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O que é trabalho?

Por Izabel Cristina Leite de Lima 1

Compêndio Acadêmico

O QUE É
TRABALHO?

Izabel Cristina Leite de Lima


O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 2

Compêndio Acadêmico

O QUE É
TRABALHO?
Izabel Cristina Leite de Lima

https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Mossoró/RN
2021
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 3

O que é trabalho?
Autora
Izabel Cristina Leite de Lima

Orientadora
Profª. Dra. Sonia Cristina Ferreira Maia

Projeto Gráfico e diagramação


Kleitianne Silva de Macêdo

Revisão de texto
Leonor Oliveira

FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca IFRN – Campus Mossoró

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária


Viviane Monteiro da Silva CRB15/758
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 44

Fábrica

Nosso dia vai chegar


Teremos nossa vez
Não é pedir demais
Quero justiça
Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero o trabalho honesto
Em vez de escravidão
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte não
Consegue escravizar
Quem não tem chance
De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?
O céu já foi azul, mas agora é cinza
E o que era verde aqui já não existe
mais
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada
De tanto brincar com fogo
Que venha o fogo então
Esse ar deixou minha vista cansada
Nada demais...

Renato Russo
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 06
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I 08
1 “Sentes, pensas e sabes que pensas e sentes”: o trabalho como

ontologia do ser.

CAPÍTULO II 14
2 “Desde que o mundo é mundo”: as metamorfoses do trabalho.

CAPÍTULO III 23
3 “Enquanto o filho rico estuda e vai ser doutor, o filho do pobre nasce

e morre trabalhador”: uma reflexão sobre a relação

escolaridade/qualificação X desemprego.

CAPÍTULO VI 28
4 “Como podia um operário em construção compreender por que um
tijolo valia mais do que um pão?”: uma discussão sobre o trabalho

como princípio educativo.

CAPÍTULO V 35
Arte para discutir trabalho: sugestões d e poemas, m úsicas e f ilmes

que abordam o tema trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 49
REFERÊNCIAS 50

1 Trecho do Poema “Sentes, pensas e sabes que pensas e sentes” do heterônimo Alberto caieiro de Fernando Pessoa.
2 Trecho da poesia “Trovoada” da Professora Elenice Gomes de Oliveira.
3 Trecho da música “Diploma de pobre” composta por João Batista da Silva, Príncipe Veludo e Jorge Santos/1953.
4Trecho do Poema “Operário em Construção” de Vinícius de Morais, publicada em 1959, que teve uma versão em música
cantada por Taiguara.
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Apresentação

Este compêndio acadêmico propõe-se a apresentar uma síntese acerca da


categoria trabalho. Refere-se a um produto educacional exigido pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT, o qual foi
aplicado com os alunos do Programa de Apoio à Formação Estudantil – PAFE, do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN /
campus Apodi.
O ProfEPT é um mestrado Profissional em rede e tem como objetivo proporcionar
uma formação em Educação Profissional e Tecnológica – EPT aos profissionais da
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) e demais
graduados que se interessem pelo tema. Tal formação baseia-se na produção de
produtos educacionais que envolvam a discussão acerca do mundo do trabalho, bem
como fomentar conhecimento nessa área específica e a formação continuada desses
profissionais da Rede.
O programa de mestrado em foco possui duas linhas de pesquisa: 1 – Práticas
educativas em educação profissional e tecnológica; e 2 - Organização e memórias de
espaços pedagógicos na educação profissional e tecnológica, sendo nessa última a
qual nosso produto e pesquisa está inserido.
Dividimos o compêndio em 5 seções. A primeira traz os significados que
permeiam o conceito do trabalho, desde o seu sentido ontológico até a atualidade,
como resultado do capitalismo. Na segunda parte, abordaremos, de forma concisa, o
trabalho ao longo da história, suas metamorfoses, sociabilidades que conduziram o
trabalho à sua forma atual.
Na terceira seção, faremos uma discussão acerca da relação qualificação/
escolaridade x empregabilidade e as nuances na qual essa relação está submersa.
A quarta seção discutirá o trabalho como princípio educativo, como uma proposta
de travessia para uma educação omnilateral. Por fim, traremos como proposta de
discussão, algumas letras de músicas, poemas e filmes que abordam o tema trabalho.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 7

Introdução

Iniciamos este compêndio acadêmico sobre o mundo do trabalho, informando


o seu objetivo e trazendo alguns esclarecimentos acerca do Programa de Mestrado
Profissional em Educação Profissional e Tecnológica – ProfEPT, no qual nossa
pesquisa está inserida.
Assim posto, o presente compêndio trará discussões que envolvem o mundo
do trabalho sendo desenvolvido para atender aos alunos do Programa de Apoio
à Formação Estudantil – PAFE do IFRN campus Apodi, porém com a intenção de
ser replicado para os demais campi e/ou demais instituições da Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica – EPT. O objetivo é discutir o trabalho como
princípio educativo, para além da visão mercadológica, trazendo discussões como
os conceitos de trabalho e emprego; a relação escolaridade x empregabilidade; a
dimensão ontológica do trabalho; suas mudanças ao longo do tempo; e o trabalho
como princípio educativo.
Parafraseando a Profa. Elenice, “desde que o mundo surgiu, a vida carrega a
morte”; acrescentaríamos: desde que o mundo surgiu, o homem carrega em si o trabalho
e vice-versa. É sobre essa relação que nos debruçaremos, por compreendermos que
não existiria o homem sem o trabalho, porque o trabalho é a própria essência do
homem. É imperativo, portanto, termos clareza de que nada nos diferencia dos demais
animais, senão o trabalho.
Neste sentido, é imprescindível discutir as transformações que o mundo do
trabalho sofreu, o contexto social e político no qual essa categoria de estudo está
submersa. Pensá-lo para além da visão mercadológica e trazê-lo para sua fase inicial
de ontologia do ser social se faz urgente. Em tempos de desemprego estrutural, de
precarização do trabalho é necessário estarmos atentos para os reais condicionantes
dessa realidade sem culpabilizar ainda mais quem mais tem sofrido com as sequelas
dessa precarização: a classe trabalhadora.
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CAPÍTULO
I

Foto por Sasha Freemind


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“Sentes, pensas e sabes que


pensas e sentes”: o trabalho
como ontologia do ser.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 10

Capítulo I

Dizes-me: tu és mais alguma cousa


Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm ideias sobre o mundo?
(Alberto Caeiro – 1915)

Introduzimos essa seção com o poema de Alberto Caeiro, o qual nos traz
algumas questões iniciais para refletirmos sobre os sentidos do trabalho. No poema, o
autor sugere alguns elementos que supostamente nos diferenciam dos demais seres,
como plantas e pedras; e é neste ponto que queremos abordar o trabalho inicialmente.
Para tal, indagamos: o que nos diferencia dos outros animais? A resposta é enfática:
o trabalho. Vejamos o conceito de Marx:

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza,


um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula
e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta
com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento
as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas,
cabeça e mão, a fim de apropriar- se da matéria natural numa forma
útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a
Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo,
sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e
sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata aqui
das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. O estado em
que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua
própria força de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos
o estado em que o trabalho humano não se desfez ainda de sua
primeira forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que
pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações
semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um
arquiteto humano com a construção dos favos de suas colméias. Mas
o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que
ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No
fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início
deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele
não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural;
realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele
sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade
e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não
é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é
exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção
durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais quanto menos
esse trabalho, pelo próprio conteúdo e pela espécie e modo de sua
execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos ele o aproveita,
como jogo de suas próprias forças físicas e espirituais. Os elementos
simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou
o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. (MARX, 1983, p. 149-150
Apud TUMOLO, 2005 p. 246-247).

5 Trecho do Poema “Sentes, pensas e sabes que pensas e sentes” do heterônimo Alberto Caieiro de Fernando
Pessoa.
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Coadunando com Marx, Borges (2017) aborda o trabalho como uma atividade
humana, que diferencia o homem dos demais animais. Isso porque, ao interagir com a
natureza de forma consciente, o homem dos demais animais. Isso porque, ao interagir
com a natureza de forma consciente, o homem produz sua sobrevivência ao passo
que se reproduz como ser social. A ação consciente em forma de trabalho faz com que
o homem se humanize, ou seja, se distancie de suas condições naturais de origem e
se torne um ser social. Isso ocorre, pois, ao transformar a natureza o homem não o
faz sozinho, ele o faz em relação com o outro humano. Borges então argumenta que:

Compreender essa diferenciação da natureza – na medida em que


o homem se distancia de sua determinação natural, sem nunca a
abandonar – é conceber a ontologia do ser social, como formulou
György Lukács, com base em Karl Marx e Friedrich Engels (p. 102).

Borges (2017) traz para essa discussão o conceito de trabalho em Engels


(1986), no qual o teórico afirma que o “homem se diferencia dos outros animais ao
ter uma transformação estrutural de sua mão em determinada condição histórica e,
a partir daí, o longo caminho até a utilização consciente do gesto – e a teleologia da
ação – como trabalho” (p. 103). O trabalho é então, de acordo com esse autor, a ação
consciente, a capacidade do homem em projetar algo e ao final concretizá-lo. Ou seja,
o trabalho é uma ação criadora, consciente e humana.
Corroborando com o que foi supracitado, Frigotto (2009) argumenta que,
para Marx, o trabalho seria o “intercâmbio orgânico do ser humano com a natureza
e a atividade que transforma a matéria natural” (p. 170). Ou seja, uma atividade
transformadora não apenas da natureza, mas do próprio homem. Para Frigotto (2009)
os sentidos do trabalho são resultado das relações sociais que se estabeleceram em
diferentes épocas históricas. Foi a partir do século XVIII que esta atividade humana
recebeu um sentido mais geral, quando na sociedade capitalista e, consequentemente,
nas suas relações sociais de produção que o trabalho tem o seu sentido atrelado ao
emprego remunerado. Para além do exposto, quais os outros sentidos que foram
atribuídos ao trabalho ao longo do tempo? A palavra trabalho tem sua origem nos termos
latinos tripalium e trabicula. Tais termos estão associados a sofrimento, uma vez que
tripalium se referia a um instrumento de três paus relacionado à tortura, reforçando
assim o sentido negativo do trabalho como sofrimento e castigo (ROSSATO, 2001). A
palavra trabalho também se atrela a labor, de origem latina, que significa sofrimento,
esforço e dor.
Na Grécia, o trabalho manual era considerado indigno, destinado apenas para
aos escravos, enquanto, para os homens livres, era destinado o trabalho intelectual.
De acordo com Rossato (2001), a tradição judia também reforçava a ideia de trabalho
como algo penoso ou castigo, assim como para o Cristianismo e ra uma forma de
punição ao pecado.
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É certo que o trabalho humano tem uma longa trajetória histórica desde o
trabalho escravo nas civilizações antigas, como o trabalho servil na Idade Média. Para
Platão, o trabalho era uma atividade da qual o homem deveria ser poupado e, para
Aristóteles, a atividade política se sobrepunha a atividades braçais. Em Roma, essa
concepção de trabalho manual como inferior também era designada aos escravos e
o ócio era visto como privilégio daqueles que detinham o poder sobre os escravos e
servos. Tal conotação negativa do trabalho só vai sofrer mudanças com a Reforma
protestante, que passará a conceber o trabalho como uma forma de servir a Deus e,
por consequência, conseguir a salvação. Conforme demonstra Della Fonte (2018),
Max Weber considerava que “o espírito do capitalismo envolve uma ética de vida
que condena o ócio e a preguiça e abraça uma orientação na qual o indivíduo vê a
dedicação ao trabalho e a busca da riqueza como um dever moral” (p. 9).
Assim posto, segundo Borges e Yamamoto (2014):

Mudanças foram acontecendo paulatinamente durante a Idade Média


no que se refere à economia e à estrutura das sociedades, de forma
que as ideias mais influentes na Antiguidade foram se tornando
inadequadas. É com o surgimento do capitalismo que se constrói e se
consolida uma mudança mais visível na reflexão sobre o trabalho (p.
28)

Diante do exposto, é visível a dupla conotação que o trabalho assumiu ao longo


dos anos. Ora como castigo, sofrimento; outra como recompensa e dignidade. É certo
que, com o capitalismo, o trabalho assumiu um formato unilateral enquanto atividade
humana, visto que com a manufatura essa atividade foi parcelada e o homem passou
a desconhecer todo o processo de produção. O trabalho passou a ser alienado ao
homem, que também já não possuía os seus meios de produção; seu trabalho tornou-
se uma mercadoria para o capital e, com a introdução da maquinaria, o trabalhador
torna-se apêndice da máquina.
É a partir das relações capitalistas que, de acordo com Frigotto (2009), o
trabalho passou a ser reduzido a emprego remunerado. Ou seja, é a partir do modo de
produção capitalista que a categoria trabalho se distancia do seu sentido ontológico
e reduz-se à palavra emprego. Segundo o autor, “dessa redução ideológica resulta
que, no senso comum, a grande maioria das pessoas entenda como não trabalho o
cuidar da casa, cuidar dos filhos etc.” (p. 176). Nessa perspectiva, o autor traz uma
importante contribuição de Kosik (1969), em que este mostra que o trabalho “ é um
processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade. Por isso,
ele não se reduz à atividade laborativa ou emprego” (174).
Neste sentido, é perceptível que trabalho, emprego e classe social estão
imbricados. Assim como coloca Frigotto (2009), são historicamente determinados
pelas relações sociais que se estabeleceram, porém, diferem em alguns sentidos e
objetivos. De acordo com Borges (2014):
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 13

Jahoda (1987), tem se preocupado com tal diferenciação. Para a


autora, o emprego é uma forma específica de trabalho econômico
(que pressupõe a remuneração), regulado por um acordo contratual
(de caráter jurídico) (p. 27).

Tal assertiva nos faz retomar às contribuições de Frigotto sobre esse tema,
visto que para o autor não devemos reduzir o trabalho a emprego, assim como Borges
também concorda que ambos não são sinônimos, porém não são antítese.
Após essas discussões em torno da etimologia da palavra trabalho,
abordaremos na próxima seção as metamorfoses que o trabalho sofreu ao longo do
tempo e suas consequências para a classe trabalhadora. Será um breve histórico de
como chegamos até aqui e as relações sociais que se estabeleceram no processo de
produção do trabalho, desde as sociedades primitivas até a consolidação do modo de
produção capitalista.
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CAPÍTULO
II

Foto por Birmingham Museums Trust


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“Desde que o mundo é


mundo”: as metamorfoses do
trabalho.
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Capítulo II

E desde que o mundo é mundo Oriente ou


ocidente
Tem cultura, tem trabalho
Exploração e acidente
Maneira de fazer coisas
Pensamentos diferentes
(Profa. Elenice Gomes de Oliveira)

Desde que o mundo é mundo o trabalho e o homem caminham juntos. Nessa


caminhada, é possível observarmos as diferentes formas de sociabilidades, relações
de poder, de dominação e subordinação pela qual essa relação tão estreita foi
acometida. Isso porque o trabalho foi ganhando configurações novas ao longo do
tempo. Vários teóricos se debruçaram sobre essa categoria de estudo, evidenciando
a importância dela para a sociedade. O trabalho, assim como o homem, é, portanto,
histórico. Neste sentido, nos empenharemos nesse tópico em desvelar o trabalho ao
longo da história, desde as sociedades primitivas até a sociedade contemporânea.
Assim posto, o trabalho foi se reconfigurando de acordo com as sociedades e o
modo como estas produziam suas riquezas, seu sustento e ainda o modo como essa
produção se organizava. Neste sentido, Manfredi (2016) argumenta que:
Nas sociedades primitivas, em civilizações que viviam à base das
economias de coleta, de pesca e de agricultura rudimentar, a primeira
divisão social do trabalho dava-se segundo a diferenciação sexual
e de idade: crianças e jovens eram responsáveis por certas tarefas
domésticas, às mulheres cabiam atividades domésticas e agricultura e
aos homens reservavam-se as tarefas mais “nobres”, como a colheita
e a caça (p. 22).

Percebe-se aí a primeira divisão social do trabalho, da qual derivou a divisão


sexual do trabalho e a forma como até hoje o trabalho feminino é visto pela sociedade;
a “nobreza” atribuída ao trabalho masculino em detrimento do trabalho feminino.
Manfredi (2016) também destaca que essa configuração do trabalho feminino e dos
jovens se manterá na sociedade agrícola em que “as mulheres continuam com a
responsabilidade do trabalho doméstico” (p.35).
Com o desenvolvimento da agricultura, os instrumentos e equipamentos de
trabalho vão se aperfeiçoando cada vez mais. Somando-se ao crescimento das
cidades, temos uma configuração que propiciou uma nova divisão do trabalho.
Abriu-se o caminho para o desenvolvimento da produção artesanal e, paralelo a
isso, o crescimento da agricultura extensiva. Todos esses fatores corroboram para o
desenvolvimento do comércio e, consequentemente, para o surgimento de uma nova
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divisão do trabalho. Se antes essa divisão era demarcada pelo sexo e faixa etária,
surgia a partir desses novos fatores, o aparecimento de novas classes sociais
que, de acordo com Manfredi (2016), eram compostas por: “agricultores, artesãos,
comerciantes, guerreiros, senhores feudais, padres” (p. 35-36).
No período histórico acima exposto, surgem as primeiras protoformas de ofícios
e profissões, graças às mudanças de organização na cadeia produtiva e sistemas
econômicos das sociedades que, como explanamos, foram se reconfigurando ao
longo do tempo. Se antes, nas sociedades pré-industriais, tínhamos uma economia de
subsistência, em que o trabalhador pré-industrial, apesar do trabalho árduo, detinha
o controle do seu processo de trabalho, com a indústria esse trabalho sofre uma
reorganização.
Com a ascensão do capitalismo, o trabalho passou a ser uma mercadoria a
qual, quanto mais gera lucro para o capital, mais valor é agregado a ele. Partindo
desse aspecto, Marx discute dois tipos de trabalho: produtivo e improdutivo. O trabalho
produtivo para Marx é aquele que produz mais-valia e gera lucro para o capital. Ao
contrário do produtivo, o trabalho improdutivo não produz mais-valia. Vejamos esse
exemplo dado por Marx (1985) apud Duarte (2017):

Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora


improdutiva. Na medida em que vende o seu canto é uma assalariada
ou uma comerciante. Porém, a mesma cantora contratada por
um empresário que a põe a cantar para ganhar dinheiro, é uma
trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital. Um mestre-
escola que ensina outras pessoas não é um trabalho produtivo.
Porém, um mestre-escola que é contratado com outros para valorizar,
mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que
trafica com o conhecimento é um trabalhador produtivo (p. 294).

A partir da revolução industrial se intensifica a produção de bens materiais,


não para o próprio consumo, mas para a venda, para o mercado. O trabalho passa a
criar riquezas e mercadorias alheias aos trabalhadores, para os quais a sua força de
trabalho é a única mercadoria que possuem e esta é vendida para o capital como forma
de sobrevivência. É nessa venda da força de trabalho que o capitalista obtém a mais-
valia, visto que a mais-valia6 nada mais é que a quantidade de tempo de trabalho não
pago ao trabalhador. Neste ponto, segundo Mattos (2009), Marx7 conceituou o duplo
caráter do trabalho: trabalho abstrato e concreto. Segundo ele, o trabalho abstrato
é o dispêndio de força e energia humana em sua forma abstrata, o qual é medido
quantitativamente e, portanto, cria valores de troca e, consequentemente, a mais-
valia. Enquanto o trabalho concreto é representado no dispêndio de força humana em
sua forma concreta, produtor de valor de uso, ou seja, medido qualitativamente, pela
sua utilidade.

6 Marx cita dois tipos de mais-valia: mais-valia absoluta, na qual o capitalista aumenta as horas de trabalho; e a mais-valia
relativa, em que o capitalista introduz maquinaria e tecnologias para aumentar a produção e tornar o trabalho mais produtivo
aumentando seu lucro.
7 Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema além do livro do próprio Marx, O capital, sugerimos leituras mais didáticas
como a encontrada no livro “A distinção marxiana entre trabalho concreto e trabalho abstrato” de Mattos (2019).
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 18

Após o exposto sobre a revolução industrial, é necessário explicitarmos o


que argumenta Manfredi. A autora reforça que “Nesse momento histórico ocorre um
processo de metamorfose do trabalho, que, de autônomo e independente, passa a
ser assalariado, dependente, sob o controle do capital” (p. 39). Esse período demarca
a passagem do século XVII para o XIX. Vejamos então diferenças entre o trabalho
artesanal e o fabril:

Quadro 1 - Comparativo de trabalho artesanal e fabril.

Trabalho artesanal Trabalho fabril

Controle total do processo do trabalho. Divisão manufatureira.

Trabalho manual. Substituição do homem pela máquina.

Orientação para as t arefas de forma qualitativa Regulação do tempo e da intensidade do


para realização do produto final. trabalho.

Fonte: adaptado pela autora.

Configuração do trabalho sob a égide do capitalismo, de acordo com Manfredi


(2016):

Quadro 2 - Configuração do trabalho com a ascensão do capitalismo

Separação entre o trabalho manual e o intelectual;

Controle hierárquico e disciplina, impondo intensidades e velocidades na


execução do trabalho;

Fragmentação/desqualificação. Uma vez que o trabalhador tem tarefas padronizadas, rotineiras,


realizadas em máxima velocidade, paras as quais o capital quer um trabalhadorbarato e fácil de ser
substituído.

Trabalho assalariado como modalidade corrente (regido por um


contrato formal)

Trabalho doméstico (execução de tarefas domésticas sem


remuneração, na maioria das vezes executadas por mulheres);

Trabalho autônomo (trabalho por conta própria, é executado por


profissionais liberais, sem ser subordinado a nenhum contrato).

Fonte: adaptado pela autora.


O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 19

Seguindo a cronologia da metamorfose do trabalho, temos a segunda e terceira


revolução industrial, que trarão novas configurações ao trabalho. Rossato (2001)
destaca essas características, vejamos as três:

Quadro 3 - Características de cada etapa da Revolução Industrial


Primeira Revolução Segunda Revolução Terceira Revolução
Industrial Industrial Industrial

Os instrumentos de trabalho Os instrumentos de trabalho Os instrumentos de trabalho


deixam de pertencer ao não pertencem ao não pertencem ao trabalhador e
trabalhador que passa a ser trabalhador e o desgaste a necessidade d a mão-de-obra
mão-de-obra do capitalista e é físico é diminuído com o uso é cada vez menor com o avanço
por ele vigiado. da automação. da tecnologia e automação.

Nascimento da manufatura e da Surgimento de novas forças Avanço da tecnologia, da


fábrica e início do capitalismo. motoras e uso d e energia automação no processo
Na m anufatura é introduzida à elétrica. A umento da produtivo e da informática.
máquina. produtividade e salários. E m Cresce o lucro do capitalista e
contra-partida exige-se u ma diminui os custos e o tempo do
profissionalização dos trabalho.
operários.

Fonte: adaptado pela autora.

Diante das características acima descritas, é imperativo destacarmos os três


modos de organização da produção industrial na segunda revolução industrial, que
são o Taylorismo, Fordismo e o Toyotismo; e seus impactos no mundo do trabalho:

Quadro 4 - Três modos de organização da produção industrial

Taylorismo FordismoT oyotismo

Produção Em massa e Em massa e Em pequenos


não diversificada não diversificada lotes, diversificada

Baseado no Baseado no Baseado na


Ritmo de rendimento individual ritmo das demanda e no
trabalho máquinas e das trabalho em grupo
esteiras

O trabalhador O trabalhador O trabalhador


Tarefas realiza uma realiza uma realiza múltiplas
única tarefa única tarefa tarefas

Autonomia Alta subordinação Leve subordinação Subordinação


do trabalho aos gerentes estrutural

Fonte: www.diferenca.com (adaptado pela autora)


O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 20

É interessante percebermos a forma como o trabalhador foi apartado dos seus


meios de produção e como o trabalho foi se transformando em uma mercadoria e
uma forma de exploração do trabalhador pelo capital. O trabalho, portanto, deixa de
ser uma atividade livre e consciente, para se tornar algo alheio ao homem, que não
lhe pertence. Assim posto, Marx (2004) afirma que a “propriedade privada é, portanto,
o produto, o resultado, a consequência do trabalho exteriorizado da relação externa
(ausserlichen) do trabalhador com a natureza e consigo mesmo” (p.87). Neste ponto,
Antunes (2004) afirma que:

A alienação/estranhamento é ainda mais intensa nos estratos


precarizados da força humana de trabalho, que vivenciam as condições
mais desprovidas de direitos e em condições de instabilidade cotidiana,
dada pelo trabalho part-time, temporário, e precarizado (p. 348).

É a partir da década de 70, de acordo com Festi (2020), que o capitalismo


enfrenta uma grande crise estrutural e, como consequência, houve regressão dos
direitos sociais. Iniciava-se, de acordo com o autor, o neoliberalismo, o qual ele
destaca como sendo uma fase de “destituição das forças produtivas e financeirização
da economia”. O mundo do trabalho sofreu fortes transformações que culminaram na
precarização do trabalho, instabilidade acentuada com a terceirização dos serviços
e perdas de direitos historicamente conquistados. Seguem algumas transformações
citadas por Borges (2014) no mundo do trabalho desde 1970:

1. crescimento mais lento da economia, com queda da credibilidade


no progresso e no futuro;
2. surgimento do desemprego estrutural e dissociação entre
crescimento econômico e crescimento da oferta de emprego;
3. generalizada percepção de instabilidade no emprego;
4. persistência de várias formas de discriminação (p. ex., qualificação
e gênero);
5. tendência à redução das incompatibilidades entre instrução formal e
requisitos dos postos de trabalho no núcleo moderno da economia; e
6. persistência das trocas de trabalho pobre em conteúdo e/ou
arriscado por aumento de consumo entre a maioria da população
(trabalhos precários) (p. 58).

A sociedade contemporânea tem vivenciado um desemprego estrutural, o


qual tem suas raízes desde a última revolução industrial, quando a mão-de-obra vai
sendo cada vez menos solicitada em virtude das tecnologias inseridas no processo de
produção. Nesse ponto, Rossato (2001) considera que “o mundo do trabalho passou
por uma grande e paradoxal transformação: o avanço da tecnologia voltou-se contra o
próprio homem ou conta a maioria da humanidade” (p. 158). Isso porque, segundo ele,
a sociedade ficou dividida entre os incluídos e os excluídos. Ou seja, entre aqueles
que detêm o poder econômico e os rumos do mundo do trabalho, determinando preços
e requisitando cada vez menos a força de trabalho; e aqueles que são excluídos do
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 21

mundo do trabalho, os desempregados, a massa de trabalhadores que está à mercê,


sem emprego.
Porém, é necessário compreendermos que, de acordo com Antunes (2015),
a tecnologia afeta profundamente as relações de trabalho, tanto positiva como
negativamente. Positivamente traz ganhos práticos com as mudanças informacionais,
pois atividades que antes eram muito “duras” com a robotização diminui riscos e
acidentes para os trabalhadores, o que o autor considera como poupadoras da força
de trabalho e mais lucrativas. Antunes, então, trata essa relação de positividade e
negatividade da introdução das tecnologias como algo heterogêneo. Para ele, a
tecnologia é emblemática no que condiz às contradições da sociedade, uma vez que
tem “n” vantagens e “n” desvantagens. Para ele, a tecnologia tem esse sentido plural
e não uno. Neste sentido, Frigotto (2008) argumenta que:

Chegamos ao fim do século XX com a seguinte contradição: a ciência


e a técnica que tem a virtualidade de produzir uma melhor qualidade
de vida, ocupar os seres humanos por menos tempo nas tarefas de
produzir para a sobrevivência e liberá-los para o tempo livre – tempo
de escolha, de fruição, de lazer, sob as relações do capitalismo tardio
produz-se o desemprego estrutural ou o trabalho precarizado (p. 9).

Diante de tudo o que foi exposto, desse breve histórico de mutações do trabalho,
é fato que conhecer tais condicionantes desse complexo movimento de metamorfoses
sofrido pelo trabalho ao longo dos anos é esclarecedor. Neste sentido, Antunes (2004)
afirma que:

Desse modo, para se compreender a nova forma de ser do trabalho, a


classe trabalhadora hoje, é preciso partir de uma concepção ampliada
de trabalho. Ela compreende a totalidade dos assalariados, homens
e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho, não se
restringindo aos trabalhadores manuais diretos, incorporando também
a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que
vende sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário (p.
342).

Antunes (2004), a partir de seu estudo nos informa que, com a mundialização
do capital, na sua forma atual demonstra uma heterogeneidade da força de
trabalho, incorporando trabalhadores do proletariado industrial, trabalhadores
improdutivos que, como já vimos, não produzem mais-valia. Abrange também o
proletariado rural, das regiões agroindustriais, o trabalhador fabril, trabalhadores
informais, temporários e a massa de desempregados. Essa é a heterogeneidade
em que se encontra a classe que vive do trabalho nos tempos atuais. Para este
autor, a classe trabalhadora atual é bem mais ampla que a do século passado.
Para ele a classe trabalhadora é composta pelo conjunto de seres sociais que
vendem sua força de trabalho, assalariados e desprovidos dos meios de produção.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 22

Assim posto, é interessante entendermos que, se no Taylorismo/Fordismo a


divisão do trabalho centrava-se na fábrica, era territorializado. Com a reestruturação
produtiva8 esse trabalho passa a ser flexibilizado e, consequentemente, ainda mais
precarizado, destituído de direitos e garantias legais. A instabilidade no trabalho
intensificou-se e vivemos um fenômeno de “empreendedorismo” e informalidade,
que mascaram o desemprego estrutural, oriundo do processo de financeirização9 e
mundialização do capital, que são decorrentes de sua transformação.
Encerramos essa seção na expectativa de termos apresentado, mesmo que de
forma breve, sem a pretensão de termos alcançado todos os fatos, um histórico capaz
de fazê-los compreender essa categoria tão complexa, mas tão necessária, que é o
trabalho.
O que discutimos até aqui nos auxiliará, na próxima seção, a compreender a
real relação entre escolaridade/qualificação e desemprego e como de fato essas duas
categorias se relacionam.

8 Refere-se ao novo processo de relações de produção nas indústrias que teve início com a Terceira Revolução
Industrial na década de 1970, como resposta à crise do Fordismo/Taylorismo.
9 De acordo com Festi (2020), a partir dos anos 70 o capitalismo enfrentou uma grande crise estrutural e como
consequência houve regressão dos direitos sociais. Iniciava-se de, acordo com o autor, o neoliberalismo, que ele
destaca como sendo uma fase de “destituição das forças produtivas e financeirização da economia”.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 23

CAPÍTULO
III

Foto por Sidney Pearce


O que
queéétrabalho?
trabalho?PorPor
Izabel Cristina
Izabel LeiteLeite
Cristina de Lima
de Lima 24
24
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 25

Capítulo III

Diploma de pobre é marmita


O rico é quem vive em boca rica
Enquanto o filho do rico vai estudar
O coitado do filho do pobre vai trabalhar.
(João Batista da Silva)

Chegamos até essa seção após termos discutido os diversos contextos e


relações sociais que se estabeleceram ao longo da história em torno da categoria
trabalho. Podemos perceber com isso o quão complexa e heterogênea essa categoria
de estudo se constitui. Dessa forma, é possível que a essa altura possamos refletir mais
profundamente e claramente sobre algumas questões que permeiam tal categoria.
A exemplo, temos simploriamente e popularmente atrelada a essas discussões a
relação entre escolaridade/ou/qualificação profissional e o desemprego/ou acesso ao
emprego. Isso porque, para a maioria das pessoas, uma coisa leva a outra. Sendo
mais específicos, para muitos, a qualificação e a escolaridade são uma garantia de
emprego e de acesso aos melhores cargos. Entretanto, será que de fato tal assertiva
se sustenta?
Sobre essas questões, trazemos a contribuição de Frigotto (2015), o qual
argumenta que, com o surgimento da teoria do capital humano10 , que no Brasil teve
suas teses difundidas na década de 70, durante a ditadura militar, “traçam-se diretrizes
estratégias educacionais, especialmente para os países de capitalismo dependente e
se afirma a ideia de que a ascensão e a mobilidade social, tem um caminho garantido
via escolaridade[...]” (p. 11). Porém, tal teoria não se encaixava, de acordo com o autor,
na realidade desses países e das relações sociais estabelecidas pelo capitalismo,
visto que a maioria deles sofria com o desemprego estrutural, o privilégio exclusivo da
ciência, e o crescimento do trabalho precário.
Corroborando com as informações supracitadas, Pacheco (2012) argumenta
que:

Seguindo esse raciocínio, também deve ser rejeitada a concepção


que vê a educação como salvação do país e a EPT como porta da
empregabilidade, entendida como condição individual necessária ao
ingresso e permanência no mercado de trabalho, de responsabilidade
exclusiva dos trabalhadores. Isso significa desmistificar a pretensa
relação direta entre qualificação e emprego, fortemente disseminada
pela mídia e assumida pelo Governo Federal de 1994 a 2002, como
eixo das políticas públicas de trabalho, contribuindo para a atual
explosão da oferta de cursos privados de educação profissional (p.
57).

10 Teoria difundida por Theodoro Schultz que emergiu da crise do Estado de Bem-Estar Social. Segundo Frigotto
(2015) tal teoria tomava como base a observação de famílias que investiam em educação tinham um maior
retorno econômico que as demais. “O resultado é que a noção de capital humano sedimenta um reducionismo da
concepção de ser humano, ignorando a estrutura desigual e antagônica das classes sociais” (p. 216).
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 26

Claramente, Pacheco (2012) contrapõe a teoria do capital humano formulada


por Theodoro Schultz, por considerar que esta desconsidera estrategicamente a
realidade contraditória e excludente imposta à população pelo capital, pois ela não
é capaz de explicar ou dar respostas ao desemprego estrutural e tão pouco contribui
para a criação de políticas de emprego, capazes de incluir de forma cidadã os milhares
de desempregados no mundo do trabalho.
Não estamos aqui desencorajando os leitores à escolarização ou qualificação.
Ao contrário, é sabido que se está difícil o acesso ao emprego com escolarização
e qualificação; sem ambas esse acesso é ainda mais inviabilizado e precarizado.
O fato é que as discussões de acesso ou não ao emprego vão além desses dois
condicionantes. A esse respeito, Borges (2014) destaca que:

No Brasil deste milênio, registramos a queda do índice de


analfabetismo e a elevação do acesso geral à educação, no que se
destacam inclusive a adoção das políticas de cota, de bolsas e crédito
estudantil e o crescimento de vagas no ensino superior,18 entre outras
políticas. Entretanto, ainda há necessidade de maior democratização
do acesso à educação, e os problemas de qualidade do ensino
persistem. Tal realidade, ao lado das diferentes transformações de
setores econômicos, tem contribuído para a convivência, no mercado
de trabalho brasileiro, de situações de desemprego, de empregos
precários, de trabalho no setor informal e, ao mesmo tempo, de
dificuldade de preencher vagas em outros setores específicos (p. 56).

Corroborando com o exposto por Borges (2014), Manfredi (2016) argumenta


que, tomando por base as análises de todos os contextos e metamorfoses que o
trabalho sofreu ao longo do tempo, é possível concluirmos que:

Conceitualmente existe uma diferença entre trabalho e emprego. A


natureza, os tipos de trabalho e as condições de emprego dependem
muito mais de mecanismos estruturais que de processos educativos,
sejam eles intencionais ou não, escolarizados ou não.
A educação, enquanto processo social, não gera trabalho nem
emprego. Novos postos de trabalho e o aumento do número de
empregados dependem, por um lado, de processos estruturais de
organização de produção, da estrutura do mercado de trabalho, da
estrutura ocupacional e políticos e dos mecanismos macroeconômicos
que regulam o funcionamento das economias capitalistas nos âmbitos
nacional e internacional (p. 49).

Coadunando com o que foi exposto acima, Frigotto (2008) também considera
que ao basearmos a noção de educação ancorada no capital humano, incorre a ideia
de que os países pobres se encontram nessa situação de precariedade e desemprego
por não investirem em educação, o que, em quanto a essa questão do não investimento
em educação. Porém, minimiza-se o fato de que esses países foram historicamente
expropriados de condições materiais e estruturais. Como podem esses países
investirem em educação? Indaga Frigotto (2008). Ou seja, aceitar tal premissa sem
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 27

analisá-la profundamente é desconsiderar as condições subjetivas e objetivas para


esse não investimento e culpabilizar esses países que, em suma, já foram tão
explorados.
É fato que há um movimento muito contraditório que permeia essa relação
escolarização x emprego/desemprego. Manfredi (2016) argumenta que, ao mesmo
tempo em que se exige do trabalhador uma qualificação, ou uma formação técnica
mais específica, as condições precárias que atravessam o mundo do trabalho não têm
garantido uma estabilidade ao emprego, gerando incertezas sobre o papel da escola
nesse processo. Nesse ponto, o autor afirma que: “retomam-se as discussões sobre
a necessidade de reformar a escola para que se ajuste às exigências e necessidades
do movimento histórico. Ressurge o debate sobre o tipo de formação que ela deve
privilegiar” (MANFREDI, 2016, p. 56). Diante de todo esse debate, na próxima e
na penúltima seção, aprofundaremos a discussão acerca do trabalho como princípio
educativo, ancorado na percepção de formação humana em contraponto a uma
educação direcionada para os desígnios do capital.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 28

CAPÍTULO
IV

Foto por Kevin Grieve


O que
queéétrabalho?
trabalho?PorPor
Izabel Cristina
Izabel LeiteLeite
Cristina de Lima
de Lima 29
29

“Como podia um operário em


construção compreender por que um
tijolo valia mais do que um pão?”: uma
discussão sobre o trabalho como
princípio educativo.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 30

Capítulo IV

“Mas ele desconhecia


Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.”
(Vinicius de Morais)

Pensar o trabalho como princípio educativo nos remete a algumas reflexões. A


primeira delas seria que tipo de educação contemplaria o trabalho nessa perspectiva
educativa? E o que seria o trabalho como princípio educativo? Assim posto, discutir
o trabalho como princípio educativo torna imprescindível discorrer sobre a educação
dualista que a sociedade capitalista impôs à classe trabalhadora e as perspectivas
de integração as quais vislumbramos em uma educação politécnica11 , de formação
humana integral que tem no trabalho como princípio educativo o seu ponto de partida.
É mister destacar que a educação no Brasil esteve e está vinculada ao modelo
econômico vigente, às necessidades do capitalismo desde sua origem mercantilista
até os moldes atuais de capitalismo financeiro globalizado.
Quando falamos sobre dualidade na educação, estamos nos referindo a dois
tipos de educação imposta pelo capitalismo: a voltada para as elites (propedêutica) e
a voltada para a classe trabalhadora (técnica e voltada para o trabalho). Ou seja, uma
dualidade estrutural pautada em tipos diferentes de escolas a depender da origem
de classe, resultado da divisão social e técnica do trabalho. Ramos (2008) então
argumenta que:

A concepção da escola unitária expressa o princípio da educação


como direito de todos. Uma educação de qualidade, uma educação
que possibilite a apropriação dos conhecimentos construídos até então
pela humanidade, o acesso à cultura, etc. Não uma educação só para
o trabalho manual e para os segmentos menos favorecidos, ao lado
de uma educação de qualidade e intelectual para o outro grupo (p. 2).

Neste sentido, Gramsci 12 discorreu sobre a superação dessa dualidade


histórica com a sua proposta de uma escola unitária, a qual buscava superar “essas
limitações dessa escola do trabalho, que só quer formar mão-de-obra barata,
Gramsci propõe fundi-la com a escola humanista, fazendo emergir a sua proposta
definitiva: a escola unitária” (MARTINS, 2000, p. 24). Gramsci já propunha uma
revolução intelectual, em que o trabalho no chão da fábrica seria um princípio
pedagógico da escola unitária. Ou seja, para Gramsci a união entre escola e trabalho
elevaria a classe subalterna a uma liberdade concreta e universal, entendida como

11 De acordo com Ramos (2008), “Politecnia significa uma educação que possibilita a compreensão dos princípios
científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de
múltiplas escolhas (p. 3).
12 Antonio Gramsci foi um filósofo italiano, marxista.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 31

o não-trabalho13, o qual seria a maior finalidade dessa união (MARTINS, 2000).


Após essas considerações, é importante destacarmos o pensamento de Ribeiro
(2009), a qual argumenta que em “Educação pelo trabalho” ou em “Trabalho como
princípio educativo”, a primeira questão com a qual nos deparamos está relacionada
à condição e percepção do que é trabalho” (p. 49). Essa concepção já foi abordada
no presente compêndio. Neste sentido, podemos avançar a discussão. Ramos (2008)
traz uma importante contribuição neste sentido, quando discorre que:

Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura


significa compreender o trabalho como princípio educativo, o que não
se confunde com o “aprender fazendo”, nem é sinônimo de formar para
o exercício do trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo
equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por
isto, se apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda, que
nós somos sujeitos de nossa história e de nossa realidade (p. 4).

Fica evidente a estreita relação entre trabalho e educação quando nos


debruçamos a entender o trabalho como princípio educativo, concebendo a importância
da ciência e da cultura nesse processo, reafirmando o sentido ontológico do trabalho,
discutido nesse compêndio. Porém, Ramos (2008) destaca a via econômica que
perpassa o trabalho e a educação. Isso porque o trabalho é tido também como
produtor e reprodutor de nossas necessidades e existência. Assim, a dimensão
econômica também se encontra na educação, nos processos de formação escolar
e profissionalização; e essa profissionalização, de acordo com a autora supracitada,
não deve estar exclusivamente voltada para o mercado de trabalho, mas deve atender
a valores éticos. Portanto:

[...] formar profissionalmente não é preparar exclusivamente para


o exercício do trabalho, mas é proporcionar a compreensão das
dinâmicas sócio-produtivas das sociedades modernas, com as suas
conquistas e os seus revezes, e também habilitar as pessoas para o
exercício autônomo e crítico de profissões, sem nunca se esgotar a
elas (p. 5).

Essa perspectiva de formação transcende o modelo de educação pautado


apenas em atender as demandas do mercado. Ao contrário, esse tipo de formação
se ancora na emancipação dos sujeitos, por meio doconhecimento amplo de todo
o processo de produção em que as sociedades se reproduziram. O senso crítico é,
portanto, uma habilidade a ser trabalhada nesse tipo de formação.
Frigotto (2009) também traz a discussão sobre o trabalho como princípio
educativo:

Da leitura que faço do trabalho como princípio educativo em Marx, ele

13 “O paradoxo aparente consiste na afirmação que diz ser o trabalho industrial o princípio pedagógico enquanto
não trabalho, porque a potencialidade última (e intencionalidade socialista) do trabalho industrial é a própria liber-
tação do homem do reino da necessidade, isto é, do trabalho” (NOSELLA, apud MARTINS, 2000, p. 27).
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 32

não está ligado diretamente a método pedagógico nem à escola,


mas a um processo de socialização e de internalização de caráter
e personalidade solidários, fundamental no processo de superação
do sistema do capital e da ideologia das sociedades de classe que
cindem o gênero humano (p.189).

Com tal assertiva, o autor entende que, por ser o trabalho uma forma do homem
produzir-se e reproduzir-se, este tem um papel educativo pensado primordialmente
até mesmo antes de processos pedagógicos escolares, mas como algo inerente ao
homem, que na sua relação com a natureza, com o intuito de sobreviver, ele não o fez
sozinho; fez em conjunto com um processo de socialização.
É fato que alguns autores, como Tumolo (2015), consideram impossível
a efetivação de uma educação pautada no trabalho como princípio educativo na
sociedade capitalista. Isso porque, para esse autor, o fato de pertencermos a uma
sociedade baseada no modo de produção capitalista, na qual o trabalho está inserido
na forma social do capital como mercadoria, a educação nela ofertada atenderia
apenas aos interesses do capitalismo. O que não é de um todo equivocado. Sabemos
dos limites impostos a educação na sociedade capitalista atual. Porém, outros autores,
discutem um tipo de ensino que pode representar a passagem para um outro tipo de
escola, nos moldes da escola unitária defendida por Gramsci. Mas que tipo de ensino
seria esse? E que tipo de educação ele pretende superar?
Neste sentido, Ramos (2008) argumenta que:

Uma educação dessa natureza precisa ser politécnica; isto é, uma


educação que, ao propiciar aos sujeitos o acesso aos conhecimentos
e à cultura construídos pela humanidade, propicie a realização de
escolhas e a construção de caminhos para a produção da vida. Esse
caminho é o trabalho. O trabalho no seu sentido mais amplo, como
realização e produção humana, mas também o trabalho como práxis
econômica. Com isto apresentamos os dois pilares conceptuais de
uma educação integrada: um tipo de escola que não seja dual, ao
contrário, seja unitária, garantindo a todos o direito ao conhecimento;
e uma educação politécnica, que possibilita o acesso à cultura, a
ciência, ao trabalho, por meio de uma educação básica e profissional
(p. 2-3).

Nessa perspectiva, Ramos (2008) propõe a construção de um projeto de


ensino médio integrado, como uma formação capaz de superar sua vinculação com o
mercado de trabalho, trazendo os sujeitos para o centro da educação, numa proposta
de educação omnilateral14 . De acordo com a autora, historicamente, o ensino médio
esteve centrado no mercado de trabalho, excluindo as necessidades e potencialidades
dos estudantes.
Quando não estava direcionado à preparação para o mercado de trabalho,
direcionava-se ao vestibular. Por isso, a autora coloca a necessidade de pensar
o trabalho como princípio educativo no ensino médio, que se contrapõe a prática

14 Omnilateralidade é um termo marxista que se refere a capacidade do homem de conceber o processo do tra-
balho em toda a sua totalidade, oposto ao conceito de unilateralidade que se observa na indústria capitalista de um
trabalhador que apenas executa uma tarefa.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 33

meramente que se contrapõe a prática meramente produtiva de manutenção dos


interesses capitalistas, defendendo o trabalho como princípio na perspectiva de
Frigotto, o qual argumenta que, pensar o trabalho como princípio educativo:

[...] implica superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica


inverter a relação situando o homem e todos os homens como sujeito
do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de busca
prática de transformação das relações sociais desumanizadoras e,
portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro elemento
deste processo que permite perceber que é dentro destas velhas e
adversas relações sociais que podemos construir outras relações,
onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo
(FRIGOTTO, 1989, p.8. Apud RAMOS 2008, p. 7).

Fica clara então a proposta de educação defendida por Ramos e Frigotto, a


qual coaduna com a proposta defendida por este compêndio, de um ensino médio
integrado à educação profissional, que supere a dualidade histórica entre a educação
básica e a profissional. Este seria o caminho para uma escola unitária defendida por
Gramsci, pautada no trabalho como princípio educativo.
Neste sentido, a concepção do Ensino Médio Integrado defendida por
Ramos (2008) traz a indissociabilidade entre educação profissional e educação
básica, concretizada na integração entre ensino médio e educação profissional,
como uma proposta de integração entre os conhecimentos gerais e específicos
em sua totalidade. Traz o conhecimento em múltiplas perspectivas: tecnológica,
econômica, histórica, ambiental, social, cultural etc.; em uma perspectiva de
trabalho como princípio educativo, colocando o ser humano como produtor de
sua própria história e de sua realidade, habilitando-os para a transformação.
Assim posto, seguindo essa perspectiva, Ramos (2008) traz dois sentidos
acerca do trabalho como princípio educativo:

Pelo primeiro sentido, o trabalho é princípio educativo no ensino médio


à medida que proporciona a compreensão do processo histórico de
produção científica e tecnológica, como conhecimentos desenvolvidos
e apropriados socialmente para a transformação das condições
naturais da vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades
e dos sentidos humanos. Pelo segundo sentido, o trabalho é princípio
educativo no ensino médio na medida em que coloca exigências
específicas para o processo educativo, visando à participação direta
dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. Essa
perspectiva de formação que possibilite o exercício produtivo não é
o mesmo que fazer uma formação profissionalizante, posto que tal
participação exige, antes, a compreensão dos fundamentos da vida
produtiva em geral (p. 7).

Refletindo sobre os sentidos supracitados e trazendo um pouco do poema, “O


operário em construção”, de Vinicius de Morais, que introduziu essa seção, no qual o
poeta declama “Mas tudo desconhecia de sua grande missão. Não sabia por exemplo
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 34

que a casa de um homem é um templo. Um templo sem religião. Que a casa que
ele fazia, sendo a sua liberdade era a sua escravidão”, reforça a alienação na qual o
trabalhador foi envolto; o total desconhecimento sobre o seu trabalho e da exploração
que sofria. O trabalho como princípio educativo, com base em tudo que já foi aqui
exposto, se contrapõe a essa alienação evidenciada no poema, uma vez que nele,
ao invés de escravidão, se vislumbra a emancipação dos sujeitos, por meio de uma
educação que tem o trabalho como ponto de partida.
Deste modo, não foi nosso objetivo, aqui nesta seção, discorrermos
exaustivamente sobre o conceito de Ensino Médio Integrado, para tal, inclusive
sugerimos a leitura de outras obras e outros autores como Ciavatta (2014) e o texto
“Ensino Integrado, a Politecnia e a Educação Omnilateral: por que lutamos?”, bem
como o livro organizado por Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (2004) “Ensino
Médio, ciência, cultura e trabalho” e tantos outros que discutem o conceito de Ensino
Médio Integrado, sua historicidade e desdobramentos.
Essa seção teve como objetivo, despertar no leitor a reflexão sobre a realidade
concreta, sobre as sociabilidades que permeiam o conceito de trabalho como princípio
educativo e, sobretudo, provocar uma reflexão crítica sobre a sociedade e educação
na qual estamos inseridos. Porém, esperamos que essa leitura não se encerre aqui,
mas que seja o começo e/ou continuidade de um mergulho profundo na realidade
e, consequentemente, na busca incessante pela superação dessa lógica alienante
provocada pelo modo de produção capitalista.
A próxima e última seção traz algumas sugestões de poemas, músicas e filmes
que abordam o tema trabalho, como forma de aproximarmos o leitor a temática de
forma mais lúdica. Desta forma, ampliaremos o leque de discussões sobre o trabalho
para além da leitura academicista.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 35

CAPÍTULO
V

Foto por Denise Jans


O que
queéétrabalho?
trabalho?PorPor
Izabel Cristina
Izabel LeiteLeite
Cristina de Lima
de Lima 36
36
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 37

Capítulo V

Chegamos à última seção deste compêndio. Iremos agora apresentar algumas


músicas, poemas e filmes que, direta ou indiretamente, retratam a categoria trabalho.
Antecedendo a leitura de tais produções artísticas abaixo elencadas, gostaríamos que
identificassem os sentidos e as transformações no mundo trabalho discuto durante
o compêndio em cada poema, letras de músicas e se possível filme, que iremos
disponibilizar abaixo.

Músicas

Música de Trabalho

Sem trabalho eu não sou nada Eu sei o que acontece


Não tenho dignidade Se você não segue as ordens
Não sinto o meu valor Se você não obedece
Não tenho identidade E não suporta o sofrimento
Mas o que eu tenho Está destinado a miséria
É só um emprego Mas isso eu não aceito
E um salário miserável Eu sei o que acontece
Eu tenho o meu ofício Mas isso eu não aceito
Que me cansa de verdade Eu sei o que acontece
Tem gente que não tem nada E quando chega o fim do dia
E outros que tem mais do que Eu só penso em descansar
precisam E voltar pra casa pros teus braços
Tem gente que não quer saber de Quem sabe esquecer um pouco
trabalhar Do pouco que não temos
Mas quando chega o fim do dia Quem sabe esquecer um pouco
Eu só penso em descansar De tudo que não sabemos
E voltar pra casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco Legião Urbana
De todo o meu cansaço
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar
Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 38

Fábrica Guerreiro Menino

Nosso dia vai chegar Um homem também chora


Teremos nossa vez Menina morena
Não é pedir demais Também deseja colo
Quero justiça Palavras amenas
Quero trabalhar em paz Precisa de carinho
Não é muito o que lhe peço Precisa de ternura
Eu quero o trabalho honesto Precisa de um abraço
Em vez de escravidão Da própria candura
Deve haver algum lugar Guerreiros são pessoas
Onde o mais forte não São fortes, são frágeis
Consegue escravizar Guerreiros são meninos
Quem não tem chance No fundo do peito
De onde vem a indiferença Precisam de um descanso
Temperada a ferro e fogo? Precisam de um remanso
Quem guarda os portões da fábrica? Precisam de um sonho
O céu já foi azul, mas agora é cinza Que os tornem refeitos
E o que era verde aqui já não existe É triste ver este homem
mais Guerreiro menino
Quem me dera acreditar Com a barra de seu tempo
Que não acontece nada Por sobre seus ombros
De tanto brincar com fogo Eu vejo que ele berra
Que venha o fogo então Eu vejo que ele sangra
Esse ar deixou minha vista cansada A dor que traz no peito
Nada demais Pois ama e ama
Nada demais Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Legião Urbana Seu sonho é sua vida
E a vida é trabalho
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz
Não dá pra ser feliz

Gonzaguinha
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 39

Trabalho e Festa Construção

Pro homem pra quem o trabalho é festa Amou daquela vez como se fosse a
Todo dia é de festa é mais mió última
Porque a sua festa é a sua vida Beijou sua mulher como se fosse a
E o fruto do trabalho é mais maior última
É toda recompensa de esforço E cada filho seu como se fosse o único
É a alegria no derrame do suor. E atravessou a rua com seu passo
tímido
Bate o tambor companheiro
Subiu a construção como se fosse
Chamando o povo d’aldeia
máquina
Hoje é o meu coração
Ergueu no patamar quatro paredes
Que faz a farra e incedeia.
sólidas
É meu direito à preguiça
Tijolo com tijolo num desenho mágico
É meu direito ao fazer
Seus olhos embotados de cimento e
Ser dono do meu trabalho lágrima
É meu direito ao prazer. Sentou pra descansar como se fosse
É doce e sal reunido sábado
No calo da minha mão. Comeu feijão com arroz como se fosse
Trabalho, festa, pessoa um príncipe
Vida no meu coração. Bebeu e soluçou como se fosse um
náufrago
Gonzaguinha Dançou e gargalhou como se ouvisse
música
E tropeçou no céu como se fosse um-
bêbado
E flutuou no ar como se fosse um
pássaro
E se acabou no chão feito um pacote
flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o
tráfego
Amou daquela vez como se fosse o
último
Beijou sua mulher como se fosse a
única
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 40

E cada filho seu como se fosse o E flutuou no ar como se fosse um


pródigo príncipe
E atravessou a rua com seu passo E se acabou no chão feito um pacote
bêbado bêbado
Subiu a construção como se fosse Morreu na contramão atrapalhando o
sólido sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão
Ergueu no patamar quatro paredes
pra dormir
mágicas
A certidão pra nascer e a concessão
Tijolo com tijolo num desenho lógico
pra sorrir
Seus olhos embotados de cimento e
Por me deixar respirar, por me deixar
tráfego
existir
Sentou pra descansar como se fosse Deus lhe pague
um príncipe Pela cachaça de graça que a gente tem
Comeu feijão com arroz como se fosse que engolir
o máximo Pela fumaça e desgraça que a gente
Bebeu e soluçou como se fosse máqui- tem que tossir
na Pelos andaimes pingentes que a gente
Dançou e gargalhou como se fosse o tem que cair
próximo Deus lhe pague
E tropeçou no céu como se ouvisse
música Chico Buarque
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote
tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o
público
Amou daquela vez como se fosse má-
quina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes
flácidas
Sentou pra descansar como se fosse
um pássaro
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 41

Trabalhador Brasileiro O Bonde de São Januário

Está na luta, no corre-corre, no Quem trabalha é que tem razão


dia-a-dia Eu digo e não tenho medo de errar
Marmita é fria mas se precisa ir Quem trabalha é que tem razão
trabalhar Eu digo e não tenho medo de errar
Essa rotina em toda firma começa
às sete da manhã O bonde São Januário
Leva mais um operário
Patrão reclama e manda embora
Sou eu que vou trabalhar
quem atrasar
Trabalhador
O bonde São Januário
Trabalhador brasileiro
Leva mais um operário
Dentista, frentista, polícia,
Sou eu que vou trabalhar
bombeiro
Trabalhador brasileiro Antigamente eu não tinha juízo
Tem gari por aí que é formado Mas resolvi garantir meu futuro
engenheiro Vejam vocês
Trabalhador brasileiro Sou feliz vivo muito bem
Trabalhador A boemia não dá camisa ninguém, é
E sem dinheiro vai dar um jeito Vivo bem
Vai pro serviço
É compromisso, vai ter problema Antigamente eu não tinha juízo
se ele faltar Mas resolvi garantir meu futuro
Salário é pouco, não dá pra nada Vejam vocês
Desempregado também não dá Sou feliz vivo muito bem
A boemia não dá camisa ninguém, é
E desse jeito a vida segue sem
Muito bem
melhorar
Trabalhador
Wilson Batista
Trabalhador brasileiro
Garçom, garçonete, jurista,
pedreiro
Trabalhador brasileiro
Trabalha igual burro e não ganha
dinheiro
Trabalhador brasileiro
Trabalhador

Seu Jorge
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 42

Poemas

Entoada

Desde que o mundo surgiu Pra usufruir nova vida


A vida carrega a morte, Precisamos acordar
Tanto uma como outra Conscientes do poder
Cada qual com seu suporte Da opressão se libertar
Não temos como fugir Assim preto lesionado
Todos têm a mesma sorte. Nunca mais existirá.

Elenilce Gomes de Oliveira


E desde que o mundo é mundo
Oriente ou ocidente
Tem cultura, tem trabalho
Exploração e acidente
Maneiras e fazer as coisas
Pensamentos diferentes.

E desde que o mundo é mundo,


O trabalho e a educação,
Têm seu fruto sonegado
Operário à exaustão
E a riqueza do trabalho
Pro usufruto do patrão.

Pra melhorar esse mundo


Assuma a realidade.
O que devemos fazer?
Enxergar a ambiguidade
Constituitora das causas
E das diversidades.

Por isso entender e agir


Entoando o lindo canto
Sem descuido ou apatia
Afastando cada pranto
Suplantando o explorador
Escondido em seu manto.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 43

Sentes, Pensas e Sabes


Que Pensas e Sentes

Dizes-me: tu és mais alguma cousa mostram,


Que uma pedra ou uma planta. Embora com menos clareza que
Dizes-me: sentes, pensas e sabes me mostram a pedra e a planta.
Que pensas e sentes. Não sei mais nada.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o Sim, escrevo versos, e a pedra não
mundo? escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e
a planta nenhumas.
Sim: há diferença.
Mas é que as pedras não são
Mas não é a diferença que encontras;
poetas, são pedras;
Porque o ter consciê
E as plantas são plantas só, e não
ncia não me obriga
pensadores.
a ter teorias sobre as cousas: Tanto posso dizer que sou
Só me obriga a ser consciente. superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Se sou mais que uma pedra ou uma Mas não digo isso: digo da pedra,
planta? Não sei. “é uma pedra”,
Sou diferente. Não sei o que é mais ou Digo da planta, “é uma planta”,
menos. Digo de mim, “sou eu”.
E não digo mais nada. Que mais
Ter consciência é mais que ter cor? há a dizer?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas. Fernando Pessoa
Ninguém pode provar que é mais
que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a


planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos
mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 44

Operário em Construção

Era ele que erguia casas E a coisa faz o operário.


Onde antes só havia chão. De forma que, certo dia
Como um pássaro sem asas À mesa, ao cortar o pão
Ele subia com as casas O operário foi tomado
Que lhe brotavam da mão. De uma súbita emoção
Mas tudo desconhecia Ao constatar assombrado
De sua grande missão: Que tudo naquela mesa
Não sabia, por exemplo - Garrafa, prato, facão -
Que a casa de um homem é um Era ele quem os fazia
templo Ele, um humilde operário,
Um templo sem religião Um operário em construção.
Como tampouco sabia Olhou em torno: gamela
Que a casa que ele fazia Banco, enxerga, caldeirão
Sendo a sua liberdade Vidro, parede, janela
Era a sua escravidão. Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
De fato, como podia Era ele quem o fazia
Um operário em construção Ele, um humilde operário
Compreender por que um tijolo Um operário que sabia
Valia mais do que um pão? Exercer a profissão.
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria Ah, homens de pensamento
Quanto ao pão, ele o comia... Não sabereis nunca o quanto
Mas fosse comer tijolo! Aquele humilde operário
E assim o operário ia Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Com suor e com cimento
Que ele mesmo levantara
Erguendo uma casa aqui
Um mundo novo nascia
Adiante um apartamento
De que sequer suspeitava.
Além uma igreja, à frente
O operário emocionado
Um quartel e uma prisão:
Olhou sua própria mão
Prisão de que sofreria Sua rude mão de operário
Não fosse, eventualmente De operário em construção
Um operário em construção. E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
Mas ele desconhecia De que não havia no mundo
Esse fato extraordinário: Coisa que fosse mais bela.
Que o operário faz a coisa Foi dentro da compreensão
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 45

Desse instante solitário Sentindo que a violência


Que, tal sua construção Não dobraria o operário
Cresceu também o operário. Um dia tentou o patrão
Cresceu em alto e profundo Dobrá-lo de modo vário.
Em largo e no coração De sorte que o foi levando
E como tudo que cresce Ao alto da construção
Ele não cresceu em vão E num momento de tempo
Pois além do que sabia Mostrou-lhe toda a região
- Exercer a profissão - E apontando-a ao operário
O operário adquiriu Fez-lhe esta declaração:
Uma nova dimensão: - Dar-te-ei todo esse poder
A dimensão da poesia. E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E um fato novo se viu E dou-o a quem bem quiser.
Que a todos admirava: Dou-te tempo de lazer
O que o operário dizia Dou-te tempo de mulher.
Outro operário escutava. Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E foi assim que o operário E, ainda mais, se abandonares
Do edifício em construção O que te faz dizer não.
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não. Disse, e fitou o operário
E aprendeu a notar coisas Que olhava e que refletia
A que não dava atenção: Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
Notou que sua marmita O operário via as casas
Era o prato do patrão E dentro das estruturas
Que sua cerveja preta Via coisas, objetos
Era o uísque do patrão Produtos, manufaturas.
Que seu macacão de zuarte Via tudo o que fazia
Era o terno do patrão O lucro do seu patrão
Que o casebre onde morava E em cada coisa que via
Era a mansão do patrão Misteriosamente havia
Que seus dois pés andarilhos A marca de sua mão.
Eram as rodas do patrão E o operário disse: Não!
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão E o operário disse: Não!
Que sua imensa fadiga E o operário fez-se forte
Era amiga do patrão. Na sua resolução.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 46

Como era de se esperar Um silêncio de prisão.


As bocas da delação Um silêncio povoado
Começaram a dizer coisas De pedidos de perdão
Aos ouvidos do patrão. Um silêncio apavorado
Mas o patrão não queria Com o medo em solidão.
Nenhuma preocupação
- “Convençam-no” do contrário - Um silêncio de torturas
Disse ele sobre o operário E gritos de maldição
E ao dizer isso sorria. Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
Dia seguinte, o operário E o operário ouviu a voz
Ao sair da construção De todos os seus irmãos
Viu-se súbito cercado Os seus irmãos que morreram
Dos homens da delação Por outros que viverão.
E sofreu, por destinado Uma esperança sincera
Sua primeira agressão. Cresceu no seu coração
Teve seu rosto cuspido E dentro da tarde mansa
Teve seu braço quebrado Agigantou-se a razão
Mas quando foi perguntado De um homem pobre e esquecido
O operário disse: Não! Razão porém que fizera
Em operário construído
Em vão sofrera o operário O operário em construção.
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram Vinícius de Morais
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

- Loucura! - gritou o patrão


Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 47

Filmes

Tempos Modernos

“O clássico de Charlie Chaplin mostra a rotina exaustiva e enlouquecedora de


um operário numa linha de montagem. Numa das cenas mais célebres, o protagonista
persegue uma mulher por achar que os botões de sua roupa são os parafusos que
ele costuma apertar no seu dia a dia na fábrica. O filme data de 1936, altura mais que
pertinente para uma crítica à organização do trabalho nas indústrias da época. A sua
visão ácida sobre os efeitos da tecnologia sobre o indivíduo continua muito actual,
funcionando como uma espécie de premonição para a obsessão colectiva pelo digital
que vivemos hoje”.
Fonte: https://shifter.sapo.pt/2018/05/filmes-sobre-trabalho/

O Germinal

“O filme “O Germinal” aborda as relações de trabalho, as lutas de classe


existentes na sociedade capitalista, o processo de instalação do capitalismo nas
cidades e o ritmo da produção e da exploração dos trabalhadores pelos patrões
através do trabalho desumano nas minas de carvão francesas, retratando claramente
as severas transformações sociais impostas pelo modo de produção capitalista”.
Fonte:https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/a-revolucao-industrial
retratada-no-filme-germinal.htm

Eu, Daniel Blake (2016)

“Aborda os conflitos das relações de trabalho que surgiram a partir do fenômeno


denominado de uberização. Em Daniel Blake, Loach conta a história de um operário
(Dave Johns) da construção civil que sofre um infarto nas vésperas de se aposentar”.

Fonte:https://www.brasildefato.com.br/2020/04/04/maratona-oito-filmes-sobre-trabalha
dores-e-ocapital-para-ver-na-quarentena

O que você faria (2005)


“Intitulado no original como El método, o filme de Marcelo Piñeyro retrata
como ninguém a ideologia do neoliberalismo. Apesar da crítica ácida ao atual modelo
socioeconômico, como também ao machismo, a obra é permeada por um humor fino,
elegante”.

Fonte:https://www.brasildefato.com.br/2020/04/04/maratona-oito-filmes-sobre-trabalha
dores-e-ocapital-para-ver-na-quarentena
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 48

Doméstica (2012)

“A partir de um dispositivo muito criativo, Mascaro distribui câmeras para sete


adolescentes registrarem o dia a dia e a relação de suas famílias com as empregadas
domésticas. O resultado é uma atualização aflitiva das relações de poder estabelecidas
entre a casa grande e senzala”.
Fonte: https://valkirias.com.br/que-horas-ela-volta-mulheres-esquecidas/

Que horas ela volta?

“Em Que Horas Ela Volta?, dirigido por Anna Muylaert, nós acompanhamos a
história de Val (Regina Casé), uma mulher nordestina que se mudou para São Paulo
em busca de emprego, deixando para trás a filha Jéssica (Camila Márdila) ainda
pequena. Em São Paulo, Val trabalha como empregada doméstica para uma família,
cria Fabinho (Michel Joealsas), filho do casal para quem trabalha, e mora na casa
dos empregadores. Como era muito comum e perfeitamente legal até a aprovação
da Emenda Complementar nº 72, de 2013 (conhecida como “PEC das domésticas”
e regulamentada em 2015 pela Lei Complementar nº 150, que finalmente garantiram
às empregadas domésticas o acesso a direitos trabalhistas básicos), toda essa
conjuntura significa que Val trabalhava 24 horas por dia, todos os dias da semana,
em uma situação que guarda muitas similaridades com o trabalho realizado em outros
tempos pelas mulheres negras escravizadas”.

Fonte: https://valkirias.com.br/que-horas-ela-volta-mulheres-esquecidas/
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 49

Considerações finais

Chegamos ao final deste trabalho com a perspectiva de termos alcançado


nossos objetivos, na medida em que tentamos discutir a categoria trabalho para além
de uma visão mercadológica, como princípio educativo. Isso porque apresentamos
ao leitor o seu sentido ontológico, as sociabilidades a que esta categoria de estudo
esteve e está atrelada até a contemporaneidade. Por ser uma categoria tão complexa
e heterogênea, é evidente que não conseguimos esgotar aqui todos os conceitos
e visões acerca desse tema. O mundo do trabalho é um mundo. Um mundo que
precisamos conhecer com afinco.
Importa informar que muitas das discussões em torno de alguns conceitos
neste compêndio se deram a partir de entrevistas com os bolsistas do PAFE. Após
as entrevistas, fomos delimitando o que discutir ou o que aprofundar. Esperamos que
esse fato contribua para a leitura e o interesse desses alunos pelo nosso trabalho,
pois, como bem argumentaram Freire e Fuendez (1985),

A primeira coisa que aquele que ensina deveria aprender é a saber


perguntar. Saber perguntar-se, saber quais são as perguntas que nos
estimulam e estimulam a sociedade. Perguntas essenciais que partam
da cotidianeidade, pois é nela onde estão as perguntas (n. p.).

Portanto, é possível que algumas questões não tenham sido abordadas, já


que as discussões tiveram como direcionamento as respostas das entrevistas, com
a intenção de respondê-las e aproximar o leitor ao tema. Neste sentido, indicamos
leituras ao longo do texto para um maior aprofundamento.
Destarte, o produto educacional materializado neste compêndio acadêmico,
buscou trazer para o cerne das discussões o mundo do trabalho, as sociabilidades
que o envolvem, ancorado em conhecimentos que possibilitassem o pensamento
crítico e reflexivo ao leitor. Isso porque a materialização do trabalho como princípio
educativo é uma via para a educação emancipatória e discuti-lo se torna imperativo.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 50

Referências

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NA ERA DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87,
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www.youtube.com/watch?v=_dSRr4mQiJE&feature=youtu.be

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Lukács. Revista Educação em Questão, v. 55, n. 45, p. 101-126, 2017. Disponível
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Histórica e Desafios Contemporâneos. In: Psicologia, Organizações e Trabalho no
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DUARTE, Janaina Lopes do Nascimento. Trabalho produtivo e improdutivo na


atualidade: particularidade do trabalho docente nas federais. R. Katál., Florianópolis,
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FESTI, Ricardo. Artigo de opinião: A distopia do capitalismo de plataforma. Jornal


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FREIRE, Paulo; FOUNDEZ, Antônio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de


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FRIGOTTO, Gaudêncio. A Produtividade da Escola Improdutiva 30 Anos Depois:


REGRESSÃO SOCIAL E HEGEMONIA ÀS AVESSAS. Revista Trabalho Necessário.
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O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 51

FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e mudanças no Mundo do Trabalho e o


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MATTOS, Marcelo Badaró. A classe trabalhadora: de Marx a nosso tempo. Coleção


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RAMOS, Marise. Concepção do Ensino Médio Integrado à Educação


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Músicas

A FÁBRICA. Renato Russo. Legião Urbana. Rio de Janeiro: EMI, jul.1986. LP, K7

O BONDE DE SÃO JANUÁRIO. Wilson Batista. Ataulfo Alves. Rio de Janeiro: [s.n.],
1940
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 52

CONSTRUÇÃO. [Compositor e intérprete] Chico Buarque. Rio de Janeiro: Polygram,


1971. LP, K7

MÚSICA DE TRABALHO. Renato Russo. Legião Urbana, Rio de Janeiro: Sony, 1996.
LP, K7, CD

GUERREIRO MENINO. [Compositor e intérprete] Gonzaguinha. Rio de Janeiro: EMI-


Odeon, 1983. LP, K7

TRABALHO E FESTA. [Compositor e intérprete] Gonzaguinha. Rio de Janeiro: EMI-


Odeon, 1981. LP, K7

TRABALHADOR BRASILEIRO. [Compositor e intérprete] Seu Jorge. Rio de Janeiro:


EMI-Records, 2007. CD

Filmes

DOMÉSTICA. Direção: Fernando Meirelles, Nando Olival. Brasil: 2001. 85min.

EU, Daniel Blake. Direção: Ken Loach. França: 2016. 97 min.

O GERMINAL. Direção: Claude Berri. Bélgica: 1993. 160min.

Imagens

BIRMINGHAM MUSEUMS TRUST. Spitfire Manufacture. 1 fotografia. Disponível em:


https://unsplash.com/photos/E1PSU-7aWcY Acesso em: 25/01/2021.

FREEMIND, Sasha. HUMAN. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/


collections/4938377/human Acesso em: 25/01/2021.

GRIEVE, Kevin. Candid street photography London. 1 fotografia. Disponível em:


https://unsplash.com/photos/QCdRhVj7N8w Acesso em: 25/01/2021.

JANS, Denise. 8mm filmrools. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/


photos/Lq6rcifGjOU Acesso em: 25/01/2021.

PEARCE, Sidney. Tools of de trade. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/


photos/qj9Ln27hG1Y Acesso em: 25/01/2021.
O que é trabalho? Por Izabel Cristina Leite de Lima 53

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