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IMPACTOS DA GAMIFICAÇÃO NOS GANHOS DE MOTORISTAS AUTÔNOMOS

Hegon Felipe Pacheco Damaso


Leandro Salvador Pereira
Matheus Zimmermann

1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

A última milha é a “última etapa do processo logístico de entrega” (LIM et al, 2018) que
consiste na entrega do produto ao consumidor final, após percorrer todo o processo da cadeia
logística que inicia com o armazenamento e transporte de matérias primas e finaliza com a entrega
ao consumidor final. Essa etapa geralmente acontece em grandes centros urbanos, sendo a etapa
“mais cara, menos eficiente e mais poluente da Cadeia de Suprimentos” (GEVAERS et al, 2011).
Conforme PARKER et al no livro “Plataforma, a Revolução da Estratégia”, uma das formas
de enfrentar esse desafio é através da construção de uma plataforma que “[...] viabiliza interações
que criam valor entre produtores e consumidores externos”, (2018 p. 13), reduzindo assim valores
para a empresa ao possibilitar a operação sem aquisição de ativos, fazendo uso do conceito de
terceirização. Porém dessa abordagem emergem outros problemas, como a “facilitar interações
positivas [...] entre os produtores e consumidores de valores” (PARKER et al, 2018 p. 202) e reter
esses trabalhadores, uma vez que não possuem vínculos formais com a empresa.
Uma das formas de abordar os problemas de retenção e qualidade de entregas é utilizando
processos de gamificação, conforme proposto por Jane McGonigal no livro “A Realidade em Jogo”
(2012). Nele a autora propõe que a realidade possa ser transformada em jogo ao estabelecer metas
claras e desafiadoras, ativar emocionalmente os participantes e dar sentido às ações.
Nesse contexto, a empresa da qual os dados desse trabalho foram extraídos para análise,
uma plataforma de entregas de última milha, criou um programa de gamificação para instruir os
motoristas ao longo da jornada de entrega, explicitar os comportamentos desejados, reter os
usuários e possibilitar maiores retornos. Para isso o motorista precisa atender a alguns requisitos
operacionais (como prazo de entrega), acumular pontos para conquistar níveis. Quanto maior o
nível, mais vantagens e prioridades possuem na plataforma, potencializando maiores retornos com
o trabalho.
O objetivo deste trabalho é identificar se os motoristas participantes do programa,
principalmente dos níveis mais altos, estão obtendo pagamentos maiores frente aos demais
participantes.
2. MATERIAIS E MÉTODOS

Os dados utilizados são referentes ao pagamento de uma semana de trabalho dos


motoristas autônomos da empresa, relacionados aos ganhos das atividades no período de 29 de
março de 2024 a 04 de abril de 2024. Esse período foi escolhido por ser o mais recente no momento
do início do trabalho; não foram levados em conta fatores de sazonalidade para a escolha da data.
Foram coletadas 200 amostras aleatórias de pagamento extraídas diretamente do banco de dados
da empresa, contendo um identificador randômico anonimizado do motorista, valor pago,
quantidade de roteiros executados pelo motorista, nível no programa de gamificação da empresa e
estado. A seguir temos uma descrição detalhada de cada variável, bem como sua classificação:
• Identificador: essa variável não aparece na análise, foi extraído como identificador único
do motorista. Esse valor é aleatório e anônimo, ou seja, através do seu valor não há
como identificar o motorista, mesmo com acesso à base de dados da empresa,
preservando a identidade e protegendo as informações desses usuários.
• Valor pago: é o valor monetário expresso em reais que o motorista recebeu pelos
serviços prestados no período analisado, constituindo uma variável quantitativa contínua.
• Quantidade de roteiros: para realizar entregas o motorista deve aceitar um roteiro, que
é constituído por uma ou mais entregas. Esse valor é um número inteiro e identifica a
quantidade de roteiros que o motorista realizou dentro do período, sendo uma variável
quantitativa discreta.
• Nível: a empresa possui um programa de gamificação que visa melhorar o
relacionamento com os motoristas e incentivar o aumento de indicadores operacionais,
como prazo de entrega. Os níveis são compostos pelos valores (do maior para o menor)
Ultra, Mega, Super e Parceiro, configurando uma variável qualitativa ordinal.
• Estado: é a UF da federação na qual o motorista está operando. Uma variável qualitativa
nominal.
Os dados foram extraídos da base de dados estruturadas no padrão SQL. Para a análise
foi utilizada a linguagem de programação Python, com o Jupyter Notebook, empregando as
funcionalidades oferecidas pelas bibliotecas Pandas, Matplotlib e Seaborn. Essas ferramentas
proporcionam uma análise robusta com recursos gráficos, as quais permitem uma compreensão
mais profundas dos dados, facilitando a análise. Todos os valores de medida utilizadas no estudo
foram obtidas com essas ferramentas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O objetivo proposto por este trabalho, é analisar os ganhos dos motoristas na plataforma
no período definido, para tentar identificar se os motoristas que possuem um maior nível no
programa de gamificação estão auferindo valores maiores do que os demais participantes.
Para isso, a análise será dividida em três partes. A primeira busca demonstrar como a
amostra está composta, analisando a distribuição geográfica e os níveis dos motoristas que
entraram no estudo.
Na segunda parte serão exploradas as variáveis valor pago e quantidade de roteiros, para
que possa haver uma compreensão do cenário mais amplo da amostra coletada. Serão exploradas
as medidas de resumo e tendência central, bem como alguns gráficos, como histograma e boxplot.
Por fim, na terceira parte a variável valor pago será explorada de acordo com sua divisão
por níveis. Serão demonstradas as mesmas informações que a segunda parte, porém segmentadas
por nível. Dessa forma pretende-se chegar a uma conclusão que responda se o programa de
benefício é ou não benéfico aos motoristas em termos de rendimento.

3.1. Composição da Amostra

Das 200 amostras de pagamento coletadas, tivemos 21,5% (43) de motoristas do nível
Ultra, o nível mais alto, 13,5% (27) motoristas do nível Mega, 7,0% (14) do nível Super e 58,0%
(116) motoristas sem nível, denominados de Parceiro. Os dados estão resumidos no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Nível dos motoristas

Fonte: elaborado pelos autores.


Os dados coletados diferem um pouco do esperado pela experiência empírica. A
quantidade de motoristas “parceiros” deveria ser maior, entretanto nos motoristas nivelados é
esperado que quanto maior o nível, menos pessoas consigam atingir. O observado na amostra,
contudo, é uma inversão: os níveis mais altos têm mais amostras do que os menores.
Geograficamente os 200 motoristas estão espalhados por 14 unidades da federação, com
grande concentração para o estado de São Paulo (SP) com 114 amostras, seguidos de Minas
Gerais (MG) com 18, Rio de Janeiro (RJ) com 15 e Paraná (PR) e Espírito Santo (ES) ambos com
10, conforme demonstrado no Gráfico 2. Apesar de um pouco discrepante, essa diferença é
esperada, já que a região Sudeste concentra maior volume de entregas, com grande destaque para
o estado de São Paulo.

Gráfico 2 - Distribuição de motoristas por estado

Fonte: elaborado pelos autores.

Os valores pagos aos motoristas, que será analisado na próxima parte, são baseados nos
roteiros que eles executam. Esses roteiros são compostos de uma ou mais entregas, as quais o
motorista aceita pelo aplicativo da empresa. O valor pago para cada roteiro é baseado na
quantidade de pacotes entregues, distância percorrida e cidade de operação. Na Tabela 1 estão
resumidas as informações estatísticas da variável quantidade de roteiros executados por motorista
no período:
Tabela 1 – Estatísticas para a Variável Quantidade de Roteiros
Medida Valor
Máximo 12
Mínimo 2
Média 3,97
Primeiro quartil 3
Mediana 4
Terceiro quartil 5
Desvio padrão 1,39
Coeficiente de variação 35,07
Fonte: elaborado pelos autores.

Nessa amostra, a média e a mediana são valores muito próximos e a amplitude amostral
é de 10. Os roteiros geralmente são grandes e podem ser executados entre 1 e 2 por dias; roteiros
com poucos pedidos são exceção, por isso dada a limitação do período analisado (7 dias) é
esperado que não existam grandes variações. Isso é mostrado pelo coeficiente com um valor
moderado de 35,07. No Gráfico 3 é demonstrado o boxplot da variável, sendo observável dois
valores outliers (9 e 12).

Gráfico 3 - Boxplot da variável Quantidade de Roteiros

Fonte: elaborado pelos autores.

3.2. Valores pagos aos motoristas

Avançando no entendimento dos dados amostrais coletados, o agregado de valor pago


aos motoristas no período foi de R$ 79.695,00 para os 200 motoristas, resultando em uma média
de R$ 398,48 pagos para cada motorista. Na Tabela 2 estão detalhadas as estatísticas descritivas
dos valores pagos:

Tabela 2 – Estatísticas para a Variável Valor Pago


Medida Valor
Máximo R$ 1.508,00
Mínimo R$ 15,00
Média R$ 395,48
Primeiro quartil R$ 209,25
Mediana R$ 356,50
Terceiro quartil R$ 554,75
Desvio padrão R$ 258,08
Coeficiente de variação 64,77
Fonte: elaborado pelos autores.

Nos dados coletados não foram pagos valores repetidos para os motoristas, por isso essa
variável para a amostra é amodal. Isso acontece porque o valor recebido é uma variável quantitativa
contínua e tem uma amplitude amostral grande, de R$ 1.493,00; o valor máximo pago é de R$
1.508,00 e o mínimo de R$ 15,00, resultando nesse valor. A mediana de R$ 356,50 é mais
representativa do que a média (R$ 395,48) pois não é afetada pelos valores extremos observados,
detalhados na sequência. O desvio padrão de R$ 258,08 demonstra que há uma divergência
considerável de valores pagos aos motoristas, confirmado pelo coeficiente de variação em 64,77.
O Gráfico 4 mostra o boxplot para os valores pagos aos motoristas e observa-se que
existem 5 valores considerados como outliers, acima de R$ 1.000,00, interferindo para que o valor
da média seja maior do que a mediana observada.

Gráfico 4 - Boxplot dos valores pagos

Fonte: elaborado pelos autores.


No Gráfico 5 está detalhado o histograma do valor pago, onde cada barra representa um
intervalor de R$ 100,00. É possível visualizar os três valores que ultrapassam a casa dos R$
1.000,00 e identificar que essa curva possui uma assimetria à direita.

Gráfico 5 - Histograma do pagamento aos motoristas

Fonte: elaborado pelos autores.

3.3. Valores pagos por nível

Observado o comportamento dos valores pagos em um contexto mais amplo da amostra,


faz-se necessário, para que este estudo atinja seu objetivo, analisar a variável de valores pagos no
contexto de cada nível do programa de gamificação. Na Tabela 3 está sintetizado o resumo dos
dados para cada nível e no Gráfico 6 seus respectivos bloxplots.

Tabela 3 – Estatísticas para Valor Pago agrupado por Nível


Medida Parceiro Super Mega Ultra
Amostra 116 14 27 43
Máximo R$ 1.508,00 R$ 689,00 R$ 1.149,00 R$ 983,00
Mínimo R$ 23,00 R$ 15,00 R$ 107,00 R$ 40,00
Média R$ 390,51 R$ 257,93 R$ 414,59 R$ 455,60
Primeiro quartil R$ 206,25 R$ 97,50 R$ 237,00 R$ 250,50
Mediana R$ 315,50 R$ 222,00 R$ 399,00 R$ 475,00
Terceiro quartil R$ 520,25 R$ 335,75 R$ 544,50 R$ 669,00
Desvio padrão R$ 268,86 R$ 211,77 R$ 227,81 R$ 247,75
Coeficiente de variação 68,84 82,10 54,95 54,38
Fonte: elaborado pelos autores.
Gráfico 6 - Boxplot de valores pagos por nível

Fonte: elaborado pelos autores.

Pelos dados apresentados na Tabela 3, e resumidos no Gráfico 6, é notável que os


motoristas que estão no nível Ultra são os que recebem os melhores valores, com médias e quartis
maiores que os demais, seguidos pelos níveis Mega, Parceiro e Super.
Os valores pagos para os níveis Parceiro e Super apresentam uma divergência com
relação aos valores esperados, já que o nível Super é maior que o nível Parceiro, sendo esperado
que estes auferissem maiores ganhos na plataforma. Podemos conjeturar dois cenários que
explicam esse comportamento das variáveis.
O primeiro é de natureza estatística, como demonstrado anteriormente, existem apenas 14
amostras de motoristas de nível Super, comprometendo uma análise mais precisa do
comportamento deles. Enquanto o nível Parceiro possui uma amostra de 116 dados. Para sanar
esse problema, seria necessário coletar mais dados, preferencialmente populacionais, aumentando
os dados do mesmo período e até mesmo coletando dados de períodos de pagamento diferente,
para remover efeitos de sazonalidade.
O segundo motivo está relacionado ao funcionamento do programa. Quando um motorista
entra na plataforma, ele inicia com o nível Parceiro, mas tem potencial para atingir níveis mais altos,
como o Mega ou Ultra. Enquanto os motoristas Super são motoristas que participam da plataforma,
possuem bons indicadores operacionais, porém não tem uma recorrência tão grande, normalmente
alternando o trabalho em outras plataformas de delivery ou transporte.
O segundo motivo está relacionado com o funcionamento do programa, pois motoristas na
categoria Parceiro podem estar subdivididos em novos e antigos. Os antigos são motoristas que
não tem uma recorrência suficiente para aumentar de nível, os motoristas novos possuem potencial
de atingir níveis altos, como Mega e Ultra, por serem participativos na plataforma. Já os Super são
motoristas que estão em atividade na plataforma, mas podem dividir seu tempo com outras
atividades e não têm interesse em progredir na plataforma da empresa, usando-a apenas como um
complemento à renda.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do trabalho foi analisar o pagamento dos motoristas de uma plataforma logística
de última milha, para verificar se os motoristas que possuem níveis maiores no programa de
gamificação, utilizado para fidelização de trabalhadores autônomos, estão auferindo ganhos
maiores que os motoristas de níveis mais baixos. Para isso foi utilizada estatística descritiva de
dados.
Verificou-se que de fato os dois níveis mais altos, Ultra e Mega, estão recebendo valores
maiores do que os demais níveis, com valores de média e quartis maiores, entretanto há um
comportamento inesperado entre os níveis Super e Parceiro, no qual o primeiro deveria ter números
melhores que o segundo.
Entendeu-se que esse comportamento inesperado pode estar associado a dois fatores:
amostra insuficiente, sendo necessário aumentar a amostra e/ou os períodos de pagamentos, e
funcionamento inerente do programa.
Por isso, recomenda-se o estudo mais aprofundado dos dados, realizando uma maior
coleta e acompanhamento sobre o comportamento das variáveis ao longo do tempo para entender
a eficácia da gamificação sobre o pagamento dos motoristas.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GEVAERS, Roel; VAN DE VOORDE, Eddy; VANELSLANDER, Thierry. City Distribution and
Urban Freight Transport: Multiple Perspectives, Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar
Publishing, p. 56–71, 2011.

LIM, Stanley Frederick W.T.; JIN, Xin; SRAI, Jagjit Singh. Consumer-driven ecommerce: A
literature review, design framework, and research agenda on last-mile logistics models.
International Journal of Physical Distribution and Logistics Management, v. 48, n. 3, p. 308–332,
2018.

McGONIGAL, Jane. A Realidade em Jogo - Por Que os Games nos Tornam Melhores e Como
Podem Mudar o Mundo. 1ª ed. São Paulo: Editora Globo, 2012. 381p.

PARKER, Geoffrey G. et al. Plataforma, a Revolução da Estratégia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Alta
Books, 2018.

PLATEN, A. C., & Taboada Rodriguez, C. M. Economia compartilhada na logística: uma


revisão sistemática de literatura sobre logística de multidão. Exacta, 2023, artigo aceito
online. https://doi.org/10.5585/2023.22612

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