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Resumo: Este ensaio tem como objetivo principal analisar como a construção espacial
(poética e imagética) da floresta amazônica na obra “A Selva” do escritor português
Ferreira de Castro influencia as condutas dos indivíduos e permeia suas relações,
principalmente no âmbito íntimo e pessoal do protagonista. Tendo como base a obra
“A Poética do Espaço” de Gaston Bachelard, demonstraremos como mistério e
imaginação estão conectados e como “a selva” se comporta diante das volições
humanas.
A onipotência da selva nos revela seu ethos divino, e sendo divina, pressupõe-se que
possua outras características divinas também, como, por exemplo, a onipresença.
Pra discorrer acerca da onipresença da selva na obra de Ferreira de Castro,
precisamos salientar que o caráter divino que a selva possui é estabelecido somente
por causa da relação entre a perspectiva espacial do indivíduo (percepção pelos
sentidos, sendo a visão o principal) e a grandeza geográfica da floresta amazônica. A
selva é (obviamente) maior que o indivíduo, entretanto, essa grandiosidade melhor se
manifesta pelo que não é apreensível, visível, pelo indivíduo, pois o que revela a
onipresença da selva (e dos deuses) é, além da aparente ausência de limites, o mistério:
Tudo era brenha e tudo era dado admitir para além do que não se via.
O estranho, vindo de outro cenário, com a sua ambição, subia o mundo
ignorado, entregando-lhe a vida. Não sabia sequer se poderia descer.
Mas, vencido o abaulado da margem, outra esteira flúvia se
escortinava e se via o já visto. Era sempre a mataria, a mataria e a água
em amplitudes de pasmar a quem não concebesse que nos oceanos
pudessem também crescer bosques mitológicos. (CASTRO, 1972, p
85-86)
Gaston Bachelard, em sua obra “A Poética do Espaço”, discorre acerca da relação entre
o indivíduo e a ideia de imensidão, e define a imensidão como um tipo de devaneio:
Para Alberto, a selva causa medo. Seja pelos os nativos assassinos, pelos grandes
felinos carnívoros, por insetos transmissores de doenças incuráveis ou até mesmo por
parasitas que invadem silenciosamente os hospedeiros e se alimentam deles até não
restar mais nada. Em determinado momento da obra, Alberto deseja adquirir um rifle
com intuito de se proteger, contudo, o que pode um único indivíduo armado de um
rifle fazer contra tudo isso?
Ferreira de Castro com sua obra, realiza seus dois principais objetivos:
consegue entregar uma obra neorrealista comprometida com a denúncia social e
consegue construir uma magnífica obra poética em reverência à majestosa floresta
amazônica. Além disso, deixa claro que é impossível vencer a selva à força. Com a
força, pode-se derrubar governos autoritários, ditaduras e sistemas econômicos
opressores, porém, contra a selva, não há como vencer. Apenas um personagem da
obra parece saber disso, Lourenço, o caboclo, que “Atreito a vida sedentária, não
conhecia as ambições que agitavam os outros homens...” e em relação à terra tinha
sempre a mesma atitude:
De certo há algum segredo que o caboclo guarda, com certeza existe algo que só ele e
seus ancestrais conhecem, porém, como todo mistério da floresta, deve ser preservado.
Da mesma forma que o caboclo vive sua indiferença, a floresta vive indiferente a ele
também, e não só a ele, ela vive indiferente a todos, e a maior prova disso é o seu
silêncio:
CASTRO, José Maria Ferreira de. A Selva. São Paulo. Ed. Verbo Ltda. 1972.