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CONSCIÊNCIA E MORAL: ASPECTOS EDUCATIVOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

Data: 16 de Abr de 2014 Autor: Anada Escola Categories: Artigos

Luana da Cruz Portella Oliveira[1]

“Todo Ser Humano comprometido com a educação

deve ter em mente no mínimo

a noção exata de que os interesses individuais

devem render-se aos interesses gerais”.

(Jair Tércio)

Resumo: Com o propósito principal de analisar qual o papel da educação na construção de seres
humanos mais responsáveis socialmente e investigando o papel da consciência nesta empreitada, o
presente artigo se refere à nossa preocupação com a transformação da educação vigente e, como
conseqüência, com o bem estar social. Para isso, buscamos discutir a relação entre o desenvolvimento
moral do ser humano e a responsabilidade social. Isso porque, vivemos em uma realidade social,
econômica e educacional na qual a responsabilidade social tem sido deixada para último plano. É
perceptível que indivíduos destituídos de uma preocupação com o bem comum, não se encontram
motivados a repensar seus feitos e aprimorar seu ser. Dessa maneira, são alimentadores do caos já
implantado.

Palavras-chaves: Responsabilidade Social. Educação. Consciência. Moral.

INTRODUÇÃO

A contemporaneidade tem refletido um perfil humano habitualmente egóico. Os investimentos para a


satisfação particular não encontram a contenção de esforços e o próprio sistema capitalista pede por
isso. Estamos vivendo um egocentrismo desumanizador.

A responsabilidade social tem sido, cada vez menos, uma prioridade na vida dos seres humanos. É real o
número de conflitos criados no mundo por conta de um individualismo desenfreado. “A sociedade passa
por uma grave crise de valores, identificada pelo senso comum como falta de decoro, de respeito pelo
outro, e de limites e, pelos estudiosos, como dificuldades de os indivíduos internalizarem normas
morais, respeito às leis e regras sociais” (PASSOS, 2009, p.21).

A educação, em seu sentido mais genuíno, tem inevitavelmente grande responsabilidade diante do
quadro apresentado. Isso não significa que as causas da inversão de valores estejam necessariamente
enraizadas no processo educativo, mas, que é papel intrínseco à educação a atuação a favor da
transformação social, mesmo que em doses homeopáticas. Até mesmo porque, moral e educação
mantêm uma relação simbiótica, “os traços constitutivos do processo educativo são também os da
moralidade” (SERRANO, 2002, p.13).
A realidade, no entanto, tem apresentado uma educação prioritariamente capitalista que tem tido como
meta a formação de profissionais técnicos capazes de lidar e competir no mercado de trabalho. Mais
uma vez, a responsabilidade social, já negligenciada pela família, tem sido deixada para um último plano
no campo educacional.

O perigo consiste no fato de que, indivíduos destituídos de uma preocupação com o bem comum não se
encontram motivados a repensar seus feitos e aprimorar seu ser, visando a sua construção enquanto
exemplo. Afinal, “só quando conhecemos o bastante, das relações de interdependências de tudo que
nos cerca, então tendemos a dominar, cada vez mais e melhor, nossas vicissitudes” (OCIDEMNTE, 2009).

São seres sem uma preocupação com o bem comum que, cada vez mais, contribuem com a implantação
e expansão dos três maiores males que hoje afligem a sociedade, à saber: a corrupção, a violência e a
volúpia.

É preciso ressaltar que toda crise, principalmente se global, enquanto atual, demonstra a indubitável
necessidade de reformulações em um dado sistema no qual a noção de especulação individual deve
ceder lugar à noção de responsabilidade social. Segundo Assmann (2007, p. 26) “a educação terá um
papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para reorientar a humanidade”.

Com base nessas reflexões, esse artigo busca responder ao seguinte questionamento: qual o papel da
educação na construção de seres humanos mais responsáveis socialmente? Visa-se também, discutir a
relação entre o desenvolvimento moral do ser humano e a responsabilidade social, bem como, analisar o
papel da consciência no desenvolvimento moral do ser humano. Utilizando de pesquisa bibliográfica,
procura-se lançar possibilidades para uma educação em valores morais pautada na consciência.

RESPONSABILIDADE SOCIAL, DESENVOLVIMENTO MORAL E CONSCIÊNCIA

Vivemos em uma época na qual é perceptível a urgente necessidade de uma reformulação no modo de
vida, nos hábitos e nos valores da humanidade. Barreto (2005, p. 17), ao abordar o egocentrismo
desumanizador em que estamos vivendo, relata:

“[...] estamos vivenciando o individualismo institucionalizado, considerado como liberdade individual, o


que produz consequências, não raro, nefastas em todos os âmbitos da vida, tais como políticos,
econômicos, sociais, religiosos”.

Educado para alimentar esse individualismo, o ser humano constrói em si o hábito de priorizar os
interesses particulares em detrimento dos interesses gerais, o que faz da responsabilidade social uma
variável esquecida na equação humana. Para Gardner (2009), precisamos com urgência substituir a
busca infindável pelos três “Ms” que movem a sociedade, à saber, Money (dinheiro), Marketing
(mercado) e Me (eu) por um único “W”, We (Nós).

Quanto a essa realidade, Navas (2006) explica que, nosso mundo tem sido dominado por lógicas
econômicas e tecnológicas separadas de fins e objetivos genuinamente humanos, o que tem feito o “ter”
sobrepor o “ser” e a quantidade sempre ganhar da qualidade. Como resultado dessa realidade, o autor
define duas características do que ele chama de “infantilismo”, uma patologia psicossocial que atinge as
sociedades pós-modernas. As características seriam o “sadismo” e o “masoquismo”; o primeiro
demonstra-se como o novo hábito humano de fazer do outro um mero instrumento da satisfação de
seus desejos, enquanto que o segundo consiste na incapacidade deste mesmo ser tomar decisões
responsáveis.

[..] el infantilismo, al rechazar o no aceptar ningún obstáculo que se oponga a la realización inmediata de
los deseos, estimula y desarrolla en los sujetos una patología complementaria: la intolerancia más
absoluta a cualquier tipo de frustración, que terminará finalmente por incapacitarlo para la madurez
emocional y el desarrollo personal. (NAVAS, 2006, p.89).[2]
Sob a ótica do desenvolvimento moral do ser humano, Kohlberg (1992), analisaria esses sujeitos e
possivelmente os localizaria no primeiro dos estágios por ele postulados. Este autor afirma que o
desenvolvimento moral está intimamente ligado às questões cognitivas, porém possui, também,
determinantes sociais.

Segundo ele, no primeiro estágio do desenvolvimento moral, o estágio pré-convencional, os indivíduos


não compreendem as regras, principalmente por sua estrutura psíquica egocêntrica que os impede de
considerar e priorizar as necessidades do outro. Para o autor, os indivíduos considerados delinquentes
são exemplos de que é possível encontrar esse perfil comportamental ainda em jovens e adultos.

Vale ressaltar que segundo a teoria kohlberniana o indivíduo que se encontra no estágio pré-
convencional pode até seguir as normas, mas, sempre quando elas obedecem a um interesse particular
(LIMA, 2004).

Uma possível tentativa de associação entre a teoria de Kohlberg e Piaget (1994) elucidaria a relação
entre o estágio pré-convencional e a heteronomia. Isso porque, o criador da epistemologia genética,
define esse estágio como aquele em que prevalece a obediência ou ataque às normas por conta da
pressão exercida externamente sobre o juízo moral do indivíduo. O cumprimento da norma está
sustentado pelo receio de repreensão ou pelo desejo de recompensa.

Tais manifestações comportamentais denotam uma estrutura de pensamento na qual o particular é


sempre priorizado, muitas vezes, em detrimento do coletivo. Para Piaget, é exatamente dessa forma que
se estrutura o egocentrismo infantil. No entanto, não é preciso especulações intelectuais para que
percebamos que nem todo indivíduo abandona esse comportamento na adolescência, visto que ele
permeia as ações de muitos indivíduos adultos.

La Taille (2006, p.15-16) demonstra que o próprio Piaget não nega essa evidência:

[...] quando ele diz que adolescentes apresentam características de autonomia moral, não está
afirmando que são totalmente autônomos, mas que o fato de serem capazes de legitimar algumas regras
morais sem qualquer referência ao prestígio das figuras de autoridade, mostra que, de fato, a autonomia
corresponde a um potencial humano universal.
Um ser humano heterônomo, portanto, não possui a responsabilidade social como uma característica,
mas, como uma potencialidade, algo que pode ser desenvolvido ao passo que se desenvolve
moralmente.

La Taille (2006) cita como principal distinção entre as abordagens de Piaget e Kohlberg e as abordagens
de Durkheim e Freud o fato das primeiras considerarem possível o abandono do pensamento
heterônomo e das demais, por sua vez, conceberem a heteronomia como única forma de relação do ser
humano com a moralidade.

Durkheim (2008, p.48) define a moral como

“[...] um conjunto de regras definidas e especiais que determinam imperativamente a conduta [...] a
moral determina, fixa, regulariza as ações dos homens, ela pressupõe que o indivíduo tenha certa
disposição para viver de maneira regular, que tenha certo gosto pela regularidade”.

Segundo essa perspectiva o homem deve obediência aos mandamentos de um ser que é coletivo e para
isso precisa sentir a superioridade das forças morais diante de si. É requisito existir o espírito de
disciplina, caracterizado pelo sentimento de regularidade e o sentimento da autoridade.

O autor considera que a relação entre os seres humanos tende sempre à criação de conflitos e esse fato
justifica o estabelecimento dos limites que não podem ser ultrapassados. “A vida social é uma forma de
vida organizada, e toda organização viva pressupõe algumas regras bem determinadas, das quais não se
pode abdicar sem produzir conseqüências mórbidas” (DURKHEIM, 2008, p.48).

Durkheim defende que a autoridade das forças morais as faz limitar os nossos desejos todas as vezes que
se apresentam como imoderados. Nós sentimos essa força toda vez que buscamos transgredir alguma
regra, pois, a moral delimita o círculo no qual a atividade individual pode ser realizada.

Em síntese, a moral, assim como o conceito de fato social por ele postulado, constitui-se de três
características básicas: a exterioridade, a coercitividade e a coletividade. Ou seja, existe fora das
consciências individuais, impõe-se aos indivíduos e só existe na individualidade porque existe na
coletividade.

Vejamos como La Taille (2006, p.13) analisa a contribuição de Freud nesse sentido.

O grande mérito do pai da psicanálise foi certamente o de ter sublinhado o caráter conflitivo da relação
do indivíduo com a moral. Por um lado, o indivíduo quer a ela submeter, pois sabe que esse é o preço a
ser pago para viver em sociedade e se civilizar. Por outro, ele reluta em fazê-lo, pois tal submissão
implica perda de liberdade [...] O Id, espécie de vulcão em constante atividade e fonte inconsciente de
desejos, precisa ser vigiado e controlado a todo instante para que não faça destruidoras irrupções no
cotidiano dos homens: essa é a tarefa da consciência moral.

Segundo essa concepção, por mais que o ser humano acredite que seus comportamentos morais
resultam da sua vontade, esta é determinada por processos que lhes são inconscientes.

Em contrapartida a essas abordagens, teorias e pesquisas têm demonstrado que o ser humano possui
uma tendência inata à evolução e não à estagnação. Tal evidência nos permite pensar que os seres
humanos são capazes de transcender um comportamento moral realizado por defesa, proteção
individual, busca por satisfação e/ou processos inconscientes para uma conduta moral pautada na
consciência, principalmente do seu dever perante a humanidade.

Essa possibilidade é demonstrada por Kohlberg (1992), quando descreve a responsabilidade social como
uma característica dos estágios do desenvolvimento moral denominados “convencional” e “pós-
convencional”.

No nível convencional moral, o indivíduo em relação, percebe a importância de dedicar-se ao grupo,


sente-se uma parte do sistema social e concebe que só convém perseguir interesses particulares quando
estes beneficiarem o todo.

Lima (2004, p.18) descreve o nível pós-convencional da seguinte maneira:


Nesse estágio, a que só chega uma minoria de pessoas, a natureza da moralidade está assentada no fato
de que as pessoas são fins em si mesmas e precisam ser tratadas como tal. Isso é dado pela crença de
que há princípios morais universais e que os indivíduos estabelecem compromissos com esses princípios.

Viver de acordo com princípios morais universais por um sentimento de compromisso, sem expectativas
ao redor de prestígios ou repreensões, exige do ser humano, no mínimo, a noção da interdependência
que permeia toda forma de vida universal. É preciso sentir-se como parte de um todo para que então
compreenda a sua responsabilidade diante dele.

Alguns autores associam essa compreensão de vida à consciência humana. Damásio (2001) acredita que
a origem da consciência tem direta relação com a necessidade básica de nos mantermos vivos. Compara
a vida humana à vida de outros organismos, considerando que nós somos mais complexos por, além da
manutenção da vida, precisarmos nos adaptar a um ambiente cheio de dificuldades para obter energia,
expondo-nos a inúmeros perigos e oportunidades. Precisamos de um sistema complexo de imaginação,
criatividade e planejamento. A consciência surge dessa necessidade.

O autor postula uma forma de consciência inicial, quando o homem sente “que é um ser em si mesmo”.
A essa consciência dá o nome de self. Para Damásio, a consciência self é fundamental para que possamos
respeitar os outros, afinal “em seu nível mais complexo e elaborado, a consciência ajuda-nos a cultivar
um interesse por outras pessoas e a aperfeiçoar a arte de viver” (DAMÁSIO, 2001, p.19).

Ainda nessa perspectiva, Barreto (2009, p.40) analisa a obra de Wilber (2001) e relata:

[...] em cada um dos níveis de Consciência (sensório, mente, espírito) há um interior individual e coletivo,
assim como um exterior individual e coletivo, o que nos possibilita, em cada nível de ser e de conhecer,
uma experiência estética (EU), uma experiência ética (NÓS), uma “ciência”sobre os sistemas de
fenômenos coletivos (ELE) [...] o caminho da preservação da vida é, sobretudo, uma questão de
consciência [...].
Assim posto, o ser humano que vivencia a estética e a ética, por intermédio de sua consciência, respeita
leis ou normas morais em prol da ordem social. Este ser sim será capaz de abandonar o pensamento
egocêntrico a favor de um pensar que é coletivo, que considera a implicação de suas escolhas e atitudes
no todo do qual faz parte.

Segundo Goswami (2007, p. 220), “é preciso postular que a consciência é a base da existência, repleta de
possibilidades quânticas, das quais as possibilidades materiais são um componente”. A capacidade
humana de escolha entre estas possibilidades é, portanto, papel da consciência, assim como, as relações
de prioridade entre os interesses particulares e as necessidades coletivas, perpassam pelo grau de
consciência de cada indivíduo.

Casassus (2009) contribui com a percepção de que a consciência permite-nos enxergar mais aspectos e
dimensões naquilo que observamos em nós, a ponto de produzirmos mudanças na nossa identidade e
nas relações interpessoais, sendo, portanto, uma ferramenta de transformação.

Dessa maneira, a consciência pode ser a chave para o desenvolvimento moral do ser humano até
estágios mais elevados, como o “convencional e o pós-convencional”, tornando possível a prática da
responsabilidade social.

EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO MORAL E RESPONSABILIDADE SOCIAL

Tomando por base as primeiras teorias educacionais fecundadas no seio da humanidade, e


acompanhando o seu desenvolvimento ao longo do tempo, a veracidade da concepção de educação
como algo inerente ao ser humano confirma-se cada vez mais. Aristóteles (384-332 a.C) já pensava em
educação como um instrumento que almeja auxiliar o ser humano a alcançar a plenitude e a realização
do seu ser, à medida que este atualiza o que, em si, já existe como potência. Na atualidade, Gardner
(2007, p. 21) postula que “a educação é inerente e inevitavelmente uma questão de objetivos e de
valores humanos”.

Ainda nesse sentido, Barreto (2005, p.65) define qual o objeto, finalidade, justificativa, método e recurso
da educação, quando cita:

Quando falamos de educação, devemos lembrar que ela pressupõe um movimento de dentro para fora,
mais precisamente no gênero humano. Daí a necessidade de investirmos nas nossas potencialidades
internas. Para tanto, muito importa utilizarmos como atividade meio o autoconhecimento, pois o Ser
Humano não vive sem o saber, enfim, sem o conhecimento. Mas o único conhecimento que o Ser
Humano não pode desprezar é o conhecimento de si mesmo. Eis a senda da educação verdadeira.

Trilhando pelo caminho acima descortinado, Garner (1999) afirma que três preocupações básicas devem
nutrir a educação: a verdade, a beleza e a moralidade. O grande desafio da educação seria o de repensar
sua própria finalidade, a formação de seres humanos que busquem compreender o mundo, que se
alimentem desta compreensão e almejem a sua transformação.

Unindo a percepção do autoconhecimento como meio da educação e da responsabilidade social como


fim, Morin (2001, p.17) indica que:

O ser humano é em simultâneo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. É esta unidade
complexa da natureza humana que está completamente desintegrada no ensino, através das disciplinas,
e tornou-se impossível aprender o que significa ser humano. É necessário restaurá-la, de forma que cada
um, onde quer que esteja, tome conhecimento e consciência em simultâneo da sua identidade complexa
e da sua identidade comum com todos os outros humanos.

O que a realidade tem nos apresentado é, entretanto, uma grande tendência na educação à
supervalorização de uma única dimensão humana, a dimensão intelectual. No entanto, o clamor da
sociedade, frente às grandes adversidades hoje encaradas, reflete a necessidade do desenvolvimento do
aspecto social humano. Tudo isso nos faz defrontar com um paradoxo: educamos a dimensão intelectual,
formando seres egóicos, cegos pelo poder oportunizado pelo conhecimento e almejamos um mundo
repleto de indivíduos responsáveis socialmente.

Fixados em conhecer e se apropriar das específicas teorias que envolvem o mundo acadêmico,
construímos uma educação de preocupação instrutiva, que pouco se questiona quanto ao seu papel no
desenvolvimento da responsabilidade social no ser humano, esquecendo-nos que, como cita Mészáros
(2005, p.9) “a educação não deve qualificar para o mercado, mas para a vida”.

Krishnamurti (1980, p.72) comunga com a ideia de que a finalidade da educação transcende a instrução
intelectual e faz uma distinção entre o ato de aprender e o de adquirir conhecimento, quando diz que:

Não sou contra o conhecimento. Existe diferença entre o aprender e o adquirir conhecimento. Cessa o
aprender quando só há acúmulo de conhecimentos. O aprender independe de qualquer aquisição. Ao se
dar demasiada importância ao conhecimento, deixa de haver o aprender.

Essa concepção não nega a importância do conhecimento, mas, nos faz refletir sobre o fato de que ele
sozinho não dará conta de atender aos anseios e às necessidades da humanidade.

Os quatro pilares da Educação para o século XXI da UNESCO, indicados por Delors (1999) sugerem que
para responder aos anseios contemporâneos, a educação precisa oferecer o aprender a conhecer, o
aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a ser. Essa é uma das maiores representações da
atual necessidade de extrapolar as limitações do conhecimento e investir em seres que compreendam a
si mesmos a ponto de não permitirem que suas atitudes tragam prejuízos coletivos.

É também papel da educação, conduzir o indivíduo a desenvolver-se moralmente, sendo capaz de


abandonar a heteronomia e alcançar um estado de ser em que o equilíbrio social faça sempre parte do
planejamento de suas ações. Até mesmo porque:

[...] o homem não nasce moral, torna-se moral. Nesse sentido, é importante o papel desempenhado pela
educação, não mediante ‘aulas de moral’ [...] aprende-se moral pelo convívio humano. O educador
Reboul diz que ‘todo professor é professor de moral, ainda que o ignore’ ” (ARANHA, 1996, p. 119).

Segundo Piaget, o desenvolvimento moral também depende da coletividade, uma vez que a criança não
alcança a consciência autônoma sozinha, pois, não é capaz de estabelecer normas sem um parâmetro
(LIMA, 2004). Assim posto, é na convivência e na observação de exemplos que construirá a sua
percepção diante das leis e normas morais.

Caso a criança não seja conduzida para tal, pode estagnar-se na heteronomia e no pensamento
egocêntrico que lhe é característico, não alcançando a autonomia e a consciência do seu papel moral e
da sua responsabilidade na sociedade. O objetivo, portanto, é que o ser humano aja moralmente por
consciência e não por coação ou obrigatoriedade. Esse indivíduo regula-se livremente (LIMA, 2004).

Toda essa reflexão nos permite identificar um grande poder na educação. O poder de fomentar ainda
mais o individualismo e o pensamento heterônomo, fazendo do ensino um campo de batalha e
competitividade, recompensando os “aprendizes” pela obediência e disciplina imposta. Ou, o poder de
despertar, desenvolver e construir suas consciências em prol do desenvolvimento moral e ético, cuja
responsabilidade social denunciará.
EDUCAÇÃO MORAL PAUTADA NA CONSCIÊNCIA

Educadores imbuídos em utilizar o poder da educação para o bem da humanidade, já estão tomando
diversas iniciativas no que diz respeito à prática de uma educação moral.

O termo “moral” inevitavelmente nos reporta ao termo “valor”, que está intimamente ligado ao que
estabelecemos como prioridade em nossas atitudes.

“O homem é um ser cultural, capaz de transformar a natureza conforme suas necessidades existenciais,
por meio de uma ação intencional e planificada. A fim de estabelecer as prioridades com relação às
necessidades a serem atendidas, o homem precisa escolher os meios e os fins da ação a partir de
valores. É em função dos valores que sentimos atração ou repulsa, desejamos ou rejeitamos coisas,
situações ou pessoas”(ARANHA, 1996, p.118).

Os valores que permeiam as nossas atitudes podem ser morais ou não morais. Os valores morais não
possuem um substrato material e são exclusivos aos atos do ser humano, sendo este, o único ser
responsável por aquilo que faz. Os valores não morais, por sua vez, possuem substrato material,
tornando-se realidade na relação com o ser humano, que em sua articulação cultural determinará
utilidade ou inutilidade ao ser ou objeto da relação (Passos, 2009).

Como dito por Gardner (1999) e já aqui citado, o ser humano pode ter como valor somente o eu (no
sentido do egoísmo), o dinheiro e o mercado ou pode valorizar o nós. No primeiro caso, elege valores
não morais para embasar o seu viver; no segundo, opta por um valor moral, viver em prol do bem estar
coletivo.
Assim posto, os valores podem ser econômicos, lógicos, religiosos, estéticos, etc., e, por estarem
presentes nas mais distintas instâncias do viver, ganham grande importância na práxis educativa.

Priorizar os valores morais na educação não é uma atitude que desdenha os valores não morais, mas
que, coloca-os como segundo plano, norteados pelos primeiros. Ou seja, é necessário lidar com valores
econômicos, por exemplo, mas não é necessário colocá-los como prioridade em nossas ações. Se a
responsabilidade social está acima do valor econômico, é possível utilizá-lo em prol do bem comum.

A responsabilidade social é, inclusive, essencialmente dependente dos valores adotados por um


indivíduo. Se este embasa o seu viver em valores não morais, é mais do que claro que não colocará as
necessidades da coletividade como uma prioridade em suas realizações.

Educar através de valores morais é, portanto, uma urgência contemporânea. Vale ressaltar, porém, que
segundo alguns autores como Serrano (2002), a educação em seu sentido mais genuíno já é moral.
Assim sendo, a educação moral nada mais é do que o resgate à real finalidade da educação.

Apostando neste resgate a uma educação integral (físico, psíquico, moral, social), Barreto (2005, p.74)
sugere a criação de disciplinas curriculares voltadas para o estudo da consciência desde a tenra idade.

Com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento integral do Ser Humano, através da educação,
propomos a criação de um Núcleo de Investigações Avançadas da Consciência em todas as modalidades
de ensino de todas as áreas do conhecimento, em instituições educacionais de âmbito nacional e
internacional, concomitante com a implantação de disciplinas curriculares diretamente voltadas para o
estudo da Consciência. Nossa experiência confirma que essas disciplinas precisam se adaptar a cada
nível de ensino, acompanhar os estágios do desenvolvimento humano e funcionar como um processo de
transcendência e inclusão da disciplina predecessora, no intuito de integrar todos os níveis e
modalidades de ensino. Sugerimos, assim, uma educação integral alicerçada no estudo da consciência e
indicamos a criação das seguintes disciplinas: - Iniciação à Consciência, no âmbito da Educação Infantil e
do Ensino Fundamental; - Consciência, no âmbito do Ensino Médio;- Conscienciologia, no âmbito do
Ensino Superior.
Dentre as iniciativas citadas na introdução deste tópico, destacamos o trabalho da Ananda – Escola e
Centro de Estudos, localizada na cidade do Salvador, Bahia. Esta instituição de ensino inclui, desde o ano
de 1996, a disciplina Iniciação à Consciência no seu currículo, da Educação Infantil ao Ensino
Fundamental II.

A disciplina Iniciação à Consciência é uma das atividades que compõe o Programa Conscientizar, este que
faz parte da Estratégia para o trabalho de despertamento, desenvolvimento, moralização e socialização
do potencial humano do educando. Embasada em valores, senão insofismáveis, no mínimo, racionais;
parte do princípio de que no Universo tudo são Leis, e que dentro delas tudo é bem, porém, fora das
mesmas nada é claro, definitivo ou seguro. [...]

[...] A Iniciação à Consciência pauta sua estrutura teórica/prática em todo conhecimento disponível não
só pela ciência, mas também, pela filosofia e religião, possibilitando transformar a definição em
compreensão; o conhecimento em consciência; enfim, que o explanado pela religião, filosofia e ciência,
se transforme em experiências diretas, corretas e completas, portanto, em autoconhecimento; e, por
fim, em auto-realizações (PROJETO PEDAGÓGICO, 2008, disponível em: www.anandaescola.com.br).

O trabalho dessa instituição de ensino já existe há quinze anos e já apresenta seus resultados. Cabe a nós
investigarmos: quais as influências dessa disciplina no desenvolvimento humano? Ela contribui no
desenvolvimento da responsabilidade social no ser humano?

A proposta da investigação desses resultados representa muito mais do que o reconhecimento pelo
trabalho realizado por esta instituição. Representa apresentar à sociedade o que está sendo feito,
através da educação, em prol da transformação do caos social gerado, principalmente, pela ausência de
responsabilidade social nos comportamentos individuais. É preciso lembrar que:
Quando as coisas vão mal no mundo, estão mostrando que há algo de errado com o indivíduo, porque
há algo de errado em mim. Portanto, se eu for sensato, examinarei a mim mesmo em primeiro lugar...
Em suma, o essencial é a vida do indivíduo. Só ela faz história, só ela promove grandes transformações,
só ela cria o futuro. Todo o futuro, toda a história do mundo, brota da soma gigantesca desses fontes
ocultas que existem no interior dos indivíduos. Mesmo em nossa vida mais privada e subjetiva não
somos apenas testemunhas passivas ou vitimas de nossa era, mas também seus construtores. Nós
fazemos nossa própria época (JUNG, 1953, apud. ZOHAR e MARSHALL, 2006, p.10).

E no que se trata da educação, ninguém mais pode fazer por sua prática efetiva senão nós, educadores.
Que possamos pesquisar as pequenas e importantes realizações feitas no sentido de redirecionar a
conduta humana, considerando o bem estar social, para então, lançarmos as nossas propostas de
ampliação desse trabalho que é de todos nós.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mensagem transmitida por um texto está expressa desde o seu título, por isso, cabe, neste momento,
iniciarmos as considerações finais analisando o título desse artigo. Consciência e Moral: aspectos
Educativos da Responsabilidade Social apresenta ideias que são desenvolvidas e argumentadas em todo
o corpo do texto.

Ao colocarmos consciência e moral como aspectos da educação, estamos tratando da real finalidade
desta, considerando a sua origem latina, o educere (conduzir para fora). Sob essa ótica, os valores morais
estão intrínsecos a práxis educativa e são observáveis por meio da conduta e, portanto, passíveis de
reprodução. A consciência, por sua vez é meio e fim desta educação, pois, ao mesmo tempo em que o
seu desvendamento conduz ao despertamento do potencial humano, ela é em si uma potencialidade,
uma faculdade inata a todos nós, que pode ser desenvolvida através da educação.
Por outro lado, ao considerarmos os aspectos educativos da responsabilidade social, expressamos a
compreensão de que esta pode ser construída através da educação. Essa concepção é esclarecida no
segundo tópico do artigo, cujo objetivo se traduz em discutir o papel da educação na construção de
seres mais responsáveis socialmente.

Diante dos estudos realizados, identificamos na educação moral pautada na consciência um meio de
alcançarmos essa meta. Isso porque, a consciência, ao identificar a natureza interna do ser humano com
a sua natureza externa, impulsiona o indivíduo à realização de atitudes éticas, ou seja, atitudes que
refletem a compreensão de que o mundo é e está como o fazemos.

Com relação à educação em valores morais, percebemos que ela pode ser um meio de transformação da
instrução em valores não morais que tanto tem crescido em nossa sociedade. Os indivíduos estão sendo
formatados para serem individualistas e valorizarem a cima de tudo o dinheiro, o poder, o
reconhecimento e a satisfação. A responsabilidade social não é ensinada a esses seres.

Uma vez reunindo essas informações, buscamos traçar um perfil do ser humano irresponsável
socialmente e do ser humano responsável socialmente, segundo a ótica do desenvolvimento moral. Para
isso, elegemos Kohlberg e Piaget, teóricos de renome na área e que percebem o desenvolvimento moral
estruturado em estágios.

O perfil traçado para o ser humano irresponsável socialmente denotou uma íntima relação entre o seu
comportamento e o pensamento heterônomo. Este indivíduo quando segue as normas, o faz por uma
questão de autoproteção, por receio de possíveis coações ou pelas recompensas advindas com a
obediência. Não compreende, portanto, a relevância do agir correto para o meio do qual faz parte. Se
não compreende, consequentemente, não valoriza. Utilizando os estudos de Kohlberg, indicamos que
esse ser humano encontra-se no nível pré-convencional do desenvolvimento moral.

O perfil do indivíduo responsável socialmente, por sua vez, demonstrou uma atitude autônoma e,
principalmente, consciente. Identificamos que a noção e sentimento de interdependência são
características principais desse ser, que ao planejar um ato, já considera suas consequências para as
sociedades que lhe rodeiam. Kohlberg descreve essa conduta no nível convencional do desenvolvimento
moral e postula um nível superior, cuja principal característica é o compromisso com valores universais.
Estes seres convivem harmonicamente não só com as leis sociais, mas, também, com as leis naturais que
normatizam todo o universo.

O esboço desses perfis contribuiu para refletirmos quanto ao papel da educação no desenvolvimento
moral dos seres humanos, visto que ficou claro que a grande maioria dos indivíduos não abandona o
pensamento individualista na adolescência, podendo alimentá-lo durante toda a sua trajetória de vida.
Cabe a nós, envolvidos no processo de educar, lançar mão de nossa criatividade para elaborar maneiras
de auxiliarmos esses seres no avanço do desenvolvimento moral.

Essa urgência diz respeito, principalmente, ao fato de que a responsabilidade social depende do
desenvolvimento moral do ser humano.

Toda proposta e prática educacional nesse sentido são muito bem vindas, considerando as nossas
demandas. Aqui, apresentamos uma proposta da implantação de disciplinas envolvendo o estudo da
consciência da Educação Infantil ao Ensino Superior e uma prática envolvendo a implantação da
disciplina Iniciação à Consciência no currículo de uma escola localizada em Salvador, Bahia.

Por fim, a apresentação dessa proposta e dessa prática lança a possibilidade para uma nova investigação,
pautada no seguinte questionamento: quais as influências da disciplina Iniciação à Consciência no
desenvolvimento moral do ser humano?

REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, Filosofia da Educação.São Paulo: Moderna, 1996.

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[1] Mestranda em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela Fundação Visconde de


Cairu, graduada em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação Ocidemnte (ISEO), educadora do
Ensino Fundamental I, educadora da disciplina Iniciação à Consciência no Ensino Fundamental II.

2 […] o infantilismo, ao rechaçar ou não aceitar nenhum obstáculo que se oponha a realização imediata
dos desejos, estimula e desenvolve nos sujeitos uma patologia complementar: a intolerância mais
absoluta a qualquer tipo de frustração, que terminará finalmente por incapacitá-lo para a maturidade
emocional e o desenvolvimento pessoal.

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