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INFORME EPIDEMIOLÓGICO DVE/CEVS 02-2023

VIGILÂNCIA DA VIOLÊNCIA INTERPESSOAL E AUTOPROVOCADA

DEFINIÇÃO DO AGRAVO
Para fins de notificação, considera-se violência “qualquer conduta – ação ou omissão – de caráter
intencional que cause ou venha a causar dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento
físico, sexual, moral, psicológico, social, político, econômico ou patrimonial” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE [MS], 2016). A violência autoprovocada compreende autoagressões e tentativas de
suicídio, já a interpessoal diz respeito a situações de violência entre membros de uma família
(doméstica/intrafamiliar) ou que ocorrem no ambiente social em geral, entre conhecidos ou
desconhecidos (extrafamiliar/comunitária). A definição de caso para notificação corresponde a:
Caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico
de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas
contra mulheres e homens em todas as idades. No caso de violência extrafamiliar/comunitária,
somente serão objeto de notificação as violências contra crianças, adolescentes, mulheres,
pessoas idosas, pessoas com deficiência, indígenas e população LGBT (MS, 2016).

CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO MUNDIAL


Em 2019, a violência interpessoal figurou como terceira causa de morte global entre jovens de 15
a 29 anos de idade, de ambos os sexos, seguida pela violência autoprovocada (World Health
Organization [WHO], 2022).
Além de morte e lesões, a exposição a qualquer forma de trauma, principalmente na infância,
pode aumentar o risco de transtorno mental e suicídio; tabagismo, abuso de álcool e drogas;
doenças crônicas (como doenças cardíacas, diabetes e câncer); e problemas sociais como
pobreza, criminalidade e violência (WHO, 2022).

CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO NO BRASIL


A notificação de casos suspeitos ou confirmados de violência interpessoal/autoprovocada tornou-
se compulsória, em todo território nacional, a partir da Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011
(MS, 2011).
Em 2018, o país alcançou uma cobertura de 78,7% de municípios notificantes (que realizaram ao
menos uma notificação de violência interpessoal ou autoprovocada no ano). Das 390.501
notificações realizadas, 53% foram de pessoas adultas (20 a 59 anos de idade) e 58% do sexo
feminino. Violência física foi o tipo mais notificado (59%) (MS, 2021).

CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO NO RIO GRANDE DO SUL (RS)


De 2011 a 2022, notificaram-se 249.639 casos de violência interpessoal/autoprovocada no estado
do RS. No primeiro ano da série histórica, foram realizadas 11.201 notificações, chegando a
33.056 no ano de 2019. Cabe ressaltar que os dados de 2022 apresentados neste informe são
preliminares e sujeitos a alterações, com provável incremento nos meses a seguir.

1
A Figura 1 apresenta a taxa de notificação para cada 100 mil habitantes. Nota-se o aumento de
casos notificados até 2019, à medida que a rede de serviços de saúde e, mais recentemente,
intersetorial, é sensibilizada para a identificação de situações de violência e capacitada para o
preenchimento da ficha.
Em 2020 e 2021, primeiros anos da pandemia de Covid-19, observa-se queda significativa das
taxas de notificação: 29,8% em 2020, na comparação com o ano anterior. Já em 2022, verifica-se
aumento de 13%, sugerindo uma retomada do crescimento registrado no período pré-pandêmico.

Figura 1. Taxa de notificação de violência por ano de notificação, RS, 2011-2022* (n=249.639)

300,0 290,5

248,3
250,0
223,1
Taxa por 100 mil habitantes

203,2 203,9 197,4


200,0

153,6 160,3 157,9


150,0 132,5 140,0
102,2
100,0

50,0

0,0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022*
Ano de notificação

*Taxa de 2022 calculada com população de 2021. Dados preliminares.


Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

Na Figura 2, são apresentados os tipos de violência por ano de notificação. Note-se que, embora
o instrutivo do Ministério da Saúde (MS, 2016) oriente a marcação de apenas um tipo de violência
por notificação, o sistema aceita a digitação de mais de um tipo. Também, nos anos iniciais, era
permitido o registro múltiplo. Dessa forma, o número total excede em 10,7% a quantidade de
notificações, chegando a 276.460 tipos de violência registrados no período. Aqueles com maior
frequência foram a violência física, seguida da lesão autoprovocada e da violência
psicológica/moral.

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Figura 2. Frequência relativa dos tipos de violência registrados nas notificações de violência
interpessoal e autoprovocada, por ano de notificação, RS, 2011-2022* (n=276.460)

100%

90% Tráfico de Seres Humanos


Viol Intervenção Legal
80%
Viol Trabalho Infantil
70%
Outra Violência
60% Viol Financeira/Econômica
50% Viol Tortura

40% Viol Sexual


Negligência/Abandono
30%
Viol Psicológica/moral
20%
Lesão autoprovocada (>5 anos)
10% Viol Física
0%

Ano de notificação

*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

Nesse período, 71,6% das notificações foram de pessoas do sexo feminino. As mulheres
apresentam, em média, taxas de notificação que ultrapassam o dobro daquelas observadas entre
os homens. Em 2022, essa diferença chegou a 4,4 vezes na faixa etária dos 10 a 14 anos (Figura
3). Percebe-se que, para o sexo masculino, a faixa etária com a maior taxa de notificação é
aquela entre 0 e 4 anos; para o sexo feminino, o pico encontra-se na faixa etária dos 10 aos 14
anos.
Na Figura 4, chama atenção a queda de 41,8% das notificações da faixa etária de 10 a 14 anos
entre 2019 e 2020, seguida de um aumento de 24,0% em 2021. Já em 2022, todas as faixas
etárias registraram aumento das taxas de notificação.

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Figura 3. Taxa de notificação de violência, por faixa etária, segundo sexo, RS, 2022* (n=25.581)
2022*
800,0

700,0
Taxa por 100 mil habitantes

600,0

500,0

400,0
Sexo feminino
300,0
Sexo masculino

200,0

100,0

0,0
0a4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 anos
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos e mais
Faixa etária

*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

Figura 4. Taxa de notificação de violência, por ano, segundo faixa etária, RS, 2011-2022*
(n=249.639)
700,0

600,0

0 a 4 anos
500,0
5 a 9 anos
Taxa por 100 mil habitantes

10 a 14 anos
400,0 15 a 19 anos
20 a 29 anos

300,0 30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 59 anos
200,0
60 a 69 anos
70 a 79 anos
100,0
80 anos e mais

0,0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022*
Ano de notificação

*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

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Em 41,4% das notificações realizadas entre 2011 e 2022, a violência já havia ocorrido outras
vezes, evidenciando o desafio de interromper a violência de repetição. Além disso, 23,4% das
notificações apresentaram esse campo ignorado/em branco. Em 74,7% das notificações, o local
de ocorrência da violência foi residência, seguida de via pública (9,9%).
A Tabela 1 apresenta o provável autor da violência. A própria pessoa refere-se, naturalmente, aos
casos de lesão autoprovocada. Mãe/pai aparecem em primeiro lugar nos casos de violência
interpessoal, seguidos de cônjuge/namorado(a).

Tabela 1. Proporção de notificações segundo provável autor da violência, RS, 2011-2022*.


Provável autor %
Própria pessoa 25,7
Mãe/Pai 21,0
Cônjuge/Namorado(a) 14,8
Ex-cônjuge/Ex-namorado(a) 7,3
Outros vínculos 7,2
Amigos/conhecidos 7,8
Desconhecido 5,8
Padrasto/Madrasta 2,7
Filho(a) 3,6
Irmã(ão) 2,2
Cuidador(a) 0,7
Pessoa relação institicional 0,6
Policial/agente da lei 0,3
Patrão/chefe 0,3
Total 100,0%

*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

Em relação à completitude, destacam-se os seguintes campos com elevada proporção de


ignorado/em branco: escolaridade (23,6%), orientação sexual1,2 (30,5%), identidade de gênero1,2
(37,5%) e motivação2 (37,8%). A baixa completitude desses campos compromete a análise da
violência que ocorre em grupos populacionais vulnerabilizados justamente por marcadores como
orientação sexual, identidade de gênero e raça/cor.

1
Frequência relativa calculada sobre as notificações de pessoas a partir de 10 anos de idade, conforme instrutivo do MS (2016). 5
2
Utilizados dados do período entre 2016 e 2022, visto que os campos em questão foram incluídos na ficha de notificação no ano de 2015.
A Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) com menor taxa média de notificação nos últimos
seis anos foi a 12ªCRS (73,6 por 100 mil habitantes). Já a 8ªCRS destacou-se com a maior taxa:
418,0 notificações para cada 100 mil habitantes (Figura 5). Nesse período, em média, 84,3% dos
municípios gaúchos realizaram alguma notificação. Em 2019, foram 91,8%, maior percentual
registrado em toda a série histórica (Figura 6).

Figura 5. Taxa média de notificação de violência, segundo Coordenadoria Regional de Saúde de


notificação, RS, 2017-2022*

*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

Quanto aos serviços de saúde notificadores, foram identificados 2.939 CNES diferentes no
período entre 2011 e 2022. Do total de notificações, 58,4% foram realizadas por pronto-
atendimentos, serviços de urgência/emergência e hospitais (Figura 7).

6
Figura 6. Proporção de municípios notificadores, por ano de notificação, RS, 2011-2022* (n=497)

100%
Municípios notificadores

90%
80%
70%
60%
50%
40%

Ano de notificação
*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

Figura 7. Proporção de serviços notificadores, RS, 2011-2022* (n=249.639)

2,6% 0,1%
3,0% Hospital Geral + Pronto Socorro Geral
3,2%
Centro de Saúde/Unidade Básica + Posto
de Saúde
8,6% Pronto Atendimento

Centro de Atenção Psicossocial


2,9%
2,5% 44,7% Hospital Especializado + Pronto Socorro
Especializado
Central de Gestão em Saude + Unidade
10,7% de Vigilância em Saúde
Policlínica + Clínica/Centro de
Especialidade
Outros

Não identificado
21,6%
Vazio

*Dados preliminares.
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde RS/NIS/DGTI - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Banco de dados exportado em
04/01/2023.

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RECOMENDAÇÕES
A notificação é um elemento-chave na atenção integral às pessoas em situação de violência e
tem como objetivos:
1) Intervir nos cuidados em saúde e prevenir a violência de repetição;
2) Proteger e garantir direitos por meio da articulação das redes de atenção e proteção;
3) Conhecer a magnitude e a gravidade das violências, retirando os casos da invisibilidade;
4) Subsidiar as políticas públicas para prevenção e atenção às situações de violência,
indicando prioridades e permitindo a avaliação das intervenções.
Os dados aqui apresentados demonstram a predominância de notificação daqueles casos que
necessitam de atendimento de urgência/emergência, com ferimentos ou lesões físicas. Desse
modo, revela-se imprescindível a sensibilização dos serviços da atenção primária e secundária
para a identificação de situações de violência em tempo oportuno, a fim de evitar o agravamento
dos casos e possibilitar o rompimento dos ciclos de violência.
Recomenda-se aos gestores regionais e municipais esforços no sentido de:
 Retomar o crescimento das notificações de violência, conforme tendência observada antes
da pandemia de Covid-19;
 Aumentar a notificação de violência em serviços da atenção primária e secundária;
 Melhorar a completitude dos campos da ficha de notificação, especialmente quanto à
escolaridade, violência de repetição, orientação sexual, identidade de gênero e motivação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 104. Define as terminologias adotadas em legislação


nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação
de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território
nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços
de saúde. Diário Oficial da União, Brasília, 26 de janeiro de 2011, n. 18, p. 37.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Plano de Ações Estratégicas
para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-
2030. Brasília, 2021. 118 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Viva: instrutivo notificação de
violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. Brasília, 2016. 92 p.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Department of Social Determinants of Health. Preventing
injuries and violence: an overview. Geneva, 2022.

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