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Como o boi funciona – Funcionamento do rúmen

Por sergioraposo em 15 de janeiro de 2014

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Lucrar com a produção animal depende, em boa medida, de retirar o máximo proveito dos
recursos alimentares disponíveis. No caso de ruminantes, obviamente, isso passa por garantir
que o rúmen funcione dentro das melhores condições possíveis. Da mesma maneira que um
motor exige determinado tipo de combustível, lubrificantes específicos, faixa ótima de
temperatura e outros parâmetros, assim ocorre com o rúmen.

Assim, para o adequado funcionamento ruminal, a temperatura deve estar por volta dos 39oC.
O quesito temperatura tem um bom sistema de regulação embutido no animal e não entra no
rol de preocupações do produtor. Já o pH, um índice que nos dá a ideia da acidez do rúmen, é
fortemente influenciado pela composição da dieta e pelo manejo da alimentação. O valor de
animais consumindo forragens fica próximo da neutralidade (pH = 7,0). À medida que
aumentamos os ingredientes que fermentam com intensidade, como o milho que é rico em
açucar (amido), há maior produção dos ácidos graxos voláteis (AGVs), e o pH ruminal se torna
mais ácido (pH < 7,0).

Ocorre que alterações no pH ruminal tem grande influência no aproveitamento dos alimentos,
especialmente da porção fibrosa e, portanto, o animal tem mecanismos para mantê-lo o mais
estável possível. O mecanismo mais importante é a produção abundante de saliva, rica em
substâncias tamponantes, isto é que criam resistência para a alteração do pH.

A grande responsável pela salivação é a ruminação, que é estimulada por material mais
grosseiro presente no rúmen, por isso que, normalmente, toda a dieta tem algum ingrediente
fibroso, em geral um volumoso (silagem, cana-de-açúcar, bagaço de cana-de-açúcar, etc.). O
mínimo usualmente recomendado fica próximo a 15% da matéria seca da dieta como fibra que
efetivamente estimule a ruminação.

No caso do aumento no número de refeições, o efeito benéfico para o rúmen ocorre por haver
um fracionamento na quantidade de alimento no tempo e, consequentemente, menores picos
de produção de AGVs, uma vez que há menos alimento sendo fermentado depois de cada
refeição. Menos ácido sendo produzido em cada tempo significa menor desafio ao sistema
tampão contra acidez do rúmen.

Assim, considerando-se um confinamento, a separação da dieta em três refeições espaçadas o


máximo possível no tempo, ajuda evitar sobrecarga fermentativa no rúmen. Outro aspecto
que ajuda bastante é uma boa mistura da dieta, deixando-a homogênea e dificultando a
seleção do concentrado.

Com relação a nutrição ruminal, que, na prática, significa a nutrição dos microrganismos que
habitam o rúmen, o nutriente que costuma causar as maiores limitações é a proteína bruta
(PB), o que combina bem com a origem de seu nome estar ligado a “principal” ou “mais
importante”. Há até um valor crítico bem determinado, abaixo do qual há grande prejuízo para
o funcionamento do rúmen.

Quando o nível de PB da dieta fica abaixo de 70 g/kg de matéria seca (MS) da dieta (7 % PB), há
uma redução na velocidade com que as partículas dos alimentos são degradadas, pois os
microrganismos não apresentam crescimento suficiente para uma boa degradação do
alimento. Com isso as partículas alimentares são reduzidas mais lentamente e,
consequentemente, aumenta-se o tempo que estas permanecem no rúmen, o que resulta em
redução de consumo.

De fato, há grande aumento no consumo para qualquer aporte de proteína em pastagem com
menos de 7% de PB. Assim, como basta fornecer 30 g/cabeça.dia de uréia para aumentar em
cerca de 1 unidade percentual o teor de PB da dieta, se isso resultar em um aumento 5% de PB
para 6%, o animal pode passar de um consumo de 1,0% de seu PV em MS para 1,5%, ou seja
50% de aumento no consumo. Isso explica porque o sal com uréia evita a perda de peso na
seca em pastos pobres em proteína, mas com boa disponibilidade de massa seca, resultando
em manutenção ou até pequenos ganhos de peso.

Decorre daí uma quase obsessão por parte de técnicos e produtores em relação a proteína.
Todavia, o “nutriente” que costuma ser o mais limitante na produção é a energia, motivo pelo
qual, mesmo corrigida a limitação protéica, o desempenho na seca é baixo.

Mas, em nutrição animal e, especialmente no rúmen, não há espaço para “campeonatos” de


nutrientes e, sim, deve-se buscar o equilíbrio entre eles. A famosa “dieta balanceada” é o que
se deve perseguir. A palavra balanço vem da tradução da palavra “balanced” em inglês, mas
cuja tradução mais adequada seria equilibrada, ou seja, sem excesso ou falta de nutrientes. A
dieta ideal, portanto, “zera” (ou deixa o mais perto possível do zero) as exigências de todos os
nutrientes.

No rúmen, o equilíbrio mais importante de todos é entre energia e proteína. Na prática, o que
é feito é que, para cada nível de energia, há a quantidade de proteína que deve ser fornecida.
Importante frisar aqui que, nesse caso, não se conta toda a PB da dieta, mas apenas aquela
que está disponível para os microrganismos do rúmen, chamada de proteína degradável no
rúmen (PDR). Por isso que é fundamental ao se formular uma dieta para ruminantes, ter
conhecimento da PDR dos alimentos para ser possível ajustar esse importante equilíbrio.
Pode haver excesso de energia em relação a PDR. Nesse caso, há falta de “matéria-prima” (o N
da degradação da PDR) e a sobra de energia acaba sendo perdida nos chamados ciclos fúteis,
ou seja, que nada produzem além de calor, aumentando a ineficiência da produção de
microrganismos por unidade de energia utilizada. O desequilíbrio referente a falta de proteína
e excesso de energia já foi descrito acima, ao se comentar o nível crítico de PB.

Por outro lado, havendo excesso de PB, ocorre aumento do nível de amônia (NH3) no sangue
que, por ser tóxica precisa ser transformada em uréia no fígado, através de reações
energeticamente caras. Esse aumento no gasto de energia rouba uma parte dela que poderia
estar sendo direcionada para a produção e, assim, reduz o desempenho, sendo denominado
“Custo Uréia”. Esse é o motivo pelo qual não se deve exagerar no uso de proteína,
particularmente de fontes com alta degradabilidade ruminal.

Há, ainda, dois outros tipos de PB que devemos nos preocupar: a proteína verdadeira e o
nitrogênio não protéico (NNP), representado por uréia, nitratos e outros.

Saber o NNP é fundamental para evitar passar do limite crítico de sua inclusão na dieta, uma
vez que há risco de intoxicação e morte pelo animal. Além disso, alguns microrganismos do
rúmen precisam de um mínimo de proteína verdadeira e, como esta é calculada por diferença
da PB total menos o NNP, deve-se atentar para o valor de NNP que preserve a exigência
mínima de proteína verdadeira. A proteína verdadeira também é importante, pois da sua
fermentação surgem compostos que otimizam o crescimento de bactérias celulolíticas.

Outro nutriente que tem valor crítico é a gordura (representado quase sempre pelo valor de
Extrato etéreo, EE), mas, nesse caso trata-se de um limite de máximo. Assim, valores de EE
maiores do que 6 % (60 g de EE para cada quilograma de matéria seca) causam toxidez para os
microrganismos ruminais e, consequentemente, redução na ingestão de matéria seca. É por
causa deste efeito tóxico da gordura que oleaginosas (caroço de algodão, grão de soja) são
limitados em cerca de até 1,5 kg/10 kg de MS da dieta (15% da MS).

Deve-se lembrar que, apesar desse limite de 6%, dietas com muito volumoso ou com muito
concentrado são menos influenciadas pelo teor de gordura. No caso das dietas ricas em
volumoso, há um efeito de “diluição” da gordura na interação com a abundante porção fibrosa
e, no caso das dietas ricas em concentrado, como o principal efeito da gordura é atrapalhar a
degradação da fibra, e o aproveitamento desta nesta situação tem pouca importância no
desempenho, esse efeito negativo não é percebido.

A fonte da energia para crescimento microbiano é o carboidrato (CHO) fermentescível da


dieta. O aumento da velocidade com que esse CHO é fermentado a ácidos graxos voláteis
(AGVs) pode fazer com que um produção muito intensa force o pH para valores mais ácidos,
com sensível perda da eficiência na degradação da fibra.

Em quantidades moderadas os CHO prontamente fermentescíveis até melhoram a degradação


da fibra, mas, em grandes quantidades, podem fazer com que ocorra, além de queda na
degradação da fibra, caso a produção dos ácidos orgânicos ultrapasse a capacidade do rúmen
segurar o pH, a ocorrência de doenças metabólicas (acidose, timpanismo, laminite, etc).

Neste ponto entra a importância do mínimo de fibra para a estimulação ruminal e o uso
conjunto de meios para reduzir o desafio ao abaixamento do pH ruminal, como uso de
alcalinizantes/tamponantes (calcita tipo filler, bicarbonato de sódio, óxido de magnésio, etc).
aditivos (ionóforos, leveduras) e manejo alimentar (número de refeições e tempo entre elas).

Atualmente, o uso de aditivos (monensina, salinomicina, virginiamicina, etc.), junto com a


escolha mais criteriosa dos ingedientes, boa adaptação e um manejo mais intensivo de
alimentação (mais refeições), têm permitido bons resultados com dietas mais desafiadoras,
com níveis muito baixos de fibra efetiva (menores do que 10% da MS).

Estão nesta categoria as dietas sem volumoso, normalmente compostas por milho grão inteiro
e um suplemento especialmente formulado para esse tipo de dieta. Em geral, esse suplemento
contém tamponantes e aditivos para reduzir o risco de redução acentuada de pH. O milho grão
inteiro, por sua vez, acaba resultar em alguma ruminação, ao se concentrar no retículo, que é a
parte do rúmen onde ocorre a estimulação para o animal ruminar. Outro tipo de
suplementação que vem ganhando adeptos é o semi-confinamento com grandes quantidades
de concentrado e que acaba sendo semelhante a dieta sem volumoso, com a diferença que o
animal tem acesso à forragem da pastagem.

Deve-se alertar que essas alternativas que incluem dietas muito “quentes” (com alta inclusão
de concentrados) representam uma situação limite que, portanto, envolve maiores riscos e
uma maior necessidade de monitoramento e controle, pois a queda acentuada de pH pode
gerar os problemas de saúde comentados acima.

Utilizando-se valores acima do limite mínimo de PB, equilibrando adequadamente energia e a


proteína, preocupando-se com as outras frações da proteína bruta, oferecendo o mínimo de
fibra e não exagerando na gordura, é possível conseguir um bom funcionamento ruminal e
melhores desempenhos.

Portanto, assim como vale sempre revisar se o motor está com bom combustível, bem
regulado e bem lubrificado a cada abastecimento, a cada novo manejo vale a pena checar se
não estamos querendo que o aquele lote que pretendemos engordar seja como um carro com
o qual pretendemos ganhar uma corrida usando água em vez de gasolina.

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