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Aumento de casos de violência

contra idosos
De acordo com IBGE, a população idosa no Brasil irá compor cerca de 29% da
população, contudo, falta de políticas públicas para promover amparo ao idoso
pode afetar a qualidade de vida dessa parcela da população

 Post category:Atualidades / Jornal da USP no Ar / Rádio USP


 https://jornal.usp.br/?p=442581
  06/08/2021 - Publicado há 2 anos
Por Patrick Fuentes

“Alguns fatores que contribuíram para esse cenário foram a restrição de convívio
social e a maior convivência entre os milhares que residiam na mesma casa,
favorecendo assim um acúmulo de tensões”, diz Deusivania Falcão – Foto:
ANPR – Fotos Públicas
 

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A pandemia de covid-19 trouxe um aumento nos casos de violências contra a


população idosa. Sendo parte do grupo de risco, essa parcela da população foi
forçada a mudar seus hábitos adotando a quarentena para garantir sua saúde. No
entanto, essa medida de isolamento, por mais efetiva que seja para diminuir o
contágio do vírus, acabou aumentando o número de casos de violência contra o
idoso no ano de 2020. 
De acordo com dados disponibilizados pelo Disque 100, canal de atendimento
que recebe, analisa e encaminha denúncias de violação dos direitos humanos para
os órgãos competentes, de 2019 para 2020 o número de chamadas para reportar
algum tipo de violência contra o idoso foi de 48,5 mil para cerca de 77 mil
denúncias; houve um aumento de 53% no número de denúncias. Até o primeiro
semestre de 2021, o número de denúncias registradas ultrapassou 30 mil. 
“Alguns fatores que contribuíram para esse cenário foram a restrição de convívio
social, a maior convivência entre os milhares que residiam na mesma casa,
favorecendo assim um acúmulo de tensões”, contou em entrevista Deusivania
Falcão, professora e pesquisadora na área de Gerontologia na Escola de Artes,
Ciências e Humanidades (EACH) da USP. De acordo com ela, as incertezas em
relação ao futuro, somadas a possíveis situações familiares anteriores aos casos
de violência tiveram papel importante nessa crescente.
A violência
O Estatuto do Idoso, promulgado pela lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003,
descreve a violência contra o idoso como qualquer ação ou omissão, praticada
em local público ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou
psicológico. 
+ Mais
Idoso pode ter autonomia e não precisa ser tratado como criança
“Lembrando que a negligência, o abandono é o primeiro caso, é o primeiro tipo
de violência mais frequente”, afirma Bibiana Graeff, também professora do curso
de Gerontologia da EACH. De acordo com a professora, esse tipo de caso é mais
comum devido à codependência que a pessoa idosa pode vir a desenvolver com o
tempo, precisando de determinados apoios para realização de funções básicas,
como ir ao mercado, ou um acompanhante para poder deslocar-se, por exemplo.
De acordo com os números do relatório divulgado em 2019, a negligência é o
tipo de violência contra o idoso mais comum, representando 41% do total das
denúncias. Após ela, as principais violações sofridas por idosos são: a violência
psicológica, com 24% das denúncias; o abuso financeiro, com 20%; a violência
física, com 12% e a violência institucional, com 2%.
“Se a gente bem observar, além da violência propriamente dita, o próprio
distanciamento social de alguma maneira também pode provocar problemas de
saúde mental”, comenta  Deusivania sobre os impactos psicológicos que a
agressão pode vir a ter no idoso e completa: “Não só da pandemia, mas também
desse membro da família que agride o idoso é muito grande”. Para a professora,
os profissionais de saúde que realizarem o atendimento da vítima não devem
limitar-se a procurar somente sintomas físicos decorrentes da violência, mas
também sintomas psicológicos para prevenir quadros de doenças mentais. 
Ambiente familiar
De acordo com o relatório anual divulgado em 2019 pela Ouvidoria Nacional de
Direitos Humanos (ONDH), existe uma relação de convívio familiar entre o
suspeito de violência e a vítima. Em torno de 65% dos suspeitos são filhos da
vítima. De acordo com Bibiana, esse envolvimento afetivo entre o agressor e a
vítima é um fator que leva a casos de violência passarem despercebidos pela
vítima que, por conta do laço, não reconhece a agressão ou passa por um
processo de internalização da agressão por não querer gerar implicações
negativas contra o agressor.
“Muitas vezes, quando o idoso faz a denúncia, depois ele imediatamente quer
retirar essa denúncia, porque gostaria apenas que o filho ou a filha levasse um
susto, mas não gostaria que realmente houvesse uma consequência mais séria”,
relata Bibiana.

Pelo Estatuto do Idoso é violência


contra o idoso qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado –
Foto: Pexels CC
 

Deusivania comenta alguns relatos que ouviu de idosos que diziam preferir ser
violentados pelos filhos ou até mesmo por outros parentes do que vê-los em uma
prisão. Não só medo que a punição que o parente possa sofrer, mas também de
retaliações ou abandono do agressor. “Há também aqueles que cresceram em um
sistema familiar violento com relações abusivas e isso de algum modo acaba
naturalizando as agressões que eles sofrem”, ela diz.

Políticas públicas
Segundo o estatuto do idoso, qualquer pessoa acima de 60 anos tem acesso a
direitos básicos como a vida, a saúde, a liberdade, ao lazer, à dignidade, entre
outros que seguem a mesma premissa de gozo à vida. No entanto, outras políticas
públicas e infraestruturas de apoio ao idoso são necessárias para manutenção ou
garantia desses direitos. 
Deusivania, ao avaliar as infraestruturas, ressaltou que órgãos do sistema de
saúde — como as Unidades Básicas de Saúde e os hospitais — e órgãos de
assistência social devem estar capacitados para identificar sinais de violência e
informar as autoridades. Do ponto de vista comunitário, ela destaca a importância
da manutenção e da ampliação dos equipamentos sociais da rede de proteção
formal e informal ao idoso citando, como exemplo, as delegacias do idosos.
Importância da manutenção e da
ampliação dos equipamentos sociais da rede de proteção formal e informal ao
idoso – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
“Em termos de política pública”, diz Bibiana, “uma das coisas que me deixaram
muito preocupada este ano foi saber que a ONDH não vai mais publicar o
relatório dos casos de denúncias”. Para ela, é muito importante a produção deste
relatório, porque informação é a primeira coisa necessária para construção de
qualquer política pública, assim como dificultar o acesso e divulgação sobre o
assunto para a sociedade, impedindo a conscientização sobre o tema. Outra
consequência, que virá com a não produção do relatório, é a possibilidade de
realizar comparativos entre os relatórios produzidos em anos anteriores para
entender o cenário em que vivemos e entender quais medidas são ou não efetivas
para diminuir os casos de violência: porque senão, a gente vai ficar no escuro”,
ressalta ela.
Segundo Bibiana, é necessária a adoção de outras medidas e equipamentos para
diversificar os moldes de moradias para idosos no País. Entre elas, a moradia
para a vida independente, focada em um perfil de idoso que tem autonomia para
morar sozinho e não precisa de tanta assistência. Ela comenta também a
importância da manutenção das Instituições de Longa Permanência para Idosos
(ILPI), ambientes governamentais ou não governamentais, de caráter residencial,
destinados ao domicílio coletivo de pessoas idosas, destacando que é preciso
políticas públicas para investir nas versões públicas dessas residências, devido à
dificuldade de acesso dos idosos em custear uma ILPI privada. “Então, a gente
precisa melhorar tanto em termos de qualidade como também em quantidade
porque as que existem hoje são insuficientes”, conclui ela.
Uma população em envelhecimento
De acordo com uma projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a população idosa no Brasil irá chegar na casa dos 76 milhões em 2050,
algo em torno de 29% da população. Para Deusivania, o envelhecimento da
população revela como muitos familiares e setores da sociedade não sabem como
lidar com pessoas idosas. Não só isso, mas como os profissionais também não
possuem o preparo necessário para lidar com esse tipo de situação de violência.
“Nós não temos, por exemplo, na maior parte das nossas universidades,
disciplinas focadas na velhice ou até mesmo no envelhecimento e isso é algo que
deve ser de alguma maneira modificado rapidamente”, afirma ela. 
Segundo a especialista, é necessária a promoção de medidas educativas em torno
da questão do envelhecimento saudável, mobilizando, tanto individualmente
quanto coletivamente, a sociedade assim como os especialistas em cuidados
gerontológicos de forma a contribuir para um ambiente familiar saudável e sem
violência. “Porque, daqui a pouco, nós vamos ter um grande número de pessoas
idosas e não vamos saber lidar com elas”, conclui ela.

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