Fragmento das Passagens que pode ser utilizado no capítulo da tese sobre Chaplin e
Hitler, no contexto do afrouxamento da massa através da imagem do “arar da terra
para o cultivo”.
Tomar cultiváveis regiões onde até agora viceja apenas a
loucura. Avançar com o machado afiado da razão, sem olhar nem para a direita, nem para a esquerda, a fim de não sucumbir ao horror que acena das profundezas da selva. Todo solo deve alguma vez ter sido revolvido pela razão, carpido do matagal do desvario e do mito. É o que deve ser realizado aqui para o solo do século XIX. [cf. N 1, 4]. BENJAMIN, Walter. Passagens. 2006, p. 921 <Gº, 13>
Prenúncio da primeira e segunda natureza:
Em “Fusées”, de Baudelaire: “O homem ... está sempre ... em estado
selvagem! O que são os perigos da selva e da pradaria comparados aos choques e conflitos cotidianos do mundo civilizado? O homem que enlaça a sua vítima no boulevard, ou aquele que trespassa sua presa nas florestas desconhecidas, não é ele ... o mais perfeito predador?” <cf. M 15a, 3>. BENJAMIN, Walter. Passagens. 2006, p. 486 [M 14, 3] Sobre o gesto, na obra das Passagens
gesto como alegoria
A recordação do homem meditativo dispõe da massa desordenada do
saber morto. Para ele, o saber humano é despedaçado em um sentido partieularmente significativo: ou seja, como a quantidade de peças arbitrariamente recortadas a partir das quais se monta um puzzle. Uma época avessa à meditação conservou seu comportamento no puzzle. Este gesto é sobretudo o do alegorista. O alegorista pega uma peça aqui e ali do depósito desordenado que seu saber põe à sua disposição, coloca-a ao lado de uma outra e tenta ver se ambas combinam: aquele significado para esta imagem ou esta imagem paia aquele significado. O resultado nunca pode ser previsto, pois não existe uma mediação natural entre os dois. Dá-se o mesmo com a mercadoria e o preço. As “argucias metafísicas” nas quais se compraz a mercadoria, segundo Marx, são sobretudo as argucias da estipulação do preço. Nunca se poderá saber ao certo por que tal mercadoria tem tal preço, nem no curso de sua fabricação, nem mais tarde quando ela se encontra no mercado. Ocorre exatamente o mesmo com o objeto em sua existência alegórica. Nenhuma fada determinou em seu nascimento qual o significado que lhe atribuirá a meditação absorta do alegorista. Porém, urna vez adquirido tal significado, este pode ser substituído por outro a qualquer momento. As modas dos significados mudam quase tão rapidamente quanto o preço das mercadorias. De fato, o significado da mercadoria é seu preço; como mercadoria, ela não possui nenhum outro significado. Por isso, o alegorista está em seu elemento com a mercadoria. Como flâneur, ele se identificou com a alma da mercadoria; como alegorista, reconhece na “etiqueta com o preço”, com a qual a mercadoria entra no mercado, o objeto de sua meditação: o significado. O mundo em cuja intimidade o faz ingressar este novíssimo significado, nem por isso se tornou mais amável. Um inferno se debate na alma da mercadoria, por mais que pareça que ela tenha encontrado no preço a sua paz. (BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 414, [ J 80, 2 / J 80a, 1]) A propósito da fuga de imagens na alegoria. Ela freqüentemente privou Baudelaire de parte do benefício de suas imagens alegóricas. Uma coisa, sobretudo, falta no uso da alegoria em Baudelaire. Percebe-se isto quando se tem presente a grandiosa alegoria de Shelley sobre Londres: o terceiro canto de “Peter Bell the Third” <cf. M, 18>, no qual Londres é apresentada ao leitor como um inferno. A eficácia completa deste poema deve-se, em grande parte, ao fato de ser perceptível o impulso de Shelley de lançar mão da alegoria. Este impulso não ocorre em Baudelaire. Justamente este gesto, que faz sentir a distância entre o poeta moderno e a alegoria, permite integrar a esta as realidades mais imediatas. O poema de Shelley dá o melhor exemplo da maneira direta com que isto pode acontecer. Nele figuram oficiais de justiça, parlamentares, especuladores da bolsa e muitos outros tipos. A alegoria, cujo caráter arcaizante é enfatizado, dá-lhes uma firme consistência, que falta, por exemplo, aos homens de negócio no poema “Le crépuscule du soir”, de Baudelaire. — Shelley domina a alegoria, Baudelaire é dominado por ela. (BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 416 [J 81, 6]
A multidão em Poe
o gesto
A clássica primeira descrição da multidão em Poe: “A maioria dos que
passavam tinha um ar convencido, característico dos negócios; eles não pareciam ocupados senão com o caminho que procuravam abrir através da multidão. Franziam as sobrancelhas e moviam os olhos vivamente; quando eram acotovelados pelos transeuntes ao lado, não mostravam nenhum sinal de impaciência, mas ajustavam suas roupas e seguiam apressados. Outros, uma classe também bastante numerosa, tinham movimentos inquietos e o rosto sangüíneo, falavam sozinhos e gesticulavam, como se se sentissem sós justamente por causa da multidão que os envolvia. Quando seu caminho era interrompido, eles paravam de murmurar, mas redobravam seus gestos enquanto esperavam, com um sorriso distraído e despropositado, a passagem das pessoas que impediam seu curso. Se eram empurrados, saudavam exageradamente quem neles esbarrou, e pareciam aflitos com a confusão.” Poe, Nouvelles Histoires Extraordinaires, trad. Ch. B., Paris, 1886, p. 89. (BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 489, [M 15a, 2])
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alegoria flâneur massa proletariado
“A fantasmagoria do flâneur. O ritmo do trânsito em Paris. A cidade como paisagem e
como aposento. A loja de departamentos como a última passarela do flâneur. Lá materializaram-se suas fantasias. O flanar, que teve início como arte do homem privado, termina hoje como necessidade para as massas.” (BENJAMIN, Walter. Primeira versão do Exposé de 1935 <Paris, a capital do século XIX>. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 983)