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DOLO EVENTUAL

Acórdão do Tribunal de Círculo de Cascais (2.º Juízo)


de 13 de Fevereiro de 1998'
1\-fal'ia Fentw1</a l'a/111<1

(O Cll~() do "vcry-lighl")

Efcmcntrnc <ln dolo (inleleclual e voJillvo)~ cril~riot> ôc distinção cnlrc


dolo eventual e negligência e<.m:-1dcntc ·- Dolo e pcrlgo elo rcsulLatlo.

O CASO (,l1ATÉRlA !)E FACTO PROVADA. l'ELO TRlBU,VAL)

" .. O arguido foi as::;istir ao Benfica· Sporting, intcgra1•do a claque do~


J\'fJ Name Hay.~. Do outm lado, fic,wam as bancadas da ltwe Leo.
No interior dn esç:í.dio, o :uguido ocupou :lS prfrnciras fiJa..1' tlo sector
14. do tOL>O sul •- prc'\·famcnte dc:,çtin·ado pela~ entidade:< oficiai~ crnnpc-
tente.111 à c]aquc dos "No Namc Boys".
Em frente <.htqucle sector, :;cparad11s pelo tdvado. ficuvmH n~ bança-
das do topo norte, onde ,'\e situa,,a, cnlrc outros~ o sl.-ctor 17. dcstina<lu 1 pcf:,s
entidade~ oficiais competentes, a ser ocupado por adcpto::1 sportintt:uislas,
mormente pela c]aquc "!u,,e Leu"..
A djstância eotrn e~ta:; duas bancadas é, cm Hnha rccta, cJa ordem dot-i
<Lniento,; metro~.
Antes do jn(Clo do jogo. ~nsivelmentc quando alguns paraquedistas.
11\rg,-dos de heJicóptero, fa,.iam a ~ua apmximaçãCl ao re]vado, o arguido.
daquele JugQr, taoçou um foguete <lenominado uvery-lighr" .. com .1 sua mão
c~quct1fa. jnclinou-o em posição obliqua, para cima e Iige;nunente l)arn a
frcn!<: no ~Qulí.Ju norte, retir-0u n protecção de h(1rr;\cl\a que fn1. a1)a1-ecer a
pulithn e empurrou f'.Stn de modo a .,cti,;ar a re~pecfr•;a prnpulsfü).

1
Ac~td'âl'> pubtk.1.do na ,evista Si,b Jt,dh·e. n. • 2. l998. Comentário p11blicí\do no
pdmc:iro mimcro da Revista Tbémis, Mllio de 2000.

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t_,I, ~Lt J□·· ~ut Lt r~-, i□,- ·1[1l~·· 1cr·, :,c~r'.n[jr.r1r:cr.r1nnnr1~nri~r,rrrr 1

IV -Jurisprudin('ift ,to\ 'fril>t,nru.,· s,,1u·ri,,,,.,f • ·,,,,,.,•,,:oda q.l


~'-12 Ca.w.-. r. .•,mler.:,,.:s dt: dirtúo pt:fl!Ai

A~~im ac~:inna<fo. 1J foguete "\lt:l'y-11ghf, d~~creveu uina trajectórfa Ao cfocto:u· este scgun<lu b1nç;lmento du ro~•h:h· '"\'l:ry, li~hl '', 1•1'1!viu
L'lll :m:<.1. irn.lu n1•r pare, :-ilénl das bancada~ do topo 110rtc do cs(:ídiu. cm dmn o ar,guitlu qne tal instrumento se cfüigisse ll-i\ lfüei.:çfül 1h1rlc, :,.,~ndl, s1111
de unms :írv<►rc:, ju11tú cios L,a1ne~r!o~. tendo pro\·ocado um pequeno jncên- in::cnção qu~ o mesmo so~nw(>a,:;se a bancmb1 de cspci.:L:ul1.>r<.~s, l·m1L 11ui1ll•
dio n"i;tas. que seguisse uma trajcct()riH iJêntica ao pdmeiru.
O ar~uido p:-cv:ra <.1uc u rviu~1e assln) dis1un-1icto ~ohrev<la.:;sc a ban- Conheci:\ o modo de actt..,.ação, potência e al<:a1ic<", <ln íugucle "wry-
..:nda do topo nor1c do êshkliu N~ld1.1nal, ce~en·ada aos adeptos sportingllis- -Hght". bem sabendo que se o me~mo, na sua lrajectória vSc~sc .l cmLJ:,h:r
t:u e que já na ahura se t:ru:.1.1utra'.'fl repleta de pe~~a~. Fê..lo de modo a (JUC cm a~guém lhe poderia l:ausaJ' a 111oue.
o mc~mo fosse prujccla<.lo d:e baix.o 1tal'ª cima, em 3rco, de modo li .sobre- SRbla que o modo çurrecto de lançi1r (nl foguete é n;\ verli~al
·:oar a bancada que avista\'8 ã suo frente. Tlnlla ainda couhedm\':JHO que o fu~uetf': ''vcry-Jighl." percorre cm
Dc.·i. minuws <.l::~pois d(1 início dn jogo, imediatamente a sc,g,uir m> i,ci- linha ri::.<.;1a uma dist:U.ci,1. superior a 200 (l1~11.e11to;;) melruS, ~m poucos
mcinJ .1:101,, d,, Benfica, o ariuido. aquando dos fcslcjus por es,e golo. da ~e- seguc~do:r;.
flltld;, íila do já rcforido :--et:Lor 14, h111~ou ,,111 ~~~undo foguere ''\'Cl)'·Jight", No in~h1nce do di::;pam, utiv IH'f\'ill o arp.uido qm~ lut\O que ;l<."<:i,,,~~n](.)
Verifil·av~1 :,..,: . n,·:-:--a nK"!<.11 ,:, nlHtr:i. nmn ~ronde ap.:tnçãC'l nu ~rupo de o mc..::111i~1H1,,1 de 1)rC'l1>ul!-iio 1l~1<.1~1<dns drcun!-lfü1d:1s n :lrlcfacw .'i:\í:,;sc. c1'111lo
c::.pcdndon.:s. e p:,r1kuhm11enlc nu.'i cle1nc1t(O~ .-ifocro:. aos "No Nmuc Bny:t, et'cetivamcutc ~a:11. quas.c cm lh1h:1 ri::cta. IHl dirt.:L·~âu ll:l b:mc:hla cn, frr1llc
,1ul! mdcavmn o Hr~td<lo. h:lY:;ndo ubr;,ços, empurrOe::;, saJtos. gritos e ou- de si e {iUe fu.~se ;)fo,gir qm1l,1uer espcctador, lcri1HE0-o ciu m:llcmdu-o.
tra:- cxahaçõc~ de i?r~ndr: ,·e~o1.ijo. Pró:x;mo do intt'.rv~Jo, on\'iu di1.cr que u)(1rc~u uma pl~ssm, sitíngicla
T:uubC:111 ll~~ui ve1., o ar~ujdo sC'gurou o fog,:ctc ....,cry-Jigh1" ~01h :: pclu foenete, tendo cuJ1t:lu(rJo que essa pi.:.ss1>a fora 111orlah,1~1lle atingida
nH'io e-:;querda, colocou··o obHquamcnct'; p;1ra cicna e inclinado para a frente. pelo "vcry-li~ht" p1,,'lr si lançado.
ll() scnLido nnrtc. e.·. rum :1 1nílv <füeica, l't:tirou a pmtccção de borntchi.1 ,1ue Ncs.sa 11oite, ao ver as icm\~ens na tclc,,isfü.> em C(1mpanhia <lc \1r11 seu
fa1. apzrecer a patilha. ;)migo, o argujUo ficou emodunndo e choc,1do, n5o ,:-OJltc?-nrlo o i1Kómudo
Em vfru..dc do seu próprio çsltl.d<> lle e,tloria e da permanente ~gitação que a~ mcsmu.s lhe cammvam.
r:a~ pl:'~::;oa::; que se cnccmlruvam j\1nlo a sj, envolvendo-o. o arguido, no mo-
tnP.n:o em que empurmu R paliHm qi1e i:1ccioua a tespectiva propulsão. incli •
!lOU inais o foguete <lo que haYia reito aquando do primeiro Jnnçamento. A DECISÃO E OS SEllS FCNDAMENTOS
O imtrumento ~"isim üispur-J.dO seguiu uma najectória te:iu e quase
..-n, linha reccn, sobrc,•oou ,~s jngadml!s, percorreu toda a djs(ílncia entre as Segundo o requerimcnlo acusatório, o arguido teria lançado um fo-
<.luu~ baoc~ldas e foi chocar com o cotJU da vílinm. que assistia ao jogo !lo guete "very-light", proposiladarncme, na direc:çfio da bancada do lopr, norte
.,1,,"CWr 17. do CQ?ú nonc do cl\t:Wio. pcm.:lran;,lo na regHío do peito, de frl:'nte
<lo e.stáclio, on<lc se cncontrnv;m, os ad..:!ptos sporL lngui~tas, que a en<.:hianl
pl1':1 r,ás, da esquerda para a dircil~ e, ligeirnmente, de baixo para cima.
Cs\e emb:\~~ provocou na vílima mrut fedda. l~1'füro-~011tunde1~:~ na compacta e completamente.
r<\\,!lii<J parn-e~rernal e::;qucnfa. situxc.la c.:nlur~ ,:~11:t,11ea.·o~ ab~ixo do pJ~.uo Tê-lo-ia feito para os assustar e intimidar, prefigurnndo a possibilidade
lmfrc:1)11l.:ll qne pa!õ.:;a pelos ombros, tC'.r~du o orifícjo um cli~o:etro de ::;etc de tal insttumcnto, n:a. sua trajccL,jria, vir ,1.emba1cr nalgum espectat!or. l! sa-
~e111i1~lc::tro.~, cC'lm c.ixo 1m1ior hurizoula1, c-0,n o~ hordos quejmados e. cum bia que. se tal sucedesse, o in1raclo do foguete era susceptivel de produ,.ir
\·ii:1mliz3çfü.l de l..:ci<.lt..1s !m,11~~ no interinr. a mo1te do espcctador attnnidn. Assim, o l'~1ucrimc11to a. ~usatório
. concluiu
Causou-lhe l.:i.Ci;ni\:íi<.l tli• lr;)qllei.a, cm::;~a da :\Ort.'\ e lobos pulmon;m:~ que o arguü.101 ciente destes factos, admitiu essa mestna possibHklade.
<hre.itC'ls. quemmclr1s e <"Om pó!vl1rn ml.:,eote~ hemormgias ::;ub·cndocHrdic:ts; conforman<lo~sc com a sua cvcntufl] verificaçê\o.
la::..:raçihl (i(.)$ Ml:;:1s posteriores da 6.:1. 7.'' l'. 8/ costelas direitas e da espcs. Da funclamcntaçâo do ;,córtlão resulta, porérn, que:
:-ma L~a mu~culaturn. intcrçosl~tl~ <:on!!t',.~liil'l .nenin!oencefálica; queimadura
da musculam..a peJtoral direita e asfixia por üiluJo,kaçt.o por ,~onóxido de "(..) O Ci.)digo Pe,l;,.I português ac<1bon pnr pcrfinmr, Jlestn matl?ria, a
l':l<b1,,,110. lesCks q•.1c, pür si só ou associadas. foram causa 1.fa morle d:1 \'Í- fórmuJ~ po~itiva de Fmnk segu1idc a qual se o :!.gentt'. no mOrclc\r.to dn rca·
:im<L ocurri<la vi:-las 16 horas e 35 minutos desse düt. liza;::~o do fa~to, e não <>bsrn11te a sua prcvü,i,o comn poss!,•l'.l, quec ac:tnar.
O :.(~uido apercebeu ~e. pom.:os mur11cnro.~ ap6s::, do impacto deste e 3conleça o que ::iconLec~r. seja qua] for o re~uCtt,dü da sua ;1<.:tuaç~ío, não
fog,.1~tc "v('ry-li.~I·,(' ml ha,,cada de adeptos sporti11guis1ns ou<.h: ~~ i\hriu renuncia à ~ua actua~iio. ~~rá responsáve~ ~ título (le doJo pc.lo foclO pJ'evi~to.
·.um. ~·hll'l~i m.
~7.ô Cnso.f e wm~rims dt: ,r.:rriw J)t:llal /'V.- Jurisprndt,u·in dos Trilm11af5 Sup,:rl<m:s C!mrt'trtcultr SJS
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O ngence pretend..e, pois. rc:iilizar um facCu mas, elll via suh~idiária. aceita mula hipotética que reconheda o doio apeuas quando fosse possível .ifir-
rninhém a re~lização d:: outro <.1uc: ilqutle se encontra ligado. mar que o agente )tt:tuarja: se th'cssc coilfigurmlo a bjpóte~c~ <lc uma ocor-
" Assim. ~ c:onfinnar.. ~c aqueh, \•~·rsiiu dos nconte.cime:11tos, o argui<lo, rcrê:1cia necessária do ~s11ltado.
chl qm:n.-r. a<.1u,mdL'l du mou~ent(l tio seu di~pam. <.1uc o fogueie ••-.·ery-1 ight" Porém, a aplicação pelo Tribun:,l de 11ma rnl ftínnula, <[lle exige a
se en~aminhasse na tlirc<.:çãu duma bancada cfleia de pe~soa~. e sabendo <la prova de um estaéo subjecth·o afi!'mativo rdnci\'amente no resultado 1:; que
Jlf,(cndafüfade letnl de 1al inslrum1,.~uto llll:llldo na ~ua trajectóri:\ cmbntc se insere no gllJpo das teorias que acenLU:im o carácter volitivú do dolo,
n'llll qua:quer ob:;i.ículo humano~ é óbvio ,1ue s6 pod~ria - mesmo peranti?
veio a ser feita no pressuposto de o agcme ter previsto, aquar.<1o cio dis-
m; r~j!fflS {la experiê1;da comum e do prjncípio <l>l oounatidarJe - aceitar a
paro, que o fogul!te se encaminhn!'ia na direcção d,una bancada cbeiu d.c
n·aliz:1\:ãu llc ta 1 cesultõldo, que t!nha admitido previnmetue como muito
pro,•tívP.L
pessoas. Mas, perante esta formulaç~o intcrpreLAtiva dos eleinentos fácti•-
Com efeito. nílo $C jm.1-.•t.1u qtJe o arguido tenha a]guma v<:z prdigu- cos que serh1m objecto do dolo do tipo, faJtnria desde logo o eJemenlo in-
radu n po~sibil ilimle de vir õltingir com o íoguel~ ",,ery-light'' a bancado tclcccual do dolo.
~-=
frP~1lal :'1 :m;.1, <,fük i:m'<.1i11ra\·~m1 ,1.,; a<.i:t~flhl!\ !.pcu:tin~uisEas. É d iscuti'\'e] a consistênda Jógka ela fundamcnl;1ç:1o. C1.H11 ddw, quc~-
Nfü) s.; !lrcwm.1. c1ufrmsin1, l;llC o arguído tcnhn lançm.l<i l~l :irlcracl<l tfüi prévia à .tplic:lção da 14.írmula pnsi Li,,:, de Frank é n de uma rigol'l):,:a
prupn.1;ic:,dm11cntc na dirc<.':,:à<J d~s.lia hancacia. querendo poi5 uu uçc~hualo delimitação do objec10 do dolo. isto é, dn acção qu.: produ7. o 11,sultado
ql1C' o mesmo fos~e ;.li i punir. · típico. Ora, estn ~u;'tão pod~ ser <.fcscritc1 com .Jjven:os grmtx d(.' .,;oncrcti:r.a-
Pclll -:-flumlri1,.1, pnn-t.111-$~ :dm que n arguido o tlilo pre1enll~u l~·.;lçttr ç.ão. Pelo rnodo comu foi descrita no Acórdão, coem, dispa1-rJ cHcamirihaclo
fn~uc\t'. m\ <.ILn.:cc;ii<> n1,.11·te, de bnixo para cimit, t~rn l'lln:o. C<tnfiando em que na d~recção de um~i hancada cheia de pessoas, scl'á nilo só necessário ex,
<.1 mesmo viesse a ~nhrevoar ::i bancndn o;.iusta t.lo estádio (e nãn, ob,•üunenlc cluir o dolo eventual como se terá que reconhece, que o próprio clccnenlo
;i a(ingi-ht).
intelectual do dolo estará prejudicado. Ivlas já se teria qu" chegar a outro
·rendo resultado pruvidu C.(Ue o atguido não pre\'iu que o Jançnme1lto
do St~und-0 foguete «vcry-tight" pml~sse: otingh- qua]quer do.s cspcctu<lon::s,
re.sultado no caso de ~e vir a questionar se o ageme 11,ria representado atin-
eHá à partida afastada i pnílic:. de um homicídio doloso. gir uma bancada cheia de pessnas, (JUanrlo pretendeu disparar para além da
Com cícüo, o tipo subjectivo dos crlmes tloJosos comporta neces.s.a· bancadit dos especlado!'es, sendn1 nesse caso dcstrita a ncção a pm1ir da xua
rimnent<" um clc.n~nto intelectual (conhecer. saber. prever o::; elementos finalídade.
ohjecth•oi; da tipo) e um elemento ooguiti\·o (querer directa ou necei;i;aria• Nesta última perspectiva, a fórmula positiva de l'rnnk mlo excluiria.
m~cl1e c1:; elemcntC'l.s do tipo objr:cti\•o ou conformar-se com~ su.H verificação). necessHrjamente, o dolo eventuH1, no c~so de sei· provada mna tal rerrc~
,\$sim sendo, mesmo na for1na de dolo eventual, l'.xige-se, sempre e sentação pelo agente. 1:( não seria fácil, num pl~no lógico, deixar de con•
primeiro. a ,·~1·if:<"ação do elemento intet~curnl, o qual eunsêstiria. no caso siderar provada a representayão de que a bancada dos cs1>ectadorcs seria
cm l'lprc~o t ;lOS termo.111 da acusaçNo (horo1C(dio cnm dolo cvcncu11.I) <:m (jlle atingida, po,s o próprio Tl'ibunal reconbece <.:orno óbvio 4uc se o agenLc
u arguido tives~e previ~Lo ou livesse sabido que a !iótl~ :=ondutti conr.reta soubesse que o foguete, con1 potencialidade leLAl, se e11caminharia na
pnderi:1 alingir >ilgnin do!ió espcctadorc5 e, qne se ta] acontecesse, pot!cda direcção da b;iílcada só poderia aceitar• realização do, um res11l1ado (morte
pro,·ocar-Jhc 11 :none.
Porlauto. a factu.iEdnde .tpurad1:1, a integrnr a prátic.a de 1,;m crime cte
de 11ma pessoa) c111e previamente admitira emno m11 ito pro~,ívcl.
homiddio. sá p1,.ldt:l'fl ser relath•mncnte ao tipo negligente(.. )"
O ponto central ela fundamentação tornou••$C, assim, " factualidade
objcclo de refer~ncin da ceprcsentaçfio do agente. O Tribunal excluí, à par-
tida. qnc esse objccto de referência sej• a acção real e concebe-o em fun-
CO,WENTÁRIO BREVE DA SOI,UÇÃO JURISPRUDENCIAJ, ção de urna acção ptojectada, o disparo sob,-e a bancada cios cspectadores.
E o Tribunal concl11iu que o agente não representara seque, o desvio do
1. A decisão revela <1ue QTribunal adoptou como critério de distin- .. \·cry-,ight''.
(:()(O este proccdímento, a lógica funúarncntadora de,caracteri,;ou a
,·ã(l entr~ dolQ eventual e negligência consciente a fórm11la posiciva de
í'rnnk, a qual se traduz na possibilidade de descrever a represent:içao du questão de facto comQ urna venladcira questão dQ.~ límites entre dolo cvcn•
ai;e111c como um "aconli:ça Qque acontecer eu ajo'·. difer~ntecnente da fúr- 1ual e negligência consciente. !'oram suhtrn(das an juí,,, sobre <I cl\:ill<'lllO
L, ~t ~u \JLf LJ uuu 11 ·ui rr··r1M~r.r,rriJT:r.rwrna Ja Tr'Il
:rH, Crr.sos e 1>,~dt:ric1is de. t/ir('i.tlJ pemll IV•• J11n.v,rm/r'uc1',1 ,·(,,., to/lur1,1i, ,\u1•• 11,,1,·\ r """ ut,,d,1 l I,'

inlt:lectual do Uolo jnte.rroga~·.;'fo:s, sobre a rnak~rL;t de factn, po::;sívejs cm para ,-evelar que a acção realizada é uma aC\'i.h) 1i pk:uu, 'I Ili' ,l,•t l•·w1111• 11n
fu;1çfü:, d~ ac<.:·ào real. tal ,:omo ;i de saber se o agem..:: não terfa neccssaria- ::;ua con,1;íslência racional, e, purlamo, não Jolo~a.
m~iH~ de tir represcncaclo como ~ossfv.;.~l que o ◄►vl!ry-Jight'' se dcsviarh; da A conformação com o ri~co do resuh;ulo hnpl ic;nfo, aufo.-., unia t kl 'i
~:,a 1raject,5ria e atingk:a :1 ha11cada dos c.spt:ctadoi·es. ::;iío cm qu~ o ri.~co do resultatlo scrfa normalmculc a1.:ci L;.Í •;cl e l:on.-.i:-.h·rih~
,\ fondaniciLfaçiío d« decisão penncte. as:-iin1. a configuração da maté- com a motivação da acção.
ria de fac1<.1 1: de todas a~ possíveis int<:rrugaçties sohrc ~la, de modo aclc- 2. Um aspeclo <JIIC a ,lcdsão nau explicita é o da relação ent,·c o ele-
<1uaclo à qualifica~iio co1110 um honiicídio ncglii:ente, Mas será justificada mento intelectual e o volitivo do dolo. Pressupõe a doutrina, lrndicio11al-
rar simpliêic"<;iio dos aspcclo8 subjectivus da matéria de facto? A ditttção nu:nLc, que c~Lc~ c.Jojfi dcmcutos sejam aut6nocnos e que n averiguação
do fogueie é, necessariamente, a t1nica focmalidade ot>jecto elo dolo no do t>rimeiro pre.ced;i a do segundo. l'orétn, uma Lal delimitayãu eoncep
('~~() COJ\CIT.tO? tuaí. é merainente produto cfa ~mmse conceptual, na b;1se ela 4ual cs(á o
.âa rcspo~ta é n<:ga!iv;t. Na ve:x:lac.Jc, cm vádos oulros cnsos de doJu a cntendímcnto de <1uc a VClHçiio depende da cogniçà<1 e c.Ja consciêm:fa.
p('rgu11lê1 sohrc <l dcaw:nlo i:1tclccrual. cio <1c..Jo não é tàn c:oncrctnmcnlc N;to s() a tctJri;1 cJa acc;ão pode rccuuhctcr comporlamcnlus rin~tis não
n:fcr!CJn à (l('Ção re.tl. N:lo se pcrguu~a, por exea1p1o. se o ageJ~tc prc\·il1 que consdentes como para a teoria aC;tunl é con~iclcracl~1 bastante unm mera
dü,para,,.::i na direcção do dedo t.Jn 1m~nh1a da barraca de tiro (caso Lacmann), consciência concomitante para afirmar o dolo <1uai1Lo a alguns clcmcn1os
11u1s apenn:-i se poderfa accrutr 11~1 mão dela an disparar m, direcyão da boJn do tipo legal de crime (sobrcmdo a idade da vítima no; crímes ~exuais).
que ela S:!gura-v;i,, Dc!>1e rnodu, é pertinente a quc:-clão tlc saber se po<lcrá verificar-se dolo
A si mplifica~ãu cio 1xoblema pelo Tribunal, cocno aconteceu no caso eventual sem um:1 clara representa\;'.;º elo rt;::;ultado l.ípic<.l, cm :,;iLUaçõcs
apreciado, podi: ler conéuzido à dedsiio ju.~ca, mas não perrnilt\ por si, uma cm que o risco do mesmo i·esultado, objec.tivamente associado à acção,
corrccl:1 ::;oluçao de oulros casos. Com c:feito, nas acyões de gJ'andc ri.~co, seja muito elevado. · ·
r111 que a ;io.1slbilidade do erro e do desvío do processo cau8al é grande, o Porém, a resposta a e~sa ques\Jio lerá de ser muito prndcme, de .modo
objcclo do •Jecnento inlelectua! do dolo é a própria pussibilidnde de desvio a não ser permitida um• descrição pdo Dirt:ilo l'cn•l ela rcatidiulc suhjec--
<l,1 pn.,c:esso caus;.11. tiva vivida, impl'evisíve] para os destinatários das normas que viverem as
Por6m, s• o Tribunal nlril:n1ísse ao risco do resultado a cp,alidadc de situações concreta.~ e tomaram efeccivamem~ ab decisões. Não basca, com
obj..:tlo do e1P.menco iulclectual do doJo não· s:, deveria, mesmo assim, pru- efeito, em qualquer situação, nm risco ob,iectiva111enle intenso d., 111n resul-
,•avclm,nte. concluir pelo dolo eventual, apesar de ser m11ito dif/cil negar tado 1>arn se poder afirmar a aceitação do mesmo, sendo sempre necessário
a Yl?dfkação tlo elemento hHctcc:lual do dofo. c1ne haja um contex10 motlvacionnl, objectivamcnte. pc,·cept(vel, CJUe pel'-
Con~ cfci10~ seria apenas o e]emcnto voJith'o que poderfo levar a miLa ao Hgcnlc rcprc~cntar a !,;Uâ com.luta, cm concreto. corno il!,sodadn ~
e:~du ir o do]o e\'Cntual. No caso concreto. a inacéria <lc facto não tc\·cla, produção daquele resultado.
uo ca111po das moli vações, elementos de suficfonle peso para alírm.ar a 3. Finalmente, esta análise revela q1Ce, em casos como o que foi retra-
rnnfounn<;~io com a rcaJii.a~:ITo do facto típiúo, ~~do no Acórdão, haverá prcvalGncia de razões de culpa sob,-c a identifi-
Cl11..~ga-sc u uma t<lf rondusãu não pela apUcas·ão :mtomática da für- cação de un1 dolo meramente psicológico. A qualidade da8 moti v~çõcs. o
mul:t p<l~iti v;i ,i.: Frank, p(1is o agente não Lcr:í. rrovavelmen1c, pensado, ccmdícionamento da consciência pela representação ele um objectivo ele festa,
1efl-:<:Li<.fame-nte. na sm.:cs~iio ele acoulcdmentC'l.s, mas pela interpJ'etação cl;1 tH1o pCrrnitcm apreender, no facto, unm pcrsonafü.Jadc ho!-ilil úu sequer
s,;;,1nênda hSgica c11tre as n,úti vc1<;t)\~ do agir e o dc.sfücbo da acçB'o. numa indifere.nre à preservação de bens jurídicos. O agente, pese embora alguma
perspcc1h·~1 ele n1cioc.fnfr, pnieico. inevitável previsão de danos da sua c.ondllla. não pretende ohte,· o pra1.er
O fim lúdico assodado ao <li.~p:iro festivo du "very-lighc" llfü.> en- da fes1a a todo o çus(o, mas Iudo leva .1 crc~r c.1uc co11fia cm que nenhum
:::lob:l. nos 1.Ças4.l~ de uma per!>onalidarle detcrminadn por múli\·açc)es nor- ferimento suc.ederá como consequência elos ~eus actos. l\1esmo que. não
nrn b;. a accüaçfü.l dn cnonc tlc um espectadur. H:;te contexto si_~nifkath·o seja possível afastar totalmente uma interpretação dos factos como repre-
é e~s~ncial. sentação pc,~sível de lesão de 11essna.1, não haverá 1,uuea urn dulu psieu-
A dcs(:rição da 1~acç<fo do nrgtddo, c~rn sua casa, é c$::;endalfssj n,a 1<.'igico suficientemente determinado c1ue justifique urna ,crtladciru culpa
:;7~ Ca.ms e umwrirris de ,iirc:iw petwi
---·
dolosa, isto é, a censur~ dn expJ'essfüJ, no facto. de urna personalic.bule
in<lifere11te. ao resnll:ldo e conducente a uma motivação do resultado e.d"
aceiwção do J'jsco do mesmo.

ERRO
DOUTRINA Sentença do 1'1.;ibunal Judie.ia\ da Anadia
~ll.·u1KH. Karl - U1•1,ff.m,·lw1w1.·1• llb~r.- Vor,w1iz wid J.'n/;r/ii~·stg.~eit im Srmfrech:. 1930. ele 3 (le Junho 1994
n:i,npr.. Aalr.n, 19(-iLXlV Acórdão da Relação de Coin1bra
FRISCIL Wolfg:ln~ - lr(u·sdfZ muf f<isi:w- Grwtdjragen de~ íarbes!anJ.(mâ1Jige1r Ve.rhiil,wi~ de 14 de DezenJl.>ro ele 1994;
""'' ,h·s v,,,·.m,~J:'.<., l(ülnlBe,lin/Honn/MOndn:n, •98:l ·
Carfr,ta J>i:arro d<.' Almeida
Kú1•1.~·R. Mil'l1:u:I - 1),:,. /,c1rnssw i"a,'1rta.\·.1i.,tkrir: ,·/1:<' :rt1'l!/t·ecl,,Udu: •- i'f.'('/1/.\JJhd,,.wi,•,lli,\·•
,-n,• i/11,,•r,md1r,u.~•. lk-id.::lbcq~. 1&;11U
Erro sobre proihições - Falta de eonsciênciu da ilidt11de • · Critério de
1>,\t\1,\, ftrn~nd::i - D,s,•,:,,,çâo entn· dafo dl'e11mnl e rlf$ligê.1rcia r:m~.tcient.: r.m Dirci1c1 distinção entre o erro do nrtigo 16.º e o erro do artigo 11." do Código Penal
,~1:".olcJ/, J,·,.t.►ijic:.cÇ<IO <,'e. 1m1 c:rilério de wmtarfo, diiSCrt.t\iO tle 11\CStc.:trl<.1, :981
-Dir~,;r,~ f'mui i -P()rrt>. sem/ (Refa1ó1io 11.presen<ado n<.1 Cm1ci:no de Prof~$.SOt Associl'lch,
ua Faculcb.dc:- llt' Dkd<o dil Onio,•e1sidllrtc eh: Lisboa}, 1998, t:m put:llc:i<jiu O CASO (:WATÉRJA D/!, FACTO PROVADA ii,it TRIBUN.ltL)
P::1n·JKA, kui - O ,lolo dtt ,•,erlNc>. Lisb:i:., 1995 O arguido S. exerceu f,111ções como Presidenlc <la Câmara de X desde
p;,,\17.r;l•r-lt.ll•:1<.. lV:nfri('Ll f.)jc: /Je1rrr.~·.\·(,\·('Í1ij'rmu rlt·s Vc>r',"'t<.t.~: eiuc ~ll'(!/ivd;tsdo.i:.01,·,,1i,r Janeiro de 1977 alé 1994. Entre 1986 e 1990, o arguido/\. fui vereador cm
d1e t,,·,,u:r.md1w.','i cm/ ,,,\·,vd1c,to.~isr;llt:JJ Grw,•c,'laJe. Wi~n. 1964 regime de pcnnanência, cstanclo-lbo coufiado o pelouro da :írca aclminis-
:,;.~·1umr L lHt\L·h -· V(Jn:,:.•.:: uml /rrmm, tvHindlcn, t998 traliva e da contabilidade. Nesse 1,eríodo, foi-lhe ;,Lrihuida compclência,
pelo afgt1ído S., pafa autorizar o pagame11to das despesas <1rçame11tad,1s. de
.i)FG':.RT. l:jri<.'h - Vr,rsu!:;. Sâmid !md Von•cr~·dur(d4:11, Bcrlin, 1987
acm·do com o que era deliberado pi:lo executivo municipal... Os arguidos
l\'c1ta: A t~cass<.'? da biMiogrnfül porlu~uesa impõe: a 1>esquis:, tlc: lite,aturn Clilron- sabiam que os contratos àe fou,cdmento celebrados P-'la autarqui.1 i:sta-
~l·irn. ~:i. scl<.'r.;»o realizad:, pcescilldill s.:: de trli~os. c;t,j~1 c:ité\ção é\Cl\>::i.1ii~dl-l poderá ser vam sujeitos, nos termos dos lJccretos-leis 390/82 e 14<-iiRO a visto prévio
<.ú,:ida nos tratruio df Uir~irn P,wcrl. de Cl1tus Rúxh1. de Jc.,;check Oll J,.,kob~. ~ue 1a111hém do Tribunal de Contos. Kão obstante, no exercício das ~uns funções, o ar-
1
sád a~c&sh·cis t:t.\ tradu\fU.> ..:~píll)hol:\ {Jl'lkl)h,~. ü. - Oe.nu:ho P~u<1/, P"rlt Genem, , Fun- guido A. autoiizou, se:n1>re com co11becimento do :trHLlido S., diversos
r,'m.o:,wro.t e Tnmér ele ,'a .'mpuwâ6n, trnd. d.i 2."' ed. llh:má de I, C\1r.ll<.1 Conlceras e 011cm.
l 9~5~ ~oxin. C. , De,·~dw Pe11dl, Pr.rre G,•1:(•rnl, 1, FunQ'amemo,(. [,n t'~lrucrm·(t d1t ler lt'O• paga1nentox respeitantes a contratos de fornecimento que, não Lendo .si~o
, ,;e, dd deiiw. tr:i'1, dl'. 2.'· ed. a~c111ii <lt: D. M. L111.ón Peíta e. outro.o;, J99J~ Jc:s-ch::ü, Trurnc,1:J cdcbrados pof _csc.rito, não podiam obl~r o visto do Tribunal de Contas ...
d<• TJercdrc> Penal. Pc;rte Ce11erol, lt'ó'!d. d::l /,,." t:d. alem5 <.lc: l L. Man?.afl~~s Samar.:iego, Os arguidos sabiam que lodos os pagamentos autorizados tinham cohertma
199~). lmlit:t.l'::'l·,n.sc. rm~on. otlrn& mu11us;táfic:1s c:.uu~iderndM c:.sscmciaii p::m~ uml'I mai~ orça111cntal, tendo agido sempre de comum acordo ... Nitu ficou provauú
apmfurn.lad.l compret-•~~lio do rmblfJllíl, que os arguidos soubessem da proibiçáo e punjção legal da sua c<.mtluta.

A DECISÃO E OS SEUS FUN!JAMENTOS


1. O Tribunal da Conrn,·ca de /\na<lia proforiu scntenç,i <;uc absolveu
os arguit!os S. e A. <la prática du crime previsto e p11ni,lo pelo artigo 14.º
al(nea b) da l.ci 34187 ele 16 de Julho ("O tillllar do c:w·110 políri<:o" qflem.
1
.
Pub1ic.ados na Rc"i-;~ rortuguc:::w t1e Ciênda CrimiJlíll Ano 5 - 2.".

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