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ASPECTOS

ANATOMOFISIOLÓGICOS
DA VOZ CANTADA
UNIDADE IV
SAÚDE VOCAL
Elaboração
Hilda Maria dos Santos Friães

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO

UNIDADE IV
SAÚDE VOCAL............................................................................................................................5

CAPÍTULO 1
DIFERENÇAS FISIOLÓGICAS ENTRE VOZ FALADA E VOZ CANTADA....................................... 5
CAPÍTULO 2
AQUECIMENTO E DESAQUECIMENTO VOCAIS.................................................................... 15
CAPÍTULO 3
HIGIENE VOCAL................................................................................................................. 19
CAPÍTULO 4
CUIDADOS COM A VOZ NO DIA A DIA............................................................................... 23
CAPÍTULO 5
AVALIAÇÃO CLÍNICA DA VOZ............................................................................................. 25
CAPÍTULO 6
ATUAÇÃO E ACOMPANHAMENTO FONOAUDIOLÓGICO..................................................... 32
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................38
SAÚDE VOCAL UNIDADE IV

Capítulo 1
DIFERENÇAS FISIOLÓGICAS ENTRE VOZ FALADA
E VOZ CANTADA

A voz profissional pode assumir prioritariamente duas modalidades: a voz falada e a


voz cantada. Em algumas situações, como no teatro musical, exige-se do profissional o
domínio de ambas as emissões.

O canto pode ser considerado uma habilidade a ser desenvolvida e aprimorada por
meio do aprendizado de ajustes vocais (orgânicos, técnicos e psicológicos). Esses ajustes
requerem do cantor domínio da técnica de canto para que ele utilize seu instrumento
vocal da maneira mais adequada ao executar os ajustes necessários a cada estilo de
canto (COELHO et al., 2020).

Para os cantores, dominar a técnica de canto vai muito além do que compreender
a anatomofisiologia do trato vocal para cada ajuste a ser realizado na voz cantada.
Ao não compreender efetivamente as mudanças ocorridas na laringe e nas cavidades
de ressonância durante o ato de cantar, o profissional colhe consequências negativas
para sua voz e, consequentemente, para sua prática profissional.

Os sintomas vocais mais comuns observados na população de cantores são a rouquidão,


a dificuldade na emissão dos sons agudos, o pigarro constante, as falhas na voz, a perda
da voz, a garganta seca e a voz em fraca intensidade. Além dos sintomas aqui descritos,
os cantores também podem realizar alguns ajustes incorretos que desencadeiam o
desenvolvimento de alterações na qualidade vocal. Para o cantor profissional, essas
alterações podem causar um impacto significativo na sua qualidade de vida, pois a voz
é o seu instrumento de trabalho.

De acordo com Behlau (2005), a voz falada e a voz cantada são duas realidades
facilmente distintas, e a descrição dos ajustes empregados nas duas situações nem
sempre é simples de ser realizada.

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A emissão falada é, em geral, natural, inconsciente e não necessita de ajustes ou


treinamento prévio para ser realizada. Em contrapartida, a voz cantada exige treinamento
e adaptações prévias específicas e conscientes. Para Behlau (2005), a emissão falada
geralmente prima pela transmissão da mensagem com a necessidade de articulação
precisa para a transmissão do conteúdo verbal. Em contrapartida, a voz cantada tem
como principal característica o controle de sua qualidade. Nesse sentido, podendo
observar reduções articulatórias, prolongamentos de vogais e a introdução de recursos
específicos como o vibrato e o formante do cantor.

Segundo Behlau e Rehder (1997), os parâmetros diferenciais mais comuns entre a voz
falada e a voz cantada são a respiração, a fonação, a ressonância e projeção de voz, a
qualidade vocal, o vibrato, a articulação dos sons da fala, as pausas e a postura corporal.
Vale ressaltar que, além os parâmetros aqui citados, a relação entre a emoção e a voz
é muito diferente entre a voz falada não profissional e as duas modalidades de voz
profissional, a falada e a cantada.

1.1. Respiração
Voz Falada:

» A respiração durante a voz falada é natural. O ciclo respiratório é completo e varia


de acordo com comprimento das frases e as emoções vivenciadas pelo falante.

» Durante as pausas mais longas, a inspiração é relativamente lenta e nasal, e


mais rápida e bucal durante a fala. O volume de ar utilizado é médio, e apenas
nas situações de forte intensidade há maior mobilização da caixa torácica.
Ocorre pequena movimentação pulmonar durante a inspiração, com pouca
expansão da caixa torácica. A expiração caracteriza-se como um processo
passivo.

» O ciclo respiratório durante a voz falada é um dos parâmetros que mais se altera
diante das emoções, e a mudança mais comum observada está relacionada com
o ritmo inspiração/expiração.

Voz Cantada:

» A respiração é treinada, e os ciclos respiratórios durante a voz cantada são pré-


programados de acordo com as frases musicais.

» O volume de ar utilizado nas emissões cantadas é maior, e a inspiração muito


rápida e bucal. Ocorre grande movimentação dos pulmões na inspiração, com
expansão de todas as paredes do tórax.

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» O controle da expiração é ativo, mantendo a caixa torácica expandida durante o


maior tempo possível. Parece haver uma relação entre o treinamento de canto
– desenvolvimento de voz lírica – e o treinamento respiratório. É notório que os
cantores populares raramente possuem um treinamento respiratório específico,
enquanto a situação é oposta nos cantores eruditos.

» A coordenação entre fonação e respiração necessária para o canto é mais precisa e


específica do que a utilizada para a produção da voz falada. O profissional da voz
cantada treinado combina um início de fonação adequado com um controle do
ar expirado, produzindo uma pressão subglótica constante. Assim, o ar necessário
para a fonação é mantido controlado.

» O suporte respiratório é essencial para o canto. O mecanismo de suporte constitui


a fonte geradora de um vetor de força na coluna de ar, que irá passar entre
as pregas vocais. Os problemas anatômicos, técnicos ou doenças do sistema
respiratório podem gerar vozes alteradas e sem projeção, ou mesmo criar padrões
compensatórios negativos para a produção vocal.

1.1.1. Fonação

Voz Falada:

» Na voz falada, as pregas vocais fazem ciclos vibratórios com o cociente de abertura
levemente maior que o de fechamento.

» Ocorre a produção de uma série relativamente regular de harmônicos, teoricamente


infinita, porém em média vinte deles são suficientes para oferecer a identidade
de uma vogal. Os harmônicos produzidos decrescem em intensidade, em direção
aos harmônicos agudos, na razão de doze dB por oitava.

» O atrito da mucosa das pregas vocais é bastante aumentado nas situações de


pigarro, tosse ou ataque vocal brusco e podem ocorrer instabilidades ocasionais,
sem que isso comprometa a comunicação do indivíduo. Uma movimentação
discreta da laringe no pescoço é observada e determinada por variações na inflexão
das frases.

» A extensão de frequências em uso habitual é de três a cinco semitons, dependendo


da língua que se fala e da entonação empregada. São geralmente aceitos
socialmente discretos desvios no modo vibratório, em termos de rouquidão,
soprosidade ou aspereza, pois estes não causam maiores danos ao processo ao
processo de comunicação.

Voz Cantada:

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» Pode não haver quase nenhuma diferença nos ciclos fonatórios, como geralmente
observamos nos cantores de MPB, ou pode ainda haver modificações excepcionais
nos cocientes de fechamento e abertura dos ciclos vibratórios. No canto lírico, o
fato de o cociente de fechamento ser maior que o de abertura gera um som
acusticamente mais rico e com maior tempo de duração. Produz-se uma série maior
de harmônicos, com mais de trinta facilmente identificáveis no registro espectrográfico,
com intensidade forte mesmo nos harmônicos mais agudos do espectro.

» O atrito da mucosa das pregas vocais é reduzido, e os atos de pigarrear e tossir


são inadmissíveis. A ênfase não é feita com ataque vocal brusco, mas sim com
mudança da tensão nas estruturas e nuanças discretas de frequência e intensidade.

» A laringe tende a permanecer em posição baixa no pescoço, estabilizada, mesmo


nas frequências mais agudas. A extensão de frequências é ampla, de cerca de duas
oitavas e meia.

1.1.2. Ressonância e Projeção de Voz

Voz Falada:

» A ressonância é geralmente média, em condições naturais do trato vocal, sem uso


particular de alguma cavidade e sem a necessidade de grande projeção vocal. A
intensidade habitual situa-se ao redor de 64 dB para conversação, mantendo-se
relativamente constante durante o discurso, e a faixa de variações fica ao redor
de 10 dB da intensidade habitual.

» Quando é necessária projeção vocal, geralmente inspira-se mais profundamente,


abre-se mais a boca e utilizam-se sons mais agudos e mais longos. O uso de um
foco de ressonância grande pode ser facilmente observado em regiões específicas
do país, fazendo parte do próprio regionalismo do falante e sendo perfeitamente
aceito dentro do grupo ao qual este falante pertence.

Voz Cantada:

» A ressonância é geralmente alta, definida como “na máscara“ ou de cabeça, o que


indica que o foco de ressonância se concentra na parte superior do trato vocal.

» A intensidade quase nunca é constante, e, no canto lírico, podemos observar


variações controladas e rápidas de um pianíssimo a um fortíssimo, em um limite
que pode ir de 45 dB a 110 dB.

» A projeção vocal no canto lírico, que quase nunca é amplificado eletricamente, é


uma necessidade constante. A emissão deve ser audível, mesmo na emissão em

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pianíssimo e, para tanto, a inspiração é sempre maior do que na fala, a boca tende
a estar sempre bem aberta, procurando-se reduzir ao máximo os obstáculos à saída
do som. Um aspecto particular da ressonância e projeção da voz no canto lírico é o
formante do cantor, que, conforme explicado anteriormente, é uma característica
do canto lírico que confere audibilidade sobre ruído. Esse é talvez o aspecto
indireto do canto lírico mais facilmente reconhecido pelo ouvinte, principalmente
quando associado ao vibrato.

» Em alguns estilos musicais populares, especialmente no sertanejo brasileiro e no


country norte-americano, observamos um foco de ressonância nasal específico,
facilmente identificável auditivamente, além de vibrato. Esse ajuste ressonantal
é considerado inerente e fundamental para o canto dentro destes estilos
musicais.

1.1.3. Qualidade Vocal

Voz Falada:

» Pode ser neutra ou com pequenos desvios que não chegam a ser considerados
sinais de disfonia.

» É extremamente sensível ao interlocutor, à natureza do discurso e aos aspectos


emocionais da situação, podendo ficar momentaneamente trêmula ou sussurrada,
especialmente diante de emoções. Vozes desviadas com certo grau de rouquidão,
soprosidade, aspereza ou nasalidade, são geralmente aceitas na maior parte das
profissões.

» Profissionais da voz falada ou mesmo da voz cantada popular podem ter desvios
expressivos de suas qualidades vocais, apresentando tipos de vozes até mesmo
considerados disfônicos, mas com grande aceitação pelo público e sucesso
comercial.

Voz Cantada:

» Cantores líricos têm um modelo de perfeição vocal que rejeita desvios expressivos
de suas qualidades vocais. A qualidade vocal é mais estável e sofre menos influência
de fatores externos à realidade musical.

» O canto coral representa uma situação intermediária na qual a qualidade da


emissão depende basicamente do estilo musical e do repertório; características
pessoais são geralmente deixadas em segundo plano em favor de uma sonoridade
única de grupo, porém os desvios na voz tendem a ser percebidos e podem tomar-
se desequilibrados.

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1.1.4. Vibrato

Voz Falada:

» A emissão da voz falada, coloquial ou profissional, não apresenta vibrato.

Voz Cantada:

» O vibrato é um recurso vocal estético, muito valorizado em determinados estilos


de canto, como o lírico, e consiste em modulação repetida de frequência e/ou
intensidade.

» O vibrato é um fenômeno observado nos cantores treinados e, possivelmente,


representa a amplificação natural e rítmica de uma oscilação fisiológica, um
contrabalanço muscular entre os músculos tireoaritenoideo e o cricotireoideo.

» O vibrato é acusticamente caracterizado por uma modulação de frequência de


cinco a sete ondulações por segundo, com uma variação aproximada de um
semitom, feita de modo regular. Essa variação depende de vários fatores, como
sexo, idade e envolvimento emocional, mas permanece constante para cada cantor.

» Fisiologicamente, a origem do vibrato não está completamente definida.


A produção do vibrato exige a participação dos músculos intrínsecos da laringe,
mais particularmente do músculo cricotireoideo. Existe também uma oscilação do
fluxo aéreo, causada pela atividade laríngea e não pulmonar, além de uma possível
associação da oscilação de um ou vários órgãos fonatórios (véu palatino, língua,
parede faríngea e mandíbula), o que auxilia na produção do vibrato.

» Não existem informações suficientes que comprovem um mecanismo neurológico


para a produção do vibrato, mas, assim como existe o tremor do Parkinson ou
aquele associado ao frio, pode existir algum evento neurológico que explique a
produção desse recurso vocal estético.

» O vibrato é geralmente identificado com o canto lírico, mas pode estar presente em
diversos estilos musicais, como no sertanejo e no roque, embora não tão estável
como nos cantores treinados.

1.1.5. Articulação dos Sons da Fala

Voz Falada:

» A articulação deve ser precisa, e a identidade dos sons deve ser mantida. Vogais
e consoantes têm duração definida pela língua que se fala, porém o padrão de
articulação sofre grande influência dos aspectos emocionais do falante e do discurso.

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» Na voz falada profissional, a articulação geralmente é realizada com movimentos


musculares precisos e ampliados. Essa ação tem por objetivo conferir precisão
máxima à mensagem, principalmente nas locuções de rádio, onde a transmissão
baseia-se exclusivamente na onda da fala. Em outros falantes profissionais, a
exigência articulatória pode ser menor. Entretanto, na avaliação desses indivíduos,
é importante analisar se o desvio observado não representa um limite à fluência
da emissão e nem uma sobrecarga ao aparelho fonador.

» Quando os desvios nos pontos articulatórios são vistos como particularidades


individuais aceitáveis fisiologicamente, pode-se optar por mantê-los.

Voz Cantada:

» A mensagem a ser transmitida na voz cantada está além das palavras e, portanto,
pode-se privilegiar os aspectos musicais e não os verbais, o que significa que, em
alguns casos, há a ocorrência de uma subarticulação.

» A subarticulação é mais evidente no canto lírico, durante o qual as vogais podem


apresentar modificações em seu grau de abertura e duração, para manter o
equilíbrio da qualidade vocal.

» Os movimentos articulatórios básicos podem ser reduzidos, como no caso dos sons
plosivos, recebendo influência dos aspectos melódicos da música e da frase musical
em si. Sendo assim, as constrições que produzem os sons não são realizadas
totalmente, minimizando as alterações na área transversal do trato vocal.

1.1.6. Pausas

Voz Falada:

» As pausas são individuais de cada falante, podendo ocorrer por hesitação, por
valor enfático ou, ainda, refletir interrupções naturais do discurso.

Voz Cantada:

» As pausas são pré-programadas e definidas por uma série de aspectos.

» No cantor popular, o profissional pode inserir as pausas onde desejar, alterando


até mesmo as frases musicais do compositor, ou a letra da música.

» No canto coral, o compositor e/ou o regente programam as pausas a serem


observadas, considerando o apelo emocional e a interpretação.

» No canto lírico, a marcação das pausas também é definida previamente, e quase


nenhuma liberdade é concedida ao cantor.

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» Pausas de hesitação não são aceitáveis no canto, pois causam enorme


constrangimento ao cantor e um descontentamento por parte do público.

1.1.7. Velocidade e Ritmo

Voz Falada:

» A velocidade e o ritmo da emissão falada coloquial são pessoais e dependem de


múltiplos fatores, como as características da língua falada, a personalidade e a profissão
do falante, o objetivo emocional do discurso e os fatores de controle neurológico.

» Alterações na velocidade e no ritmo da emissão geralmente ocorrem


independentemente da consciência do falante, mas podem ser reguladas de
acordo com o objetivo emocional da emissão.

» As diferentes realidades de emissão definem os aspectos temporais a serem


observados.

» Certas locuções comerciais e a locução esportiva, particularmente o futebol,


exigem uma velocidade aumentada, característica dessas emissões. Já o ator
tem a velocidade e o ritmo definidos pelo personagem e, seguramente, esse
é o profissional da voz falada que deve apresentar a maior flexibilidade nesses
aspectos.

Voz Cantada:

» A velocidade e o ritmo da emissão geralmente dependem do tipo de música, da


harmonia, da melodia e do andamento utilizado pelo cantor, ou definido pelo
regente do coro.

» Alterações são usualmente controladas, pré-programadas e ensaiadas.

1.1.8. Postura Corporal

Voz Falada:

» A postura corporal é variável, com mudanças constantes.

» As mudanças habituais na postura corporal não interferem de modo significativo


na produção da voz coloquial. A linguagem corporal acompanha a comunicação
verbal e a intenção do discurso.

Voz Cantada:

» A postura corporal é menos variável, procurando-se manter sempre o corpo ereto.

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» Alguns cantores populares, grupos de canto a capela, cantores de roque e


vocalistas de banda podem apresentar grande atividade física no palco, dançando,
representando e tocando instrumentos musicais. Tal associação exige boa forma
física, e os ciclos respiratórios podem tornar-se evidentes, o que muitas vezes é
usado como recurso de interpretação.

» No canto lírico, a postura geralmente é mais rígida e constante, com tendência à


manutenção da cabeça e tronco alinhados e eretos. Nesse caso, as mudanças na
postura corporal interferem tanto na produção da voz quanto na estabilidade da
qualidade vocal, devido ao grande controle respiratório necessário. A linguagem
corporal não é favorecida nesse canto, que privilegia particularmente a expressão
facial e alguns gestos de mãos.

1.1.9. Emoção na Voz

Voz Falada:

» A voz é uma das ferramentas mais poderosas para expressão/comunicar as


emoções. O sujeito não profissional da voz reconhece que o impacto das diferentes
emoções na voz pode ser tão intenso a ponto de desestruturar totalmente o padrão
vocal habitual e levar o indivíduo à afonia.

» A correlação entre voz e emoção é direta e automática em situações do cotidiano,


embora nem sempre consciente e com níveis de manifestação diversos, de acordo
com a personalidade do indivíduo, e com seu treinamento de controle emocional.
Tal fato, embora possa representar um problema para o indivíduo, geralmente não
compromete sua qualidade de vida.

Voz Cantada:

» É no processo de colocar emoção no canto que reside o maior desafio ao


profissional, pois o sistema fonoarticulatório deve ser estável o suficiente para
garantir a sonoridade desejada e concomitantemente expressar também o
sentimento envolvido.

» O ato de cantar com técnica perfeita, mas sem emoção, dificilmente leva o
profissional a uma posição de destaque. Entretanto, realizar o canto com expressão
emocional pessoal requer do profissional o uso de uma microentonação sobre a
macroentonação previamente decidida pelo autor. Essa ação envolve mudanças
glóticas, supraglóticas e articulatórias, que incluem também modificações nas
características temporais da emissão.

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» O controle emocional no canto deve ser tal que o ouvinte é imediatamente


atingido, como se compartilhasse com o cantor da emoção real. Tal sintonia
emocional, difícil de ser ensinada, é característica dos melhores profissionais do
canto.

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Capítulo 2
AQUECIMENTO E DESAQUECIMENTO VOCAIS
Para diversos profissionais, a voz é instrumento principal de trabalho e seu uso
pode diferir de acordo com a profissão. Esses profissionais estão mais propensos às
alterações da voz e, quando amadores, as queixas podem ser consideravelmente mais
recorrentes. O maior risco para essas queixas vocais está presente entre cantores,
consultores, professores, advogados, pastores, operadores de telemarketing, vendedores
e profissionais de saúde.

Quando o foco segue na direção da Promoção de Saúde Vocal, podemos descrever


duas abordagens:

» Direta: essa abordagem ter por objetivo a busca de uma produção vocal adequada
e eficiente por meio de treinamento atendendo à demanda vocal específica. Na
abordagem direta, são utilizados programas e sequências de aquecimento e
desaquecimento vocal.

» Indireta: na abordagem indireta, são desenvolvidas ações voltadas à


conscientização sobre a saúde vocal, como diminuir os fatores de risco e minimizar
o uso incorreto da voz.

Vale ressaltar que as sequências de aquecimento e desaquecimento vocal, embora muito


conhecidas e difundidas entre os profissionais que utilizam a voz, são pouco executadas
ou realizadas de forma inadequada. As sequências de aquecimento e desaquecimento
vocal são mesmo reconhecidas como fundamentais na rotina de todo performer
disciplinado, pois são importantes para a longevidade da voz e para a prevenção de
lesões causadas por comportamento vocal inadequado.

O aquecimento vocal aumenta o fluxo sanguíneo e a oxigenação, promovendo, assim,


a flexibilidade muscular, o aumento de harmônicos, a melhora da articulação e da
projeção da voz.

Já o desaquecimento vocal visa o retorno aos ajustes iniciais da fala, diminuindo o fluxo
sanguíneo e a fadiga muscular, e promovendo o reuptake (recaptação) do ácido lático.

Os exercícios de aquecimento vocal podem ser divididos em dois grupos:

» Técnico: esse tipo de aquecimento vocal geralmente é utilizado por professores


de canto e outras áreas com intuito de trabalhar aspectos técnicos como ajuste
vocal, respiração e timbre.

» Fisiológico: o aquecimento fisiológico normalmente é realizado por


fonoaudiólogos e tem por objetivo proporcionar condições fisiológicas adequadas
evitando fadiga durante ou após a performance vocal.

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UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

A seguir, serão apresentados alguns exercícios referentes ao aquecimento e


desaquecimento vocal.

2.1. Respiração
A respiração é um dos itens mais importantes para a prática do canto, pois essa função
está relacionada com a afinação, impostação e volume da voz e a resistência do cantor.
Por isso, é essencial que os praticantes do canto tenham um bom condicionamento
físico e um adequado controle respiratório.

» Deitar em decúbito dorsal (de costas) em uma superfície plana e firme.

» Apoiar a cabeça em um travesseiro (ou almofada) não muito volumosa e apoiar


as mãos na região do diagrafma.

» Realizar uma inspiração nasal, profunda e costo-diafragmática, utilizando toda a


capacidade pulmonar.

» Realizar uma expiração oral e lenta, como se quisesse somente movimentar a


chama de uma vela sem apagá-la.

2.1.1. Aquecimento vocal

O aquecimento vocal prepara os músculos envolvidos no canto para um melhor


desempenho nessa atividade e contribui para a prevenção de lesões.

Os exercícios realizados para aquecer a voz podem e devem ser praticados não apenas
por quem canta, mas por todas as pessoas que utilizam a voz em suas atividades
profissionais. Além disso, esses exercícios com técnica específica fazem toda a diferença
para quem visa aumentar a sua extensão vocal.

Para dar início aos exercícios de aquecimento vocal, atente-se a sua postura corporal:

» Manter os pés em paralelo e bem apoiados no chão.

» A coluna deve estar reta, e os ombros abertos e para trás.

» A cabeça deve estar virada para frente e o olhar em direção ao horizonte.

É valido salientar que, se os exercícios foram realizados na posição sentada, o sujeito


deve utilizar uma cadeira com assento e encosto confortáveis, com altura que permita
que as pernas permaneçam em noventa graus e os pés fiquem em paralelo e totalmente
apoiados no chão.

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SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

Exercícios: Repetir cada exercício três vezes.

» Inspire somente pelo nariz (lábios ocluídos) e expire oral e lentamente, emitindo o
fonema “A“ sussurrado (como uma baforada) até o ar acabar. Em seguida, retraia
o abdômen devagar e relaxe a região do pescoço e da laringe.

» Inspire somente pelo nariz (lábios ocluídos) e expire oralmente produzindo


uma vibração com a língua, em “Trrrrr”. Essa ação deve ser iniciada com tons
de média frequência até chegar aos mais agudos. O abdômen deve ser retraído
devagar e o fluxo expiratório controlado e associado ao movimento de vibração
de língua.

» Inspire somente pelo nariz (lábios ocluídos) e expire oralmente produzindo uma
vibração com os lábios, em “Brrrr“. Essa ação deve ser iniciada com tons de média
frequência até chegar aos mais agudos. O abdômen deve ser retraído devagar, e
o fluxo expiratório controlado e associado ao movimento de vibração de lábios.

» Inspire somente pelo nariz (lábios ocluídos) e expire oralmente emitindo o som
“DZ”, com a ponta da língua encostada nos dentes incisivos centrais superiores
(dentes da frente, na parte superior). Essa ação deve ser iniciada com tons de média
frequência até chegar aos mais agudos. O abdômen deve ser retraído devagar, e
o fluxo expiratório controlado e associado à emissão do som trabalhado.

Vale lembrar que, infelizmente, é comum a muitos iniciantes, estudantes de canto e até
mesmo cantores experientes, negligenciarem essa etapa de aquecimento vocal, tão
essencial para o início das práticas relacionadas ao canto.

Assim como um atleta necessita aquecer e alongar seu corpo antes de iniciar sua série
de exercícios físicos, da mesma forma o sujeito que usa a voz profissionalmente deve
realizar sistematicamente o aquecimento vocal.

Muitas pessoas confundem essa prática como se fosse algo simplesmente relacionado à
temperatura, mas, na realidade, o aquecimento vocal diz respeito à circulação sanguínea
e irrigação das áreas que serão utilizadas para as ações posteriores

O aquecimento prepara as pregas vocais e envia informações para todo o corpo que
aquela região será utilizada, daquele momento em diante, para a uma prática vocal com
intensidade diferente daquela requerida durante a fala espontânea.

2.1.2. Desaquecimento Vocal

Tão importante quanto aquecer a voz é desaquecê-la, pois ambas as práticas colocam
a voz na condição ideal tanto para uso quanto para iniciar o descanso.

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UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

Após as práticas referentes ao canto, alguns exercícios devem ser realizados para auxiliar
no relaxamento corporal e para trazer a voz para a modalidade de voz falada.

» Inspire somente pelo nariz (lábios ocluídos) e expire oralmente produzindo uma
vibração com uma vibração com os lábios, em “Brrrr”. O abdômen deve ser retraído
devagar, e o fluxo expiratório controlado e associado ao movimento de vibração
de lábios.

» Boceje aproximadamente dez vezes para relaxar as estruturas de cabeça e pescoço


(músculos e articulações).

» Beba água em temperatura ambiente, pois o movimento de engolir relaxa a laringe.

» Mantenha a voz em repouso por uns 20 minutos, evitando falar.

Tanto o aquecimento quanto o desaquecimento vocal são importantes para quem utiliza
a voz profissionalmente de modo sistemático.

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Capítulo 3
HIGIENE VOCAL

Levando em consideração que a voz falada é diferente da voz cantada, faz-se necessária
a realização de ajustes bem distintos para essas duas emissões vocais.

Como a voz falada é natural e habitual, não pensarmos muito nos ajustes necessários
a sua produção. Já a voz cantada necessita de treinamento e ajustes de ressonância,
respiratórios, articulatórios e fonatórios específicos, caso contrário, pode gerar esforço
inadequado e prejudicar a saúde vocal.

Existem alguns problemas de voz que podem limitar o desempenho do profissional


da voz. Nesse sentido, o fonoaudiólogo consegue desenvolver determinados recursos
que auxiliam o profissional a adaptar sua voz e buscar uma melhora significativa no
desempenho de sua profissão.

Um aspecto pouco discutido entre os sujeitos que usam a voz profissionalmente é


o envelhecimento vocal. É notório que esse envelhecimento varia de pessoa para
pessoa e que profissionais da voz, que fazem exercícios vocais adequados as suas
atividades e cuidam da saúde geral, podem sentir os efeitos do envelhecimento vocal
mais tardiamente.

Dessa forma, os cuidados destinados à saúde vocal aumentam a longevidade e a


qualidade das emissões vocais.

O microfone é uma ótima estratégia para o profissional poupar um pouco a sua voz.
Porém, ao utilizar esse instrumento de amplificação, é importante lembrar que não é
preciso falar em forte intensidade.

O profissional da voz deve, ao falar, articular bem as palavras e manter uma coordenação
pneumofonoarticulatória equilibrada.

O aquecimento vocal deve ser realizado por meio de exercícios específicos, e não pela
ingestão de qualquer substância. Após a ingestão de qualquer bebida alcoólica, a
sensibilidade do corpo é alterada inclusive no que se refere à produção da voz. Enquanto
o sujeito está sob o efeito da bebida, não sente o esforço vocal e tende a cometer abusos
vocais (gritar, falar demasiadamente, falar em forte intensidade). As consequências dos
episódios de abuso vocal só serão percebidas quando o efeito do álcool passar.

Outro aspecto a ser salientado é o uso de roupas e adereços que podem influenciar
e até mesmo alterar a voz. Os sujeitos que usam a voz profissionalmente devem usar
roupas e adereços que não apertem a região do pescoço e da cintura e, assim, não

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UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

interfiram na qualidade da respiração e nas emissões vocais. Colares, lenços e colarinhos


apertados no pescoço também pressionam a laringe, e as calças e os cintos apertados
dificultam a movimentação do músculo diafragma, importante para a manutenção do
padrão respiratório. Sapatos altos também alteram a postura corporal, aumentando a
tensão e enrijecendo o corpo. E ainda apresentações em ambientes ruidosos ou abertos
acarretam maior esforço vocal.

Ao pensar em sua saúde vocal, o profissional da voz deve evitar ambientes ruidosos e
situações nas quais perca o controle auditivo e, automaticamente, eleve a intensidade
de suas produções vocais.

Os cantores, assim como os demais profissionais da voz, devem preparam a voz para dar
conta de um dia intensivo de trabalho vocal. O ideal é que sejam realizados exercícios
de aquecimento vocal, sempre com orientação fonoaudiológica.

É importante salientar que o profissional deve cuidar da sua voz não apenas em dia de
uso intensivo, mas, sim, os cuidados devem fazer parte da rotina diária para manter a
voz sempre saudável.

O descanso vocal é primordial para o cantor e demais usuários profissionais da voz.


Orienta-se a ingestão de líquido, a utilização de frases curtas, com voz mais suave (sem
sussurrar) e em velocidades reduzida.

Os exercícios de aquecimento vocal, além de diminuir o cansaço após o uso prolongado


da voz profissional, têm a função de preparar o aparelho fonador para uso vocal intenso
e melhorar o funcionamento das pregas vocais, a intensidade e a projeção da voz. Já o
desaquecimento vocal permite que a voz retorne aos seus ajustes naturais, favorecendo
uma emissão mais suave.

A prática do aquecimento e do desaquecimento vocal é uma excelente estratégia para


manter a qualidade da voz profissional e colaborar com a saúde vocal e redução de
alterações no aparelho fonador.

Essa rotina referente ao aquecimento e ao desaquecimento vocal deve ser realizada


sempre e antes do início de uso vocal intenso. No entanto, a determinação de quanto
tempo antes das projeções vocais intensas variará de acordo com as diferentes demandas
e especificidades profissionais. Como exemplo, podemos referir que um cantor lírico tem
necessidades diferentes de um professor. Da mesma forma, o tempo de permanência
da voz aquecida varia de acordo com cada organismo e tipo de aquecimento
realizado. Levando em consideração essas variações, os programas de aquecimento e
desaquecimento devem mais individualizados e mais eficientes.

20
SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

Não há uma prescrição referente ao número limitado de vezes para realizar o


aquecimento vocal durante um dia. O ideal é fazê-lo antes do momento de uso mais
intenso da voz e, se possível, algumas vezes durante a prática profissional (em caso de
uso prolongado da voz).

Vale ressaltar que os exercícios utilizados para o aquecimento e desaquecimento


vocal aqui descritos devem proporcionar uma significativa melhora na qualidade
vocal, sem causar dor ou cansaço. Na ocorrência de tais incômodos, o sujeito deve
interromper tais práticas vocais e procurar orientações com um profissional especializado
(otorrinolaringologista ou fonoaudiólogo).

É importante pontuar que cada sujeito responde de uma forma para os exercícios de
aquecimento vocal. Sendo assim, é de responsabilidade e competência do fonoaudiólogo
investigar quais os exercícios mais adequados para cada pessoa. O profissional deve
levar em conta também a demanda vocal do indivíduo no momento da realização
do aquecimento vocal, discutindo inclusive em quais momentos e locais essa prática
específica deverá ser realizada. Vale lembrar que uma voz alterada leva mais tempo para
aquecer e se tornar ideal para o uso profissional.

Pode ser satisfatório resguardar a voz antes do uso profissional intensivo, mas isso nem
sempre essa uma realidade viável. O ideal é preparar adequadamente a voz e sempre
utilizá-la de forma correta, estando atento para a rotina de cuidados relacionados à
manutenção da voz saudável.

Referente ao uso de medicações, é necessário salientar que, em algumas emergências


vocal, como laringites, gripes ou resfriados, o médico pode prescrever um remédio
que ajude o profissional a cantar. O cantor deve sistematicamente cuidar da sua voz
e manter hábitos saudáveis para essas medidas emergenciais não sejam necessárias.
As consultas com o médico especialista (otorrinolaringologista) e com o fonoaudiólogo
podem contribuir e muito para a prevenção dos problemas de laringe e voz. Vale ressaltar
que a automedicação nunca é aconselhável, pois um tipo de medicamento pode ser
adequado para uma pessoa e inadequado para outra.

Manter ou não as aulas de canto na presença de alguma alteração vocal e durante


o tratamento fonoaudiológico é uma questão que precisa ser discutida entre os
profissionais que formam a equipe interdisciplinar e o próprio cantor.

A decisão sobre a manutenção ou suspensão das aulas de canto deve considerar o tipo
de queixa, a qualidade da voz e os dados da avaliação de cada profissional da saúde e do
diagnóstico do médico e do fonoaudiólogo. O gênero, o estilo do cantor e o repertório
musical selecionado podem gerar uma demanda vocal muito intensa e interferir no

21
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

tratamento. Dessa forma, em alguns casos, pode ser recomendada a interrupção das
aulas de canto até que a saúde vocal seja reestabelecida.

22
Capítulo 4
CUIDADOS COM A VOZ NO DIA A DIA

As explicações sobre cuidados com o trato vocal e os esclarecimentos quanto à higiene


vocal ocupam um lugar de importância no manejo e tratamento das alterações da voz.

O conhecimento sobre os cuidados com a voz inclui os aspectos de higiene vocal, a


limitação do uso hiperfuncional e a redução dos comportamentos vocais abusivos.
Contudo, há poucas tentativas de se avaliar o conhecimento geral sobre a voz e seus
cuidados, em pessoas com vozes saudáveis e disfônicas.

Saber o que as pessoas acreditam que influencia suas vozes pode oferecer insights a
quem apresenta disfonia ou tem risco de desenvolver um problema de voz. Do ponto
de vista individual, a documentação vocal de uma pessoa oferece uma linha de base
para intervenções e para delinear um programa de tratamento específico.

Alguns estudos relatam o baixo índice de conhecimento vocal observado em certos


profissionais, como atores, cantores e professores, porém avaliados sem um instrumento
validado com base em evidências científicas.

A voz é a forma de comunicação mais utilizada pelo homem. Dessa forma, quando esse
instrumento de comunicação sofre alguma alteração ou quando não está de acordo
com as características esperadas para sexo, faixa etária ou demanda vocal, a qualidade
de vida do sujeito pode ser significativamente afetada.

Para um específico grupo de pessoas, essas alterações vocais podem comprometer


diretamente sua atuação profissional. Partindo desse princípio, são denominados
Profissionais da Voz aquelas pessoas que dependem da voz para realizar suas práticas
profissionais e, portanto, para as quais a saúde vocal é um fator primordial.

Todos os sujeitos que usam a voz como ferramenta para sua comunicação
(profissionalmente ou não) devem adquirir boas práticas relacionadas a sua saúde vocal:

» Usar a voz de maneira mais suave, mais baixa (mas sem sussurrar) e articular bem
as palavras.

» Quando possível, adaptar suas atividades de trabalho a poupar ao máximo a voz,


ou utilizá-la somente quando necessário.

» Beber água com frequência e, sempre que possível, descansar a voz.

» Evitar pigarros.

» Bocejar.

23
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

» Evitar o consumo de cigarro e de outras drogas.

» Moderar o consumo de bebidas alcoólicas.

» Não consumir café em excesso.

» Respiração nasal e costo-diafragmática.

» Não realizar ataques vocais bruscos.

» Fazer uso de uma alimentação saudável e equilibrada.

» Evitar a ingestão alimentos com muitos condimentos ou daqueles que provocam


má digestão ou azia (refluxogastresofágico).

» Não ficar muitas horas em jejum.

» Mastigar bem os alimentos.

» Evitar a permanência prolongada em ambientes com ar-condicionado, com ruídos


excessivos e/ou com agentes agressores/irritativos à respiração.

» Dormir aproximadamente oito horas por noite.

» Usar vestimentas e acessórios confortáveis.

» Evitar falar muito nas seguintes situações:

› Após ingerir leite e derivados.

› Durante quadros gripais ou crises alérgicas.

› Em período pré-menstrual.

» Evitar falar durante a prática de exercícios físicos.

» Não gritar e não rir/gargalhar em forte intensidade.

» Evitar ambientes ou situações com mudanças bruscas de temperaturas.

» É importante salientar que nenhuma rouquidão deve ser considerada normal e que,
caso esse sintoma permaneça por mais de uma semana ou de forma frequente,
deve ser avaliado pelo médico otorrinolaringologista pelo fonoaudiólogo.

24
Capítulo 5
AVALIAÇÃO CLÍNICA DA VOZ

Para aqueles que usam a voz de forma profissional e constante, as avaliações


otorrinolaringológica e fonoaudiológica são essenciais.

A avaliação clínica da voz é basicamente realizada por meio de ações interdisciplinares


entre a fonoaudiologia e a otorrinolaringologia.

O fonoaudiólogo é um profissional de saúde responsável pela promoção da saúde,


prevenção, avaliação e diagnóstico, orientação, terapia (habilitação e reabilitação) e
aperfeiçoamento dos aspectos fonoaudiológicos da função auditiva periférica e central,
da função vestibular, da linguagem oral e escrita, da voz, da fluência, da articulação da
fala e dos sistemas miofuncional, orofacial, cervical e de deglutição.

Especificamente na área da voz, o fonoaudiólogo também previne, avalia e trata os


problemas da voz falada (disfonias), cantada (disonias) e aperfeiçoa os padrões vocais.

O início para a compreensão de um problema de voz deve ser sempre a queixa trazida
pelo paciente, profissional da voz ou não. Essa queixa deve ser investigada no que diz
respeito a forma, tipo, tempo e espaço, bem como no seu impacto emocional, social
e profissional. Especificamente nos casos de cantores, é preciso ter clareza de quais
elementos presentes na queixa tem relação com a voz cantada e/ou com a voz falada,
assim como na inter-relação dessas duas formas de produção vocal.

No caso de um paciente cantor, é fundamental uma avaliação em equipe


(otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, professor de canto, fisioterapeuta, entre outros)
para que a questão vocal possa ser compreendida na sua totalidade.

Quando um cantor é avaliado, dois objetivos são fundamentais e devem fazer parte
desse processo avaliativo:

» compreender a queixa de forma clara e detalhada, com a caracterização da


demanda, do requinte e da repercussão da voz no desempenho profissional do
cantor;

» identificar os possíveis fatores agravantes para o desempenho da voz que não


estão relacionados diretamente com o canto.

Conhecer o gênero musical do cantor a ser avaliado é essencial para compreender as


questões relacionadas com a qualidade vocal e sua influência na atividade profissional.
É notório que o gênero musical define as características básicas de uma voz, assim como
das necessidades de seus ajustes inseridos na interpretação pessoal do cantor.

25
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

Ter consciência do gênero musical é fundamental para conhecer o requinte exigido


(necessidades vocais) e, consequentemente, os ajustes do trato vocal, bem como
questões relacionadas com a postura, respiração, demanda, entre outras.

Aspectos como demanda, exigência e requinte também estão direta e indiretamente


ligados ao gênero musical. A caracterização da demanda vocal define o grau de
solicitação que é imposto ao aparelho fonador. As pregas vocais são estruturas muito
vulneráveis, portanto necessitam de atenção especial em relação a sua demanda.

O fonoaudiólogo deve conhecer com propriedade o uso profissional da voz, assim


como as atividades sociais e/ou profissionais da voz falada, sem se esquecer do loudness
utilizado pelo cantor, tanto na fala como no canto.

Os fatores externos, como competição sonora e um feedback auditivo inadequado,


também são considerados agravantes e podem interferir na demanda vocal. Dessa
forma, um detalhamento da rotina do cantor deve constar no protocolo de avaliação
vocal: quantidade de apresentações por dia e por semana, duração média de cada
apresentação. Deve-se colher as mesmas informações para a situação de ensaio.

Por vezes o profissional da voz procura o otorrinolaringologista ou o fonoaudiólogo


na busca de maior constância e estabilidade vocal, sem estar de fato interessado em
modificar ou melhorar sua qualidade vocal. Esse comportamento acontece porque
provavelmente a qualidade vocal alterada não tem repercussão na atividade profissional.

Essa repercussão na atividade profissional representa a interferência que o problema de voz


tem na vida profissional do cantor e o quanto essa alteração vocal inviabiliza seu trabalho.

À medida que o fonoaudiólogo conhece a demanda profissional e o requinte vocal


necessário para cada gênero, é possível realizar um diagnóstico mais preciso e assumir
uma conduta direcionada para as necessidades específicas de cada paciente.

5.1. Aspectos específicos da otorrinolaringologia


» Escuta da queixa do cantor: é o primeiro passo da avaliação. A partir dessa
avaliação, o fonoaudiólogo realiza associações do relato do paciente com sua
condição vocal.

» Conversa dirigida: sobre os fatores agravantes da qualidade da voz cantada


(afecções nasais, refluxo laringofaríngeo, uso de drogas lícitas (cigarro e bebidas
alcoólicas) e ilícitas (maconha, cocaína, entre outras), hábitos alimentares, doenças
sistêmicas, entre outros, podem interferir nas vias respiratórias inferiores e
superiores e na emissão vocal de modo direto e/ou indireto.

26
SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

As afecções nasais, o desvio de septo e a rinite alérgica modificam as cavidades de


ressonância e podem alterar o padrão vocal. Uma obstrução nasal pode levar a diversas
alterações na musculatura do aparelho fonador e interferir de modo consistente no filtro.
Além disso, pode ocorrer uma sobrecarga na fonte sonora, em decorrência da tentativa
de compensar o prejuízo da dificuldade de projeção.

Outro ponto é o ressecamento da mucosa das vias respiratórias superiores, o que leva
à respiração oral e ocasiona prejuízo na lubrificação das pregas vocais (PPVV). Essas
mudanças podem determinar maior pressão subglótica para iniciar a vibração das
pregas vocais.

Quadros infecciosos rinosinusais também costumam acometer a laringe em diferentes


graus e, consequentemente, alterar o padrão vocal. Associado a esse quadro, geralmente
existe o pigarro, mais um fator agravante para as alterações vocais.

O refluxo laringofaríngeo (RLF), aspecto que a cada dia está mais presente nos relatos
dos cantores, em decorrência da irritabilidade da mucosa laringofaríngea, pode levar a
modificações epiteliais nas pregas vocais e alterar o padrão vocal.

Sintomas como sensação de corpo estranho ou de “bolo” na garganta, pigarro e tosse


são queixas frequentes trazidas pelos cantores para a clínica fonoaudiológica.

Demais questões de saúde, como distúrbios hormonais e/ou endócrinos, podem


interferir direta e/ou indiretamente na emissão vocal. No trabalho com o paciente
cantor, precisamos atentar para o uso de medicações, uma vez que algumas podem
interferir na qualidade vocal. Antialérgicos, descongestionantes e alguns antidepressivos
deixam o muco mais espesso e podem prejudicar a lubrificação do trato vocal; alimentos
derivados do leite têm efeito semelhante.

Algumas drogas, como a maconha, também deixam o muco laríngeo mais espesso e as
mucosas mais ressecadas. O cigarro e o álcool também podem levar ao agravamento
da qualidade voz.

Definidas as questões acima apresentadas, passamos à avaliação do aparelho fonador


propriamente dito.

Antes dos exames, é preciso escutar a voz e antecipar o que será visto na imagem
laríngea e, assim, estabelecer uma relação entre qualidade vocal ouvida e o que será
observado na fonte glótica e no filtro. Essa escuta prévia possibilita um direcionamento
para observar se a alteração da voz tem mais relação com a fonte glótica, com o filtro
ou com os dois.

27
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

Vale ressaltar que a observação dos ajustes do trato vocal durante o canto é algo
dinâmico e subjetivo. Sendo assim, comparar vários momentos auxiliam na coleta dos
dados avaliativos.

Ao comparamos duas emissões distintas do mesmo paciente (uma emissão sustentada


e um trecho de canto no momento da agudização), é possível determinar se existe ou
não uma mudança significativa.

Variações na intensidade, como ausente, leve e intensa, de uma constrição faríngea


devem ser observadas nessa comparação entre as emissões distintas. Assim, além do
julgamento, a reprodutibilidade ficará mais viável.

Com o objetivo de analisar os ajustes do aparelho fonador durante a emissão cantada,


podemos realizar os seguintes exames:

a. Avaliação Nasofibrolaringoscópia:

› Nesse exame, o cantor pode emitir a voz falada e cantada de modo mais
próximo ao real.

› É possível avaliar a presença de processos infecciosos rinosinusais e a


permeabilidade nasal.

b. Avaliação com o Telescópio Rígido:

› A utilização do telescópio rígido permite a visualização clara da mucosa das


pregas vocais.

Os exames devem ser gravados (áudio e imagens) para posterior análise e registros dos
dados presentes nessa avaliação objetiva.

Durante o exame, é solicitado ao cantor as seguintes emissões:

» uma vogal sustentada em tom habitual de fala, em tom grave e no agudo;

» uma vogal glissando (emissões ligadas) em escala ascendente (do grave para o
agudo) e descendente (do agudo para o grave). Geralmente é utilizada a vogal /i/,
uma vez que ela possibilita melhor a visualização da região laríngea.

Essa parte inicial da avaliação funciona como um “aquecimento” para o cantor ir


se acostumando com o telescópio rígido e para o otorrinolaringologista verificar o
posicionamento do aparelho e observar as estruturas anatômicas.

» emissão da voz cantada: comparar um trecho confortável de canto, segundo o


paciente, com um trecho de maior dificuldade.

28
SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

A mobilidade longitudinal da prega vocal é caracterizada pelo seu estiramento e/ou


encurtamento, e essa movimentação é a base da frequência do som. Uma prega vocal
encurtada, à custa da contração do músculo tireoaritenoideo (TA) e sem a ação do
cricotireoide (CT), determina uma emissão vocal grave.

Por outro lado, a contração do cricotireoide e estiramento do músculo tireoaritenoideo


define um som agudo. Independentemente do estilo, a ação desses músculos é
fundamental na escala vocal. A participação do deslocamento vertical da laringe e a
amplitude do trato vocal durante essas emissões dependem do gênero musical e do
estilo de cada cantor.

Uma lesão laríngea ou um determinado tipo de emissão relacionado com o gênero


musical podem ser associados a um determinado tipo de coaptação glótica.

No decorrer da nasolaringoscopia, nem sempre é possível a visualização do fechamento


glótico (e da fenda) devido a determinados ajustes do trato vocal ou posicionamento
do aparelho fonador. Nessas condições, optou-se por classificar a coaptação glótica
em não visualizada, completa ou incompleta.

Na supraglote, a preocupação deve estar mais no grau de tensão das pregas vestibulares
do que na ação que essa musculatura pode exercer na prega vocal. A constrição medial
(laterolateral) das pregas vestibulares pode ou não se refletir nas pregas vocais, embora
costume influenciar mais as pregas vocais do que a constrição anteroposterior.

A longo prazo, o uso excessivo das pregas vestibulares pode provocar uma agressão
nas pregas vocais. Alguns gêneros musicais são caracterizados pela ação das
pregas vestibulares. Por esse motivo, é primordial que o cantor aprenda a utilizar
adequadamente a prega vestibular para não se prejudicar. E essa aprendizagem deve
ser realizada por meio de um trabalho técnico específico.

Quando a participação das pregas vestibulares durante o canto é detectada, faz-se


necessária a identificação de sinais inflamatórios nas pregas vocais, que possam agredir
a essas estruturas.

Na análise da voz cantada o deslocamento vertical da laringe é outro ponto


fundamental a ser observado, pois a altura da laringe determina o comprimento do
trato vocal e interfere de maneira expressiva na frequência das emissões cantadas.

» Quanto mais alta a laringe, mais curto será o trato vocal, e, portanto, a emissão
será mais aguda.

» Quanto mais baixa a laringe, mais alongado será o trato, e, portanto, a emissão
será mais grave.

29
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

O deslocamento vertical da laringe é avaliado durante a emissão de uma escala ou do


trecho de uma música do repertório do cantor. Alguns gêneros musicais, como o canto
lírico, mantém a laringe fixa e baixa durante as emissões de diferentes notas da escala.

O formante do cantor depende do alongamento do tubo laringofaríngeo promovido


pelo abaixamento da laringe.

A laringe alta deixa o som mais claro, e a baixa gera um som mais escuro.

A agudização com a laringe fixa (baixa), referida anteriormente, pode restringir a tessitura,
pois, dessa maneira, os agudos dependem apenas do estiramento das pregas vocais,
sem o incremento da elevação da laringe.

Ao considerar o canto como uma produção dinâmica, a avaliação dos ajustes do trato
vocal deve ser comparativa e analisada mais de uma vez.

5.1.1. Aspectos específicos da fonoaudiologia

A queixa do paciente é o fio condutor da terapia fonoaudiológica. O levantamento da


história do paciente e do problema vocal deve ter como início pela caracterização da
queixa.

No momento da investigação da queixa e de todo levantamento da história vocal do


cantor, é necessário ter claro o que se refere à voz cantada e à falada.

Muitas vezes o paciente cantor tem uma queixa referente ao canto que pode ser uma
consequência do modo como ele utiliza a voz falada.

Para auxiliar as informações colhidas durante o levantamento da história vocal do


paciente, alguns aspectos devem ser priorizados.

No que se refere aos hábitos cotidianos e à saúde vocal, a sugestão é para o próprio
paciente preencher um questionário antes da entrada na primeira sessão de avaliação.
Munido desse formulário, o profissional já terá uma prévia da saúde vocal do paciente
e, durante a avaliação, realizará o complemento de tais informação, quando e se
necessário.

» Queixas nasais: condições das vias aéreas superiores e qualidade da respiração.

» Aquecimento e desaquecimento vocal: se o cantor pratica essas ações, como e


onde, e se as faz e com qual frequência.

» Alterações vocais: se ocorrem alterações de voz, em que frequência e quais as


condutas o cantor assume frente a essas alterações.

30
SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

» Estruturas da Motricidade Orofacial: como estão a postura, a tonicidade, a


mobilidade e a motricidade dos músculos e estruturas orofaciais (língua, lábios,
bochechas, véu palatino etc.).

» Avaliação perceptiva-auditiva da voz: voz cantada avaliada in loco e por meio de


gravações em CD e DVD.

» Análise acústica: pode trazer enormes contribuições para a avaliação da


voz cantada. Nesse tipo de vocalização, não é primordial avaliar a frequência
fundamental (f0), mas sim conhecer e analisar os formantes 7,10-12,15,16. O
formante do cantor depende basicamente da respiração e dos ajustes do trato
vocal. É preciso ressaltar que o formante do cantor não é único nem o principal
atributo para um desempenho vocal satisfatório, que dependerá também do
gênero musical e da realidade profissional de cada cantor.

A avaliação fonoaudiológica é um processo contínuo e deve ser prática em toda sessão


terapêutica.

Para que as técnicas vocais tenham os resultados esperados, é necessário que o cantor
tenha conhecimentos sobre os principais aspectos anátomo fisiológicos do trato e uma
autopercepção das tarefas a serem realizadas.

É importante reforçar que a avaliação de um cantor com queixa vocal deve ser realizada
de maneira conjunta, otorrinolaringologista e fonoaudiólogo. Em alguns casos, esse
processo deve ser acrescido de outros profissionais, como professor de canto, regente,
fisioterapeuta, entre outros. Um trabalho em equipe interdisciplinar é fundamental na
abordagem dos cantores para uma melhor compreensão da complexa relação entre
queixa, história, qualidade vocal e os achados nasolaringológicos.

Uma avaliação bem realizada direciona com clareza o caminho do tratamento e pode
auxiliar para que o canto se torne expressivo.

31
Capítulo 6
ATUAÇÃO E ACOMPANHAMENTO
FONOAUDIOLÓGICO

A Saúde e Higiene Vocal são importantes componentes de prevenção e tratamento


das disfonias. Esses aspectos constituem elementos da abordagem de terapia vocal
indireta, que tem por objetivos orientar os profissionais da voz sobre cuidados vocais
e expandir a percepção vocal do paciente para que ele identifique e administre sua
produção vocal em situações desfavoráveis. A terapia vocal indireta tem seus efeitos
ampliados quando combinada com a terapia direta, durante a qual são trabalhados
os exercícios vocais.

De maneira geral, as pessoas não profissionais da voz têm condições de identificar os


principais fatores externos e hábitos que favorecem e prejudicam a saúde da voz e são
capazes de relacionar os fatores e hábitos negativos aos sintomas vocais. Além disso,
maior conhecimento sobre cuidados vocais tem sido relacionado à maior capacidade
de o indivíduo preservar a saúde da sua voz.

É notório que, mesmo mostrando certo conhecimento em cuidados vocais, as pessoas


com e sem queixas de voz, com diferentes profissões/ocupações, referem sinais e
sintomas vocais. Na situação aqui descrita, a diferença é que as pessoas com grande
demanda vocal (profissionais da voz ou não) apresentam quantidade e frequência
elevadas desses sinais e sintomas.

É também a elevada quantidade de sinais e sintomas e o uso de mais estratégias


de enfrentamento relacionadas ao problema vocal que diferenciam as pessoas com
alteração vocal que buscam ajuda de um especialista em voz daquelas que não buscam
terapia fonoaudiológica.

A existência de sinais e sintomas vocais na população em geral é bastante comum,


embora a literatura específica descreva que a dificuldade parece estar na utilização
do conhecimento em cuidados vocais como estratégia de prevenção de alterações
vocais e na percepção que se tem da própria voz, e não necessariamente na falta de
conhecimento.

A terapia indireta, além de abordar os conceitos de saúde e higiene vocal, deve auxiliar
o paciente a incorporar os hábitos saudáveis a sua rotina e evitar os hábitos e fatores
prejudiciais à saúde da voz.

Como estratégias para compor a terapia indireta, o fonoaudiólogo pode lançar mão
de variados recursos, incluindo até os mais tecnológicos. Vale salientar que atualmente

32
SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

temos à disposição também da área da saúde um número significativo de aplicativos


e games criados com propósitos específicos, muitas vezes baseados nos princípios da
gamificação.

A gamificação é uma metodologia que busca aplicar elementos, mecanismos, dinâmicas


e técnicas de games para ampliar as possibilidades de o indivíduo enfrentar e resolver
problemas de maneira autônoma e criativa em vários âmbitos da vida.

No cenário fonoaudiológico, mais especificamente na área de voz, já existem alguns


aplicativos para dispositivos celulares (smartphones) que são direcionadas ao público
adulto e funcionam principalmente como fonte de informações sobre saúde e higiene
vocal e recurso de automonitoramento da prática de exercícios vocais indicados pelo
especialista em voz. Os games desenhados com objetivos específicos para a área de voz
podem ser considerados bons recursos utilizados na proposta da terapia vocal indireta.

Levando em consideração que voz é o instrumento profissional do cantor, demonstra-se


extremamente importante e aconselhável que esse paciente tenha conhecimentos sobre a
anatomia e a fisiologia do seu aparelho vocal para alcançar a excelência desejada, além de
prevenir e minimizar riscos que comprometam sua saúde vocal e performance profissional.

A intervenção fonoaudiológica com cantores acontece em três níveis:

» Prevenção: orientações relacionadas com saúde vocal, hábitos saudáveis do uso


da voz profissional para prevenir problemas futuros).

» Habilitação: treinamento, desenvolvimento do potencial, plasticidade e


flexibilidade vocal. O trabalho de habilitação vocal deve proporcionar ao cantor
conhecimentos básicos e vivências proprioceptivas e sensoriais relacionadas com
o mecanismo da fisiologia da produção vocal, com o objetivo de desenvolver a
plasticidade e o potencial da voz cantada. Visando ao melhor aproveitamento vocal
possível, é efetuado o trabalho fonoaudiológico com ajustes específicos quanto à
fonte (pregas vocais) ou ao filtro (ressonadores), aliado à articulação e respiração.

» Reabilitação Vocal: tratamento propriamente dito. Nesse nível de intervenção


fonoaudiológica, o objetivo é devolver ao cantor as habilidades perdidas
decorrentes de um distúrbio vocal. Muitas vezes, esse distúrbio pode ter sido
causado por inadequações relacionadas à voz falada e/ou pelo uso inadequado
da voz cantada.

O atendimento a cantores que apresentam distúrbio de voz visa a excelência vocal


e o ótimo desempenho nas performances cantadas, com uma voz que atenderá às
solicitações do profissional quando e como ele precisar.

33
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

É imprescindível que o cantor seja encaminhado pelo professor de canto para avaliações
otorrinolaringológica e fonoaudiológica, mesmo sem sinais e/ou sintomas vocais. Vale
ressaltar ainda a importância de revisões periódicas com esses dois profissionais da saúde.

As queixas vocais apresentadas pelo paciente-cantor podem ou não estar ligadas


às alterações laríngeas (lesões nas pregas vocais, fendas glóticas, edemas, refluxo
gastroesofágico) ou às dificuldades na flexibilização da musculatura envolvida no
canto, desde a respiratória (músculos intrínsecos e extrínsecos da laringe, língua) até a
musculatura facial.

Nesse sentido, o cantor pode estar também enfrentando um período de estresse físico
ou emocional que, consequentemente, pode interferir na dinâmica laríngea.

O tratamento vocal de cantores só pode ser realizado por um fonoaudiólogo, já que


a formação dos professores de canto não inclui conhecimento, treinamento formal ou
certificação em áreas que vão além dos aspectos musicais.

É de extrema importância que o fonoaudiólogo atue de maneira interdisciplinar com o


professor de canto e o otorrinolaringologista e vise prioritariamente uma melhora da
voz cantada do ponto de vista artístico.

No que diz respeito à dinâmica do canto, é importante salientar que o mecanismo


neurofisiológico do canto é bastante sofisticado e exige uma interação harmônica dos
sistemas respiratório e estomatoglossognático. Esses dois mecanismos têm por função
primária a manutenção da vida na qual a ação muscular é, muitas vezes, bastante
diferente daquela necessária para o canto.

Outro aspecto a ser considerado pelo fonoaudiólogo que trabalhará com o paciente cantor é
conhecer as demandas das diferentes formas de canto e estilos musicais de cada profissional.

Esse conhecimento sobre as características e necessidades dos variados estilos musicais


facilita a condução de uma boa entrevista inicial e um adequado raciocínio terapêutico,
ações vistas como ponto de partida para o sucesso do planejamento do trabalho
fonoaudiológico que será desenvolvido.

No início da intervenção fonoaudiológica, um histórico abrangente, que norteie essa


entrevista inicial, é de grande importância. Nesse primeiro contato, o fonoaudiólogo
deve colher informações sobre as dificuldades vocais, bem como o estilo da música, do
local e da forma como o cantor se apresenta.

É necessário coletar informações sobre a saúde geral, a saúde vocal, os hábitos de


vida, o nível de estresse físico e emocional, o estilo de canto, a rotina de exercícios

34
SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

vocais e corporais, informações sobre seu background musical e vocal, os músicos


acompanhantes, os locais e a frequência das apresentações. O fonoaudiólogo deve
documentar detalhadamente todo o processo terapêutico com profissionais da voz,
entre outras coisas, porque são clientes que costumam retornar à clínica de tempos em
tempos, uma vez que a voz é o seu instrumento de trabalho e o seu meio de sustento
e precisa estar sempre em boas condições.

6.1. Entrevista inicial


Na intervenção fonoaudiológica com cantores, é de fundamental importância que se
valorize todo tipo de queixas, inclusive as que possam parecer estranhas. Isso ocorre
porque as sensações que o canto provoca em cada cantor são diferentes.

Dessa forma, na entrevista inicial, é necessário ouvir e deixar o paciente cantor falar
espontaneamente e, quando necessário, direcionar alguns questionamentos.

Nessa dinâmica, também ouvimos e avaliamos as características da voz falada do


paciente cantor.

6.1.1. Intervenção Terapêutica

A atuação dos profissionais envolvidos na reabilitação do cantor (professor de canto,


fonoaudiólogo e otorrinolaringologista) deve ser pautada em técnica, compreensão
artística e tratamento clínico especializado. Essa abordagem interdisciplinar deve atender às
necessidades do cantor, especialmente em casos de dificuldades vocais ligadas às disfonias.

Embora o aparelho fonador utilize os mesmos músculos para as funções de falar e cantar,
há diferenças na produção vocal se compararmos essas duas ações.

Vale ressaltar que, do ponto de vista funcional, cantar é uma ação que ocorre no corpo
inteiro. É por meio desse corpo que o cantor exterioriza sua atividade e desempenha o
papel intermediário entre o público e a obra musical.

» Orientações relacionadas à higiene vocal (sempre levando em conta o que faz


sentido para cada paciente, dependendo da faixa etária e dos costumes).

» Exercícios vocais de eleição para aquele cantor (mediante provas terapêuticas).

› Oferecer uma lista de exercícios customizada que sirva como um pré-


aquecimento para o cantor.

› O aquecimento fonoaudiológico, que deve ser feito antes do aquecimento


artístico, é de suma importância e tem o objetivo de minimizar as alterações

35
UNIDADE IV | SAÚDE VOCAL

vocais causadas pela condição atual da voz. Tais exercícios agem sobre a
musculatura intrínseca e extrínseca da laringe visando, principalmente, à redução
da tensão, ao equilíbrio da qualidade vocal e à melhora da tonicidade muscular
das pregas vocais e movimento ondulatório da mucosa.

» O trabalho essencial da clínica fonoaudiológica com cantores envolve:

› propriocepção geral e do trato vocal;

› postura com bom alinhamento corporal (cabeça, pescoço, ombros e coluna


vertebral);

› respiração com flexibilidade da musculatura intercostal e abdominal;

› fonte glótica com boa flexibilidade muscular e de mucosa; ressonância


equilibrada;

› articulação precisa para o repertório musical.

Em relação às possíveis intervenções cirúrgicas em pacientes cantores que apresentam


alterações decorrentes de lesões benignas, algumas observações são necessárias.

Na clínica, o fonoaudiólogo se depara principalmente com alterações decorrentes de


lesões benignas como nódulos, pólipos e cistos, ou alterações vocais resultantes de RGE
(refluxo gastroesofágico) e RLF (refluxo laringofaríngeo), AEM (alterações estruturais
mínimas), hemorragias, fendas e edemas.

Teoricamente, algumas lesões, como pólipos e cistos, têm indicação cirúrgica para
sua completa remoção. Entretanto, nos casos de profissionais da voz, a conduta do
otorrinolaringologista é mais conservadora. Os resultados de uma cirurgia podem,
dependendo dos cuidados pós-cirúrgicos, hábitos de vida ou mesmo da cicatrização do
paciente, trazer riscos de outras alterações de voz e piorar a qualidade vocal do cantor.

Outro aspecto a ser considerado é orientar o cantor a ter um otorrinolaringologista de


referência para consultas de rotina ou emergenciais. O ideal é o paciente cantor fazer
um exame de laringe num momento em que não apresente queixas vocais. Esse exame
de controle é bastante importante para futuras comparações, quando e se houver a
ocorrência de um distúrbio vocal.

Mais um aspecto que merece certas considerações é a reflexão em torno das atuações
do fonoaudiólogo e do profissional de canto, principalmente em relação ao cantor com
distúrbios vocais.

O fonoaudiólogo, profissional da saúde habilitado para trabalhar com pacientes que


apresentam distúrbios vocais precisa buscar conhecimento aprofundado da fisiologia

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SAÚDE VOCAL | UNIDADE IV

e anatomia das técnicas de canto. Essa especialização proporciona ao profissional


conhecimentos sobre os ajustes fisiológicos necessários no desenvolvimento da voz
cantada nos diferentes estilos musicais.

Em contrapartida, ao pressupormos que o profissional indicado para trabalhar com as


alterações vocais do cantor é o professor de canto, esbarraremos no fato de que ele
não tem a formação acadêmica específica nem é certificado para fazê-lo, apesar de
existirem muitos com experiência suficiente para tanto.

É uma discussão bastante rica e que precisa continuar acontecendo para que, num
futuro próximo, possamos formar profissionais com certificação nas duas áreas, que
com certeza atuarão com esses clientes, muito confortavelmente.

É essencial que se destaque a importância do bom relacionamento entre o


fonoaudiólogo e o professor de canto de seus clientes, não só para realização
um trabalho efetivo e de excelência com o cantor, mas também por essa ser uma
oportunidade ímpar para aprender sobre aspectos artísticos do canto.

Cantar é uma atividade física intensa e sofisticada, é uma habilidade que deve ser
aprimorada por meio de práticas constantes, para que o cantor tenha a qualidade vocal
desejada durante toda sua vida útil.

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REFERÊNCIAS

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