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INTRODUÇÃO
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Doutoranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/UFMA. Turma 2020.
como ser social e ao mesmo tempo está em conflito “com os impulsos de seu eu que não
foram absorvidos pelo seu caráter social”.
Percebe-se então, como sugere Simmel, que o indivíduo não é somente receptor ou
reprodutor de informações em prol da coletividade (Durkheim) e nem tão pouco que o
indivíduo é só “um agente compreensível de uma atividade orientada significativamente
(...)” (Weber). (FREUND, 1980; p. 85). É preciso que outros fatores sejam levados em
consideração, na tentativa de se apreender mais informações sobre o indivíduo em si, suas
percepções e ações dentro da sociedade.
A partir dessas e de outras teorias e correntes sociológicas proponho realizar uma
discussão sobre o papel do professor nessa construção social do indivíduo, partindo da
realidade observada nas escolas públicas estaduais de ensino médio do Maranhão. Para tanto,
levarei em consideração o momento atual em que vivemos de mudanças na estrutura do
ensino médio, bem como o governo federal que temos. Não se trata de uma pesquisa em
andamento, mas de um exercício que busca observar de forma diferente e desnaturalizada o
papel do professor.
Estar professor nos faz refletir diariamente sobre nosso papel frente ao aluno, bem
como sobre o propósito desta ação que nos é posta: ensinar. Mas será que todos possuem
essa reflexão? Ensinar o quê e a quem? Será esse ensino desprovido ou carregado de regras e
limites? Como professora de sociologia da escola pública do Maranhão, especificamente no
ensino médio, ouço professores falarem e mesmo penso, às vezes, que o ensinar é uma
missão, que está para além de repassar os conteúdos cobrados institucionalmente, mas é
também um divisor de águas entre a naturalização e a desnaturalização que pode ocorrer
através da reflexão e crítica aos fenômenos sociais. Todavia, esse pensamento de “missão”
pode estar ligado à sociedade em que se vive, bem como aos grupos que se participa e às
relações estabelecidas com outros indivíduos que moldam, de certa forma, pensamentos e
ações sobre a prática e o sentido de ensinar.
Durkheim, em seu livro Educação Moral (2008), leva-nos a reflexão sobre a
educação, moralidade e a crise que estas passavam em seu tempo. O autor fala de uma crise
moral enfrentada após a decisão social de colocar na prática uma escolarização laica e nesse
sentido mais racional. Historicamente sabemos que a educação, de certa forma, sempre
esteve atrelada religião e que a partir desta a moralidade sempre se sustentou. Todavia,
Durkheim chama atenção ao revelar a moral como algo racional e que está para além da
religião. Aqui o próprio cristianismo contribui para um pensamento mais voltado para o
humano do que aos deuses, ao proferir “que o principal dever do homem para com Deus é
cumprir seus deveres humanos para com seus semelhantes” (Durkheim, 2008, p. 22).
Hoje, talvez, estejamos a viver algo inverso no Brasil. Percebe-se uma onda, na qual
a força religiosa tem sido resgatada para justificar e fortalecer a moralidade, que para muitos
tem sido enfraquecida justamente pelo fato desta ser mais racional. O racional tem sido
colocado em cheque e a ciência em dúvida. E para que a percepção, de alguns grupos, ganhe
força coletivamente, tentam culpabilizar o professor, que está em uma das pontas do
processo de ensinar, por não estar cumprindo com seu dever de promover ordem e o
fortalecimento da moral.
Para Durkheim (2007) a educação já recebeu vários sentidos, desde ser:a) um
“instrumento de felicidade” para o próprio indivíduo e para os que estão a sua volta até, b)a
ideia homogênea de que todos através desta será capaz de desenvolver sua perfeição. As
duas ideias são veemente criticadas pelo autor por acreditar que a primeira ideia é algo
subjetivo e já a segunda por não acreditar que temos que ter o mesmo gênero de vida, pois
temos aptidões e funções diferentes a desempenhar na sociedade. Sendo assim, a educação,
dentro da concepção de Durkheim, é a “ação exercida sobre as crianças pelos pais e pelos
professores”, em ambientes diferentes, mas que possuem o propósito de repassar/ensinar
informações de como os mais jovens devem agir coletivamente em prol da sociedade
(DURKHEIM, 2007, p.71).
Essa palavra, educação, nos remete a ideia de oportunidade, conhecimento e também
futuro, todavia, esse pensamento e a própria forma de educar, muito específica de cada
sociedade, está conectada àquilo que os indivíduos coletivamente determinam como moral e
desejável na sociedade. O professor é “o intérprete das grandes ideias morais do seu tempo e
do seu país” (Durkheim, 2007, p. 69). Dessa maneira, é visto como alguém que tem
importante função na sociedade que é repassar, através da socialização, regras, ideias e
pensamentos.E tudo aquilo que foge dessa forma ou pensamento sobre o quê e como
repassar aos jovens, tende a ser rejeitado sobre a justificativa de romper com o alicerce
social.
É preciso estar atento a duas questões apontadas por Durkheim (2007). Primeiro nos
diz que é impossível educar nossos filhos e alunos(inclusão minha)da maneira como
queremos, por mais que seja nossa vontade, devido às “regras reinantes” as quais estamos
inseridos e das quais somos também propagadores, apesar das possíveis críticas. Uma
segunda questão importante diz respeito às mudanças que ocorrem no meio social. Apesar
de não ser algo comum ou rápido, as mudanças ocorrem, mas de forma paulatina e gradual.
E para que esta realmente ocorra, é necessário que outros indivíduos também acreditem e
fortaleçam a modificação, desde que esta não enfraqueça a moralidade que é fundamental
para vivência coletiva.
Apesar de entender que as regras são fortes e difíceis de serem quebradas, há de se
entender também que as particularidade e trajetórias vividas pelos professores, fazem deste
indivíduo um sujeito que questiona e busca refletir junto aos seus alunos os espaços que
ocupam e que podem também ocupar.
Ao pensar a educação e o exercício do professor são notórias as mudanças ocorridas
tanto na relação do professo/aluno quanto na própria forma de ensinar. Apesar de reconhecer
que determinadas questões não estão na discussão de uma possível mudança. Falo aqui da
autoridade do professor frente ao aluno. E aqui, como o próprio Durkheim (2007)discute,
não se trata de violência ou repressão, mas sim da autoridade como primazia moral. Então
por mais que as mudanças nas relações aconteçam entre professor e aluno, a autoridade do
primeiro permanece como algo fundamental nesta relação. Como se houvesse um limite que
não pode ser ultrapassado, sob o risco de perder a disciplina, algo que é caro a permanência
da moralidade.
É preciso deixar claro que autores como Goffman, Bourdier e Lahire percebem o
indivíduo, diferentemente dos clássicos, como sujeito que possui consciência sobre as suas
representações, sobre os jogos estabelecidos dentro dos campos, e assim temos um indivíduo
que consegue incorporar várias formas de pensar e agir de acordo com seu contexto social,
ou campos que participa ou ainda dos espaços de interação.
Dessa maneira, os processos metodológicos do referido artigo estão pautados na
pesquisa bibliográfica que consiste nos estudos em materiais já elaborados, constituídos
principalmente por livros e artigos científicos, de autores tais como: Durkheim, Bourdieu,
Goffman, Simeel e Lahire. E é nesta lógica que se pretende edificar o objeto deste estudo,
com vistas a expor a chave explicativa de cada um destes autores, tais como conceitos,
categorias e abordagens, relacionando-as com as situações escolhidas para análise.
Ressalta-se que os autores selecionados se utilizam de alinhamentos teóricos e
perspectivas diferentes, contudo, oferecem chaves analíticas relevantes para a compreensão
do tema aqui proposto. Assim sendo, o presente artigo está dividido em: 1) Introdução; 2)
reprodutor da moral?; 3) O papel do professor na construção social do indivíduo. E por
fim,conclusão do artigo.
1. Reprodutores da moral ou professores reflexivos?
A Lei de Diretrizes e Base, nº 9394/96 determina que ao final do tempo escolar (3ª
série do Ensino Médio) o aluno possa estar apto ao trabalho, a continuação de seus estudos
(ensino superior), bem como tenha base para tornar-se um cidadão crítico, reflexivo e
consciente dos seus direitos e deveres para com a sociedade em que vive. E para que essa
segunda parte se concretize entende-se que a escola, através dos docentes e de todo corpo
escolar repasse informações e façam com que esse aluno experimente vivências para além
dos conteúdos das disciplinas, ou seja, é importante que haja a promoção dessa reflexão em
sala de aula.
Comumente as pessoas reproduzem no dia-dia quão importante é a educação e o
professor na vida dos estudantes, sendo os docentes vistos como verdadeiros heróis em prol
da educação da sociedade em que vivemos. Erroneamente, ouvimos ainda que o docente, em
nome da educação e naquilo que ela representa em nossa sociedade, deve sacrificar-se e
trabalhar “por amor”, ou seja, trabalhar com qualidade mesmo quando não possui condições
mínimas de trabalho.
Mas não só de herói se veste um professor. E aqui não estamos com esse objetivo de
enaltecer ou criticar o professor, mas sim entender qual tem sido o papel deste nas escolas a
partir das teorias apresentadas anteriormente.
Buscar entender que tipos2 de professores temos nas escolas está extremante ligado
ao entendimento sobre a sociedade e o tempo em que vivemos. Pensar somente até este
ponto nos parece, hoje, não reconhecer outras vertentes importante para entender quem é
esse professor que leciona em sala de aula. Precisamos ir mais adiante e não pensar somente
o professor como reprodutor ou mesmo doutrinador3 e sim como alguém consciente de suas
posições e mais reflexivo. Parece que para entender quem é, e o que busca esse professor,
temos que o vestir de um tipo, de um conceito, limitando inclusive nosso conhecimento a
seu respeito.
Lahire (2015, p.1393) aponta que é preciso contextualizar “as trajetórias individuais
a fim de se conseguir apropriar de maneira concreta as experiências e tomadas de posição
dos indivíduos ao longo dos percursos sociais”. Ou seja, as trajetórias vivenciadas por este
indivíduo, são importantes para entender quem são os professores que estão na sala de aula e
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Utilizo tipos no sentido de que somos heterogêneos e que temos trajetórias diferentes que nos tornam
indivíduos diferenciados.
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A palavra “doutrinador” está sendo utilizada aqui no sentido de divulgação de uma doutrina, dos preceitos
de uma ideia. Em particular, aqui no Brasil, têm-se chamado de doutrinador, professores que promovem
discussões e reflexões sobre política, questões de gênero e sexualidade, entre outros assuntos que são vistos
como valores morais intocáveis.
a forma que estes lecionam. Dessa forma, não há como homogeneizar a educação e a
construção desse cidadão, como se todos vivessem da mesma maneira e tivessem as mesmas
condições e oportunidades de vida.
Para Durkheim (2007) o professor “é o intérprete das grandes ideias morais do seu
tempo e do seupaís”, cabendo a ele a responsabilidade de repassar as informações não só dos
conhecimentos das disciplinas, mas também contribuindo para a moral coletiva. Entretanto,
não se trata, segundo este autor de reproduzir inquestionavelmente o passado, mas preparar
as gerações mais novas para as questões que a racionalidade já aponta.
“(...) qualquer processo de educação moral que tenha em vista uma maior racionalidade não
pode ocorrer sem que, ao mesmo tempo, surjam novas tendências morais, sem que desperte
uma maior sede de justiça, sem que a consciência pública se sinta perturbada por aspirações
de natureza obscura (...) É preciso que o educador ajude as gerações mais novas a tomar
consciência do novo ideal para o qual já se tende, embora de maneira confusa, e que as
oriente nesse sentido, Não é suficiente que ele conserve o passado, é preciso que prepare o
devir”. (Durkheim, 2008, p.28)
Entretanto, alguns interpretam que cabe a este professor somente reproduzir as ideias
morais já estabelecidas na sociedade. Competindo a eles terem disciplina e disciplinar seus
alunos de acordo com a moral estabelecida socialmente: “a disciplina forja o hábito na
vontade e lhe impõe freio. Ela regulariza e ao mesmo tempo contém”(Durkheim, 2008, p.
61). E caso não ocorra da forma pré-estabelecida, há uma forte tendência a criticar o
professor e seus atos como indisciplinares e perigosos, como vem acontecendo aqui no
Brasil, com a proposta de lei intitulada: Escola Sem Partido. Trata-se de um projeto que visa
limitar a atuação dos professores para impedir que os mesmos promovam suas crenças
ideológicas e partidárias em sala de aula ou “incitem” estudantes a participarem de protestos
populares.
O que se percebe é que esta atuação está à mercê de interpretações sobre a atuação
do professor, que pode estar a realizar uma crítica ou reflexão sobre questões sociais e ainda
assim pode ser acusado de doutrinação, quando na verdade utiliza de pesquisas e dados
científicos para embasar suas aulas, e tal racionalidade não é considerada. Dessa forma,
percebe-se uma contradição, quando na LDB fala-se em tornar o estudante um cidadão
reflexivo e na prática, essa reflexão pode ser interpretada como algo negativo e impróprio,
pois é vista como ameaça ao coletivo.
Simmel (2006, p. 87) nos diz:
a sociedade o quer (o indivíduo) para si e deseja lhe atribuir uma forma que seja
adequada ao seu conjunto, e frequentemente de maneira tão dura e incompatível
com aquele valor objetivo que o indivíduo exigia de si mesmo que tal
incompatibilidade só poderia existir entre uma ambição puramente egoísta e outra
puramente social.
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Alguns sites foram criados para incitar alunos a filmarem professores em sala de aula, além de receberem e
publicarem tais filmagens, na tentativa de denunciar os professores.
algo que comprove aos outros a validade da sua própria ação. Para que essa representação
seja convincente, o indivíduo costuma incluir na sua prática atividades que dão aos outros a
impressão apropriada. Sendo assim, podemos analisar que o professor, ao sentir-se
pressionado e vigiado, pode vir a representar o papel esperado socialmente, a fim de
comprovar que está cumprindo com sua parte, mas que ao mesmo tempo pode utilizar-se de
outras práticas e/ou discussões para promover a reflexão.
Outro ponto, que trabalharei de forma breve é a respeito do novo papel que o
professor no Brasil, passa a exercer com a implementação do Novo Ensino Médio, que o
coloca numa posição flutuante, na qual tem que saber trabalhar não só com sua
especialidade, mas com as demais disciplinas, além de estar sobrecarregado com várias
demandas, tais como: ministrar aulas, ministrar disciplina eletivas de forma interdisciplinar,
projetos formativos, projeto de vida, entre outras.
Há atualmente uma cobrança para que o professor exerça vários papeis dentro da
escola, inclusive de psicólogo, que é algo que foge a sua função. Dessa forma, percebe-se
que o próprio professor, tomados de muitas demandas extras, passa a não ter mais a relação
que tinha com seus alunos, e passa a desempenhar um papel mais de replicador do que o
papel de formador e critico social.
Leis, como a apresentada acima (LDB 9394/96) legalmente legitimam o professor
como o indivíduo que deve promover a reflexão e despertar o lado críticos dos estudantes,
por entender que a sociedade e os que nela vivem devem ser indivíduos conscientes,
racionais e críticos, a fim de garantir que estes não sejam somente reprodutores de regras
sociais.
3. CONCLUSAO
O presente artigo teve como objetivo fazer um exercício no pensar o papel do
professor na construção social do indivíduo e para isso, realizei discussão a partir de autores
clássicos e contemporâneos sobre o indivíduo como ser ligado ao social, mas também como
ser consciente de suas representações e papeis.
Autores clássicos, como Durkheim, nos ajudam a pensar como regras e ideias sociais
são socializadas, inicialmente pela família (socialização primária) e em seguida por outros
grupos, tais como a escola (socialização secundária) e que estes são responsáveis pela
reprodução da moralidade coletiva, fundamental, para a permanência da coesão social.
Simmel, apesar de entender a importância do social, não descarta o conflito que há
dentro do indivíduo que se percebe, às vezes, como egoísta por não seguir com as ideias
coletivas. Faz ainda a discussão, que a própria sociedade é egoísta, no momento em que não
permite um pensar do indivíduo, independente do seu.
Já os autores contemporâneos, contribuem com análises sobre o indivíduo,
colocando-o como alguém que pensa por si, a partir de suas trajetórias, mas que também
representa, de forma teatral - como pensa Goffman - e consciente dentro da sociedade.
Após essa discussão mais teórica foi realizada análise a respeito da situação pela qual
passam os professores no Brasil, que devido uma onda conservadora, passaram a ser
vigiados e taxados de doutrinadores, por, segundo alguns grupos, irem de encontro com as
regras morais estabelecidas.
Tratar do papel do professor nessa construção, tem a ver com os grupos que estamos
envolvidos e com a dinâmica dos jogos estabelecidos nesse momento. Cada professor,
possui uma trajetória, e dessa forma se pensa o ensinar a partir das relações estabelecidas
socialmente e que nos fazem refletir sobre o que queremos para a nossa sociedade. Há um
entendimento de que as relações sociais e a própria estrutural social é dinâmica, e sendo
assim, precisamos como educador estar à frente e atentos na promoção de novas discussões
importantes para a promoção de mudanças.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
BOURDIEU, P. A ilusão biográfica in Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006.
DURKHEIM, E. O individualismo e os intelectuais in A Ciência Social e a Ação.
Amadora: Livraria Bertrand, 1975.
DURKHEIM, E. Educação e sociologia. Lisboa: Edições 70, LTDA. 2007
DURKHEIM, E. Educação Moral. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
FREUND, J. O indivíduo in A sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1980.
GOFFMAN, E. Representações in A representação do eu na vida cotidiana. 20ª edição,
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LAHIRE, B. A fabricação social dos indivíduos: quadros, modalidades, tempos e efeitos de
socialização in Educação e Pesquisa, v. 41, n. especial, dezembro 2015.
SIMMEL, G. Questões Fundamentais de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.