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Diagnóstico Diferencial na Bulimia: Estudo de Caso

Autores:
Catarina Cláudia Santos Nogueira1

Tânia Sofia Pereira Correia2

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Mestre em Enfermagem de Saúde Familiar

Aluna nº 2426 do Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde


Mental e Psiquiátrica
Enfermeira do Centro Hospitalar do Baixo Vouga EPE – Departamento de Psiquiatria e Saúde
Mental
Email: catarinanog@gmail.com

2
Mestre em Direção e Chefia dos Serviços de Enfermagem

Aluna nº 2365 do Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde


Mental e Psiquiátrica
Enfermeira do Centro Hospitalar do Baixo Vouga EPE – Departamento de Psiquiatria e Saúde
Mental
Email: tsp.correia@gmail.com

Trabalho realizado no âmbito da Unidade Curricular Anatomo-Psicologia do Sistema Nervoso do


curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da
Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha de Oliveira de Azeméis.
Diagnóstico Diferencial na Bulimia: Estudo de Caso

Resumo:
Introdução/Enquadramento: Os transtornos alimentares têm vindo a alcançar proporções preocupantes nos países
ocidentais, destacando-se entre estes a Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa. Afetam pessoas de ambos os sexos e
em idades cada vez mais precoces. Trata-se de um fenómeno multifatorial e acredita-se que o tratamento deve ser
feito em âmbito multidisciplinar.
Objetivos: Identificar, descrever e analisar o caso de transtorno alimentar de uma figura pública e discutir o seu
diagnóstico diferencial.
Métodos: A estratégia de investigação utilizada foi o estudo de caso, numa perspetiva descritiva. As fontes de
informação foram: livros biográficos e informações veiculadas pelos media.
Resultados e Discussão: Foram explorados e discutidos dois diagnósticos: anorexia nervosa e bulimia nervosa, no
sentido da realização do diagnóstico diferencial.
Conclusões: Verifica-se que os sinais e sintomas relatados dão resposta aos critérios definidos para presença de um
transtorno alimentar do tipo bulimia nervosa. A bibliografia sugere ainda a presença de um transtorno depressivo e
de um transtorno da personalidade do tipo borderline, sendo que não se dispõe de informação suficiente para
confirmação destes dados.
Palavras-chave (de acordo com o decs): Transtornos da Alimentação e da Ingestão de Alimentos; Estudos de Casos;
Enfermagem Psiquiátrica; Diagnóstico Diferencial

Abstract:
Introduction / Background: Eating disorders have been reaching worrying proportions in Western countries,
especially Anorexia Nervosa and Bulimia Nervosa. It affects people of both sexes and at younger and younger ages. It
is a multifactorial phenomenon and it is believed that the treatment should be done in a multidisciplinary
environment.
Objectives: To identify, describe and analyze the case of eating disorders of a public figure and discuss their differential
diagnosis.
Methods: The research strategy used was the case study, from a descriptive perspective. The sources of information
were: autobiographical books and interviews granted to the media.
Results and Discussion: Two diagnoses were explored and discussed: anorexia nervosa and bulimia nervosa, in the
sense of the differential diagnosis.
Conclusions: It is verified that the signs and symptoms reported respond to the criteria defined for the presence of a
bulimia nervosa type of eating disorder. Does the literature also suggest the presence of a depressive disorder and a
disorder of borderline personality, and there is insufficient information to confirm this data.
Key Words: Feeding and Eating Disorders; Case Studies; Psychiatric Nursing; Diagnosis, Differential

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Resumen:
Introducción / Encuadramiento: Los trastornos alimentarios han alcanzado proporciones preocupantes en los países
occidentales, destacándose entre éstos la Anorexia nerviosa y la bulimia nerviosa. Afecta a personas de ambos sexos
y en edades cada vez más jóvenes. Se trata de un fenómeno multifactorial y se cree que el tratamiento debe realizarse
en un ámbito multidisciplinario sin gran evidencia al respecto.
Objetivos: Identificar, describir y analizar el caso de trastorno alimentario de una figura pública y discutir su
diagnóstico diferencial.
Métodos: La estrategia de investigación utilizada fue el estudio de caso, en una perspectiva descriptiva. Las fuentes
de información fueron: libros autobiográficos y entrevistas concedidas a los medios.
Resultados y Discusión: Se exploraron y discutieron dos diagnósticos: anorexia nerviosa y bulimia nerviosa, en el
sentido de la realización del diagnóstico diferencial.
Conclusiones: Se verifica que los signos y síntomas relatados dan respuesta a los criterios definidos para la presencia
de un trastorno alimentario del tipo bulimia nerviosa. La bibliografía sugiere además la presencia de un trastorno
depresivo y de un trastorno de la personalidad del tipo borderline, siendo que no se dispone de información suficiente
para la confirmación de estos datos.
Palabras Clave: Trastornos de Alimentación y de la Ingestión de Alimentos; Estudios de Casos; Enfermería Psiquiátrica;
Diagnóstico Diferencial

Introdução:
A saúde mental constitui parte indivisível da saúde geral e do bem-estar individual, sendo que a epidemiologia
demonstra que as doenças mentais apresentam uma das maiores taxas de incapacidade (psicossocial, sobretudo) e
altas taxas de morbilidade (World Health Organization, 2011), exercendo impacto sobre as sociedades e sobre o
padrão de vida das pessoas e famílias (World Health Organization, 2002).
As perturbações mentais são comuns e afetam mais de 25% da população em dada altura da sua vida (World Health
Organization, 2002). São também universais, atingindo pessoas de todos os países e sociedades, de todas as idades,
mulheres e homens, ricos e pobres, populações de zonas urbanas e rurais (World Health Organization, 2002).
Entre as várias perturbações mentais classificadas no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth
Edition (DSM-5) destacam-se os transtornos alimentares, pela relevância para o trabalho em questão (American
Psychiatric Association, 2013). Estes são problemas graves, que ocorrem com frequência entre mulheres na fase final
da adolescência e nas adultas jovens. Podem ser crónicos e recorrentes, estando em geral associados a comorbilidade
psiquiátrica e sequelas médicas (Herzog & Eddy, 2010). Dados publicados em 2014 referem uma prevalência para
comportamentos de risco para transtornos alimentares entre 15 e 25% na população mundial (Eurotrials Consultores
Científicos, 2016).

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Apesar das características comuns entre os vários transtornos da alimentação, há diferenças significativas na sua
apresentação clínica, que variam de acordo com o tipo de transtorno (Herzog & Eddy, 2010). Este facto determina a
necessidade de uma abordagem clínica adaptada, revelando a importância da realização do diagnóstico diferencial.
A anorexia nervosa e a bulimia nervosa constituem os transtornos da alimentação mais conhecidos (Eurotrials
Consultores Científicos, 2016), verificando-se que a prevalência de 12 meses de anorexia nervosa entre jovens do sexo
feminino é de aproximadamente 0,4% e de bulimia nervosa é de 1 a 1,5% (American Psychiatric Association, 2013).
Um estudo realizado por Preti, Girolamo, Vilagut, Alonso, Graaf, Bruffaerts, Demyttenaere, Pinto-Meza, Haro, &
Morosini (2009), em 6 países europeus (França, Bélgica, Itália, Espanha, Holanda e Alemanha), permitiu estimar uma
prevalência, ao longo da vida, de 0,48% para a anorexia nervosa e 0,51% para a bulimia nervosa. De acordo com este
mesmo estudo, entre o sexo feminino a prevalência sobe consideravelmente, sendo de 0,93% para a anorexia nervosa
e de 0,88% para a bulimia nervosa.
No sentido de se aprofundarem conhecimentos neste âmbito e tendo em consideração o mediatismo da situação
procedeu-se à exploração do caso clínico de Diana Spencer (Princesa de Gales). Assim sendo, este trabalho tem por
objetivos identificar, descrever e analisar o caso clínico de Diana Spencer (Princesa de Gales), a partir da sua biografia
e informação divulgada nos media, bem como discutir o seu diagnóstico diferencial.

Fundamentação teórica:
As doenças do comportamento alimentar caracterizam-se por apresentarem em comum características clínicas, sinais
e sintomas persistentes de disfunção alimentar, nomeadamente preocupação com o peso e com a ingestão alimentar.
Têm como objetivo controlar a imagem corporal da qual dependem a autoestima e perceção de competência social
(Bouça, 2014). Estes e outros critérios para o diagnóstico são definidos pelo DSM-5 (Tabela1).
A anorexia nervosa tem como características nucleares a perturbação cognitiva e emocional da imagem corporal
acompanhada de repercussões somáticas resultantes da diminuição progressiva de ingestão alimentar (Bouça, 2014).
Esta restrição de ingestão calórica inferior às necessidades leva a um peso corporal significativamente baixo para os
padrões da idade, género, fase de desenvolvimento e saúde física (American Psychiatric Association, 2013).

Tabela 1 - Critérios diagnósticos do DSM-5 para Anorexia Nervosa (American Psychiatric Association, 2013)
Anorexia Nervosa A. Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades
B. Medo intenso de aumentar o peso/engordar, ou comportamento persistente que
interfere no ganho de peso, mesmo com peso significativamente baixo.
C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados,
influência incorreta do peso ou da forma corporal na auto-avaliação ou incapacidade
persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.
Nível de gravidade:
O nível mínimo de gravidade:
 Adultos: baseia-se no índice de massa corporal (IMC) atual,
 Crianças e adolescentes: baseia-se no percentil do IMC.
O nível de gravidade pode ser aumentado de acordo com os sintomas clínicos, o grau de
incapacidade funcional e a necessidade de supervisão.
Tipo restritivo Últimos três meses sem episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento
purgativo (vómitos auto-induzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas).
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A perda de peso é alcançada essencialmente por meio de dieta, jejum e/ou exercício
excessivo.
Tipo compulsão Nos últimos três meses, o indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão
alimentar alimentar purgativa (vómitos auto-induzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou
purgativa enemas).

Alguns indivíduos com anorexia nervosa do tipo compulsão alimentar purgativa não apresentam episódios de
hiperfagia, mas purgam regularmente depois do consumo de pequenas quantidades de alimento (American
Psychiatric Association, 2013).
As pessoas com anorexia nervosa do tipo compulsão alimentar purgativa em comparação com pessoas com o mesmo
diagnóstico mas do tipo restritivo, têm maior perturbação de controlo de impulsos, e tendem a abusar mais de álcool
e outras drogas, sofrem da doença há mais tempo e o peso não atinge valores tão baixos. Por sua vez os doentes do
tipo restritivo têm traços obsessivos da personalidade mais marcados, evitam mais o contacto e isolam-se mais
(Bouça, 2014; American Psychiatric Association, 2013).
A se i-inanição da anorexia nervosa e os comportamentos purgativos às vezes associados a ela podem resultar em
o dições édi as i po ta tes e pote ial e te fatais. (American Psychiatric Association, 2013, p. 341).
As alterações fisiológicas mais comuns são a amenorreia e alterações dos sinais vitais. Muitas das alterações
fisiológicas resultantes desta condição podem ser reversíveis com reabilitação nutricional, no entanto isto não se
aplica a todas as alterações como a perda de densidade óssea (American Psychiatric Association, 2013).
Indivíduos com anorexia nervosa gravemente abaixo do peso apresentam sinais e sintomas depressivos: humor
deprimido, isolamento social, irritabilidade, insónia e diminuição da líbido. Este facto pode estar relacionado com
sequelas fisiológicas da semi-inanição uma vez que alguns desses aspetos também se verificam em pessoas que sem
anorexia nervosa estão significativamente subnutridos. Estes sintomas podem ser graves o suficiente para justificar
um diagnóstico adicional de transtorno depressivo (American Psychiatric Association, 2013).
A bulimia nervosa caracteriza-se pela presença de três aspetos essenciais: episódios recorrentes de compulsão
alimentar, comportamentos compensatórios inadequados recorrentes para impedir o aumento de peso e
autoavaliação influenciada pela perceção errada da forma e do peso corporais (American Psychiatric Association,
2013). Estes e outros critérios para o diagnóstico são definidos pelo DSM-5 (Tabela2).
As pessoas que sofrem de bulimia nervosa, habitualmente sentem vergonha dos seus problemas relacionados com a
alimentação e procuram esconder os sintomas. O antecedente mais frequente da compulsão alimentar é o afeto
negativo embora haja outro fatores precipitantes como o stress interpessoal, restrições dietéticas, sentimentos
negativos face o seu peso corporal, forma do corpo e também alimentos, e tédio. O comportamento de compulsão
pode menorizar ou aliviar os fatores precipitantes a curto prazo, no entanto estes episódios são experienciados como
perda de controlo e um fracasso pessoal e a longo prazo surgem frequentemente a disforia e auto-avaliação negativa
(American Psychiatric Association, 2013; Bouça, 2014).

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Tabela 2- Critérios diagnósticos do DSM-5 para Bulimia Nervosa (American Psychiatric Association, 2013)
Bulimia A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar.
Nervosa O episódio de compulsão alimentar caracteriza-se por:
1. Ingestão, em determinado período de tempo, de uma quantidade de alimento maior do
que a maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período e em circunstâncias similares.
2. Sensação de falta de controlo sobre a ingestão durante o episódio.
B. Comportamentos compensatórios inapropriados recorrentes a fim de impedir o ganho de
peso: vómitos auto-induzidos; uso indevido de laxantes, diuréticos ou outros medicamentos;
jejum; exercício em excesso.
C. A compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios inapropriados ocorrem, em
média, no mínimo uma vez por semana durante três meses.
D. A auto-avaliação é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso corporais.
E. A perturbação não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa.
Nível de gravidade:
 Leve: Média de 1 a 3 episódios de comportamentos compensatórios inapropriados por
semana. Moderada: Média de 4 a 7 episódios de comportamentos compensatórios
inapropriados por semana.
 Grave: Média de 8 a 13 episódios de comportamentos compensatórios inapropriados por
semana.
 Extrema: Média de 14 ou mais comportamentos compensatórios inapropriados por
semana.
O comportamento de vómito tem como efeito imediato o alívio do desconforto físico, muitas vezes comem demais
até atingirem mal-estar, e redução do medo de aumentar o peso. Em alguns casos, vomitar torna-se o objetivo e o
indivíduo ingere alimentos em pequena quantidade ou em excesso a fim de posteriormente provocar o vómito. Os
métodos de indução do vómito podem variar desde recurso aos dedos ou objetos para provocar o reflexo e no
percurso da doença desenvolvem a capacidade de induzir o vómito quando o desejam (American Psychiatric
Association, 2013).
Os indivíduos que sofrem de bulimia nervosa têm um peso dentro dos valores normais. Verifica-se, com frequência,
amenorreia ou irregularidades da menstruação mas não há evidência de que a causa sejam défices nutricionais ou
instabilidade emocional (American Psychiatric Association, 2013).
As alterações hidroeletrolíticas resultantes de comportamentos purgativos, por vezes tornam-se graves do ponto de
vista clínico. Outras complicações potencialmente fatais, embora mais raras, são lacerações esofágicas, rotura gástrica
e arritmias cardíacas. O abuso crónico de laxantes provoca dependência para o estímulo da motilidade intestinal.
Sintomas gastrointestinais estão habitualmente relacionados com a bulimia nervosa como é o caso do prolapso retal
(American Psychiatric Association, 2013).

Métodos:
Neste estudo adotou-se uma metodologia qualitativa, de natureza descritiva, do tipo estudo de caso. O estudo de
caso representa uma investigação que procura explorar, descrever e explicar um fenómeno, uma pessoa, um
programa ou uma instituição na sua realidade, utilizando para isso, entrevistas, observações, documentos,
questionários e/ou artefactos. Este tipo de estudo é frequentemente aplicado quando não é possível manipular os
acontecimentos ou controlar as causas dos comportamentos em estudo (Yin, 1994).

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A colheita de dados foi feita através de pesquisa da biografia editada e informações veiculadas pelos media, dado que
a pessoa alvo deste estudo é já falecida à data do mesmo.

Resultados:
Caso Clínico: Biografia
A princesa Diana (1961-1997), primeira esposa de Carlos, príncipe de Gales, foi provavelmente uma das mulheres mais
queridas e admiradas do mundo (Morton, 1992).
Nasceu na aldeia de Sandringham, no condado de Norfolk, Inglaterra, no dia 01 de julho de 1961. Filha do visconde
de Althorp (de 37 anos na altura) e da viscondessa de Althorp (12 anos mais nova), foi a terceira de uma frataria de 4
irmãos (duas irmãs mais velhas e um irmão mais novo). Nasce com 3,600kg e o parto decorreu sem intercorrências
(Bradford, 2006). Pertencia a uma família aristocrata, financeiramente abastada (Morton, 1992).
Quando tinha 6 anos de idade, os seus pais decidem separar-se temporariamente. A mãe saiu de casa e quando os
seus pais começaram a tratar legalmente do divórcio, as crianças tornaram-se vítimas numa batalha amarga. A
custódia dos filhos foi disputada na justiça pelo casal, tendo esta sido concedida ao pai. O divórcio ocorreu 2 anos
depois da separação, sendo que um mês depois do mesmo, a mãe de Diana volta a casar. Diana relata uma infância
na qual materialmente nada lhe faltou, mas emocionalmente muito carente (Bradford, 2006).
Diana estudou na Riddlesworth Hal School e a professora da altura recordava a sua bondade e boa vontade, não tendo
o potencial académico muito desenvolvido (Morton, 1992). Segundo os relatos de Bradford (2006) ti ha fa a de
e ti osa e fa tasiava uito.
Posteriormente frequentou a escola West Girl’s School, em Kent, durante 5 anos. Era boa atleta (principalmente a
natação e dança), mas vivia na sombra das irmãs e da mãe. Fez voluntariado desde cedo, com idosos, doentes e
pessoas com doença mental (Morton, 1992).
Com 16 anos foi estudar para a Suiça, completando os seus estudos no Institut Alpin Videmanett. Lá, teve aulas de
ciências domésticas, costura e cozinha, tendo desistido da formação antes de a completar. Ao regressar para Inglaterra
decidiu viver em Londres, mudando-se para casa de familiares. Pelo seu 18º aniversário recebeu um apartamento em
Londres, para onde se mudou. Trabalhou como professora de ballet no Studio Vacancy e num jardim de infância, na
Young England School (Morton, 1992).
Por esta altura, Diana conhece o príncipe Carlos, 12 anos mais velho, numa das múltiplas festas da família real para as
quais passa, juntamente com as irmãs, a ser convidada (Morton, 1992).
A 24 de fevereiro de 1981 o Palácio de Buckingham anunciou o noivado do casal e a 29 de julho de 1981 casam-se,
tendo o evento sido transmitido para todo o mundo (Morton, 1992).
O casal teve dois filhos – William, que nasceu no dia 21 de junho de 1982 e Harry, que nasceu a 15 de setembro de
1984 (Morton, 1992). No final da década de 80 começaram a surgir os primeiros rumores sobre uma possível
separação e em dezembro de 1992 esta é formalizada, tendo este processo finalizado apenas em agosto de 1996
(Bradford, 2006).

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Com a separação, Diana perde o tratamento de Alteza Real e passa a ser a Princesa de Gales. Continuou a residir no
Palácio de Kensington e passou a dividir a guarda dos filhos com o ex-marido (Morton, 1992).
A 31 de agosto de 1997, Diana morre num acidente de automóvel em Paris (Morton, 1992).

Caso Clínico: História da doença


Durante a adolescência, de acordo com relatos de amigos da escola, Diana tinha a reputação de gulosa. Comia em
exagero e recorria várias vezes aos serviços de enfermagem do colégio por queixas gástricas. No entanto, estes
comportamentos nunca foram entendidos por Diana e/ou pares como patológicos (Morton, 1992).
Entre o anúncio do noivado (fevereiro de 1981) e o casamento, Diana revelava-se extremamente ansiosa. Começaram,
nesta mesma altura, as desconfianças relativas à amizade entre Carlos e Camila. Perdeu muito peso e a sua cintura
diminuiu de 72,5cm para 57,5cm no dia do casamento (Morton, 1992). De acordo com os relatos de Morton (1992),
numa ocasião, quando o dia do casamento se aproximava, Carlos colocou a mão à volta da cintura de Diana e fez um
comentário, alegadamente inocente, sobre as suas formas. Esta observação teve um forte impacto em Diana, sendo
que, pouco tempo depois, vomitava. Sentia, com este comportamento, que libertava algumas tensões e gozava de
alguma sensação de controlo.
Durante a lua-de-mel a frequência dos comportamentos purgativos aumentou. Diana vomitava 4 a 5 vezes por dia
(Bradford, 2006).
Ao longo dos anos, a equipa que trabalhava para a família real admirava-se com o apetite de Diana, principalmente
porque ela permanecia com um peso normal. Um amigo recorda-se de a ver a comer um saco de rebuçados de 500g
durante uma noite de bridge (Morton, 1992).
Em simultâneo, as discussões entre marido e mulher agravavam-se. Diana estava sempre irritada, suspeitando da
p ese ça de Ca ila e ada ovi e to do p í ipe. Co eçou a a ifesta ideação sui ida, ão po ue uisesse
o e, as po ue p e isava desespe ada e te de ajuda (Morton, 1992, p. 106). Foi observada por psiquiatras
diversos, que lhe prescreveram medicação. Diana recusou. Entretanto, teve conhecimento de que estava grávida, o
que contribuiu para reforçar o não cumprimento de um regime medicamentoso. Sentia-se muito exposta e sozinha
(Morton, 1992).
Grávida de William e no contexto de uma discussão, Diana ameaçou suicidar-se pela primeira vez, atirando-se do alto
de uma escadaria. Seguiram-se outras tentativas, com baixo potencial suicida: numa ocasião atirou-se contra umas
portas de vidro; noutra fez cortes nos pulsos com uma máquina de barbear; noutra com um cortador de limões e,
uma vez, durante uma discussão, com um canivete, fez golpes no tórax e pernas (Morton, 1992).
Após o nascimento de William, o relacionamento do casal piorou. Diana chorava e telefonava a Carlos, muito ansiosa,
quando este não chegava a casa à hora prevista e apresentava insónia total quando ele estava longe. Fez, nesta altura,
tratamento medicamentoso com antidepressivos, de forma irregular (Bradford, 2006).
Em 1988 procurou outro psiquiatra. Tinha realizado 5 tentativas de suicídio e continuava a vomitar 4/5 vezes por dia.
O psiquiatra fez dois diagnósticos: bulimia nervosa e depressão (não se encontrou informação mais específica sobre
o diagnóstico realizado). O médico incentivou a leitura de informação sobre a doença, o que Diana cumpriu, bem
como restante tratamento prescrito. Seis meses depois vomitava apenas 1 vez por semana (Morton, 1992).
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Caso clínico: Antecedentes pessoais
À data do casamento, sem antecedentes pessoais do foro clínico conhecidos (Morton, 1992).

Caso clínico: Antecedentes familiares


Irmã mais velha (Sarah – 1ª da frataria) – anorexia nervosa (Morton, 1992)
Irmã mais velha (Jane – 2ª da frataria) – bulimia nervosa (Morton, 1992)
Pai – hemorragia cerebral (Morton, 1992)

Discussão:
Diagnostico diferencial (American Psychiatric Association, 2013):
1-Anorexia nervosa (307.1) Tipo compulsão alimentar purgativa
2- Bulimia Nervosa (307.51)
Embora Diana apresentasse por altura do casamento a preocupação com o aumento de peso que relaciona com
comentário de Carlos face às suas formas e verificando-se perda de peso e de perímetro abdominal nesse período, o
diagnóstico de anorexia nervosa está excluído por não se verificar o critério A da restrição de ingestão calórica em
relação às necessidades.
Diana apresentava comportamentos de compulsão alimentar, quem a rodeava estranhava que conseguisse manter o
peso com a quantidade de alimentos que ingeria pelo que o critério A do diagnóstico de bulimia nervosa está presente.
Face ao critério B, apenas há conhecimento do comportamento compensatório de vómito auto-induzido como forma
de controlo, redução de ansiedade e angústia que chegou a ter uma frequência de 4 a 5 vezes por dia durante anos,
o que valida o critério C.
O critério D verifica-se na importância dada ao comentário alegadamente inocente de Carlos relativo às suas formas
e como isso influenciou o seu comportamento.
Como o diagnóstico de anorexia nervosa está excluído por ausência de restrição alimentar, o critério E está também
ele confirmado.
Tendo em conta a bibliografia consultada é possível que Diana apresentasse ainda transtorno depressivo,
nomeadamente: Outro Transtorno Depressivo Especificado (311, episódio depressivo com sintomas insuficientes) ou
Transtorno Depressivo Não especificado (311), por apresentar humor deprimido e ideação suicida com
comportamentos suicidários. Não dispomos de dados que permitam esclarecer o diagnóstico com maior precisão.
Uma percentagem significativa de doentes com bulimia nervosa também apresenta transtorno da personalidade
borderline. Diana teve comportamentos que nos fazem suspeitar desse diagnóstico como: recorrência de
comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento auto-mutilante – critério 5 do transtorno de
personalidade borderline (American Psychiatric Association, 2013) e esforços desesperados para evitar o abandono –
critério 1 (American Psychiatric Association, 2013), quando desesperadamente chorava e telefonava a Carlos porque
este se atrasava a chegar a casa.

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Formulação diagnóstica:
De acordo com a Classificação do DSM-5 o diagnóstico identificado é Bulimia Nervosa (307.51), cumprindo todos os
critérios descritos.

Fatores que influenciam o Estado de Saúde e o contato com os Serviços de Saúde (CID- 10-CM):
O antigo Eixo IV do DSM-IV identificava os fatores psicossociais e ambientais. Por sua vez o DSM-5 recomenda que a
codificação dessas condições seja realizada com base no capítulo sobre fatores que influenciam o estado de saúde e
o contato com os serviços de saúde (códigos Z00-Z99) da Classificação Internacional de Doenças 10ª Revisão (CID-10)
(American Psychiatric Association, 2013; World Health Organization, 2016). Neste sentido identificamos os seguintes
fatores como influenciadores do estado de saúde de Diana:
a) Pessoas com riscos potenciais à saúde relacionados com história familiar e pessoal e algumas afeções que
influenciam o estado de saúde (Z80 - Z99)
I. Z81 - História familiar de transtornos mentais e comportamentais
 Z818 - História familiar de outros transtornos mentais e comportamentais
 Irmã mais velha (Sarah – 1ª da frataria) – anorexia nervosa (Morton, 1992)
 Irmã mais velha (Jane – 2ª da frataria) – bulimia nervosa (Morton, 1992)
b) Pessoas com riscos potenciais à saúde relacionados com circunstâncias socioeconómicas e psicossociais (Z55
- Z65)

I. Z61 - Problemas relacionados com eventos negativos de vida na infância


 Z612 - Padrão alterado de relações familiares na infância
Está descrito que Diana, na altura com 6 anos, e as irmãs, durante o processo de divórcio dos pais,
sofreram com a disputa judicial pela sua guarda (Bradford, 2006).
 Z613 - Eventos que originam a perda de auto-estima na infância
Verifica-se que o antecedente mais comum de compulsão alimentar é o afeto negativo e este está
presente durante a infância de Diana, descrita como emocionalmente pobre apesar de materialmente
nada lhe ter faltado.

II. Z63 - Outros problemas relacionados com o grupo primário de apoio, inclusive com a situação familiar
 Z630 - Problemas nas relações com cônjuge ou parceiro
O stress interpessoal também é identificado como fator precipitante e neste caso está presente nos
problemas emocionais e afetivos durante o casamento com o Príncipe Carlos.
 Z632 - Suporte familiar inadequado
Fraco suporte familiar por parte de Carlos (marido), sobre a restante familia não há dados que
indiquem que houvesse apoio mas há informação de que Diana se sentia sozinha e exposta.

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Proposta de Tratamento de acordo com a evidência:
A bulimia nervosa é uma doença grave e complexa, de etiologia multifatorial, que envolve fatores genéticos,
fisiológicos, psicológicos e ambientais. Deste modo, torna-se imprescindível uma visão global e multifacetada na
abordagem terapêutica (Catwright, 2004).
Até ao momento, não existe um tratamento considerado eficaz, dado que, mesmo com os diversos tratamentos
existentes, as recaídas são frequentes (Yagi, Ueda, Amitani, Asakawa, Miyawaki, & Inui, 2012). A acrescentar a esta
questão, verifica-se ainda uma grande resistência na adesão aos tratamentos propostos por parte do doente,
provavelmente devido ao facto do distúrbio desempenhar uma forte função na sua vida, consistindo numa forma
de lidar com os problemas (Halmi, 2009).
Apesar das dificuldades, Steinhausen & Weber (2009) verificaram, através de uma revisão sistemática da literatura,
taxas de recuperação total em 45% dos doentes, melhoria dos sintomas em 27% e manutenção do curso crónico da
doença em cerca de 23% dos doentes.
São várias as propostas de tratamento, incluindo reabilitação nutricional, intervenções psicossociais, terapia familiar,
farmacoterapia, combinação de farmacoterapia e psicoterapia e hospitalização (Yager, Devlin, Halmi, Herzog,
Mitchell, Powers, & Zerbe, 2006).

a) Reabilitação nutricional
Os aspetos nutricionais na bulimia são fundamentais, devendo ser adequadamente compreendidos para que se
ofereça o tratamento adequado (Alvarenga & Scagliusi, 2010). A normalização do padrão alimentar constitui um
objetivo central do tratamento, sendo que, de acordo com Burton & Stice (2006) uma dieta saudável e uma discreta
perda de peso não são incompatíveis com essa meta.
Como já foi referido, a bulimia nervosa é um quadro clínico no qual a estrutura (horários, tipo e regularidade das
refeições), consumo (conceito que envolve a ingestão energética de macro e micronutrientes) e atitudes alimentares
(formas de relacionamento entre o indivíduo e os alimentos) estão alterados (Alvarenga & Scagliusi, 2010). É
caracterizada por um padrão alimentar descrito como caótico e bizarro (Alvarenga & Scagliusi, 2010).
No que se refere à princesa Diana, embora não tenhamos informações que nos permitam inferências objetivas
relativamente ao seu comportamento alimentar em termos de estrutura, compreendem-se facilmente as alterações
em termos de consumo e atitudes alimentares: um amigo seu recordava-se de a ver a comer um saco de rebuçados
de 500g durante uma noite de bridge (Morton, 1992); e, a dada altura, a princesa confessa em contexto de entrevista
Le o-me da primeira vez que provoquei o vómito. Fiquei tão entusiasmada porque pensei que isto era uma forma
de li e ta te são (Marques, 2017). Deste modo, consideramos que a princesa beneficiava de uma intervenção em
termos de reabilitação nutricional.
A American Dietetic Association (2011) recomenda que a reabilitação nutricional se processe em duas fases: uma fase
inicial baseada na educação nutricional (que envolve as temáticas da alimentação equilibrada, pirâmide dos alimentos,
necessidades nutricionais) e uma fase seguinte baseada no aconselhamento para modificar comportamentos e
atitudes (que inclui o recurso a técnicas cognitivo-comportamentais). Relativamente à primeira fase, importa destacar
que indivíduos que sofrem de bulimia nervosa têm, habitualmente, um amplo conhecimento sobre o valor energético
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dos alimentos, interpretando, contudo, estes dados, de maneira rígida e enviesada (Alvarenga & Scagliusi, 2010), daí
a importância desta fase da intervenção. Em relação à segunda fase da reabilitação nutricional importa destacar que,
neste contexto, a motivação e predisposição para a mudança tornam-se elementos fulcrais, que caberá ao técnico,
juntamente com a utente, trabalhar e desenvolver.

b) Intervenções psicossociais
De acordo com Yager, Devlin, Halmi, Herzog, Mitchell, Powers, & Zerbe (2012) a terapia cognitivo-comportamental (TCC)
consiste no modelo de intervenção mais eficaz e mais estudado para pessoas com bulimia nervosa, devendo a terapia
interpessoal ser utilizada em segunda linha, em casos de insucesso da primeira.
As principais técnicas a utilizar em situações de bulimia nervosa, no âmbito da TCC são, segundo Oliveira & Deiro
(2013), baseadas na redução da ansiedade, no automanejo do comportamento e nas modificações das cognições
desadaptativas, tais como auto-imagem corporal distorcida.
A base inicial para o tratamento com TCC para pessoas com bulimia nervosa é o compromisso da pessoa com a terapia
(Oliveira & Deiro, 2013). Não dispomos de informação suficiente que nos permita concluir com reduzida margem de
erro se a princesa Diana teria uma atitude favorável a este tipo de intervenção. No entanto, e como já referimos
anteriormente, da literatura consultada supomos a possibilidade da princesa apresentar uma perturbação borderline
da personalidade. Park, Waller, & Gannon (2014) reportam que as bulímicas com perturbação borderline da
personalidade são, a par das histriónicas e evitantes, as que melhor respondem às primeiras sessões de TCC.
De salientar ainda que a TCC pode ser concretizada de forma individual ou em grupo. Os resultados obtidos com uma
meta-análise realizada por Thompson-Brenner, Glass & Westen (2003) demonstram vantagens no seu formato
individual, pelo que consideramos que esta seria uma importante intervenção no tratamento da princesa Diana.

c) Terapia familiar
De acordo com Yager et al. (2006) a terapia familiar deve ser considerada sempre que possível, especialmente quando
a bulimia nervosa afeta adolescentes que residam com os pais, indivíduos adultos com conflitos ativos com os pais e
em situações de conflitos maritais. Tendo em consideração a relação tumultuosa descrita entre a princesa Diana e o
príncipe Carlos, a terapia familiar poderia ter sido uma estratégia de tratamento ponderada.

d) Farmacoterapia
Os antidepressivos constituem as drogas mais estudadas e frequentemente utilizadas na bulimia nervosa (Appolinario
& Bacaltchuk, 2002). O raciocínio na base da utilização de antidepressivos para o tratamento da bulimia nervosa
prende-se com a evidência da relação entre esta doença e disfunção no sistema serotonérgico e noradrenérgico e
comorbilidade com distúrbios da ansiedade, distúrbios do espectro obsessivo-compulsivo e perturbação depressiva
(Aigner, Treasure, Kaye, & Kasper, 2011).
De facto, de acordo com uma revisão sistemática da literatura realizada por Yager et al. (2006), os antidepressivos
apresentam eficácia no tratamento da bulimia nervosa, independentemente da pessoa se encontrar clinicamente
deprimida ou não, verificando-se com o uso destes uma diminuição significativa da compulsão alimentar e dos
vómitos, na ordem dos 50-75%. Assim sendo, a presença de depressão não é necessária para obtenção de resposta

11
terapêutica com antidepressivos, pelo que o mecanismo através do qual estes exercem os seus efeitos não é
conhecido (Appolinario & Bacaltchuk, 2002).
Aigner et al. (2011) realizou uma revisão sistemática da literatura que permitiu concluir, com evidência de nível A,
uma boa relação risco-benefício no uso de fluoxetina. Yager et al. (2006), refere também que o uso de antidepressivos,
particularmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina, constituem um importante componente do
tratamento inicial da pessoa com bulimia nervosa. De salientar ainda que algumas classes de antidepressivos podem
ter efeitos adversos particularmente negativos, como seja o aumento de peso nos tricíclicos e inibidores da
monoaminooxidase.
Não existe na literatura encontrada referência aos medicamentos que foram prescritos à princesa Diana, nas várias
fases da doença. Há referência, contudo, a uma grande renitência da parte da mesma em aceitar um regime
medicamentoso e em cumprir, de forma regular, o mesmo. Tendo em conta a evidência, acreditamos que a princesa
Diana poderia ter beneficiado da adesão ao regime medicamentoso antidepressivo de forma regular. De notar ainda
que, de acordo com Bacaltchuk, Hay, & Mari (2000) as taxas de abandono do tratamento são elevadas
(aproximadamente 35%) demonstrando que o tratamento medicamentoso isolado não é bem aceite pelos utentes.

e) Combinação de farmacoterapia e psicoterapia


Foi encontrada uma metanálise (Whittal, Agras & Gould, 2001) que comparava a associação de psicoterapia (TCC)
com antidepressivos, com as abordagens isoladas. Verificou-se que tanto a farmacoterapia, quanto a TCC eram bem
toleradas e eficazes, a curto prazo. No entanto, a TCC foi significativamente mais eficaz que a farmacoterapia na
redução da frequência de episódios de compulsão alimentar, episódios purgativos e sintomatologia depressiva, auto-
relatados. Esta meta-análise sugere ainda que a eficácia advinda da combinação de farmacoterapia e TCC é superior
ao uso de farmacoterapia isoladamente e, provavelmente, ao uso de TCC também isoladamente.
Uma vez mais, não dispomos de informação suficiente que nos permita concluir se a princesa Diana cumpriu ou não
um plano de tratamento que envolvesse psicoterapia. Na nossa perspetiva e tendo em consideração a evidência, a
combinação entre a farmacoterapia e a psicoterapia poderiam ter constituído uma abordagem eficaz.

f) Hospitalização (integral e em regime de ambulatório)


A hospitalização integral de uma pessoa com bulimia nervosa deve ser baseada em fatores psiquiátricos,
comportamentais e clínicos, que incluem perda de peso corporal progressiva apesar da intervenção em ambulatório,
risco de suicídio, existência de problemas clínicos graves (como alterações metabólicas) ou presença de comorbilidade
psiquiátrica grave (Williams, Goodie, & Motsinger, 2008), devendo esta opção ser utilizada apenas quando outras
tentativas de tratamento não conduziram a resultados satisfatórios (Palma, Santos, & Ribeiro, 2013).
De acordo com a Yager et al. (2006) existem critérios que devem ser tidos em consideração aquando da ponderação
de internamento para tratamento de um transtorno alimentar. Estes são explicitados na tabela abaixo.

Tabela 3 – Critérios de hospitalização no transtorno alimentar


Frequência cardíaca inferior a 40 batimentos por minuto; tensão arterial inferior a
Condição médica
90/60 mmHg; glicose inferior a 60 mg/dl; desequilíbrio eletrolítico; temperatura

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inferior a 36ºC; desidratação; comprometimento hepático, renal ou cardiovascular,
exigindo tratamento agudo; diabetes mellitus mal controlado.
Tendência suicida Plano específico com alta letalidade ou muito intenso.
Percentagem de peso Inferior a 85%; ou declínio ponderal agudo com recusa de alimentos, mesmo que não
corporal considerado seja inferior a 85% ou se peso corporal saudável.
saudável
Motivação para a Motivação muito fraca ou fraca; pensamentos intrusivos ou repetitivos; não
recuperação cooperativo com o tratamento.
Transtornos Qualquer transtorno psiquiátrico co-existente que exija hospitalização.
comórbidos
Estrutura necessária Necessita de supervisão durante e após todas as refeições ou de sonda nasogástrica.
para comer / ganhar
peso
Controlo de atividades Dificuldades de auto-controlo na intensidade de atividades físicas, necessitando de
físicas compulsivas controlo externo.
Necessita de supervisão durante e após todas as refeições e na casa-de-banho; incapaz
Comportamentos
de controlar múltiplos episódios diários de purgação graves, persistentes e
purgativos
incapacitantes, apesar de tentativas adequadas de tratamento em ambulatório.
Conflito ou problemas familiares graves ou ausência de família que possa oferecer
Stress ambiental
acompanhamento residencial adequado.
Disponibilidade Residência do utente em local muito distante do local de tratamento.
geográfica

Segundo Palma, Santos, & Ribeiro (2013) as indicações de internamento hospitalar mais frequentes nos transtornos
alimentares foram para realização de terapia nutricional, seguida de investigação do quadro clínico e posteriormente
por depressão / ideação suicida.
Da leitura da biografia e dos diversos artigos disponibilizados acerca da princesa Diana, não se encontram informações
que sustentem a necessidade de internamento. Apesar de existir referência a 5 tentativas de suicídio, estas
apresentaram um baixo potencial de letalidade. A possibilidade de existência de doenças comórbidas (transtorno
depressivo e transtorno da personalidade) é, do nosso ponto de vista, elevada. No entanto, e uma vez que não existe
referência a comprometimento funcional marcado, pouco se justificaria o internamento hospitalar.
A dada altura verifica-se que a frequência dos comportamentos purgativos torna-se bastante elevada (4/5 por dia), o
que constitui o critério gerador de maior ponderação para este tipo de internamento. No entanto, a possibilidade de
acompanhamento residencial adequado supre, na nossa perspetiva, a relevância do mesmo. Relativamente aos outros
critérios, não se encontram informações que façam suspeitar da sua presença.
No que se refere ao internamento em regime de ambulatório, consideramos que este poderia vir a ser pertinente,
tornando possível o recurso a várias estratégias de intervenção e uma vigilância mais eficaz, o que vai de encontro a
Zeeck & Hartmann (2009). Estes investigadores realizaram um estudo com 55 utentes com bulimia nervosa severa,
que dividiram aleatoriamente em duas modalidades: tratamento em regime de ambulatório e tratamento com
hospitalização integral. Verificaram que, aos 3 meses após o início do tratamento, em ambos os grupos houve
melhoria, em termos gerais, da patologia; no entanto, a ocorrência de deterioração da sintomatologia bulímica foi
mais frequente e grave no grupo de utentes internados do que no grupo em tratamento em regime de ambulatório.

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Conclusão:
No âmbito psiquiátrico, há vários sintomas comuns a diferentes patologias o que pode levar a que sejam estabelecidos
diversos diagnósticos provisórios e por vezes chega mesmo a ser necessário recorrer ao internamento do doente em
causa para esclarecimento do diagnóstico. Neste âmbito a equipa de enfermagem desempenha uma importante
função de avaliação, vigilância e monitorização do doente, tanto em contexto de internamento como em ambulatório,
o que implica conhecimento e reconhecimento de sinais e sintomas das diferentes patologias.
Desta forma demonstra-se a importância da discussão de casos clínicos, como este estudo, na formação de
enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiátrica.
Através deste trabalho foi possível descrever e analisar o transtorno alimentar da princesa Diana, estabelecendo o
seu diagnóstico diferencial com base em informações obtidas através da biografia disponível uma vez que se trata de
uma personalidade já falecida.
Com base na colheita e análise de dados disponíveis foi possível verificar que a Princesa Diana padeceria de Bulimia
Nervosa, de acordo com os critérios do DSM-5.
O facto do estudo de caso em questão reportar a uma figura pública já falecida não permitiu obter informações na
primeira pessoa, o que constituiu uma limitação ao desenvolvimento deste trabalho uma vez que o exame mental
realizado por entrevista e/ou observação é o grande recurso para recolha de informação essencial para o
estabelecimento do diagnóstico diferencial.

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