é que o Ocidente atravessou a História, pelo menos até o século XVIII, sob a marca
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do inteligível como valor principal, em detrimento do sensível, e isto foi determinante para a
arte, a religião e a política. Tal perspectiva começou a ser alterada lentamente a partir do fim
da Idade Média, e o livro de Baumgarten, Aesthetica, publicado em 1750, é tão somente um
ponto de inflexão emblemático nessa trajetória. Vamos ver como essa transformação é operada
no desenrolar da história do Ocidente.
Convém notar que falamos em “reflexões”, mas não estamos discorrendo sobre os fenômenos
da natureza, fenômenos físicos que são passíveis de verificação experimental, de medições,
aferições e registros científicos? Eis a questão: naquele momento, os filósofos se dedicavam à
observação direta, sem emprego de quaisquer instrumentos de medição ou aferição e à análise
do observado, buscando extrair disso os princípios estáveis que regeriam toda a natureza (physis).
FIQUE DE OLHO
Segundo Mora (1965), a cosmologia compreende toda doutrina sobre o mundo,
entendido como uma totalidade. A palavra é a contração de cosmos (universo) e logos
(razão, racionalidade). Seu objetivo é compreender o Universo, sua origem, tendo por base
raciocínios caracterizados pela lógica, ou seja, afastando-se do mito que imperara até então
entre os gregos.
Considerando que esse fato aconteceu cerca de 500 anos antes de Cristo, ou seja,
aproximadamente 2.500 anos atrás, se torna, de muitos modos, impressionante observar as
conclusões que eles chegaram. Mescladas a ideias que são fundamentalmente vinculadas à
cosmologia da época, encontramos intuições geniais, como a de Demócrito, que formulou a ideia
de átomo, e Heráclito, que pensou no fluxo perpétuo de todas as coisas (é dele a frase, muito
difundida, “Ninguém pisa no mesmo rio duas vezes”).
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Contudo, o Parthenon ser considerado belo desde o século V a.C. até hoje não é nada simples.
Todo o percurso do pensamento na civilização ocidental representou um diálogo com as ideias
platônicas, seja afirmando-as, seja discordando delas. Iremos, dessa forma, aprofundar os
conceitos presentes na obra de Platão que dizem respeito à Estética.
Esse daimon preexiste ao corpo e é imortal, reencarnando sucessivamente até que expie
definitivamente aquela culpa originária. O orfismo sistematiza diversas práticas de purificação
de tal modo que seus iniciados gozariam, após a morte, uma libertação, não necessitando mais
retornar para expiá-la.
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O orfismo estabelece, por esses motivos, uma concepção dualista da existência: a alma,
daimon, e o corpo, que é visto como o lugar onde serão expiadas as culpas desse daimon imortal.
O florescimento do orfismo faz com que a visão naturalista não seja mais majoritária e influencia
o pensamento de filósofos como Pitágoras, Heráclito e Empédocles.
Conhecido como um filósofo realista (e, mais que isso, naturalista), Aristóteles, que foi aluno
de Platão, afirma que a natureza é atual e presente, não sendo necessário recorrer ao mito ou
à memória, como fez seu mestre, para identificar-lhe os vestígios: ela é autoevidente, depende
apenas da simples observação. É também autotécnica, pois emprega seu poder sobre si mesma
(ARISTÓTELES, 1995)..Nos importa, sobretudo, a relação que para ele existe entre arte e natureza,
questão que refletirá sobre a conceituação de mímesis. Arte, aqui, consiste na tradução de tékhne
(τέχνη), conceito pelo qual os gregos entendiam qualquer modo de se operar transformações
sobre a realidade, fosse por meio de artifícios (utensílios, ferramentas, mobiliário, edifícios,
cidades etc.), fosse por meio da arte como a entendemos hoje.
Aristóteles conceituou a arte como um hábito de produzir ligado à reta razão, ideia de coisa
a ser feita ligada a um trajeto intelectual. Para o filósofo, poiesis significa a maneira de instaurar
uma nova realidade, criar, modelar uma matéria bruta, dar forma ao caos, exatamente o que o
demiurgo platônico faz, dá forma ao caos a partir da matéria existente. O artista é o imitador
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desse ato poético original. Por isso Aristóteles estudou a epopeia, a tragédia, a comédia (e
também a música e a pintura), definindo essas artes como imitativas: imitação moral e estética. A
imitação reproduz as aparências, o aspecto essencial das coisas, enquanto o estético organiza os
elementos sensíveis, harmonizando-os de forma a conseguir uma proporção e uma simetria, e a
moral conduz a alma ao bem, a algo bom que possa ser imitado.
Como ele postula que o mundo sensível é simultaneamente perfeito e imperfeito, na medida
em que há a impermanência (das formas) de que já falamos, e essa impermanência está de
acordo com a vontade de Deus (para ele, o motor primeiro de todas as coisas criadas), seria
atribuição dos artistas conformarem a matéria de acordo com as formas mais adequadas, e,
para isso, devem conhecer em detalhe as regras (matemáticas, retóricas etc.) da arte para que
consigam realizar o belo nas aparências sensíveis de suas obras. A arte, portanto, é uma parte da
vida, e, como parte, contém elementos do todo, espelha os processos da vida mesma.
Desse modo, sendo um diálogo com o mundo, como vimos, como se dá esse diálogo? O que
pretende esse diálogo da arte? Para responder a essa pergunta, vamos recorrer à comunicação
entre os seres humanos: o que buscam quando dialogam? São vários os objetivos: aconselhar,
acusar, defender, elogiar, louvar, lastimar e tantos outros. Sobre todos eles, a retórica provê
meios assertivos para gerar o convencimento de quem ouve, a chamada persuasão do discurso.
Podemos transportar isso para a arte, porque a arte – como vimos: um poema, uma canção, uma
tela, um filme, um edifício etc. – está inserida nesse complexo jogo de persuasão da comunicação
humana, e a arte retórica, por isso, é, queiramos ou não, um de seus instrumentos ao longo de
toda a história humana.
FIQUE DE OLHO
O Cubismo representou uma revolução estética e técnica significativa, comparável ao
Renascimento. Seu período mais intenso vai de 1907 a 1914, pelas mãos de Pablo Picasso
e Georges Braque, seguidos depois por Juan Gris. Não tendo sido pensado como um
“movimento”, ao redor de seus criadores gravitavam intelectuais escritores de vanguarda,
influenciando toda a pintura do século XX. Em oposição aos impressionistas, os cubistas
não procuravam fixar na tela um momento fugaz capturado pelo olho humano sob dada
incidência da luz, mas pensar pela forma a estrutura da realidade, além da ação do tempo
sobre os corpos, pelo movimento (ver a tela “Nu descendo a escada”, de Picasso). O tempo,
a quarta dimensão, estava também inserido no quadro porque os cubistas pintavam como
se movessem ao redor dos objetos, captando deles os diversos ângulos.
Para concluirmos esse percurso pelo pensamento aristotélico sobre as questões estéticas,
devemos considerar que, na síntese mencionada acima, o belo se manifesta nas coisas
fenomênicas, como o corpo, e, assim, os artistas se aproximam desses exemplos de belo
tomando-os como modelos, instituindo a mímesis como procedimento da arte. Essa tomada
do belo exemplar não converte a arte em mera cópia do real: o trabalho do artista é recriar as
coisas dentro de uma nova dimensão, fazer como se a natureza o fizesse. Assim sendo, podemos
passar para os desdobramentos da questão do belo em Roma. Para isso tomaremos como caso
exemplar um arquiteto que, em sua obra escrita, demonstrou ter bebido nas fontes gregas com
intensidade: Marco Vitrúvio Polião.
que resultou desse pensamento tenha permitido realizações práticas impressionantes, como os
templos dóricos do qual o já apresentado Parthenon é um exemplo), os romanos voltaram suas
habilidades e todo o conhecimento captado da própria Grécia com o sentido de empreender
realizações de cunho prático, seja na arquitetura, nas artes, na literatura, nos discursos (pelo
emprego e desenvolvimento da Retórica), não importando tanto a eles aquela especulação
filosófica pura, desvinculada da práxis. O arquiteto Vitrúvio, cujo pensamento acompanharemos
a partir de agora, pode ser compreendido dentro dessa perspectiva.
Para apresentar o fundo sobre o qual vamos desenhar o desenvolvimento dos preceitos
vitruvianos expressos por meio de seus seis dispositivos de composição, é necessário que façamos
uma observação preliminar sobre a utilização dessa expressão. Não existe uma regra comum, entre
os inúmeros autores que escreveram sobre o tema, para definir os termos, presentes no tratado
mencionado, que descrevem preceitos relativos ao ato de projetar em arquitetura e que, como
procuraremos demonstrar, derivam inteiramente dos preceitos da retórica (inclusive a simetria).
O complemento composição nos parece adequado tendo em vista que, sendo os preceitos
vitruvianos derivados da arte retórica, que emprega o termo composição (compositio), a arquitetura,
pelo menos até o começo do século XX, utilizava esse termo para designar o desenvolvimento do
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projeto do mesmo modo como a retórica denominava os textos elaborados segundo seus preceitos.
Assim, optamos por chamar aqueles seis preceitos de dispositivos de composição.
Como vimos, a formação do campo disciplinar da arquitetura teve como principal fundamento
teórico o tratado vitruviano, que permeou o debate desde o fim da Antiguidade até um dado
momento da modernidade, os fins do século XIX. Ao refletirmos sobre a constituição recíproca da
estética e da política (tal como desenvolvida por autores como Terry Eagleton, Fredric Jameson,
Giorgio Agamben, Jacques Ranciére, Amelia Valcárcel e, no terreno da história e da teoria da
arquitetura, é estudada nos escritos de Manfredo Tafuri e Arturo Pérez-Gómez), encontramos,
no desenvolvimento pela modernidade desta estreita relação, o mesmo fundamento do texto
vitruviano sobre o surgimento da cultura e da arquitetura. Rancière nos diz que
O animal político moderno é antes de tudo um animal literário, preso no circuito de uma
literariedade que desfaz as relações entre a ordem das palavras e a ordem dos corpos que determinavam
o lugar de cada um. Uma subjetivação política é o produto dessas linhas de fratura múltiplas pelas
quais indivíduos e redes de indivíduos subjetivam a distância entre sua condição de animais dotados
de voz e o encontro violento da igualdade de logos. (RANCIÈRE, 2005, p. 49)
De acordo com a abordagem de Pérez-Gómez, Vitrúvio nos apresenta nos primeiros parágrafos
do segundo livro de seu tratado (VITRUVIUS, 2007, p. 112-113) a origem da arquitetura “como
uma clareira na floresta que tornou possível linguagem e cultura” (PÉREZ-GÓMEZ, 2008, p. 126).
Há uma forte relação entre o que Rancière chama de “ordem das palavras” e “ordem dos corpos”
e o que este último expõe:
Como sublinha Vesely (2004, p. 367), “que a arquitetura não seja explicitamente mencionada
na Poética [de Aristóteles], não é [um fato] significativo”. Ou seja, a arte poética se aplica à
arquitetura tanto quanto à tragédia, à poesia e às outras artes, uma vez que trata de situações
vividas (ou passíveis de) e provê o lugar dessa ação. A tragédia clássica era vista, na arte poética,
não apenas como o texto, mas o conjunto constituído por enredo, caráter (dos personagens),
dicção, pensamento, encenação e música – operava através de um espaço erótico e comunicava
na esfera do poético. O espaço era parte inalienável da mensagem, e se vinculava à esfera ética,
de onde emerge o ritual:
A ficção poética, muitas vezes desestabilizando o espectador por tomar a forma de enredos
plausíveis ainda impossíveis, era o veículo para a compreensão da ação ética. [...] Enquanto a palavra
poética pode ser conciliada com conhecimento legítimo, o ritual seria a base para a participação social.
(PÉREZ-GÓMEZ, 2008, p. 132)
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A participação do espectador, que nos atos da vida civil tem como base o ritual, permitiria
aos indivíduos, pela criação de laços de solidariedade mútua, perceber seu lugar no mundo e
apreender o sentido de propósito em muitos níveis, do plano político às questões metafísicas.
De fato, a arquitetura apresenta seu significado como discurso sob dois regimes – como imagem
poética e como representação ética – e desse modo fornece a base para a continuidade da cultura.
Munidos dos conceitos que até agora apresentamos, será possível encaminhar o esboço de
um paralelo entre os preceitos da retórica e os da arquitetura, como dispositivos de elaboração
da composição artística ou arquitetônica. Do que podemos concluir pelo exposto até agora, a
primeira parte de uma composição é a inventio retórica, ou seja, a determinação de seu conteúdo,
o tema e os argumentos que lhe fornecerão a base; da inventio passa-se à dispositio, que nada
mais é do que a ordenação das ideias encontradas por meio da inventio; a terceira parte se realiza
pela elocutio, que é a concretização, por meio da linguagem, das ideias encontradas na inventio
e ordenadas pela dispositio – essa materialização pressupõe uma estilização do discurso baseada
em preceitos que são quatro: latinitas, perspicuitas, ornatus, aptum.
Existem ainda duas outras etapas de uma composição, mas estas se aplicam à arquitetura
num momento anterior à elaboração do projeto – a memória (memorização do discurso) – e
posterior – a pronuntiatio (apresentação oral) –, que é o ato mesmo de projetar. Furlan resume
os termos citados dentro do âmbito da retórica:
Toda criação literária se originava de três operações distintas: inventio, dispositio e elocutio.
As duas primeiras tratavam das res, a última das verba; mas a dispositio também trabalhava de
alguma forma com as verba. O processo começava com a inventio, que consistia na reunião do
material, res. Depois de reunido, devia ser organizado numa ordem lógica, a dispositio. Por fim,
o material ordenado era colocado nas palavras durante a elocutio. Havia dois tipos de elocutio:
a constructio era controlada pela gramática e objetivava a correção da frase; a compositio era
controlada pela retórica e objetivava a correção do estilo. (FURLAN, 2006, p. 20)
• Latinitas: é definida como “pureza linguística”, que consiste no emprego de uma expres-
são correta, na utilização adequada da língua em que se faz o discurso, e responde à
necessidade de se seguirem as regras gramaticais. Corresponderia à ordinatio (ordena-
ção, taxis).
Os retóricos antigos ligavam a essa última virtude o tratamento das três categorias, gêneros
ou níveis de estilo: o estilo baixo ou normal, o estilo florido ou médio e o estilo elevado ou
grandiloquente. Eles discutiam, a este propósito, não tanto os meios de atingir a virtude de
acomodação, mas, sobretudo, os vícios a evitar. Corresponderia à distributio ou oikonomia
(distribuição, agenciamento).
Cabe ressaltar que um estudo detalhado da paridade entre os preceitos da retórica com
aqueles definidos por Vitrúvio excederia os limites desta unidade: as ligações que tentamos
traçar, acima expressas, baseados unicamente na análise das similaridades aparentes entre o
significado correntemente aceito hoje como correto (considerando, adicionalmente, que não há
pleno entendimento também nesse aspecto) têm a intenção, apenas didática, de visualizar um
possível caminho para a derivação das categorias estéticas vitruvianas de toda a tradição retórica
21
Desse modo, apresentamos o quadro baixo para melhor visualização das relações traçadas.
Ressaltamos que, na sua elaboração, utilizamos, para o significado dos preceitos vitruvianos, a
tradução de Marco Aurélio Lagonegro, com exceção do decoro (decor), no qual fizemos uma livre
adaptação entre as traduções de Lagonegro (2002) e de Maciel (2007), por ter assim nos parecido
mais apropriado à compreensão do que se procurava demonstrar.
Dos seis preceitos vitruvianos, apenas cinco encontraram correspondência direta com a
retórica, conforme demonstrado no quadro “Preceitos”. Ocorre que a symmetria se apresenta
como problemática dentro dessa linha de raciocínio e, por tal motivo, demanda um olhar mais
aproximado. Apesar de ser um conceito baseado na visualidade para os arquitetos, a simetria
tem, assim como o decor vitruviano, um forte significado ético, igualmente transponível do
conceito para a forma:
É claro que uma eqüidade ética que requer uma simetria da relação de todos será muito assistida
por uma equidade estética que cria em todos os participantes um estado de prazer em sua própria
lateralidade (ou descentramento radical). (PÉREZ-GÓMEZ, 2008, p. 123)
Pérez-Gómez e muitos estudiosos antes dele articulam a ideia de que existem conexões
entre os conceitos de simetria e justiça, na medida em que ambos têm relação com igualdade
e comensurabilidade (symmetria, em Vitrúvio). Para Vitrúvio, a comensurabilidade “consiste no
conveniente equilíbrio dos membros da própria obra e na correspondência de uma determinada
parte [rata pars], dentre as partes separadas, com a harmonia do conjunto da figura.” (VITRUVIUS
apud OLIVEIRA, 2002, p. 76). Ainda, falando depois sobre a composição de templos, Vitrúvio
professa que
Em outro trecho, o autor afirma que a “comensurabilidade entre partes e todo, dimensão
comunicativa e ética da arquitetura, está diretamente relacionada à sua capacidade de sedução
(venustas), traduzida como beleza”. Problemática em sua relação esquemática com os preceitos
originários da retórica, a symmetria ou comensurabilidade parece instituir-se como condição
prévia, tal como a ratio para o discurso (logoi, ou elocutio na retórica), do mesmo modo como
a igualdade é um pressuposto ético entre concidadãos e que o módulo é, nessa abordagem da
arquitetura, precondição para a elaboração do projeto.
Para encerramento da analogia entre retórica e arquitetura que procuramos detalhar nas
22
páginas precedentes, citamos, por sua curiosidade, a observação de Alexandre Jr. (2008, p. 23),
comparando a retórica com a tectônica:
Cada parte de um discurso tem a função particular de instruir, deleitar e mover, com o objetivo
último de persuadir para convencer e levar o seu auditório à ação. À semelhança da engenharia,
também a retórica cuida de responder à questão de fazer com que uma coisa funcione de um certo
modo, para um determinado fim, e face a diversos constrangimentos (sociais, culturais, psicológicos,
econômicos, ideológicos, etc.). É fato que um objeto bem desenhado tende a ocultar a arte que o
inspirou e a inteligência que o projetou. Quanto mais bem desenhada é uma coisa e mais natural
parece, tanto melhor se ocultam os artifícios formais e estéticos que a plasmam. Mas há sempre o
controle mágico do engenheiro, assente em códigos normativos de construção que mais ou menos
se deixam perceber. Basta conhecer as regras do jogo. (ALEXANDRE JR., 2008, p.23)
Desse modo, tendo verificado em que termos práticos o pensamento abstrato, conceitual
e universalizante dos gregos serviu de base aos romanos para desenvolverem uma arte e uma
arquitetura cujo foco se dividiu em dois, o edifício como linguagem e a tecnologia construtiva, e,
por consequência, uma estética do prático, podemos prosseguir nosso caminho no trânsito entre
a Antiguidade e a Idade Média dos preceitos estéticos que analisamos até aqui.
Depois desse período, com o advento do neoplatonismo de matriz cristã, a busca da filosofia
é retirar toda a luz sobre o sensível, e depositar sobre o inteligível, mas de um modo específico:
pelo quanto ele se liga com o princípio divino, que mescla as características do noûs até então
existentes. Em termos muito simplificados, significa a ação do intelecto e/ou da razão que se
opõe à atividade dos sentidos. Tal como formulado pelo filósofo pré-socrático Anaxágoras (499
23
a.C. – 428 a.C.), era o princípio de natureza cósmica, portanto metafísico, inteligente, eterno e
ilimitado, seus atributos permitiam a capacidade de estabelecer uma ordem dos seres e coisas
que compõem o cosmos, o universo.
Para Platão, associava-se ao olhar da alma, como a teoria desenvolvida a partir da “segunda
navegação”, do jeito que vimos. Na acepção aristotélica, consistia numa faculdade humana que
permite a captação das verdades fundamentais pela via da intuição, e, desse modo, opondo-se
ao pensamento limitado pela discursividade: permite à alma intuir os princípios que a razão não
consegue demonstrar; para ele o noûs é também o motor primeiro, a causa final de todas as coisas.
Essa fusão dos vários significados sob o influxo da doutrina cristã levará ao conceito
escolástico, que reduz o noûs a uma das emanações do ser divino. Com o desenvolvimento do
pensamento escolástico, o conceito será associado ao intelecto que, igualmente de posse de uma
faculdade intuitiva, só por meio dela alcança a realidade divina, tornando-se mais efetivo do que
qualquer caminho que empregasse o impulso racionalizante através do discurso.
O cristianismo, ao priorizar a vida após a morte, pela paixão do sofrimento, busca eliminar do
ser a vida sensível, virando as costas ao prazer proporcionado pelo belo e por tudo que representa
sedução na natureza. Segundo Bayer (1995, p. 86), “torna-se ascético e mais intransigente do
que o ideal platônico”, embora seja amplamente calcado sobre ele. Esse caminho, pode-se dizer
que é iniciado pela doutrina iconoclasta, que, como o nome diz, rechaçava toda e qualquer
representação por imagens, e, portanto, qualquer possibilidade de sensualidade pelo sentido da
visão e do tato, interiorizando definitivamente a fé, pois era negado qualquer suporte ou projeção
exterior de suas manifestações: estátuas, pinturas e relevos, nada disso era permitido.
Em Santo Agostinho, o prazer sensível retorna a ser admitido, mas num patamar do sensível
em que este é moral. Com São Tomás de Aquino, pela via dura do aristotelismo, todo e qualquer
prazer dos sentidos é convertido em prazer intelectual. No fim desse trajeto, que ocorre no século
XIII com a secularização do mundo ocidental, começa a se estabelecer um novo compromisso
com o mundo, a partir do nominalismo de Duns Scot e Guilherme de Occam. Para encerrarmos
nossa primeira unidade, vamos situar o conceito de belo em Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino a seguir.
Que amamos nós que não seja belo? Que é o bem? E o que é a beleza? Que atração é essa que
nos liga aos objetos de nossa afeição? Se não tivessem encanto nem beleza, não fariam nenhuma
impressão sobre nós. E eu consideraria que, nos próprios corpos, se deve distinguir o que neles há
24
como o todo, e portanto a beleza, e o que agrada por uma simples relação de conveniência, como a
proporção dum membro ao corpo, dum sapato ao pé etc.” (Agostinho apud Bayer, 1995, p. 87)
Santo Agostinho separa o mundo do ser em duas metades, costuradas pela existência do
pensamento em nós, sendo o pensamento a fonte de toda certeza: a primeira metade tem como
fonte as nossas percepções da realidade, que são extremamente necessárias para a vida prática,
cotidiana, ainda que a certeza que tais percepções permitem seja sempre provisória, e esteja no
terreno da opinião, não da verdade. Em oposição a esta certeza, vem a outra parte do ser, que é o
mergulho subjetivo na fé, que, a despeito da subjetividade, nos conecta ao universal, pelo noûs.
A partir deste noûs, Agostinho formula – muito influenciado pelo pensamento platônico – que
a ordem e a harmonia estão presentes em todo o universo, que teria como fundamento essencial
a força divina, sendo Deus a única medida da verdade, do bem e do belo. A beleza é o signo da
presença de Deus no mundo, nas coisas criadas e nas que são criadas pela mão humana, como
a arte. Por isso, cabe aos artistas realizarem representações do divino que nos religuem a Deus.
Para entendermos a posição de São Tomás sobre a arte, basta analisarmos a produção de sua
época, fundamentalmente vinculada à arte sacra, na qual o fundamento é o útil, e não o belo. A
eficácia das obras até então residia na maior ou menor assertividade ao transmitir a mensagem
das escrituras, fazendo o pensamento se elevar ao Criador.
Desse modo, a arte tinha que ser conveniente (dotada de convenientia), e para nos
aproximarmos do significado da palavra convenientia, procuramos diversas fontes para cotejar
seus sentidos. Em várias fontes o sentido dado é concordância, conformidade e, metaforicamente,
semelhança, o que confirma a abordagem de Foucault. A seguir, três exemplos contextualizados
do uso da convenientia:
O direito natural é um ditame da recta razão indicando que um acto, dependendo da sua
conformidade ou desconformidade com a própria natureza racional e social, está em necessidade
moral ou deformidade moral, e consequentemente tal acto é vetado ou prescrito por Deus, criador da
natureza. (GROTIUS apud CAMPOS, 2008, p.10)
25
O outro ponto diz respeito à divisão percebida no grupo das expressões – segundo os seus
significados. Tendo em conta as funções semânticas das raízes dos nomes, podemos distinguir dois
tipos de significados: (1) As formas que mostram a mesma similaridade, a comensurabilidade ou
acordo – como um sufixo com – que acabei de mencionar. Assim: [...] convenientia, juntamente com
consonantia, que é como uma metáfora, sempre indica a semelhança, mas eles parecem introduzir o
nível cognitivo (algo necessário, ou conveniente, quando reconhecemos isso). (GUDANIEC, 2003, p.
21, tradução nossa)
Capítulo VI – Da concordância e da diferença dos princípios: Deve-se saber também que, falando
dos princípios intrínsecos, a saber, matéria e forma, há a concordância e a diferença dos princípios
segundo a concordância e a diferença do que é principiado, pois alguns são numericamente o mesmo:
assim como Sócrates e “este homem” indicado de Sócrates. (TOMÁS DE AQUINO, 2009, p. 276)
São Tomás de Aquino ligava a ideia de beleza (e não estamos falando de arte aqui) à ideia de
verdade e de bem, como Platão e Aristóteles. Quem era sensível tinha os olhos do espírito para
a beleza das coisas. Entendia o belo como o brilho da verdade de Deus nas coisas e, assim, ligava
ainda o belo à ideia da justa proporção, mas não apenas: para haver a beleza, eram necessárias
três condições prévias – a justa proporção (ou harmonia: consonância de todos os atributos de um
objeto, havendo também essa consonância em relação ao seu fim), a integridade (ou perfeição:
todas as características de um objeto devem estar integralmente nele) e a claridade.
As duas primeiras condições são colhidas em Aristóteles. A terceira, claritas, significa que
todos os atributos de um objeto devem ser percebidos pela razão. Desse modo, São Tomás de
Aquino retorna ao princípio grego de indissociável ligação entre o belo e o bem.
26
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• entender o trânsito operado pelos conceitos estéticos desde a Grécia até o fim da
Idade Média;
• ver de que modo os conceitos estéticos aparecem nas obras de arquitetura da Grécia
Antiga e de Roma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. De anima. Tradução Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34,
2006.
______. Metafísica. Tradução Leonel Vallandro. Porto Alegre: Editora Globo, 1969.
______. Retórica. Tradução Manoel Alexandre Jr. et al. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa
da Moeda, 2007.
GADAMER, H.-G. A atualidade do belo: a arte como jogo símbolo e festa. Rio de Janeiro:
Rio de Janeiro, 1985.
PÉREZ-GÓMEZ, A. Built upon Love: architectural longing after ethics and aesthetics. Mas-
sachusets: MIT Press, 2008.
______. Diálogos: O Banquete, Fédon, Sofista, Político. Tradução e notas José Cavalcante
de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
______. Diálogos II: Fédon, Sofista, Político. Tradução Jorge Paleikat. 12ª ed. Rio de Janei-
ro: Ediouro, [199-].
______. Fedro. Tradução e notas Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães & C. Editores,
1981.
______. Timeu – Crítias. Tradução, introdução e notas Rodolfo Lopes. Coimbra: Imprensa
da Universidade de Coimbra, 2013.
______. Tratado de arquitetura. Tradução M. Justino Maciel. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
______. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São
Paulo: Editora 34, 2005.
Por fim, vamos aprender de que forma algumas características foram incorporadas às
edificações coloniais do século XIX – nas suas fachadas, interiores e modos de viver – e se
perpetuam nos projetos fachadistas de edifícios e casas atualmente.
Bons estudos!
33
1 NOÇÕES PRELIMINARES
As representações artísticas, no geral, possuem um caráter simbólico e representativo que
excedem as dimensões geográficas e de tempo, sendo repassadas de geração em geração da
mesma comunidade e, também, para outras sociedades.
Segundo Sasaqui (2015), o ser humano tem utilizado a arte e sua produção artística como
uma maneira de expressar as suas ideias políticas, culturais e religiosas. Sua capacidade de
se comunicar, por meio de várias técnicas – como na pintura, escultura ou arquitetura –, tem
possibilitado usar a arte como um “instrumento modelador do comportamento e atitudes do ser
humano em sociedade.” (SASAQUI, 2015, p. 20)
A arte grega é aquela então produzida pelos povos do mediterrâneo embasada nos princípios
da proporção e simetria. Na arquitetura, essas bases se expressam através da organização dos
elementos arquitetônicos da edificação e da configuração individualizada de cada um desses
componentes que, reunidos, transformavam aquela construção em monumento.
De acordo com Summerson (2009 apud SASAQUI, 2015, p.26), a harmonia é um aspecto
fundamental da arquitetura clássica, além de ser parte integrante dos edifícios da Antiguidade,
tendo as proporções de todas as partes relacionadas entre si e calculadas por funções aritméticas.
Dessa forma, “O templo clássico, como um todo, da base à sua cobertura, da fachada, composto
por colunata, ornamentada com uma das ordens arquitetônicas, o frontão, o entablamento, a
cornija e o fundo, é norteado pelo cânone da harmonia” (SASAQUI, 2015, p. 26).
(2015, p.30), “sua posição tem importância simbólica como elevar e enobrecer os valores humanos e
também possui valor como ponto estratégico, pois dali a cidade pode ser eficientemente defendida”.
Um exemplo é o clássico Partenon – construído na Acrópole de Atenas por ordem de Péricles –, que se
destaca pela sua construção em mármore e por ser ornado com as esculturas de Fídias.
Os templos gregos não eram concebidos com o propósito de terem o seu interior acessado
pelos seus fiéis. Essas construções monumentais eram feitas para abrigar os deuses e, por isso,
impenetráveis. Dessa forma, os rituais e manifestações eram realizados ao redor dos templos, o
que obrigou os arquitetos e escultores a se dedicarem em transformar as estruturas arquitetônicas
(colunas, frontões e paredes) voltadas para as fachadas em verdadeiras obras-primas.
O projeto arquitetônico deveria obedecer pelo menos uma das “ordens” idealizadas pelos gregos
para a arquitetura clássica, a dórica ou a jônica. Segundo Medeiros (2013), essas ordens eram
Essas ordens consistiam na articulação dos elementos arquitetônicos com base em regras
próprias de proporção e simetria, cada uma exercendo uma função e forma específicas.
#ParaCegoVer: A imagem mostra os três tipos de colunas utilizadas nas edificações da Grécia,
a dórica, a jônica e coríntia.
Sasaqui (2015) afirma que a fase áurea da arte grega representou a “supremacia cultural” do
estado de Atenas, entre os anos 450 e 400 a.C. Nessa época “as expressões artísticas regionais
se integraram na procura teórica e formal de arquitetos, escultores, pintores e ceramistas áticos,
chegando à plena adaptação artística das visões universais dos gregos.” (SASAQUI, 2015, p. 21).
Por fim, podemos perceber que o conjunto de elementos artísticos produzidos pelos gregos
relacionados à arquitetura, pintura e escultura, atua como instrumento de comunicação dos
ideais de beleza, harmonia e proporção que expressam as tradições religiosas, os valores culturais
e o poder político da civilização grega em expansão.
três ordens gregas clássicas (dórica, jônica e coríntia), porém, com algumas alterações na altura, no fuste
e na sua base, resultado de mudanças nas proporções que guiavam a composição desses elementos.
Além das colunas com seus detalhes ordenados, algumas técnicas construtivas foram
incorporadas a fim de concretizar a prioridade da arquitetura romana à utilidade. Os arcos e
abóbadas utilizados nos reservatórios, aquedutos e pontes transformam as colunas e arquitraves
em elementos basicamente decorativos.
A ponte do Gard é um grande exemplo disso, conforme Upjohn (1977, p.44), a sua beleza
está no seu “caráter funcional”. O conjunto dos arcos de volta inteira, com os arcos dos andares
inferiores, contrastando com os pequenos arcos, que tinham a funcionalidade de transportar a
água para a antiga Nimes, constituem o estilo romano.
Enquanto isso o famoso Coliseu exemplifica perfeitamente a comunhão dos dois elementos
característicos da estética grega: o arco associado à coluna. Upjohn (1977) analisa que:
Numa construção deste tipo, atenuam o ritmo visual criado pela sucessão ininterrupta dos arcos e
rompem esse dinamismo implacável pelo jogo de pilares e lintéis, isto é, pela intervenção retangular de linhas
retas horizontais e verticais. O estilo das colunas adossadas dos três andares inferiores não é o mesmo. Nesse
tipo de edifício, a ordem mais pesada ficava embaixo e a mais leve em cima; de modo que, vistas de baixo para
cima, em cada andar, as três ordens são respectivamente a toscana, a jônica e a coríntia. (UPJOHN, 1977, p. 56)
#ParaCegoVer: A imagem mostra o arco de Constantino, que é composto por três arcos, um
maior no centro e os outros dois menores ao lado. Podemos ver as estátuas e os desenhos em
relevo que ornamentam o monumento.
As colunas do Arco de Constantino não estão engastadas à edificação e, por isso, não estão
associadas a uma função estrutural. Estão ali apenas para suportar as estátuas que, juntas com os
demais detalhes em relevos das imagens entalhadas na pedra, proporcionam a sua escala dissociada
da humana conferindo monumentalidade à construção. A arquitetura romana essencialmente
traduz a autoridade e a grandiosidade de seu império, que domina os seus cidadãos. É representada
nessa grandeza e monumentalidade, e não na escala de proporções humanas.
Ainda que o Império Romano tenha se difundido por várias cidades, foi realmente em Roma,
capital desse império, onde se ergueram as construções mais significativas desse período, por
suas dimensões, por sua execução aprimorada ou pela riqueza de detalhes. Por séculos esses
modelos de estética arquitetônica foram replicados na Europa, na África e Oriente (UPJOHN,
1977), tornando a produção arquitetônica de Roma uma referência a outras civilizações.
Nesse momento, o homem se distancia da igreja medieval e do sistema feudal, que passam
a ser vistos como ultrapassados para a transformação cultural que estava acontecendo e para o
desejo de uma sociedade mais realista e universal que o momento intencionava. Agora, o homem
renascentista se compromete com o pensamento humanista, no qual a razão, o conhecimento
científico e a matemática passam a fazer parte da produção artística do Renascimento italiano.
Assim como Sasaqui (2015) analisa, o Renascimento Cultural – como também era chamado –
evidencia a evolução do pensamento do homem e da civilização europeia, que foi desenvolvido
a partir de um novo paradigma nas esferas filosóficas, religiosas, artísticas e científicas da época.
Roma, com a riqueza de seus remanescentes da arquitetura greco-romana, contribui para orientar
o trabalho de criação dos arquitetos e pintores renascentistas.
Diversos fatores históricos e culturais ocorridos entre os séculos XVII e XVIII incentivaram
o desenvolvimento do neoclassicismo como: depoimentos de viajantes vindos das ruínas
greco-romanas; escavações de Herculano e Pompéia; influência do pensamento filosófico dos
iluministas; e publicação de estudiosos sobre a Antiguidade Clássica.
FIQUE DE OLHO
Jacques Louis David foi um pintor francês que se tornou o maior representante do
neoclassicismo na França. Inspirado nos ideais da Revolução Francesa e grande admirador de
Napoleão, o pintor defendia que a função da arte era mais do que proporcionar prazer ao
espectador: era capaz de transformar uma comunidade, divulgando o bem comum e a moral.
40
Essa estética clássica chega através da missão artística francesa ao Rio de Janeiro, no início do
século XX, influenciada sobretudo pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny. Correspondeu,
principalmente, à retomada das composições arquitetônicas aplicadas na Renascença europeia. Como
exemplos dessa influência podemos citar o atual Museu Imperial de Petrópolis (obra iniciada em 1845)
FIQUE DE OLHO
Grandjean foi um arquiteto de grande referência no Brasil, conquistando vários discípulos que
aplicaram os seus ideais estéticos em várias construções realizadas no Rio de Janeiro. Muitas
estão conservadas até hoje, como o Palácio Itamaraty, projetado pelo arquiteto José Maria
Jacinto Rebello, e o Palácio Imperial de Petrópolis, projetado por Júlio Frederico Koeler.
41
e a antiga Casa de Alfândega, atual Casa França-Brasil, localizada no Rio de Janeiro, construída em 1822.
Importa mencionar que esse período de influência acadêmica corresponde aqui no Brasil,
como em outras localidades da América Latina, ao momento do país como nação soberana e
independente de Portugal.
De acordo com Reis Filho (1983), a arquitetura desenvolvida e difundida pela Academia de
Belas Artes se caracterizava pela clareza construtiva e a simplicidade de formas. No entanto,
alguns elementos construtivos, como cornija e platibanda, dispunham de alguns elementos
decorativos. O acabamento das alvenarias, geralmente de pedra ou tijolo, era feito com pintura
de cores suaves – branco, rosa, amarelo ou azul-pastel –, que davam destaque às molduras das
portas e janelas em pedra arrematada em arco pleno, além das bandeiras com vidros coloridos.
Ainda que esse modelo arquitetônico seja resultado da importação europeia, e dada,
também, a restrição de materiais e mão de obra, aqui no Brasil ele atingiu alto padrão formal e
construtivo. No entanto, se restringiu às edificações oficiais e às camadas da população mais ricas
localizadas no litoral brasileiro, em contato direto com a Europa.
Porém, a distância do interior brasileiro não impediu que a influência clássica arquitetônica
influenciasse as construções locais. Dessa forma, podemos considerar que a estética neoclássica
ocorre no Brasil em dois níveis diferentes:
Nos centros maiores do litoral, em contato direto e permanente com o meio europeu e onde os
costumes guiaram-se de perto pelos do Velho Mundo, desenvolveu-se um nível mais complexo de
arte e arquitetura que chegou a alcançar elevados padrões de correção formal e se integrou, pela
aparência, pelos detalhes e pelas formas de construção, nos moldes internacionais de sua época. (REIS
FILHO, 1983, p. 116)
Podemos concluir, com o conteúdo apresentado nesta unidade, que a estética neoclássica
aplicada até hoje na arquitetura é feita com a finalidade de transmitir as ideias de poder e
supremacia daquele que constrói. Assim como afirma Sasaqui (2015, p. 138), “tal tradição criada
na Antiguidade se reproduz na história humana de outras sociedades que reverenciam a tradição
da imagem de passado glorioso que deve ser mantido e reproduzido como garantia de poder”.
São incorporados os princípios de simetria, proporção solidez, além dos adornos das colunas e
frontões que, ainda que sem critério específico para sua aplicação, são utilizadas pela associação
direta que se faz com esse imponente estilo arquitetônico.
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• estudar como a arte romana se apropriou da arte grega para representar o seu im-
pério;
UPJOHN, E. M. et al. História Mundial da Arte: Dos etruscos ao fim da Idade Média. 5.
ed. Lisboa: Livraria Bertrand, 1977.
Bons estudos!
47
Durante o Império Romano, a imponência de suas construções – das termas, do Coliseu, dos
arcos de triunfo e fóruns – era resultado de um poderoso governo que favorecia uma rica mão de
obra e uma ampla opções de materiais.
No entanto, durante os séculos IV e V não havia mais a disponibilidade desses fartos recursos
para as ricas construções. Dessa forma, nas edificações das primeiras igrejas cristãs predominou
a sobriedade e simplicidade das construções civis da época.
Nota-se que as plantas das basílicas construídas durante esse período tinham como
composição elementar: um átrio, ou palácio aberto, cercado por uma galeria aberta ou peristilo;
um pátio, a Basílica propriamente dita, dividida em três naves; um transepto e, por fim, um
hemiciclo. Nas palavras de Upjohn (1977a, p. 87):
As três naves, sendo a central mais larga, onde ficam os fiéis, conduzem a um espaço transversal que
as corta em ângulo reto, é o transepto, que forma uma cruz com a nave central. Por detrás do transepto
fica uma zona em forma de hemiciclo, ou abside, que, em geral, é tão larga como a nave central. A abside
e uma parte do transepto estão reservadas para o serviço religioso. (UPJOHN,1977a, p. 87)
48
Ainda que a composição em três naves seja a mais frequente, algumas igrejas desse tempo
foram projetadas com cinco naves. Em outras, o limite do transepto não ultrapassa a largura
das naves laterais. Além dessa planta fundamental, a elevação também era construída a partir
de uma composição característica de cobertura, paredes de fechamento e iluminação natural.
De acordo com Upjohn (1977a, p. 87): “Uma cobertura de madeira, sustentada por paredes
relativamente finas, cobre a nave central, que é mais alta que as naves laterais, e está iluminada
por uma claraboia aberta na parte superior das paredes.”
Outro ponto que norteava a composição arquitetônica desses prédios religiosos era a sua
implantação, orientada pela posição solar. Inicialmente, as igrejas não foram construídas sob alguma
dessas orientações, “em alguns casos, o altar estava voltado para o ocidente e o sacerdote ficava
por trás, virado a oriente, estando a assistência, portanto, voltada a oeste” (Upjohn,1977a, p. 88).
Posteriormente essa prática foi alterada, resultando em uma mudança na disposição do sacerdote
e da assistência. Ainda segundo Upjohn (1977a), no século V o sacerdote e a assistência ficavam
voltados para o nascente, de modo que o sacerdote ficava de costas para os fiéis durante a missa.
Esse período foi marcado por um agravamento nas condições econômicas, assim como uma
diminuição no número de habitantes, ocasionando o abandono de muitas edificações romanas.
Esses fatores orientaram as ações dos construtores cristãos, que passaram a reutilizar os
materiais das edificações remanescentes, associando os fragmentos de elementos arquitetônicos
de forma indiscriminada. Upjohn (1977a, p. 90) analisa que em S. Clemente “algumas colunas são
caneladas, outras são lisas”. Já na igreja de S. Lourenço, “as traves que ficam sobre as colunas mais
a poente foram trabalhadas, mas os motivos das pedras contíguas variam de uma para outra,
demonstrando assim que os blocos foram recolhidos aqui e além.” (UPJOHN,1977a, p. 90).
FIQUE DE OLHO
Segundo Upjohn (1977a), antes da legalidade da religião, os cristãos preferiam escolher temas
variados e já conhecidos, desde que fossem tratados de tal modo que apenas os “iniciados”
podiam interpretar.
Por fim, nas iluminuras o trabalho era realizado considerando menos a paisagem a fim de
valorizar os personagens. Além disso, reduziu-se a representação do lugar onde a cena estava
sendo representada e os acessórios são acrescentados apenas os essenciais. Dessa forma, ganha
espaço uma arte mais abstrata, de tempo e espaço, substituindo as reproduções mais realistas
da Antiguidade Clássica.
É importante salientar que a arquitetura gótica, segundo Upjohn (1977a, p. 194), foi admirada de
maneiras diferentes de acordo com as suas épocas. Por séculos foi conhecida como “opus francigenum”,
que significa “obra francesa”, considerando a sua origem. No entanto, ainda segundo o autor:
assim que os italianos dos séculos XV e XVI se entusiasmaram pela Antiguidade, consideraram a
Idade Média como uma época bárbara, cuja principal criação era um estilo caracterizado pelo arco em
ogiva. Como os Godos eram os bárbaros mais conhecidos, o estilo foi chamado gótico, isto é, bárbaro
por excelência. A partir de então o adjetivo <<gótico>> perdeu o sentido pejorativo, mas no século XVI
exprimia ainda desprezo. (UPJOHN, 1977a, p. 194)
Essa contribuição era estimulada tanto pelo engajamento religioso quanto pelo orgulho cívico
porque havia certa rivalidade entre as cidades que eram marcadas, principalmente, pela altura de suas
abóbadas. Nesse contexto, a Catedral de Notre-Dame, em Paris, foi construída com uma abóbada que
atingia mais de trinta metros. Upjohn (1977a) afirma que o papel ativo dos habitantes na realização das
edificações fez com que acreditassem que não havia arquitetos, tanto que este termo não aparecia nos
registros medievais – o homem que realizava as edificações era conhecido como mestre de obras ou
mestre pedreiro. Upjohn (1977a, p. 197) analisa que “Estes artífices diferiam dos arquitetos modernos
pelo fato de acumularem funções de arquiteto, de empreiteiro e de contra-mestre.”
A arquitetura gótica ganhou destaque pela sua exuberância na verticalidade das edificações
religiosas, com seus arcobotantes, pináculos e flechas, exprimindo o vigor religioso. Dessa forma,
considera-se que o gótico foi o estilo arquitetônico que mais exprimiu a exaltação mística. Esse
estilo foi composto por alguns elementos fundamentais: arco de ogiva, sistema de abóbadas, de
suportes e contrafortes.
O seu surgimento se deu na França, nos fins do século XII, e, posteriormente, expandiu-
se pela Europa Ocidental. A arquitetura gótica é definida por Moore (apud UPJOHN,1977a, p.
198) como “Um sistema de abóbadas, de suporte e contrafortes, recebendo os suportes o peso
esmagador das abóbadas, cuja estabilidade era assegurada por um equilíbrio perfeito das forças”.
A arquitetura gótica produzida na França, quando atingiu seu apogeu, teve como marco a
representatividade das paredes como elemento estrutural da edificação. O edifício passou a
receber mais janelas, com dimensões que iam de um pilar a outro.
No que se refere à relação do edifício com o espaço interno e externo, onde está localizado, as
concepções adotadas pelo estilo gótico estão em oposição com as aplicadas aos templos gregos.
Conforme Upjohn (1977a, p. 217) “O templo grego está ligado à terra e constitui um todo com ela; a
catedral gótica eleva-se para o céu como uma oração”. Podemos perceber, então, que essas diferenças
materializam o pensamento do homem de cada época, sua intelectualidade e espiritualidade.
Quando a Renascença teve início, a Europa se encontrava dividida em grandes Estados feudais
pertencentes a nobres ricos. À medida que se desenvolvia a Renascença, os reis e os príncipes
foram apossando-se das terras feudais e constituindo governos nacionais. O comércio, dessa
forma, intensificou-se e muitas pessoas trocaram o campo pelas cidades em formação.
Considerado um movimento complexo uma vez que, além das artes em geral, foi um período
que estimulou transformações nas letras, na ciência e no modo de pensar, podemos afirmar
que a principal diferença entre a Idade Média e o Renascimento está na “nova orientação do
espírito, dos ideais e das forças criadoras” (Upjohn,1977b, p.42). No entanto, os vestígios da arte
romana permaneceram exercendo certa influência, principalmente na Itália. Upjohn (1977b, p.
42) assinala que “tratava-se, porém, de uma ressurreição consciente do passado, e os italianos
voltavam deliberadamente ao período clássico considerado como a fonte da civilização.”
Esse retorno às referências da arte clássica provocou uma significativa influência nas
artes do período renascentista, especialmente na arquitetura e na escultura. Foi um período
historicamente caracterizado por grandes descobertas – quando o homem, finalmente, passou a
olhar e analisar o mundo sob uma perspectiva mais científica.
Além de atingir a filosofia, as artes e as ciências, a Renascença fez parte de uma ampla
gama de transformações culturais, sociais, econômicas, políticas e religiosas que caracterizam a
transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse sentido, o Renascimento pode ser entendido
como um elemento de ruptura, no plano cultural, com a estrutura medieval.
FIQUE DE OLHO
Um dos nomes mais influentes do Renascimento foi o arquiteto Leon Battista Alberti,
conhecido por construir o Palácio Rucellai, em Florença. Baseado nas ideias humanistas, o
arquiteto aplicou várias dessas ideias aos problemas da arquitetura. Inspirado nos escritos de
Vitrúvio, arquiteto romano, Alberti escreveu muitas obras sobre a produção arquitetônica,
influenciando os teóricos da sua época.
Durante esse período, alguns arquitetos se destacaram a partir das arquiteturas produzidas
ou pelas obras publicadas sobre seus estudos e diretrizes para a criação arquitetônica. Entre eles
está o famoso Miguel Ângelo, além de mais dois arquitetos: Andrea Palladio e Giacomo Barozzi
da Vignola, que exerceram papel significativo na produção arquitetônica. O primeiro, com a
publicação de Quatro Livros da Arquitetura, em 1570, tornou-se referência para os arquitetos
ingleses e americanos. Enquanto Palladio se destacou com o projeto da Villa Rotonda, uma
edificação de planta quadrada marcada pela harmonia das suas proporções e pela sobriedade
dos seus elementos arquitetônicos.
A planta de Villa Rotonda, que se caracteriza por ser quadrada, com um corpo central coroado
por uma pequena cúpula e com um pórtico de cada lado, é assim analisada por Upjohn (1977b,
p. 176): “simetria absoluta da planta conviria pouco às necessidades de uma habitação normal,
mas liga-se muito bem com a vida mundana, o que explica a popularidade de Palladio na alta
sociedade inglesa do século XVIII.”
Já o arquiteto Giacomo Barozzi da Vignola, por meio da sua publicação intitulada Regra das
cinco ordens de arquitetura, em que formulou e organizou sua doutrina, exerceu um grande
papel na França, além de ter sido ensinada durante muito tempo na Academia de Belas-Artes. Sua
arquitetura é marcada por mais liberdade na composição dos elementos, se comparada com as
edificações desenhadas por Palladio. Exemplo dessa liberdade é a Igreja de Gesù, em Roma (1568
– 1584), que, em consequência disso, tornou-se um protótipo da arquitetura barroca. Upjohn
(1977b) destaca esse edifício como uma planta mais complexa que a planta das tradicionais
igrejas de três naves. Além disso, analisa as suas proporções: “Os braços do transepto quase
não ultrapassam o retângulo do edifício e são extremamente largos. A nave central também,
é, em proporção, mais larga que de costume.” (UPJOHN,1977b, p. 177). A fachada da Igreja
Gesù foi construída pelo arquiteto Della Porta, após a morte de Vignola, e foi considerada por
historiadores como uma construção que foi muito além da liberdade barroca que Vignola já
projetava, tornando-se o modelo das igrejas italianas da época. (UPJOHN,1977b)
Com o tempo, os franceses se habituaram com o novo estilo arquitetônico. Essa mudança foi
materializada no Castelo de Chambord, com construção iniciada em 1526 e finalizada em 1550.
O castelo é caracterizado por sua simetria, ainda que conserve o pátio dos castelos medievais, e
revela a influência do movimento da arquitetura renascentista nessa edificação. Upjohn (1977b)
observa que a simetria e a decoração, bem como a ornamentação com pilastras com pouco
relevo, se afastam da arquitetura realizada na Idade Média. Enquanto a planta e a linha quebrada
55
Ainda na França, no caso das edificações de uso religioso até o momento com a estética
ainda bastante vinculada à arquitetura gótica, ficaram limitados em incorporar às edificações
remanescentes elementos da decoração italiana.
Por fim, foi no Renascimento que se deu pela primeira vez uma proposta de reestruturação
da ideia vigente de cidade. Baseada em uma busca de racionalidade do espaço urbano por meio
de uma ordenação consciente das edificações, teve a representação em perspectiva, cujas regras
foram descobertas nessa época, como o instrumento fundamental para sua concretização.
56
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• estudar os motivos e de que forma a arte clássica foi incorporada à estética da ar-
quitetura cristã;
UPJOHN, E. M. História Mundial da Arte: dos etruscos ao fim da Idade Média. Lisboa:
Amadora, 1977a.
Além disso, será abordada essa trajetória dentro do contexto histórico no qual os
arquitetos e pensadores estavam envolvidos, e a finalidade que estava sendo proposta
através dessa ruptura da estética arquitetônica.
Bons estudos!
61
Em 1925, Gropius será o autor da famosa Bauhaus, de Dessávia, que é um manifesto e cujo
projeto ilustra o novo estilo com todo o seu racionalismo científico. O prédio é representado
por uma fachada de vidro, que rodeia os ateliers que sobrepujam o rés do chão. Através dessa
parede de vidro, é possível ver algumas colunas e os soalhos de betão. A parede é como uma pele
esticada numa armação, tão fina quanto possível na aparência e na realidade.
Outro importante exemplo desse estilo arquitetônico é representado pelo arquiteto Mies van der
Rohe, por meio do seu projeto para casa Tugendhat, construída na cidade de Brno, na República Tcheca.
Nele, o arquiteto traduz uma construção leve, com todo o volume interior podendo ser disposto como
entenderem os ocupantes. Essa concepção do espaço habitável, que se chama “aberta”, foi imaginada
63
pela primeira vez por Frank Lloyd Wright. A residência compõe-se de retângulos alongados, ainda que
em composição horizontal, lembra os princípios construtivos da Bauhaus.
Nos Estados Unidos, Mies van der Rohe continuou suas obras, com os prédios de Lake Shore
Drive, em Chicago. Percebe-se que mesmo construídos vinte anos depois da casa Tugendhat,
esses edifícios refletem a mesma concepção de espaço.
O suíço, naturalizado francês, Le Corbusier (1887 – 1965) lançou as bases da “cidade radiosa”,
argumentando a favor das funções necessárias e suficientes para a vida, dentro de um espírito
plástico. Além disso, estudou uma gama de medidas à escala humana a qual chamou de Modulor.
Em 1947, a partir do projeto da Unidade de Habitação em Marselha, conseguiu desenvolver
e aplicar suas teorias. Já com o projeto da Capela de Ronchamp, em 1952, desenvolveu suas
habilidades plásticas.
A partir de 1945, quando a extensão das cidades tinha já provocado em toda parte o
aparecimento de grandes bairros novos, a reconstrução total ou parcial das cidades destruídas
durante a Segunda Guerra Mundial suscitou grande progresso arquitetônico. Os resultados,
muitas vezes precipitados e comandados por preocupações econômicas, nem sempre foram
muito felizes do ponto de vista artístico, mas, de qualquer modo, algumas vezes bastante
surpreendentes. Paralelamente, e com valor estético desigual, começaram a surgir cada vez mais
em todo o mundo complexos habitacionais destinados às classes trabalhadoras.
Anos seguintes, em 1922, como apoio à Anita Malfatti aos comentários de Monteiro Lobato,
sobre uma exposição da artista ocorrida entre dezembro de 1917 e janeiro 1918, em que o
escritor intitula a artista de “ser bizarro” em um artigo, Oswald de Andrade assume a liderança do
grupo de organizadores da Semana da Arte Moderna.
64
O impacto provocado pela exposição de Anita Malfatti atenuou-se aos poucos, mas os
contatos estabelecidos nessa oportunidade favoreceram a conscientização desses intelectuais
insatisfeitos quanto às suas possibilidades. O grupo organizou-se objetivamente em 1920, mas
não deu amparo imediato às hostilidades.
A Semana de Arte Moderna, com o passar dos anos, criou uma certa mística, apresentando-
se como uma transformação decisiva, uma verdadeira revolução radical. No entanto, seus
participantes não tinham nenhum programa coerente. O denominador comum era, sobretudo,
de natureza negativista e demolidora: a ruptura com o passado e a independência cultural frente
à Europa – especialmente Portugal e França, países que haviam marcado de modo mais profundo
a literatura e as artes brasileiras – eram os dois pontos fundamentais.
Do ponto de vista objetivo, a Semana de Arte Moderna não exerceu qualquer influência direta
sobre a arquitetura. Entretanto, ela criou um clima novo, revelou um espírito de luta contra o
marasmo intelectual e contra a aceitação incondicional dos valores estabelecidos.
O período entre os anos de 1940 e 1960 foi marcado pela intensa industrialização e urbanização
no Brasil. Dentro desse contexto, a arquitetura moderna brasileira aproveita os recursos
oferecidos pela industrialização para o desenvolvimento de materiais e, consequentemente, para
novas técnicas construtivas.
65
O concreto passa a ser utilizado em larga escala, permitindo uma composição mais ampla dos
planos da edificação. Esse material converte-se em elemento plástico e sua exposição ao natural
se configura, consequentemente, como brutalismo.
O brutalismo está ligado à ideia de expressão dos materiais em seu estado natural, assim
como as técnicas construtivas que permitem a execução do projeto. Tanto internamente quanto
externamente procura distinguir os componentes de vedação e estruturais. Sendo assim,
considera-se que os revestimentos são elementos falseadores da verdade construtiva.
Outro fator significativo desse movimento foi a avaliação sobre as relações da arquitetura
com as estruturas urbanas, que resultaram em novos edifícios e conjuntos residenciais com
distintas implantações. Segundo Reis Filho (1983):
Além das mudanças nas condições estruturais das edificações, a disposição da planta
também reflete as mudanças dos novos princípios arquitetônicos. Adota-se o conceito de “planta
livre” com o intuito de satisfazer, ainda que apenas no projeto, as questões de funcionalidade e
composição espacial exigidas.
A nova organização espacial repercutiu na integração das edículas às edificações. Com isso,
uma pequena área do afastamento lateral das residências isoladas seria transformada em área
de serviço, transformando os antigos quintais em pátios e corredores murados. Dessa forma, a
costumeira orientação frente-fundo desaparece e com ela a relação de valorização e desvalorização
dessas fachadas. As áreas livres do terreno se transformariam em jardim e locais de estar.
Além disso, o que o chocava de imediato no movimento moderno era seu caráter absolutista,
intransigente e o aparente desprezo de seus teóricos por tudo o que dizia a respeito do passado.
Para que reconsiderasse a questão, bastou perceber que, apesar das aparências que indicavam
o contrário, existia um denominador comum entre as ideias dos mestres europeus e as suas:
eles propunham um programa construtivo coerente, não desrespeitando tanto o passado, como
pensava inicialmente.
À frente da direção da Escola de Belas Artes do Rio de janeiro, Lucio Costa impulsionou a
formação de um grupo ativo. Devido às condições políticas, culturais e econômicas que o Rio de
Janeiro oferecia, foi possível desenvolver esse novo movimento da arquitetura brasileira. Junta-
se, então, a esses fatores o encontro dos profissionais indicados capazes de desenvolver o projeto
do monumento que mudaria o curso da arquitetura brasileira desenvolvida até então: o prédio
do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro.
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Uma nova concepção de espaço é muito trabalhada nas obras iniciais de Frank Lloyd Wright,
datadas entre 1893 a 1909, que foi considerada como uma das principais características do
movimento moderno, além de dar o primeiro passo para a arquitetura contemporânea. Junto a
ele, somaram-se outros arquitetos com suas expressões e traços arquitetônicos que contribuíram
para a representação da arquitetura contemporânea:
1901
Tony Garnier com o projeto urbano de uma cidade industrial antecipa determinados princípios
da planificação moderna de uma cidade.
1903
Augusto Perret, com o edifício de apartamentos, e em 1905 com a garagem da rua Ponthieu,
ambos em Paris, foi o primeiro a introduzir o concreto armado na arquitetura.
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1910
Adolf Loos constrói em Viena a Casa Steiner, edifício que renuncia a todos os ornamentos e
se reduz a formas geométricas
“A vida moderna pede, espera uma nova planta, para a casa e a cidade.” (Le Corbusier)
“Arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes sob a luz. Nossos olhos são feitos
para ver as formas sob a luz; as sombras e os claros revelam as formas; os cubos, os cones, as
esferas, os cilindros ou as pirâmides são as grandes formas primárias que a luz revela bem [...] é
por isso que são belas, as mais belas formas.” (Le Corbusier)
• telhados planos;
• interiores “livres”;
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• estruturas de concreto;
• exteriores cúbicos.
A partir da interpretação das obras dos arquitetos pioneiros desse movimento pela nova
geração, é que se passou a reconhecer a existência de limitações básicas que os primeiros
projetos criaram, principalmente os relacionados à adaptação dos preceitos às peculiaridades
de cada local.
Os muros de concreto, lisos e brancos, não resultavam muito bem em alguns países, e os terraços –
de concreto ou de outro material eram uma clara imprudência em lugares muito chuvosos ou muito frios.
Na Inglaterra, fizeram-se algumas tentativas para superar as limitações técnicas dos muros maciços de
concreto armado, recorrendo à tradicional obra de tijolo, que logo se pintava [...], para simular o aspecto
de arquitetura moderna do continente. Não tiveram êxito. (FÉLIX; GARCIA, 1979, p. 39)
Na Finlândia, a obra de Alvar Aalto indicava uma atitude muito mais madura com respeito à
nova arquitetura. Ainda que comprometido de todo coração com os princípios dos Congressos
Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAM), foi um criador autêntico. Seus encontros com
a arquitetura “branca” de concreto começaram nos anos vinte e, depois, em 1935 já havia
construído em seu país dois dos edifícios mais importantes do movimento moderno: a Biblioteca
de Viipuri (1927 – 1935) e o extraordinário Sanatório de Paimio (1935 – 1933).
FIQUE DE OLHO
O período que se seguiu do pós-guerra, em 1945, reacendeu na Europa a atividade construtiva,
de forma vacilante e lenta. Foi um período traumático de inventário de reconstrução. O
desafio era imenso e as responsabilidades desalentadoras, pois era necessário reconstruir
cidades e povos e isso demandava eficiência e rapidez para que novos lugares abrigassem os
refugiados e soldados que retornavam. Dessa forma, precisava elaborar uma política positiva
de planificação baseada nas necessidades das diferentes nações.
Nos projetos desenvolvidos por Alvar Aalto havia algo que seguia fiel à qualidade atemporal
da arquitetura tradicional do país. Por sua escala e por sua relação com a paisagem, suas obras
deram uma contribuição positiva ao entorno.
área de elite e o centro de turismo e lazer de Belo Horizonte. Braga afirma que:
Para o projeto de tais edificações, Juscelino convida o então jovem arquiteto Oscar Niemeyer,
que idealiza verdadeiros monumentos de resgate da arquitetura barroca para os mineiros, através
de uma exemplar releitura moderna. Na falta de um pioneiro local, a arquitetura moderna chega às
Minas, portanto, cronologicamente, com o grande Hotel de Ouro Preto do arquiteto carioca, mas de
fato, através das edificações do conjunto da Pampulha. Nem todas as edificações previstas foram
concluídas, mas Pampulha torna-se um marco da arquitetura moderna mundial obtendo grande
repercussão internacional. (BRAGA, 1999, p. 6)
A arquitetura brasileira se viu especialmente favorecida pela mudança evolutiva que se produziu
desde o ano de 1930 pelas influências vindas da Europa e América. O Brasil adotou e seguiu
desenvolvendo uma tradição para a qual o país estava especialmente predestinado, uma tradição
cuja base era constituída pela clara sistemática do ângulo reto e do procedimento do esqueleto.
Aqui, como em outros países latino-americanos, o início desse movimento ocorreu nas
universidades. No Brasil, sem dúvidas, as energias concentraram-se essencialmente no projeto
e na construção da nova capital, Brasília, no interior do país, diferente das capitais estabelecidas
até o momento.
• Recusa de se deixar prender por preocupações de ordem social: o arquiteto não está
encarregado de reformar a sociedade. Ele pode ter suas opiniões e participar das trans-
formações, mas, sobretudo, dedica-se ao seu ofício.
FIQUE DE OLHO
Outro nome de grande importância no Brasil, e um dos mais hábeis arquitetos paisagistas de
nosso tempo, é Roberto Burle-Marx, que se dedicava, até então, somente a tarefas marginais
de decoração tais como os jardins de algumas residências particulares ou edifícios públicos.
Em 1953, quando ocorreu a Bienal de São Paulo, muitos críticos de todas as nacionalidades
chegaram ao Brasil e declarações de alguns importantes arquitetos são registradas pela revista
internacional de arquitetura Architectural Review. Essa edição da Bienal contribuiu para o
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Gropius se compraz com a originalidade do movimento brasileiro, pela adaptação das contribuições
do movimento brasileiro, pela adaptação das contribuições internacionais ao clima e aos hábitos do
meio e valoriza, sobretudo, as obras cujo projeto arquitetônico se relaciona equilibradamente com o
entorno urbano, tal como Pedregulho, de Reidy. (FÉLIX; GARCIA, 1979, p. 54)
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
SANVITTO, M. L. A. Brutalismo paulista: uma estética justificada por uma ética?. In:
SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 10., 2013, Curitiba. Artigo. Curitiba: Docomomo,
2013. p. 1-24.
Este livro tem o objetivo de oferecer o conhecimento necessário
sobre a estética aplicada à arquitetura. A autora faz um estudo sobre
a estética no desenvolvimento cultural ocidental desde a Grécia
Antiga, refletindo vários aspectos, inclusive filosófico, do tema até os
dias de hoje com a criação dessa disciplina. A obra apresenta, ainda,
a trajetória da arquitetura moderna e contemporânea a partir de
uma leitura histórica global e nacional da produção projetual.