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DISCIPLINA

ETICA NAS RELAÇÕES ORGANIZACIONAIS


Prof. Dr. Márcio Magalhães Fontoura
O uso da razão instrumental, como uma das características da
Modernidade, fez emergir um perfil de sujeito e, consequentemente, um
modelo social, que desde o século XV à metade do século XX, deram ênfase
ao desenvolvimento científico e ao domínio técnico como fundamentais para
o desenvolvimento da sociedade, inclusive como possibilidade maior de bem-
estar social para todos.

Nota-se o fracasso deste modelo, sobretudo a partir da experiência das


duas grandes guerras mundiais e dos seus desdobramentos, e durante toda
a Guerra Fria. Pensadores clássicos como Giddens, Beck e Lash (1997),
Touraine (1999), Harvey (2000) e Santos (2000), ao discutirem a questão da
modernidade e da pós-modernidade, evidenciam este fracasso e a necessária
composição de um novo modelo social.

Neste singular pode-se inserir as discussões sobre um novo ethos para


a humanidade, pois os caminhos históricos com ênfase no desenvolvimento
científico e tecnológico evidenciaram que o propósito de bem-estar social não
teve o êxito desejado, sem negar a importância e o papel da ciência e da
tecnologia para o desenvolvimento. Porém, é perceptível que passamos, a
partir dos fracassos da Modernidade, a repensar as nossas práticas, vimos um
mundo dando lugar a outro mundo, como indica Giddens, Beck e Lash (1997),
certamente buscando caminhos de superação e reinvenção. Passamos, a
partir da segunda metade do século XX, a buscar dar ênfase no humano e no
social. Nota-se na gestão, o quanto as ciências humanas e sociais passaram a
ser cada vez mais utilizadas.

Neste contexto é possível evidenciar a presença de algumas dimensões


“esquecidas” e até “adormecidas”. A partir da década de 50, passamos a falar
mais de motivação, liderança, grupos e o papel do individuo nas organizações,
como destaca Chanlat (1996), entre outras dimensões antes esquecidas.
Assim, notam-se os discursos sobre a cidadania, as questões relacionadas à
sustentabilidade, sobretudo a sua dimensão ambiental e, principalmente,
retoma-se o discurso da ética.

Há um discurso cada vez maior sobre tais temas, certamente


evidenciando que é necessário falar movidos pela ausência de práticas
efetivas. O discurso sobre cidadania revela que as pessoas são mais cidadãos
de direito do que de fato, afinal, como assevera Covre (1999), o que caracteriza
o cidadão é o fato de ser sujeito e, só torna-se sujeito em constituição, aquele
que possui uma real participação na vida da sociedade em que está inserido.
Considerando esta premissa, o discurso da cidadania se revela ainda distante
da sua prática. Da mesma forma, a ênfase dada à sustentabilidade, seja
econômica, social ou ambiental, é desprovida da prática. Nesta mesma
perspectiva é que o discurso da ética revela a ausência da ética.

É evidente que a velocidade da informação e o uso cada vez maior das


redes sociais impulsionaram ainda mais tais discursos e acenaram para a
necessidade da superação da ausência da prática. Com a constatação dos
prejuízos gerados pela queda de capital reputacional, as organizações
passaram a investir esforços em programas de compliance e integridade, em
códigos éticos, em práticas de sustentabilidade, para reforçar a sua
capacidade de exercer a cidadania corporativa. Assim sendo, presencia-se a
necessidade de ampliar o discurso sobre a ética criando meios para a sua
aplicação, considerando que a conduta passou a impactar sobre os resultados
de todos os negócios. Por isso, a ausência sentida da ética produz prejuízos
que o olhar atento da gestão sobre o treinamento ético, a responsabilidade
social interna e externa, frutos de ações empresariais planejadas podem ser
capazes de reduzir. Percebe-se todos estes temas vindo à baila nos cursos de
graduação e pós-graduação, como meio necessário de formar um novo perfil
de gestor, que possa ser capaz de articular o discurso da cidadania, da
sustentabilidade e da ética com a estratégia de negócio, reduzindo a distância
entre o discurso e a sua efetiva prática.

O presente texto objetiva apresentar a ética em seus aspectos práticos,


com ênfase na importância da ética para as relações organizacionais.
Qual a diferença entre ética e moral

O termo ética, vem do grego ethos, que significa modo de ser. Como
parte da filosofia, a ética tinha um caráter mais especulativo e reflexivo, sobre
o qual deveria ser o modo de ser do cidadão para o bem da polis (cidade). Com
o advento das ciências sociais, a ética ganha o status de ciência, e passa a ter
uma dimensão mais prática, sendo entendida como a ciência que estuda o
comportamento das pessoas na sociedade. Como ciência, é uma disciplina
teórica, é reflexiva, porém assume uma perspectiva prática, envolvendo a
moral entendida como a prática da ética, considerando a expectativa de
comportamento. Pode-se então entender que, enquanto a ética é ciência, a
moral é prática, enquanto a primeira oferece diretrizes de como agir por meio
de princípios, a segunda é o agir em si.

Neste sentido, pode-se afirmar que a moral é como cada individuo


pratica a ética, se o que foi convencionado como correto por uma
determinada sociedade for praticado, esta prática possui caráter social
positivo, por satisfazer as expectativas sociais de comportamento, portanto é
uma prática moral. Se, ao contrário, a conduta for de negação ao que fora
estabelecido socialmente, tal prática possui caráter social negativo, portanto
deve ser entendido como imoral. E quando alguém não tem discernimento
sobre o que faz, não podendo analisar, avaliar ou julgar os seus atos como
certos ou errados, possui caráter social neutro, sendo a conduta classificada
como amoral, sendo o autor de tais atos, considerado pela lei como incapaz.

A ética, por oferecer princípios gerais para a conduta, pode ser universal,
enquanto a moral é individual, pois depende de como cada um responde, na
prática, aos princípios estabelecidos pela ética.
Áreas de estudo da ética

Pode-se destacar três áreas prioritárias para o estudo da ética, a saber:

1) Deontologia: Entendido como tratado dos deveres – orienta a Ética das


profissões

2) Bioética: Orienta a análise quanto as condutas relacionadas a tudo o que se


refere à vida – ética da vida.

3) Empresarial: Diz respeito a regras e princípios que pautam decisões de


indivíduos e grupos de trabalho nas organizações

Ética nas relações organizacionais

Com o avanço da era digital e com o advento das redes sociais, as


informações passaram a ser processadas numa velocidade ainda maior. Este
fenômeno impulsionou as pessoas e as empresas a ter um zelo maior com as
questões relacionadas à conduta, afinal um escândalo praticado possui um
alcance muito maior em função da velocidade da informação. O impacto do
escândalo afeta o capital reputacional, das pessoas e das empresas, gerando
prejuízos de tal grandeza que o ativo intangível passou a ter valor maior, ou
seja, estima-se que 60% do valor de uma empresa seja reputacional. Desta
forma, as empresas passaram a dar mais atenção às questões relacionadas à
imagem e reputação de suas marcas.

Por outro lado, as pessoas também passaram a ser mais cobradas em


relação à conduta, afinal, o que pode comprometer a imagem de uma
empresa são as condutas negativas das pessoas que nela atuam. Como
consequências, estima-se que 87% das demissões que ocorrem nas empresas
são por razões comportamentais.

Para promover o capital reputacional, as empresas passaram a inserir


em suas políticas de pessoal, treinamento ético, implementação de
compliance e os seus respectivos pilares de integridade, códigos de conduta,
programas de responsabilidade social interna e externa, entre outras ações,
como meios de fortalecimento da marca, tendo em vista a ampliação da
credibilidade, confiabilidade, responsabilidade, realmente entre outros
atributos relacionados à marca e cada vez mais valorizados pela sociedade
civil.

O processo de seleção de pessoas passou a observar mais atentamente


a conduta e não apenas o desempenho, ou seja, os conteúdos atitudinais
(atitudes) ganharam igual ou maior relevância que os conteúdos
procedimentais (habilidades) e conceituais (conhecimento) que compõem o
que caracteriza a competência de uma determinada pessoa.

Sendo assim, as relações organizacionais começam a ser muito mais


discutidas, com ênfase na análise da conduta ética adequada, que passou a
ser imprescindível para o sucesso das organizações. Questões relacionadas a
conflitos de interesse, falta de controle e inteligência emocional, assédios de
todos os tipos, dificuldade de relacionamento interpessoal, falta de gestão do
tempo, resistência a mudanças, entre tantos outros comportamentos
entendidos como inapropriados dentro e fora das organizações.

Neste singular, a ética nas relações organizacionais passou a ser um


instrumento de como fazer cada pessoa da organização a tomar a melhor
decisão, a fazer a melhor escolha em tudo que afeta o outro e a organização.

Por esta razão, referências clássicas como a ética da convicção e da


responsabilidade de Max Weber, foram retomadas, bem como discussões
sobre visões éticas no processo decisório, tais como a visão utilitarista da ética,
visão legal da ética, visão da teoria da justiça da ética e a visão altruísta da ética
foram resgatadas como fundamentos para sustentar os processos de decisão
à luz das discussões éticas.

Certamente tais estudos auxiliam a repensar os relacionamentos


dentro e fora das empresas, os riscos de escândalos provocados por práticas
antiéticas e distante do que a sociedade espera e que são capazes de construir
as reputações pessoais e empresariais, num tempo e espaço onde os olhares
se voltam cada vez mais para a conduta adequada, necessária e ética.
Referências

CHANLAT, Jean-François. (Coord.). O indivíduo na Organização: dimensões


esquecidas. Tradução e adaptação de Arakcy Martins Rodrigues. 3.ed. São
Paulo: Atlas, 1996.
COVRE. Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. 3 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1999. (Col. Primeiros Passos, 250).
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva:
política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução Magda Lopes.
São Paulo: UNESP, 1997.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 9 ed. São Paulo: Loyola, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o
desperdício da experiência. São Paulo Cortez, 2000.
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Tradução Elia Ferreira Elia. 6 ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

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