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Departamento de Física

Laboratórios Avançados de Física


Física da Matéria Condensada

Difração de raios-X em pó

Objetivos
• Obtenção e interpretação de um difratograma de RX de uma amostra policristalina.

• Indexação do difratograma e determinação dos parâmetros da célula unitária.

Material
• difratómetro de raios-X Bruker D8 Advance

• porta-amostras

• amostra a analisar

1 Introdução
Raios-X são ondas eletromagnéticas cujo comprimento de onda é da ordem dos [0.1-100] Å. Os raios-X são
produzidos pela desaceleração de eletrões com grande velocidade ou através da sua colisão com um alvo sólido,
convertendo a sua energia cinética em radiação. Desde a sua descoberta, em 1895, por W.C. Roentgen, os
raios-X têm tido um papel importante em várias áreas, sendo uma delas a ciência dos materiais.
Um material cristalino é composto por um arranjo ordenado de átomos, moléculas ou iões. A estrutura
periódica destes atua como uma rede de difração natural. Como os raios-X podem ter comprimentos de onda
da mesma ordem de magnitude das distâncias interatómicas nos sólidos, podem ser usados para estudar a
estrutura interna (cristalina) de materiais, através de experiências de difração.
Um feixe de raios-X que incida numa amostra cristalina será difratado em todas as direções pelos átomos
desse cristal. Em algumas direções é observado um aumento de intensidade devido à interferência construtiva
das ondas difratadas. Esse fenómeno pode ser explicado usando uma versão simplificada, descrita por Bragg (pai
e filho), da teoria desenvolvida por von Laue, em que um feixe de raios-X incidente seria refletido (difratado)
por um conjunto de planos paralelos (h, k, l) de átomos, equidistantes entre si por uma distância d (Fig. 1). A
condição para que ocorra difração por tais conjuntos de planos atómicos é dada pela lei de Bragg,

nλ = 2dhkl sin θ (1)


que afirma que, para ocorrer interferência construtiva, a diferença de caminho percorrido entre duas ondas
difratadas por planos hkl consecutivos tem de ser um múltiplo inteiro do comprimento de onda. Nesta condição
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Figura 1: Ilustração da lei de Bragg

está implícita a reflexão especular, com θ o ângulo entre o feixe incidente e o plano atómico; variando θ,
as condições da lei de Bragg são satisfeitas para as diferentes distâncias interplanares, dhkl , no material. A
representação das posições angulares e das intensidades resultantes dos feixes difratados produz um padrão, que
é característico da amostra.
Os índices de Miller (hkl ) são um grupo de três números que nos indicam a orientação de um plano (ou
conjuntos de planos paralelos) de átomos no cristal. Se se considerar cada átomo do cristal como um ponto,
e esses pontos ligados por linhas, obteremos uma rede que pode ser dividida num número de blocos - células
unitárias – idênticos. O conjunto dos eixos cristalográficos é definido pelas arestas constituintes da célula
unitária, que se intersetam. Já os índices de Miller são determinados pela interseção do plano com esses eixos
(Fig. 2), isto é, após a obtenção de números, em geral, fracionários, o seu recíproco é calculado, dando origem
aos três índices (hkl ).

Figura 2: Exemplo de planos com diferentes orientações que dão origem a diferentes índices de Miller

Exemplo: um plano paralelo a dois eixos, mas que corte o terceiro num comprimento igual a uma aresta da
célula unitária tem índices de Miller (100), (010), ou (001), dependendo do eixo que foi cortado (Fig. 2); no caso
de um plano que corta os três eixos em comprimentos iguais aos das arestas da célula unitária, os índices de
Miller correspondentes são (111). Este esquema, idealizado pelo mineralogista e cristalógrafo William H. Miller,
em 1839, tem a vantagem de eliminar todas as frações da notação para um plano.

2 Difratometria de pó
Muitos materiais, seja na sua forma natural, seja na forma sintetizada, apresentam-se não como um cristal único
mas como um material policristalino, e muitas vezes até como uma mistura de fases cristalinas. Por isso há
muitas vezes a necessidade de caracterizar o material além da sua composição, identificar as fases e se possível

2
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Fı́sica da Matéria Condensada

ifratometria de pó: geometria de Bragg-Brentano


m dia, a difração de pó é quase exclusivamente realizada em difratómetros equipadas
m detetor de RX, o que torna esta técnica mais expedita e, sobretudo, permite o
das intensidades e posições das reflexões de Bragg com muito maior precisão. Pode
zada uma amostra em capilar, tal como na geometria de Debye-Scherrer, substi-
simplesmente o filme por um detetor, pontual ou linear, que regista as intensidades.
maioria dos instrumentos usa uma geometria diferente, a geometria parafocalizante
gg-Brentano, que permite usar amostras Figura maiores e planas
- 1. 13. Aparelho (pastilhas
de Difração de raios-Xou
pelopó depo-
método de Debye-Scherrer
num porta amostras plano) com ganhos importantes de intensidade. Esta técnica
Figura 3: Câmara de Debye-Scherrer,
No método de pó, o cristal
feixe adivergente
serdaexaminado
com esquema formação está
dos na forma
feixes de um póaomuito
difratados longofino,
de toda a câmara
tido da capacidade da difração de Bragg para focar um num ponto
itua no cı́rculo de parafocagem,o qual tal
é colocado no feixeasdefiguras
como ilustram raios-X11monocromático (filtrado). Cada partícula é um
e 12. Para o efeito
or tem de estar a uma distância
quantificá-las. De da
facto, amostra
a pureza igual
de à
uma distância
dada que
amostra vai da
pequeno cristal, orientado aleatoriamente em relação ao feixevezes
tem amostra
muitas impacto
incidente. nas suas propriedades tal
Por causalidade
emissor dos RX. A fonte pode estar fixa, e nesse caso a condição de parafocagem
como na sua aptidão para um determinado uso.
alguns cristais
A àdifratometria estarão orientados de tal maneira que seus planos eirão reemitir o em
feixe
ue a amostra rode medida que de pó por
o detetor raios-X
faz foi criada
o varrimento pelos
angular cientista P. Debye
para a recolha P. Scherrer, 1916 e, de forma
independente, incidente
pelo na forma
norte-americano semelhante
A. a
Hull, umaem reflexão.
atograma. O ângulo que o feixe faz com o detetor é 2✓ e a superfı́cie da amostra1917. Como
Uma resultado,
amostra teremos
reduzida que,
a pó cada
era conjunto
colocada (dentro de um
capilar de material
bissetar sempre este ângulo; deparaamorfo) no
o efeito,
planos tambémum centro de
serámotor uma
capazfaz câmara
de rodar cilíndrica,
a amostra
re-emitir no trajeto
a metade
o feixe. Para de um feixe de raios-X
que isso ocorra devemos ter a monocromático
cidade angular e de
uma película fotográfica,
varrimento do detetor, que revestia internamente
designando-se este tipo de avarrimento
câmara cilíndrica,
por detetava os feixes difratados pela
amostra. Apóscondição
a de Bragg
criação da 1 satisfeita.
a
câmara de difração de pó houve um enorme progresso na criação de novos
ma outra alternativa, que tem a vantagem de manter a amostra fixa e horizontal
equipamentos, que foi ainda maisFı́sica visível daquando se deu o desenvolvimento em termos de eletrónica, computadores
to se recolhe o difratograma é o varrimento ✓-✓. Para Matéria executar Condensada
este varrimento o
e software.
metro tem de ter a possibilidade de movimentar a fonte de RX em torno da amostra.

Figura - 1. 14. a) Reflexão dos raios-X para um cristalito sem girar. b) Cone de difração
formado pelo cristalito girando.

Consideremos uma reflexão particular hkl que dá uma certa reflexão de Bragg.
A Figura - 1. 14a mostra este plano e o feixe difratado. Imaginemos agora que, esse plano
gira de tal maneira que o ângulo fique constante, o feixe refletido irá caminhar sobre a
superfície do cone (Figura - 1. 14b), cujo eixo coincide com o feixe incidente. A reflexão
Figura 4: Geometria de Bragg-Brentano para a di- Figura 5: Geometria de Bragg-Brentano para a difração de
hkl de um pó imóvel tem a forma de uma folha cônica de radiação difratadas.
fração de raios-X na variante θ
11: Geometria de Bragg-Brentano para a Figura − 2θ. Nesta variante
difração 12:
de raios-X naraios-X. A figura
variante ✓-2✓.mostra a variante θ − θ, na qual a amostra
a fonte de RX está parada e a amostra roda deGeometria
um está de Bragg-Brentano
parada enquanto a fonte para a difração
e o detetor desincro-
se movem, raios-X. A figur
ariante a fonte de RX está parada e a amostra roda de um ângulo ✓ enquanto o
ângulo θ enquanto o detetor se movea de
variante
um ângulo ✓-✓,
2θ. na qual a amostra
namente, em torno está parada enquanto a fonte e o detetor s
da amostra.
se move de um ângulo 2✓.
sincronamente, em torno da amostra.

2.1 Geometria de Bragg-Brentano


2. Preparação das seguintes amostras (ou outras que lhe sejam fornecidas)
xecução Hoje em dia, a difração de pó é quasedos
exclusivamente realizada em
seus difratogramas numdifratómetros equipadas
difratómetro de pó: com um detetor
de RX, o que torna esta técnica mais expedita e, sobretudo, permite o registo das intensidades e posições
alho consiste nas seguintes componentes:
das reflexões de Bragg com muito maior (a)precisão.
Si Pode ser utilizada uma amostra em capilar, tal como na
geometria de Debye-Scherrer, substituindo simplesmente o filme por um detetor, pontual ou linear, que regista
eitura de um difratograma registado em pelı́cula (b) fotográfica
NaClusa de uma substância
as intensidades. Mas a maioria dos instrumentos uma geometria diferente, a geometria parafocalizante de
esconhecida, Bragg-Brentano,
que cristaliza noque
sistema cúbico.
permite Deverá maiores
usar amostras procedere planas
à indexação do ou pó depositado num porta amostras
(pastilhas
fratograma, plano)
determinação do modo da rede e do (c) CsCl da rede, com
parâmetro uma
com ganhos importantes de intensidade. Esta técnica tira partido da capacidade da difração de Bragg
timativa da incerteza
para focarassociada.
um feixe divergente num ponto(d)que
KBr
se situa no círculo de parafocagem, tal como ilustram as figuras 4
e 5. Para o efeito o detetor tem de estar
(e) KCl distância da amostra igual à distância que vai da amostra ao
a uma
@jap/2020 foco emissor dos RX. A fonte pode estar fixa, e nesse caso a condição 11 de parafocagem exige que a amostra rode
3. Indexação dos difratogramas obtidos e determinação do parâmetro da red
justifica a diferença
3 observada entre os difratogramas de NaCl e KCl? Sabe
raio iónico do anião Cl é 0.181 nm, determine os raios dos restantes iões.
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à medida que o detetor faz o varrimento angular para a recolha do difratograma. O ângulo que o feixe faz com
o detetor é 2θ e a superfície da amostra terá de bissetar sempre este ângulo; para o efeito, um motor faz rodar
a amostra a metade da velocidade angular de varrimento do detetor, designando-se este tipo de varrimento por
θ − 2θ. Uma outra alternativa, que tem a vantagem de manter a amostra fixa e horizontal enquanto se recolhe
o difratograma é o varrimento θ − θ. Para executar este varrimento o difratómetro tem de ter a possibilidade
de movimentar a fonte de RX em torno da amostra.

3 Indexação de um difratograma de pó
Indexar um difratograma de pó consiste em determinar, para cada par de riscas (devido às duas componentes
da radiação Kα usada), os índices de Miller dos planos cristalográficos responsáveis pela reflexão de Bragg.
Se os parâmetros da rede da substância analisada forem aproximadamente conhecidos, a indexação de um
difratograma de pó é particularmente fácil, bastando comparar os valores das distâncias dhkl com os valores que
se calculam com base nos parâmetros da rede.
Se, embora desconhecendo os parâmetros da rede, for conhecido o sistema cristalográfico da substância
analisada (cúbico, hexagonal, etc.) então é possível utilizar vários métodos para indexar o difratograma. Ilus-
traremos apenas um desses métodos - o método de Ito - para indexar difratogramas de substâncias da classe
cúbica. Para o caso mais geral, sobretudo quando se desconhece o sistema cristalino, é fundamental o recurso
a métodos de automação com recurso ao uso do computador.

3.1 Indexação de um cristal cúbico pelo método de ITO


No sistema cúbico,
a
dhkl = √ (2)
h2 + k 2 + l2
onde a é o parâmetro da rede. Da lei de Bragg,

1 sin θ
=2 (3)
dhkl λ
pelo que, no sistema cúbico,
2
h2 + k 2 + l2

sin θ
Q= 2 = (4)
λ a2

Os valores de Q para cada uma das reflexões observadas podem ser calculados a partir dos valores medidos
de θ. Para indexar o difratograma, tenta-se atribuir à reflexão de θ mais baixo os índices (100), (110) ou (111),
visto serem estas as reflexões de θ mais baixo numa rede cúbica simples, de corpo centrado e de faces centradas,
respetivamente. Com o valor de a obtido da primeira reflexão verifica-se se se consegue reproduzir a posição
angular das restantes reflexões, atribuindo-lhe valores inteiros de h, k e l compatíveis com o modo da rede. Caso
se consiga reproduzir a posição de todas as riscas observadas, fica indexado o difratograma. Caso contrário,
tenta-se uma nova indexação para a primeira reflexão e reproduz-se o procedimento até se conseguir indexar
satisfatoriamente o difratograma.
Vejamos um exemplo concreto, o da indexação de um difratograma de pó de cobre registado em película
fotográfica. A partir dos valores observados de θ calcularam-se os valores de dhkl e de Qhkl :

Tabela 1: Dados dos distâncias interplanares medidas no difratograma de pó do cobre.

Linha dhkl Qhkl


1 2.0877 0.2294
2 1.8079 0.3060
3 1.2781 0.6122
4 1.0883 0.8417
5 1.0436 0.9182
6 0.9038 1.2242
7 0.8293 1.4540
8 0.8083 1.5306

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Hipótese 1: Linha 1 = (100) (rede cúbica simples)

Tentativa de indexação a partir do valor de a obtido da primeira reflexão.

Tabela 2: Tentativa (falhada) de indexação do difratograma de pó do Cu numa rede cúbica simples.

N hkl Qcalc
hkl Qobs
hkl Linha
1 100 0.2294 1
2 110 0.4588
3 111 0.6882
4 200 0.9176
5 210 1.1470
6 211 1.3764
8 220 1.8352

Comparando os valores calculados de Qhkl com os observados, verifica-se que a hipótese não é aceitável.

Hipótese 2: Linha 1 = (110) (rede cúbica de corpo centrado)

Procedendo como anteriormente:

Tabela 3: Tentativa (falhada) de indexação do difratograma de pó do Cu numa rede cúbica de corpo centrado.

N hkl Qcalc
hkl Qobs
hkl Linha
2 110 0.2294 1
3 111 0.3441
4 200 0.4588
5 210 0.5735
6 211 0.6882
8 220 0.9176 0.9182 5
9 300/221 1.0323
10 310 1.1470
11 311 1.2617
12 222 1.3764
13 320 1.4919
14 321 1.6058

Verifica-se, novamente, acentuada discrepância entre os valores calculados e observados, pelo que esta segunda
hipótese deve também ser rejeitada.

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Hipótese 3: Linha 1 = (111) (rede cúbica de faces centradas)

Repetindo o procedimento:

Tabela 4: Tentativa de indexação do difratograma de pó do Cu numa rede cúbica de faces centradas.

N hkl Qcalc
hkl Qobs
hkl Linha
3 111 0.2294 1
4 200 0.3059 0.3060 2
5 210 0.3823
6 211 0.4588
8 220 0.6117 0.6122 3
9 300/221 0.6822
10 310 0.7747
11 311 0.8411 0.8417 4
12 222 0.9176 0.9182 5
13 320 0.9941
14 321 1.0705
16 400 1.2335 1.2242 6
17 410/322 1.2999
18 411/330 1.3764
19 331 1.4529 1.4540 7
20 420 1.5293 1.5306 8

Conseguiu-se indexar o padrão de difração! Conclui-se, portanto, que o cobre cristaliza numa rede cúbica
de faces centradas. O parâmetro da rede é, em primeira aproximação, a = 3.60 Å.

4 Execução experimental e análise dos resultados


1. Preparar a amostra de NaCl e proceder à recolha dos seu difratograma no difratómetro de pó.

2. Proceder à indexação do difratograma obtido e determinar os parâmetros da rede.


3. Sabendo que o raio iónico do anião Cl− é 0.181 nm, determine o raio do ião restante.
Dados: λ(Cu Kα1 ) = 1.540598 Å, λ(Cu Kα2 ) = 1.544426 Å

☞ Atenção: A manipulação do gerador de RX só pode ser feita por pessoal devidamente autorizado.
Qualquer manipulação na ausência do professor ou técnico responsável é expressamente proibida!

Referências
[1] F.S. Borges, “Elementos de cristalografia”, 2a edição (1996), Ed. Fundação Calouste Gulbenkian,
ISBN: 9723101173
[2] M. Wolfson, “An introduction to X-ray crystallography”, 2nd ed., Ed. Cambridge University Press,
ISBN: 9780511622557

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