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DURKHEIM, Emile (1978). Educação e Sociologia. Tradução: Lourenço Filho.

São
Paulo: Melhoramentos; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar [1 a
edição publicada em 1922]

“Educação e Sociologia”, de Émile Durkheim1.


Numa época em que era comum acreditar que tudo que era geral tinha sido, um dia,
individual, Émile Durkheim desafiou essa premissa e contribuiu para a consolidação da
Sociologia como disciplina científica. Intelectual de carreira universitária, Durkheim foi
encarregado dos cursos de pedagogia e ciências sociais, em Bordeaux, a partir de 1887 e
ocupou, a partir de 1906, a cadeira de professor titular de Ciência da Educação, na Sorbonne,
dedicando-se exclusivamente à Sociologia somente a partir de 1913 (cf. CUIN & GRESLE,
1994, p.92-94)

Ao longo da sua carreira o autor defrontou-se com um amplo espectro de temas de


estudo. Para constatar a diversidade da sua produção basta mencionar suas obras fundamentais:
A Divisão do Trabalho Social; O Suicídio; As Regras do Método Sociológico; As Formas
Elementares da Vida Religiosa. Perpassando toda essa trajetória, as preocupações com a
educação estiveram sempre presente em virtude dos compromissos profissionais do autor. As
reflexões sobre a temática culminaram com a publicação da obra Educação e Sociologia. Neste
texto, publicado após sua morte, estão reunidos textos que expõem suas preocupações teórico-
metodológicas e suas proposições sociológicas à educação.

Educação – sua natureza e função.

No primeiro capítulo da obra, Durkheim preocupa-se em analisar as definições


correntes da educação e construir uma formulação própria. Esta apontava para algumas
conseqüências e implicava em desdobramentos que culminariam com a crescente
responsabilidade pública sobre as instituições educacionais. Vamos agora reconstituir os
argumentos do autor: o primeiro limite apontado por Durkheim aos estudiosos do tema é o
sentido demasiadamente amplo que envolvia a maioria das definições. Estas designavam um
conjunto de influências exercidas por outros homens sobre a inteligência e vontade que
realizariam nossa natureza humana. O primeiro desafio era definir de forma precisa que
influência é esta que constitui a educação.

Durkheim reconstituiu duas possibilidades de resposta. O primeiro, indicava que a


finalidade da educação era desenvolver o ser humano à máxima perfeição. O autor questionava
se isso era possível de ser concretizado ou desejável em uma sociedade acentuadamente
diferenciada como a que vivia. O segundo, mais utilitário, estabelecia que a influência teria
1
Resenha escrita por Francisco dos Santos Kieling, originalmente publicada em: WEISHEIMER, Nilson
(org.). “Sociologia Clássica”. Canoas: ULBRA, 2009.
como finalidade fazer o indivíduo um instrumento de felicidade para si e para a sociedade.
Mesmo considerando uma definição objetiva de felicidade, que seria medida pelas condições de
vida, é bom ter em mente que essas condições estão em constante transformação. O autor critica
essas duas alternativas. Aponta que elas partem de um ideal, sem respeitar as inúmeras
transformações sofridas ao longo da história, sendo constantemente debatida. Durkheim nos
ensina que toda essa transformação não aconteceu porque idealmente não se conhecia o que a
educação deveria ser ou o papel que deveria cumprir. Argumenta que:

[...] se se começa por indagar qual deva ser a educação ideal, abstração feita das
condições de tempo e lugar, é porque se admite, implicitamente, que os sistemas
educativos nada têm de real em si mesmos (DURKHEIM, 1978, p.36).
Ele questiona essa desvinculação do ideal educativo com a história das sociedades
perguntando: “de que serviria imaginar uma educação que levasse à morte a sociedade que a
praticasse?” (idem, p.36). Em conformidade com o seu método sociológico que indica a
superioridade e coercitividade do todo sobre as partes, Durkheim argumenta que:

[...] cada sociedade, considerada em momento determinado de seu desenvolvimento,


possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente
irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como
queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se
os desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma
vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com
os quais não encontrariam harmonia. (...) Há, pois, em cada momento, um tipo
regulador de educação, do qual não podemos nos separar sem vivas resistências, e
que restringem as veleidades dissidentes (idem, p. 37).

Esse tipo regulador de educação do qual nos informa Durkheim não é definido
individualmente, mas em sociedade, exprimindo as necessidades da coletividade da qual
participamos. De acordo com essa proposição, o autor afirma que as idéias e costumes nos são
herdadas pelas gerações passadas, servindo sempre a sociedade da qual participamos.

Para saber a função da educação, deve-se primeiro conhecê-la. O caminho que o autor
trilha para atingir esse conhecimento científico é estudar a forma histórica do desenvolvimento
dos sistemas educacionais. Ele percebe a íntima relação destes com as particularidades
econômicas, políticas, culturais de cada sociedade. Assim, como ponto de partida para saber a
função que a educação deve ter, é necessário observar a história de forma rigorosa para que se
possa definir o que é a educação. Através desse procedimento o autor define a estrutura do
fenômeno investigado para depois delimitar a função desse fenômeno no corpo social.

Para definir educação será preciso, pois, considerar os sistemas educativos que ora
existem, ou tenham existido, compará-los e apreender deles os caracteres comuns. O
conjunto desses caracteres constituirá a definição que procuramos (idem, p.38).
Os primeiros caracteres encontrados são duas gerações: uma adulta e a outra jovem;
uma exercendo ação sobre a outra. Sem isso não há educação. Ressalva-se que a interação entre
membros da mesma geração produz efeitos diversos daquele que existe numa relação entre
adultos e crianças. Percebam que se começa a responder aqui a pergunta sobre o tipo de
influência que caracteriza o processo educativo.

A natureza da relação entre gerações diferenciadas apresenta-se sob duplo aspecto: o


primeiro, múltiplo. Há tantas espécies de educação, quanto meios diversos existentes na
sociedade, e isso não só nas sociedades que são atravessadas por desigualdades formais, como a
sociedade de castas. Ainda nos dias de hoje, percebe-se que a “educação varia com as classes
sociais e com as regiões (...). A da cidade não é a do campo, a do burguês não é a do operário”
(idem p.39). Cada profissão precisa do desenvolvimento de aptidões particulares que a educação
precisa suprir ao custo de inviabilizar o desenvolvimento da profissão ou dos indivíduos.

Isso não significa que as diferenciações na educação constituam toda a educação que
um jovem terá a sua disposição, ou seja, que um profissional só se aproprie de conhecimentos
relativos à sua área de atuação. Esse fato nos conduz ao segundo aspecto, que estabelece que a
educação se apresenta, também, de forma una, o que significa dizer que a especialização deve
ocorre a partir de um marco comum a todos, um patamar mínimo desejável que todos os
cidadãos de uma determinada sociedade possuam. São as idéias, sentimentos e práticas que a
educação deve inculcar nos jovens, independentemente da origem social.

Durkheim aponta para uma homogeneidade necessária para a vida social e ao mesmo
tempo para uma desejável diversificação que favoreça a cooperação. A educação ao mesmo
tempo em que garante uma, prepara para a outra. Assim, torna-se o meio pelo qual a sociedade
prepara no íntimo das crianças as condições da própria existência individual e social. Fechando
seu argumento, Durkheim nos apresenta a seguinte definição:

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se
encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e
desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais,
reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a
criança, particularmente, se destine (idem, p.41).

Em síntese, para nosso autor, “a educação consiste numa socialização metódica das
novas gerações” (idem, p.41). Ao ser individual – ligado às experiências de cada um – soma-se
progressivamente o ser social. Essa função da educação só é apreensível após a análise
estrutural. É a própria sociedade – enquanto estrutura – que funda suas forças morais diante das
quais os homens sentem a inferioridade. A cada nova geração, essas forças devem ser
totalmente retrabalhadas, para que se agregue o mais rápido possível ao ser egoísta e a-social
um novo ser, uma natureza apta a viver em sociedade. Assim, para o autor, a educação não
desenvolve uma natureza aprisionada, mas produz um novo ser em cada indivíduo.
Conforme este sociólogo, o que nos diferencia enquanto espécie, de todos os demais
animais, é que transmitimos os conhecimentos necessários à sobrevivência não por mecanismos
instintivos orgânicos, mas por meio da educação. Esta satisfaz, acima de tudo, necessidades
sociais. Não é o avanço do “espírito” humano que transforma a percepção sobre a necessidade
de um ou outro conhecimento, e sim as necessidades das sociedades que se transformam. Essa
conclusão aponta para conseqüências práticas importantes. Apresenta a historicidade dos
conteúdos trabalhados na educação que são valorizados pela sociedade em geral. Ele comenta
que “mesmo quando as qualidades pareçam à primeira vista espontaneamente desejadas pelos
indivíduos, refletem já as exigências do meio social que as prescreve como necessárias” (idem,
p.44).

O autor sentencia que “o homem não é humano senão porque vive em sociedade. (...)
Todo o sistema de representação que mantém em nós a idéia e o sentimento da lei, da
disciplina (...) é instituído pela sociedade” (idem, p. 45). Até os avanços intelectuais mantêm
essa relação de dependência junto à sociedade. O autor inclusive minimiza os progressos da
ciência de sua época afirmando que a ciência é obra coletiva, pressupõe acúmulo constante e
cooperação entre cientistas. “Para que o legado de cada geração possa ser conservado
acrescido, será preciso que exista uma entidade moral duradoura, que ligue uma geração à
outra: a sociedade. (...) Sociedade e indivíduo são idéias dependentes uma da outra” (idem,
p.46).

Os sistemas formais de educação constituídos tal como nós os conhecemos hoje é


resultado de longos processos históricos que pautaram a necessidade de sistematização da
formação social dos indivíduos. Por muito tempo a educação foi tida como objeto de trabalho
exclusivo das famílias, sendo o Estado um mero espectador, interventor apenas em casos de
falta dessa família. Porém, frente a importante função coletiva exercida pela educação era de se
esperar que a sociedade como um todo, organizada em Estados, viesse a assumir o trabalho de
formação das novas gerações.

Durkheim alertava: “se a sociedade não estiver sempre presente e vigilante, para
obrigar a ação pedagógica a exercer-se em sentido social, essa se porá ao serviço de interesses
particulares” (idem, p.48). O projeto durkheiminiano pressupõe o monopólio da educação pelo
Estado. Não que isso signifique a existência de escolas estatais, exclusivamente, mas sim o
pleno controle e fiscalização do sistema escolar, de acordo com normas pré-estabelecidas. Do
mesmo modo, isso não significa que quem estiver à frente do Estado possa impor-se
indiscriminadamente sobre os outros grupos sociais. Poucos são os princípios elementares da
sociedade atual que devem ser protegidos pelo Estado – racionalidade científica e moral
democrática estão entre esses. “A escola não pode ser propriedade de um partido; e o mestre
faltará aos seus deveres quando empregue a autoridade de que dispõe para atrair seus alunos
à rotina de seus preconceitos pessoais, por mais justificados que eles lhe pareçam (idem, p.
49)”.

Após delimitar a importância da ação do Estado nesse tema, o autor se pergunta sobre
meios para tornar a educação eficaz nos seus propósitos. Para isso, Durkheim revisa teorias
naturalistas, apontando que as formulações aceitáveis sobre esse tema são aquelas gerais, que
apresentam uma “natureza humana” de forma flexível, e não como algo definitivo que poderia
predestinar os indivíduos. A distância que se estabelece entre o que o homem é ao nascer e o
que ele virá a ser quando adulto dependerá do processo educativo que a criança percorre nessa
trajetória. A eficácia da educação se define a partir do resultado final desse processo.

A ação educativa é intensa, poderosa e está presente em toda relação entre adultos e
crianças. A criança está inicialmente em relação de passividade absoluta, imitando os adultos
com quem tem contato e aprendendo o que lhes é ensinado. O poder do mestre vem da
superioridade da experiência e conhecimentos acumulados. Nestes residem sua autoridade.
Durkheim aponta a autoridade como meio essencial da ação educativa. Mas alerta: ao invés de
exaltá-la como meio de educação, ele indica a necessidade dos adultos controlarem-na, pois
todas as ações, desde os mínimos estímulos, são captados e percebidos pelos educandos.

Longe de nos encorajar, devemos, ao contrário, temer a extensão do poder que


temos. Se os mestres e pais sentissem, de modo mais constante, que nada se passa
diante da criança sem deixar nela algum traço; que o aspecto final do espírito e do
caráter depende dessa infinidade de pequeninos fatos insensíveis ocorrentes a cada
instante sem que lhes demos grande atenção – como fiscalizariam com muito mais
cuidado a sua linguagem e os seus atos (p.53).

O trabalho individual do educando consiste, por conseguinte, num contínuo exercício de


auto-contenção. O exemplo deste trabalho vem dos seus educadores: pais e mestres. A conduta
e a linguagem estabelecem a autoridade moral necessária para definir o trabalho de contenção
do educando. Mas é importante esclarecer que a autoridade não tem nada a ver com violência.
Até porque o castigo só tem validade educativa quando reconhecido como justo por quem o
recebe, caso contrário, provoca insubordinação e é tratado como injustiça e autoritarismo. A
autoridade do mestre está em si próprio; não é de fora que a recebe. Ela deriva da força moral da
sociedade que o encarrega de interpretar e expor aos educandos as idéias do seu tempo.
Percebendo a ação do mestre e sua força moral a criança constrói em si a consciência do seu
tempo, desenvolvendo os ditames da própria consciência, a quem se entregará quando adulta.
Percebam que a partir dessa exposição, Durkheim interliga conceitos que normalmente são
entendidas como opostos entre si: liberdade e autoridade. A segunda é filha da primeira, diz o
autor.

Ser livre não é fazer o que se queira; é ser senhor de si, saber agir pela razão,
praticando o dever. (...) É justamente com o objetivo de dotar a criança desse
domínio de si mesma que a autoridade do mestre deve ser empregada. A autoridade
do mestre não é mais do que um aspecto da autoridade do dever da razão (p.56).
Natureza da Pedagogia e seu método.

No segundo capítulo, Durkheim desfaz a confusão corrente entre os termos educação e


pedagogia. Para isso, define o que estudam cada uma delas, expondo sobre que tipo de
problema se ocupa as teorias pedagógicas. Ao final debate expõem os fundamentos da reflexão
pedagógica. O que diferencia educação e pedagogia? Para ele, como já vimos, educação “é a
ação exercida, junto às crianças, pelos pais e mestres. É permanente, de todos os instantes,
geral” (idem, p.57). Já a Pedagogia, esta não é ação, são as teorias, as “maneiras de conceber a
educação, não são maneiras de praticá-la” (idem, p.57).

Interessa também ao nosso autor definir se a Pedagogia é uma ciência da educação ou


não. Como fazer isso? Alguns requisitos devem ser cumpridos: (1) deve-se ter um objeto
pedagógico possível de ser investigado através da observação, definível e determinado; (2) esses
fatos devem ter uma homogeneidade razoável a ponto de serem passíveis de classificação numa
categoria; e, (3) essa ciência deve ter um único interesse: conhecer esses fatos, apenas isso 2. Não
deve se interessar em julgar o que se pesquisou. Para o autor:

A educação que se realize numa sociedade determinada, considerada em momento


determinado de sua evolução, é um conjunto de práticas, de modos de fazer, de
costumes, que se constituem fatos perfeitamente definidos, com a mesma realidade
de outros fatos sociais. Não são, como por tanto tempo se acreditou, combinações
mais ou menos arbitrárias e artificiais (p.59).

O que ele indica é que o sistema educacional está relacionado a estrutura da sociedade a
qual faz parte. E essa estrutura social coage os modos de educação das crianças. Caminhando
para definir a ciência da educação, ele aponta para o fato de que todas as práticas educativas
apresentam um caráter comum e essencial: resultam da ação exercida por uma geração sobre a
geração seguinte, este é o objeto da ciência da educação.

Se cada povo possui seu modo de educar as novas gerações, isso não significa que essas
diferentes maneiras, originadas da mesma necessidade não sejam comparáveis entre si. A
comparação, para a pesquisa, serve para entendermos as semelhanças e apontarmos as
diferenças entre cada sistema de educação. Estudar a evolução dos diferentes sistemas
educacionais permite compreender de que maneira nossas instituições pedagógicas se
constituíram. Uma vez estruturadas essas instituições funcionam e produzem resultados
determinados, abrindo espaço para uma imensidão de novas pesquisas sobre esses fenômenos.

Durkheim nos apresentou dois tipos de problemas distintos: um relativo a gênese e


outro ao funcionamento dos sistemas educacionais. Esses dois tipos de questões estão

2
Conhecer entendido em sentido amplo: fixar tipos, descobrir leis, descrever ou explicar.
relacionados à ciência da educação, interessada esta em pesquisar as causas e determinar os
efeitos. É, pois, distinta da Pedagogia, que, ao invés de interessar-se com o passado ou presente,
orienta-se para o futuro, para o que a educação deve ser, através da análise do que vem sendo.
Desse modo, ressalta-se que a Pedagogia está orientada para a ação, podendo até mesmo a ser
confundida como uma arte. Mas, “arte é um sistema de práticas ajustadas a fins
especiais, e que são, nalguns casos, produtos de experiência tradicional, comunicada
pela educação; noutros, produto de experiência pessoal de cada indivíduo” (idem,
p.65).

Nesse sistema de práticas a reflexão não necessariamente estará presente. Durkheim


defende que entre a arte e a ciência há um estágio intermediário. Pode-se refletir sobre a ação
não com o intuito do simples conhecimento, mas a fim de modificar e aperfeiçoar os processos
em curso. Essas reflexões geram teorias que objetivam não explicar coisas, mas dirigir a ação.
São as teorias práticas. A Pedagogia é uma delas. Reflete sobre os sistemas teorizados pela
ciência da educação no sentido de oferecer uma visão teórica que inspire o educador.

Mas, para que uma teoria possa abrir margem para a aplicação prática ela precisa da
legitimidade de uma ciência que a apóie. Sobre qual ciência se apóia a pedagogia, se pergunta
Durkheim? Tanto a ciência da educação, como a sociologia e psicologia, que seriam as
disciplinas por excelência para auxiliar a Pedagogia, apresentavam-se de forma bastante
incipiente no momento em que o autor escrevia, o que, pela urgência dos desafios impostos,
pouco importava naquele momento. A solução era “meter mãos à obra a fim de descobrir que
transformações são necessárias, e como realizá-las” (idem, p.67).

O desafio aos pedagogos era o de encarar o trabalho de reunir o maior número de fatos
instrutivos, procurando interpretá-los com o maior cuidado metodológico a fim de reduzir as
possibilidades de erro. Esta tarefa de constante reflexão sobre a prática é particularmente
importante em momentos de transformação e crise, mas, não deixa de existir em momentos de
estabilidade. A reflexão não pode estar ausente do processo educativo. Por mais que se exijam
práticas rotineiras e este se constitua num trabalho coletivo por excelência, de formação de
gerações, este processo é também, sempre, de formação do indivíduo.

Além dos casos individuais, a aceleração das transformações sociais deve ser foco de
atenção dos educadores, permitindo flexibilidade de práticas educacionais de forma a não
prejudicar o processo como um todo. Ele sentencia: “na reflexão encontra-se uma força
antagonista da rotina, que é o obstáculo aos progressos necessários” (idem, p.69).

Outra pergunta que o autor se faz é referente a cultura apropriada para que a reflexão
pedagógica produza os efeitos desejados. Ele aponta para a necessidade de um grande esforço
para conhecer da história do sistema de ensino nacional, as práticas estabelecidas, os métodos
consagrados e as tendências para o futuro. Isso se faz com o estudo das correntes da tradição
pedagógica que se desenvolveram ao longo dos últimos séculos. A psicologia também traz
grandes contribuições, já que ela é ótima para estabelecer os meios de se atingir os fins
desejados. Notem a importância de múltiplas ciências na base de constituição das reflexões
pedagógicas. Ao reconstituir essa trajetória disciplinar, ele intenta, não definir um método de
trabalho para o pedagogo, e sim apontar elementos que devem estar presentes em sua formação,
uma base que lhe permita refletir sobre os problemas da sua prática.

Pedagogia e Sociologia

No terceiro capítulo, Durkheim retoma a tese do caráter social da educação e a


importância da ação educativa para apontar a sociologia como fundamental no processo de
conhecimento dos fins da educação. Como já foi constatada, a vinculação da educação com a
realidade histórica de épocas diversas e que em nossa época, especificamente, coexistem vários
sistemas pedagógicos que realizam funções diversas. A necessária base comum de idéias,
sentimentos e práticas que todas as crianças devem apreender indistintamente, de acordo com as
exigências do presente, nos permite constar que o que vale para as sociedades do passado
também valerá para a nossa. A educação moderna não escapa a lei que estabelece o vínculo
entre educação e a estrutura social, com todas as contingências que cada época apresenta.

Nosso ideal pedagógico se explica por nossa estrutura social. (...) O homem que a
educação deve realizar, em cada um de nós, não é o homem que a natureza fez, mas
o homem que a sociedade quer que ele seja; e ela o quer conforme o reclame a sua
economia interna, o seu equilíbrio (p.81).

A educação consiste sob qualquer aspecto, seja no reforço das similitudes seja na
formação da diferenciação, uma socialização metódica de cada nova geração (cf. idem, p.82). O
conjunto de ações que a compõe forma o ser social, sua finalidade última, criando um novo ser.
Dessa forma, fica claro que apenas a sociologia nos informa sobre os fins desejáveis da
educação, enquanto que a psicologia nos informa sobre os meios, já que os fins sociais do
processo educativo só se realizam nos indivíduos e pelos indivíduos. No processo de formação
escolar as novas gerações encontram “o germe da vida social” (idem, p.88). A ponto das
transformações profundas do sistema educacional estar sempre relacionadas intimamente com
mudanças na base social que o orienta. Fato que ilustra essa proposição é a conclusão do texto:

O estudo social da educação surgiu em nossos dias (...). As transformações


profundas que as sociedades contemporâneas têm experimentado, e estão para
experimentar, necessitam de transformações correspondentes nos planos de
educação. (...) Não se trata de realizar idéias formadas, mas de encontrar mesmo
idéias que nos guiem (...). É a sociedade que devemos interrogar; são suas
necessidades que devemos conhecer, porquanto a elas é que nos cumpre atender
(idem, p.90).
Uma nota sobre “Educação e Sociologia”

Durkheim nos indica um caminho para compreender a educação e as problemáticas que


ela traz aos professores e futuros professores. Ele aponta para a relação entre o sistema
educacional e a estrutura da sociedade da qual faz parte. Para nós, brasileiros, uma breve análise
das populações indígenas, dos escravos e dos colonos, que habitavam ou vieram a habitar nosso
território evidencia o quanto se transformou a estrutura social e a educação ao longo da história.

Essa relação permite entender a tese do autor segundo a qual essa estrutura social coage
os modos de educarmos nossos filhos – o modo e o conteúdo da ação educativa exercida sobre
as novas gerações. Até os dias de hoje as mudanças educacionais não acontecem sem
resistências. Basta notarmos a reação às mudanças curriculares nas escolas, quem já presenciou
alguma delas sabe que normalmente são bastante conflituosas. Em geral, a preocupação central
dos pais questionadores das alterações está centrada no diferencial que os filhos terão ou não
para entrar no mercado de trabalho ou na universidade no futuro.

Sendo a educação um processo contínuo de socialização das novas gerações, onde quer
que este processo aconteça, o estudo sistemático dela e da história do presente que a condiciona
torna-se tanto mais importante quanto mais complexa for a organização social. Para isso
Durkheim sugere dois tipos de problemas que a ciência da educação deve encarar: um relativo a
gênese e outro ao funcionamento dos sistemas educacionais. Por exemplo, no atual contexto de
crescimento econômico, discute-se a necessidade de formação de técnicos que venham a ocupar
postos de trabalho que estão sendo abertos nas indústrias do país. A estruturação do sistema
educacional precisa se adequar rapidamente para que cumpra essa função, ao custo da falta de
mão-de-obra qualificada constituir-se num entrave ao crescimento econômico.

Mas o estudo da área da educação não se limita a estrutura e função do sistema


educacional. Isso não resolve o problema do professor em sala de aula. O conhecimento que vai
permitir ao professor qualificar sua ação é o pedagógico, que, conforme já mencionamos, ao
invés de se interessar com o passado ou presente, orienta-se para o futuro, para o que a educação
deve ser, sempre levando em consideração a análise crítica do que ela vem sendo. Esta
orientação deve levar em consideração um duplo desafio à ação educativa. Por um lado tem a
tarefa de dar conta do conteúdo geral necessário a todos os cidadãos que vivenciam uma época.
Se pensarmos nos dias de hoje veremos que são reivindicados conhecimentos matemáticos,
lingüísticos, científicos e sócio-políticos a todos. Esse conhecimento geral permite ao indivíduo
entender e se relacionar da melhor maneira possível com os mais diversos assuntos relacionados
à sua vida na sociedade.

Por outro, se exige que a educação seja também específica, para que disponibilize o
conteúdo específico necessário à realização da tarefa específica exigida ao futuro adulto na
profissão que este vier a exercer. Por exemplo, um médico deve ter conhecimentos
aprofundados na sua área de especialização para que cumpra da melhor maneira possível a sua
profissão e contribua, no seu ramo específico, com o bem estar da sociedade. Da mesma forma
deveriam agir o advogado, o professor, o gari, e todos os profissionais da complexa sociedade
contemporânea. A ação educacional ligada a algumas profissões, destacadamente aquelas
ligadas à agricultura, às artes, ou mais recentemente ao esporte, normalmente tem origem
familiar anterior à ação da escola, tendo em vista que o processo inicial de socialização insere
essas crianças na prática e no aprendizado das habilidades necessárias.

Para uma boa compreensão, lembramos que educação não é sinônimo de educação
escolar, mas sim da ação de gerações sobre outra geração. O meio específico através do qual ela
se realiza é a autoridade das gerações mais velhas sobre as mais jovens. Por um lado, não
podemos deixar de ter cuidado com o uso e abusos dessa autoridade, para que a formação das
novas gerações seja cada vez mais pautada por princípios morais da sociedade (vivência
democrática, liberdade e igualdade, etc.) e não pelo autoritarismo gerador de medo e de
ressentimentos. Por outro lado, a falta de autoridade tende a ser tão ou mais prejudicial do que o
excesso dela, passando às novas gerações como licenciosidade.

Não é difícil para cada um de nós lembrarmos as nossas experiências escolares e


verificarmos que aquele (a) professor (a) rígido buscava o ensino dos conteúdos simplesmente e
nos coagia para o estudo; enquanto o (a) professor (a) que deixava tudo acontecer em sala de
aula, a ponto de perder o controle sobre os estudantes pouco deixou de bons ensinamentos.
Claro que o ideal é não ter que escolher entre um e outro extremo, e sim produzir em sala de
aula um ambiente que favoreça o diálogo a emergência das problematizações dos educandos,
em fim que possa ser um ambiente de liberdade e formação do conhecimento, que incluam na
prática diária de sala de aula os princípios de liberdade e igualdade desejados para a vida social.

Como uma teoria prática as reflexões pedagógicas geram teorias que têm por objetivo
não explicar coisas, mas dirigir a ação. A base científica que apóia essa teoria prática é formada,
conforme Durkheim, pela ciência da educação – um misto de história da educação com
sociologia –, a psicologia e a própria sociologia. Mais do que oferecer receitas, a pedagogia
instiga à reflexão. Uma boa formação pedagógica é fundamental para que o professor tenha
autonomia intelectual para conduzir o seu trabalho individual e o desenvolver o trabalho
coletivo em uma escola.

“Longe de ter por objeto único ou principal o indivíduo e seus interesses, a educação
é, acima de tudo, o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições
de sua própria existência” (p.82).

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