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Desempenho, Psicanálise e Psicopedagogia MarciaMD
Desempenho, Psicanálise e Psicopedagogia MarciaMD
A escrita deste texto foi elaborada com dados qualitativos construídos no campo de anotações
feitas ao longo de seis intervenções terapêuticas conduzidas pela autora de modo remoto e
presencial na cidade do Rio de Janeiro. Com a atitude investigativa do método clínico, trechos
desses manuscritos são apresentados, de modo ilustrativo, em articulação com algumas
contribuições da psicanálise. Os conceitos de transferência, contratransferência, desejo e
sintoma direcionam o olhar para o mundo interior do paciente; e, para a elaboração
intersubjetiva constituinte de suas subjetividades. O acolhimento das queixas e a investigação
dos sintomas são situados no contexto socio histórico descrito por Vincent de Gaulejac em
termos de uma sociedade gerencialista com imperativos de alto desempenho. Nessa, as
expectativas de desempenho perpassam as instituições de ensino e de trabalho o que auxilia a
compreensão do baixo desempenho enquanto um sintoma social que se entrelaça às queixas
que chegam com as demandas por atendimento psicopedagógico. Na vivência da relação
transferencial, observa-se as expectativas de alta performance sendo relativizadas; e, novas
trajetórias com experiências de estudo e trabalho sendo possibilitadas pelas dinâmicas dos
processos de aprender, conhecer e saber que, tal como descrito por Alicia Fernández, se
articulam na dimensão simbólica do inconsciente.
ONDE PUBLICAR
Tempo Psicanalítico; SPID
Manuscrito - com 25 laudas no máximo
TRIEB, SBPRJ - artigo inédito referido ao campo teórico e clínico da psicanálise e às
articulações com outros campos do saber Psicopedagogia. Artigos sobre clínica acompanhado
por uma discussão teórica e/ou crítica, seguindo padrões de confidencialidade para publicação.
Máx. 40mil caracteres
Construção Psicopedagógica, Instituto Sedes Sapientiae, SP
Artigo original: artigos completos com tema original e tese, contendo introdução, métodos,
procedimentos básicos, resultados, discussão e conclusão - com 25 laudas no máximo
Revista Psicopedagogia, Associação Brasileira de Psicopedagogia, SP
Artigo Original: relato completo de investigação; a estrutura deve conter: introdução, métodos
(procedimentos básicos), resultados, discussão e conclusão; deve conter ainda: resumo e
abstract, unitermos e keywords; limite entre 15 e 25 páginas
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1 Apresentação
Para Freud (1930[1929]/1976), a disposição para o amor, dedicado à humanidade pelos pais da
civilização na mitologia grega, Eros e Ananke, não é suficiente para coibir os instintos de
agressão e autodestruição da espécie humana. A civilização precisa funcionar de forma
coercitiva, a fim de proteger o homem contra ele mesmo (Freud, 1914/1976). Nesse sentido,
segue o Autor, a educação dos jovens precisa lançar mão de dispositivos capazes de conter os
impulsos e hostilidades dos seres humanos para com a coletividade.
A postura que decorre das ideias de Freud difere de estratégias disciplinares de repressão
aplicadas no campo das instituições de ensino. A abordagem da psicanálise propõe que os
desejos e interesses individualistas sejam reconhecidos, que possam ser nomeados, falados. Isso
não representa fazer todas as vontades dos alunos, mas implica na consideração da fala como
uma prática profilática e terapêutica.
A leitura da obra Freud Antipedagogo, de Catherine Millot (1987), nos permite inferir que,
sendo a educação a ‘porta de entrada’ das crianças no mundo civilizado (seja pela via da relação
de amor transferencial para com os educadores ou pelas dificuldades que surgem nesse
caminho), o entendimento sócio-histórico desse contexto é motor para uma ampla compreensão
das demandas que nos chegam no âmbito da clínica.
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Por mais humanistas que sejam os valores de uma instituição de ensino, ela é portadora das
diretrizes da cultura circundante que exaltam o alto desempenho. Nela são veiculados princípios
que exaltam a excelência, a competição generalizada, a constante superação de si mesmo. A
partir da mais tenra idade, essas instituições propagam o alto desempenho como o padrão
adequado para a construção subjetiva. Em alguns casos, o resultado pode ser gratificante; em
muitos outros, trata-se de uma maratona de desafios que se mostra destrutiva na perspectiva da
construção da saúde psíquica dos sujeitos ali envolvidos.
Passados quase um século, o alto desempenho afirma-se como um ideal almejado, mas não
como um fenômeno constatável. No universo das instituições de ensino, por exemplo, a alta
prevalência da dificuldade para aprender tem sido repetidamente verificada e quantificada
(Rotta; Ohlweiller; Riesgo, 2016). Ou seja, nesse contexto, algumas crianças e adolescentes
alcançam o desempenho esperado, mas muitos não conseguem atingir o almejado. Somam-se
ao número de alunos que tiram notas ruins, fazem recuperação ou repetem de ano. Tornam-se
motivo de preocupação para suas famílias e, eventualmente, procuram um serviço de
psicopedagogia encaminhados pela coordenação da escola; trazidos por pais temerosos de que
sejam reprovados; e/ou, desconfiados de que sua baixa performance se deve a um possível
problema com aprendizagem que não foi adequadamente tratado no passado.
A relevância da temática do estudo que aqui apresentamos foi, portanto, percebida a partir da
alta incidência com que sujeitos que sofrem com o seu desempenho tem buscado a nossa clínica,
E, com frequência, com que apresentaram a percepção de que serem: incapacitado, falho,
vergonhoso, preguiçoso, menos valioso, pouco inteligente, inapto para vida e, até mesmo, não
merecedor de estar vivo.
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Muitos relataram que, em sua história pregressa, alcançaram pouca ou nenhuma compreensão
sobre a problemática relacionada à frustração da expectativa de alto desempenho. Assim,
trabalhar para aumentar a compreensão sobre o nível simbólico (inconsciente) de tal sintoma
delineou-se como um objetivo gerador de subsídios que podem contribuir para o melhor
atendimento da demanda daqueles que sofrem com queixas de baixo desempenho e que
solicitam atendimento clínico de psicopedagogo(a)s.
Tal disposição parte de indagações teóricas que se entrelaçam com experiências vividas na
prática clínica da própria autora e é norteada pela questão: quais são as contribuições que a
Psicanálise traz para a Psicopedagogia Clínica no que tange a lida com essas queixas de baixo
desempenho?
Com essa questão norteadora, exemplos colhidos na prática clínica particular da autora deste
artigo apresentarão, de modo ilustrativo, a conceituação teórica do campo da psicanálise que
nos auxilia a melhor compreender o baixo desempenho enquanto um sintoma social constituinte
da queixa que chega com a demanda pelo atendimento da Psicopedagogia. Essa atitude
investigativa combina dados qualitativos construídos pelo método clínico. Desse modo,
conceitos como transferência, contratransferência, desejo e sintoma chegam em auxílio para o
direcionamento do olhar clínico para a compreensão do mundo interior do paciente e a
elaboração intersubjetiva que acompanha uma intervenção terapêutica.
Laura Monte Serrat Barbosa (2012) observa que a Psicopedagogia é aquele campo de saber que
foi inicialmente divulgado por Jorge Visca (1987). O professor argentino, por meio de
publicações, cursos e palestras concedidas no Brasil a partir da década de 1970, se referiu a
Sigmund Freud (e a outros estudiosos da psicanálise, tais como Wilfred Bion e José Bleger)
para afirmar a interseção teórica entre o conhecimento proveniente da Psicanálise e a
Psicopedagogia Clínica.
Alicia Fernández (1990) também entende que a Psicopedagogia Clínica é um campo de saber
que tem fundamentação teórica em conceitos estabelecidos pela Psicanálise. Para a autora,
conceitos como o de ‘inconsciente’ e de ‘transferência’ permitem o entendimento da situação
clínica como aquela que propicia uma compreensão sobre o sofrimento que acomete o aprendiz.
Tal entendimento, reconhecendo a transferência envolvida na relação terapeuta-paciente,
postula que o(a) psicopedagogo(a) i adote, entre outras, a prática psicanalítica da ‘escuta
flutuante’. Em termos de procedimento, Freud (1912/1976) recomenda que a ‘escuta flutuante’
i Usaremos o termo terapeuta para fazer referência ao(a) psicopedagogo(a) que atua na área clínica.
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receba todos os enunciados do(a) paciente com a mesma atenção, receptividade, abertura e
disponibilidade. Ou seja, o terapeuta deve conceder o mesmo grau de importância a tudo que é
dito pelo paciente.
Ana Celina Vasconcellos (2018) reforça o caráter diferenciado que essa escuta deve ter e
recomenda que o terapeuta sempre dê um intervalo entre a fala do cliente e a sua. Isso pode
significar um tempo de abertura para o outro, um espaço para o silêncio operante. Desse modo,
abre-se mão do lugar do especialista detentor do saber (ou das respostas rápidas) para que se
possa receber a demanda clínica como uma construção particular de um sujeito em diálogo com
um terapeuta.
A magnitude que tais conceitos da Psicanálise têm para a situação clínica é reforçada por Ana
Maria Zenícola (2007a) já que “os referenciais teóricos de que [lança] mão para [o] trabalho
psicopedagógico [incluem a transferência que] transforma a relação do aprendiz com o mundo
[e] a leitura de mundo do psicopedagogo [que] é usada no relacionamento com esse sujeito
(contratransferência)” (p. 184). A Autora ressalta ainda que, junto aos conceitos de
‘inconsciente’ e ‘transferência’, a Psicopedagogia clínica deve observar o conceito psicanalítico
de ‘desejo’ para que se compreenda o processo de aprendizagem. Sobre isso, afirma que, ao
longo desse processo e de toda a nossa existência, os desejos são inscritos em dois planos
simbólicos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro é o plano da realidade objetiva da cultura
na qual nascemos inseridos. O segundo, subjetivo, que abriga o desejo que que se inscreve na
instância do inconsciente e se inaugura a partir do desejo do outro (que alimenta, protege e
cuida do bebê humano). Assim, o desejo nasce no âmbito de cada sujeito, mas é forçosamente
incluído em uma realidade que é construída pelo homem – portanto, plena em objetos, criações
e costumes. Sobre isso, Zenícola (2007b, p. 55) escreve que “[o] ingresso nessa realidade é feito
pela mediação do outro, cujo olhar inaugura a possibilidade do ingresso no mundo simbólico
da cultura, ou seja, no mundo do ‘pai’, o mundo da lei e da ordem.”
De acordo com Barbosa (2012), a prática psicopedagógica assume um olhar clínico quando
exige do aprendiz uma postura ativa para que, por meio da sua fala, brincadeiras, movimentos,
e etc., estabeleça uma relação terapêutica. Tal olhar clínico postula o aprendizado como um
processo subjetivo que se dá sob o engajamento do desejo do aprendiz-sujeito. Pressupõe a
aprendizagem como um processo contínuo, pois que, “[a princípio, aprendemos] para
sobreviver; a seguir, para nos relacionar; para atender à demanda do outro; e, finalmente, para
atender aos nossos próprios desejos” (Zenícola, 2007b, p. 55).
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Para enriquecer a reflexão sobre as interferências que incidem sobre o desejo e o processo
contínuo de aprendizagem (em crianças, em adolescentes e em adultos), trazemos alguns
apontamentos feitos a partir do texto de Zenícola (2007b). O surgimento do desejo e o processo
de aprendizagem no bebê está completamente imbricado no desejo daquele outro, que
geralmente é a mãe, com o qual há uma relação de dependência absoluta. Com o crescimento
há o aumento da autonomia e das possibilidades que canalizam o desejo de saber. No
adolescente, o espaço para a aprendizagem ganha autonomia e amplitude com a viabilidade do
pensamento formal, abstrato e hipotético-dedutivo. O desejo de aprender é atravessado por
grandes modificações no corpo, nas emoções, nas relações sociais e pode ser engajado por
novos desafios. No adulto, por sua vez, o desejo e o processo contínuo de aprendizagem são
afetados pelas demandas sociais e do mundo do trabalho; e, o engajamento do desejo do
aprendiz-adulto é uma força motriz necessária para promover a sua “inclusão no mundo
globalizado, complexo e competitivo”. (p. 77)
Definir ‘desempenho’ como um fenômeno, nos mostra Hilton Japiassú e Danilo Marcondes
(2006), implica em tomá-lo como aquilo que nos chega pela experiência e compô-lo pelas
impressões que a nossa própria faculdade de conhecer nos permite. E, observar a dupla acepção
do termo que se refere ao globalizado (pois envolve experiências semelhantes que têm sido
compartilhadas em diferentes países no mundo todo); e, por outro lado, diz respeito global no
sentido (pois pode ser utilizado em diferentes registros: econômico, financeiro, intelectual,
físico e psíquico) (Gaulejac; Hanique, 2015). Em comum a todos esses registros, há a ideia de
desempenho como um ideal de positividade (mais eficiência, mais eficácia, mais otimização),
que leva o portador daquela performance ao patamar dos mais elevado, do excepcional, do que
é capaz de uma mobilização subjetiva de potencial ilimitado que o habilita para o universo
competitivo do mercado de trabalho globalizado.
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Gaulejac e Hanique (2015) acrescenta que o ideal do desempenho é característico da nossa
sociedade e essencialmente paradoxal, pois traz em si contradições mutuamente excludentes e
inconciliáveis. Por exemplo, uma mesma pessoa pode se lançar em dinâmicas de alto
desempenho que o exortam ao excesso (pelo alcance de uma performance cada vez melhor a
despeito de qualquer ônus sobre o seu bem-estar subjetivo); e, em outro momento, se encontrar
lançada na posição da falta (pela ausência de obtenção de um desempenho satisfatório ou pela
falta de possibilidade de se engajar em alguma oportunidade que gere desempenho). O
‘desempenho’ pode ser percebido como um registro da insuficiência e da falta; ou, como um
correlato de um sentimento de vitalidade, energia e criatividade revigorante. Há sujeitos que
buscam no diagnóstico clínico para suas dificuldades com aprendizagem um continente para
abrigar o mal-estar, os adoecimentos diversos, e até a loucura que acomete aqueles que são
pouco afeitos a viver no paradoxo da sociedade marcada pelos imperativos do alto desempenho.
Com isso, o sistema educacional restringe o espaço para o reconhecimento do desejo de cada
um no cotidiano de práticas e discursos que substituem a virtude envolvida na enunciação e no
diálogo sobre os próprios desejos por asserções que reafirmam normas, ideologias, dinâmicas
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de funcionamento e valores que convergem com os alicerces da sociedade ‘gerencialista’ do
alto desempenho.
O artigo de Simões, Kyrillos Neto e Calzavara (2023) relaciona a ideologia escolar a uma
expectativa social de desempenho ao afirmar que
Ou seja, a ideologia escolar que baliza a constituição subjetiva de crianças e jovens “destaca o
‘desempenho’ como um novo mandato do sucesso profissional”, reproduzindo como
universalidade uma suposição de que os sujeitos capazes de alto desempenho são/serão mais
bem sucedidos no mundo do trabalho.
Para Alícia Fernández (2001), esse olhar pressupõe a vocação psicanalítica que possibilita a
emergência do plano subjetivo, da ordem simbólica e desejante. É no entrelaçamento dessa
instância com aquela da realidade sociocultural que o desejo pode ser inaugurado e o processo
de aprendizagem se coloca em movimento.
O enfoque clínico que aqui se distingue inclui o sofrimento subjetivo no espectro das patologias
da aprendizagem. Adota uma postura ética que se debruça sobre o sujeito em sua singularidade
e considera sua saúde. Ou seja, não toma o enfermo pela sua enfermidade. Como exemplo,
Fernández (2001, p. 53) cita o caso do menino que “se movimenta muito e não atende porque
é inquieto e desatento”. Neste enunciado, a Autora indica que o menino é definido por sua
singularidade. Descrevê-lo como aquele que é desatento porque é portador de um Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) seria, nesse caso, defini-lo por um enunciado
geral.
Nesse sentido, a demanda que propulsiona a busca pelo nosso serviço de Psicopedagogia
Clínica é acolhida por um modo de ‘escuta’ de inspiração psicanalítica. Uma recepção sem
hierarquização de valores, que recebe todas as múltiplas formulações do movimento de busca
terapêutica. A motivação que busca tal consulta (seja originada por formulações feitas pela
escola, pela família e/ou pelo próprio paciente) chega acompanhada de uma queixa explícita
(que pode incluir uma queixa latente). Para Maria Lúcia Weiss (1992/2020, p. 48), “[é]
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necessário que o terapeuta compreenda essa situação e busque ‘filtrar’ os pontos [a serem
pesquisados]” a fim de entender o significado do que é comunicado e apreender o que precisa
ser tratado naquela situação.
No caso de uma demanda mais inclinada para o processo terapêutico, nota-se que existe o desejo
(de se compreender melhor, por exemplo); a disposição (de se fazer um investimento que
envolve tempo e dinheiro); e, a possibilidade interna para se engajar com o tratamento. A
avaliação da adequação da demanda deve ser feita no início da construção de uma relação
terapêutica a fim de que o terapeuta entenda o quanto os processos que causam sofrimento
poderão ser explicitados e revelados em sua lógica singular.
Essa compreensão de que a ordem simbólica é única a cada sujeito, “designa uma dimensão à
parte, definida e especificada só por suas articulações internas” (Lemaire, p. 111). Tal essência
subjetiva se sustenta por si própria e constitui-se sem possuir uma referência direta no mundo
real. Ainda assim, está articulada a um plano sócio-histórico no qual baixo desempenho emerge
metaforicamente como sintoma de uma doença social.
Aqui fazemos referência ao sintoma como uma expressão do mal-estar e sofrimento associados
aos mecanismos de poder que Gaulejac (2007) chama de ‘gestão’. De acordo com o Autor “[a]
gestão não é, em si mesma, uma patologia. A metáfora da doença é um artifício […]” (p. 148)
para descrever ‘gestão’ como aquela “ideologia que legitima uma abordagem instrumental,
utilitarista e contábil das relações entre o homem e a sociedade”. (p. 31).
Nesse cenário, predomina uma lógica que valoriza o sentido financeiro e quantitativo da
produtividade e do desempenho. Em termos psíquicos, isso implica em psicodinâmicas que nos
levam à ‘identificação’ com o ideal de alto desempenho pelos mecanismos de: ‘introjeção’ dos
ideais de sucesso profissional; e, ‘projeção’, pois qualidades desejáveis para si mesmo são
lançadas à noção de desempenho. Logo, o desempenho acadêmico e/ou profissional é um
campo ilimitado para o ‘engrandecimento’ e/ou o ‘esvaziamento’ subjetivo. De acordo com o
nosso entendimento, seja em um polo ou em outro (ou na oscilação de um polo para outro),
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queixas que explicitam mal-estar e sofrimento com baixo desempenho encobrem conflitos que
são inconscientes e não são de simples acesso.
Seja como parte integrante de uma sintomatologia que revela um quadro de adoecimento
psíquico e/ou como expressão psicodinâmica de uma trama social que causa desconforto,
tomamos a queixa com o próprio desempenho como um sintoma.
O baixo desempenho é, por esse olhar, compreendido como um sintoma ou, como: um sinal
que traz à luz um pouco do mundo imaginário; uma expressão do que está excluído e não pode
ser reconhecido; uma pista que pode nos conduzir para o que está ‘recalcado’ no interior de
cada sujeito; ou, no esclarecimento de Lacan, o “efeito do simbólico no real” (Chemama, 1995,
p. 203).
Enfim, acolhemos a queixa do baixo desempenho com respeito ao significado que o próprio
paciente lhe atribui, propondo-lhe a possibilidade de atribuição de outros significados por meio
de uma construção conjunta e compartilhada ao longo da relação terapêutica. Explicitadas a
amplitude das dimensões envolvidas, seguimos com exemplos clínicos para descrever uma
postura que promove: o olhar para o que não está inicialmente visível; a recepção e o
acolhimento da demanda; a escuta da(s) queixa(s); e, a compreensão da autopercepção de baixo
desempenho como um sintoma que emerge na singularidade de cada um, mas que está
relacionado a um modo de adoecimento social.
No que tange a lida com pacientes que chegam com queixas de baixo desempenho, a Psicanálise
traz importantes contribuições para a Psicopedagogia Clínica que auxiliam na compreensão da
temática. Neste trecho alguns exemplos colhidos na prática clínica particular da autora serão
apresentados.
Esses dados qualitativos são oriundos de anotações feitas ao longo da experiência vivida em
seis intervenções terapêuticas diferentes, conduzidas pela Autora de modo remoto e presencial
na cidade do Rio de Janeiro. Com a preocupação de resguardar a confidencialidade dos dados,
algumas informações foram omitidas ou alteradas e pseudônimos foram criados.
Transferência e contratransferência
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Quando Domênico começou sua terapia, ele tinha acabado de completar o ensino médio em
uma escola pública no Rio de Janeiro. Contou que tinha “[tirado] aquele ano para se estruturar
e decidir o que [ia] fazer”. Explicou que “o desempenho [dele nos últimos anos da escola foi
ficando] tão baixo que [ele achou] que nem valia a pena fazer o Enem [porque] não ia conseguir
uma pontuação legal.” Ao longo das sessões que se seguiram, o adolescente de 17 anos foi
construindo várias elaborações e arriscou dizer: “Mal dou conta de ir numa loja fazer uma
compra simples. Esqueço o troco. O dinheiro cai da minha mão. Pô, tem menino da minha idade
que faz compras do mês, tá ligado?! Quero que a terapia me ajude a evoluir, ficar mais maduro.
Conseguir trabalhar, resolver contas, pagar um boleto.” Lá pela décima sessão, ele me
perguntou “O que você acha? Eu estou evoluindo?”
Naquele momento, percebi que o meu cliente endereçava a mim aquela pergunta como se eu
fosse a detentora da régua capaz de medir o quanto ele estaria evoluindo. Ele me colocava na
posição da especialista que detém o saber e ali eu precisava me manter, pelo menos por algum
tempo. Naquele instante, a contratransferência que eu havia estabelecido com ele me investia
de uma convicção que me permitiu afirmar: “Sim, para mim você está evoluindo muito!”.
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transferenciais [articulados; assim como, notar os papéis que lhe são atribuídos pelo paciente]”
(Weiss 2020, p. 38).
Tal relação transferencial começa desde o primeiro contato (ou até antes) e envolve o caminho
percorrido pelo paciente até que o primeiro encontro com o(a) terapeuta aconteça. Na direção
apontada por Freud (1917[1916]/1976), Weiss (2020) indica que, desde a primeira sessão, o
paciente traz “sentimentos, atitudes e condutas inconscientes [que representam seus] modelos
de conduta estabelecidos em outros contextos, basicamente o familiar” (p. 38). Essa
transferência inicial também poderá incluir dados reais tais como idade, sexo, aspecto físico,
apresentação pessoal do(a) terapeuta e do seu consultório.
Sintoma e diagnóstico
Os termos ‘queixa’ e ‘sintoma’ são aqui tratados de modo quase equivalente, sendo importante
se notar que a ‘queixa’ é aquilo que chega na fala do(a) paciente (ou da sua família e/ou escola)
e que será investigada de modo a se conseguir entender qual é o seu significado e que elementos
estão ali contidos. Já o ‘sintoma’ é um fenômeno subjetivo no sentido de ser um mal-estar (ou
sofrimento) referido pelo paciente. Ou melhor, um epifenômeno, no sentido de que está sempre
mostrando algo, “que é percebido pelo próprio indivíduo ou pelos outros” e que comunica, pois
“diz alguma coisa aos outros” assinala Weiss (2020, p. 31) em consonância com o que já havia
sido indicado por Freud (1913/1976). Sobre ele, segue a Autora, se diz algo que faz referência
a uma certa não equiparação às expectativas, um “desvio em relação a determinados parâmetros
existentes no meio, [pois o sintoma emerge de uma personalidade em interação com o sistema
social em que está inserido o sujeito” (p. 31).
Decorre disso que os sintomas podem ser relacionados a modos de viver e sua consideração
pode servir ao diagnóstico. Conforme descrevem os trechos que seguem, os três pacientes,
Valentina, Matheus e Rafaela, nos trouxeram suas queixas ou sintomas com a finalidade de
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adquirir uma ferramenta diagnóstica que pudesse equiparar suas demandas e direitos, aliviar os
seus sofrimentos e possibilitar a elaboração de projetos de futuro.
A mãe de Valentina me pediu ajuda, pois ela julgava que a filha de 13 anos devia ter Transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O seu desempenho na escola sempre foi baixo
e tinha piorado tanto naquele ano que ela poderia ser reprovada. Assim, julgava a mãe, o
diagnóstico de TDAH seria benéfico porque, com ele, sua filha iria receber a atenção e o suporte
pedagógico que ela nunca recebeu.
Matheus, por sua vez, questionava a sugestão de “[buscar avaliação psicopedagógica]” feita
para a sua mãe pela coordenadora da sua escola. “Não me venha com psicopedagoga! Eu quero
uma psicóloga!” disse o menino de 11 anos para a perplexidade de sua mãe. Ele discordava do
que havia sido sugerido. Não achava que podia ter TDAH. Havia pesquisado sobre os seus
sintomas no Google e achava que sua “ansiedade brutálica” poderia ser um sintoma de
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) ou que ele poderia ter um Transtorno de
ansiedade generalizado (TAG).
Em suma, a psicanálise propõe a escuta que propicia ao paciente articular o seu próprio discurso
sobre o diagnóstico de seu(s) sintoma(s). Suas próprias palavras podem revelar mais do que a
precipitação de termos diagnósticos que podem marcar o sujeito, rotulá-lo e estigmatiza-lo para
o resto da vida. Assim, a mãe de Valentina se convence de que a terapia (e não o diagnóstico
de TDAH) poderá dar suporte para a filha; Rafaela se sente acolhida pela nomeação diagnóstica
daquilo que até então não tinha ganhado reconhecimento; e, Matheus dá um contorno a sua
“ansiedade brutálica” que transcendo as categorias diagnósticas.
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Desejo e desempenho
Desejo e alto desempenho (acadêmico e profissional) articulam razão e vontade, mas também
envolvem diversos fatores inconscientes. Atingir a performance propícia para se obter um
desempenho alto não é efeito de um programa de alguns passos pré-determinados que pode ser
deliberadamente cumprido. É fruto de uma complexa combinação de fatores, uma imagem que
pode ser usada no diálogo com o sujeito que chega ao consultório querendo encontrar um modo
de colocar o desejo à serviço do alto desempenho.
modo de circulação do conhecimento e do saber dentro [do sujeito e de seu] grupo familiar. O
saber é perigoso a partir da fantasmática inconsciente de todo ser humano. As respostas ante esta
periculosidade diferem em algumas circunstâncias familiares que atualizam o perigo a partir de
determinados acontecimentos e significações que, desde o real, marquem esse perigo (p.39).
Nas passagens que seguem, as demandas clínicas de Bia, Gabriela e Juliano ilustram a
expectativa paradoxal de que o desejo possa ser colocado à serviço do alto desempenho. Outros
trechos que serão apresentados ao longo do texto revelarão também como a aprendizagem e o
desempenho podem ser vividos como ameaças simbólicas.
A mãe de Bia contou que, segunda a escola, sua filha poderia ter um déficit de atenção que
estaria causando um baixo desempenho escolar. Para ela, o problema da adolescente de 13 anos
seria outro: “[Bia] não estuda, só fica no celular assistindo séries, não gosta de ler, é muito
infantil [porque] não entende o quanto é importante saber estudar”.
Gabriela, uma jovem de 21 anos, nos trouxe a queixa de que já tinha feito diversos processos
de seleção de estágio, mas seu desempenho não havia sido bom o suficiente para ela ser
selecionada. Contou que estava aplicando para todas as vagas que apareciam; e, que, por vezes,
estava fazendo mais de um processo ao mesmo tempo.
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Juliano, 27 anos, é o primeiro de sua família a fazer cursar o ensino superior. Diz que tem medo
de não conseguir se formar porque “o [seu] desempenho deixa muito a desejar”. Acrescenta
que “ser professor universitário seria um sonho”, mas observa que esse desejo se depara com
um sentimento de ter falhado.
A expectativa paradoxal trazida nas demandas de Bia, Gabriela e Juliano é modificada pelo
trabalho inconsciente de ‘perlaboração’ (ou elaboração) que possibilita o aparecimento do
desejo.
Bia, estabeleceu o seu próprio desejo. Sabê-lo ameaçava o seu lugar na família. Mesmo assim,
ela ressignificou o seu baixo desempenho e criou uma trilha de aprendizagem que garantiu a
sua aprovação.
Gabriela discriminou entre todas vagas de estágio aquelas que iam de encontro ao seu desejo
de colaborar com uma organização de trabalho de relevância social. Entrou em confronto com
as expectativas e valores de seus pais, mas percorreu uma trajetória que lhe garantiu a sua
aprovação em um processo seletivo.
Juliano enfrentou a ameaça simbólica envolvida em ser “o primeiro de sua família a cursar o
ensino superior”. Terminou a sua graduação e seguiu elaborando sobre o modo como o seu
sentimento de falha atende ao desejo inconsciente de pertencimento ao seu grupo familiar e
social.
Nos três casos, eventualmente, o sintoma do baixo desempenho sai do centro da cena
terapêutica e abre espaço para o protagonismo de elementos simbólicos inconscientes sobre os
quais, até então, não se estava falando.
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dedicava a maior parte do seu tempo aos jogos virtuais. Sentia que não tinha capacidade nem
de estudar, nem de trabalhar. Trocava a noite pelo dia, se achava “esquisito” e evitava sair de
casa.
Rafaela carregou sua dificuldade com aprendizagem dentro de si mesma ao longo de quatro
décadas. Como se fosse um traço genético ao qual estava fatidicamente vinculada, creditava a
insatisfação que sentia com o trabalho a uma dislexia que seria impedimento para ela ter o alto
desempenho que entendia ser necessário para se colocar melhor no mercado de trabalho.
As adolescentes de 13 anos, afirmaram que “[dá] nervoso só de colocar a mão no livro” (Bia)
e “passo mal só de pensar em estudar” (Valentina). Também relataram pavor e desespero na
hora de fazer testes e provas; assim como, descreveram sentir em qualquer momento: falta de
ar, tremedeira e dores no peito ou na barriga. Na narrativa de suas histórias pregressas, o baixo
desempenho estava associado à evitação do estudo e estagnação no processo de diferenciação
dos pais.
Gabriela, por sua vez, relata que “[ficava] exausta, sem apetite, [perdia] o sono ou [dormia]
demais; [ficava com] vontade de desistir de tudo [e] só ficar deitada”. A jovem de 21 anos,
paralisada diante do medo inconsciente de não corresponder às expectativas de sua família, não
conseguindo distinguir entre as vagas de estágio que pleiteava aquelas que ela desejava.
Refletindo sobre o seu baixo desempenho, Juliano formulou que não se sentia “capaz” de ter o
desempenho esperado, “talvez porque tem coisa que não [ele não tem] ideia de como resolver.”
Contou que perdia o apetite, ficava enjoado e sentia dores de cabeça. O jovem de 27 anos
também descreveu que “paralisava” quando era preciso fazer uma pergunta a um professor.
Referências
Chemama, R. (Org.). (1995). Dicionário de psicanálise. Sintoma. Porto Alegre: Artes Médicas.
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