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Capítulo 04

Trovadorismo e Humanismo

Trovadorismo É importante ressaltar que embora a influência dos trovadores seja


decisiva para conferir a tônica da literatura produzida no período,
Durante a sua vida, você já deve ter se deparado com muitas está também nesse bojo a produção em prosa, a qual existia em
representações sobre a Idade Média, muitas delas contraditórias menor quantidade. Estamos falando dos primórdios da Língua Por-
entre si. Período de obscurantismo religioso, pragas devastadoras, tuguesa, a chamada última flor do Lácio, e, consequentemente, do
Cruzadas, muitas vezes, as imagens que nos sãos passadas do alvorecer da literatura portuguesa. São esses trovadores, portanto,
Medievo não são nada lisonjeiras. É importante ter em mente, os precursores de tudo que virá posteriormente.
contudo, que todas essas representações são falhas e parciais e Para entendermos melhor o papel desempenhado por esses
escamoteiam informações importantes para que possamos ter poetas e cantores, temos que remontar à sociedade estamental que
uma ideia verdadeiramente abrangente desse período histórico. vigorava na Idade Média. A sociedade medieval era composta pelo
Por outro lado, um traço indubitavelmente importante da Idade clero, o maior detentor de terras e formador de toda mentalidade
Média é a noção de cavalaria e o código de conduta que advinha religiosa do período; a nobreza, classe guerreira e dotada de privi-
dessa instituição. Um desses códigos é o amor cortês, ou seja, a légios e também de terras; e os servos, que compunham a grande
celebração da pessoa alvo de afeto, de maneira a elevá-la a um plano maioria da sociedade, a população campesina responsável pelo
quase etéreo. Esse conceito era um traço cultural tão importante para trabalho braçal nas terras dos senhores. Essa estratificação social
a nobreza europeia que inspirou grande parte de uma tradição literária era justificada no plano divino, ou seja, seria o reflexo da vontade
de Deus, e a vida terrena não era nada mais que um período de
denominada Trovadorismo.
provação para alcançar, após a morte, a transcendência da alma.
A preocupação com a salvação era, dessa forma, essencial para se
entender a mentalidade do homem medieval.
Essa conformação social, como em toda a Europa, também
vigorava na Península Ibérica, que, durante os séculos XI e XII, vivia
uma era de guerras e transformações, mudanças entre as quais
inclui a oficialização do galego português como língua do Con-
dado Portucalense, reino que acabara de se tornar independente.
É nesse substrato político e social que vicejam as primeiras
manifestações literárias em galego-português de que se tem
notícia, as chamadas cantigas. Devido à ausência de registros
escritos, foram poucas as canções que chegaram até nós.
Se tem conhecimento de aproximadamente 1080 cantigas,
compiladas em manuscritos denominados Cancioneiros: o
Wikipedia Commons (Domínio Público). Cancioneiro da Ajuda, encontrado na Biblioteca do Palácio da
Ajuda, em Lisboa; o Cancioneiro da Vaticana, descoberto na
Exemplo de amor cortês. A senhora na sacada saúda seu amante com
Biblioteca do Vaticano; e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional,
uma coroa de louros. A personagem masculina é o conde Kraft de Toggen-
burg, um membro de uma das mais velhas e poderosas famílias nobres da localizado atualmente na Biblioteca Nacional de Lisboa. É claro
Suíça Oriental. Ele morreu em 1261. Acima da cabeça do nobre, o brasão que esses manuscritos conservam apenas as letras das cantigas;
da família, assinalando a importância da nascimento e da linhagem para a melodia está para sempre perdida.
a sociedade medieval.
A cantiga era, portanto, o gênero de maior difusão e acei-
Os trovadores, categoria que dá nome ao período, eram músi- tação nos séculos XII, XIII e XIV e ancorava-se em uma poética
cos e poetas-cantores pertencentes à nobreza, que compunham bastante complexa, o que dificultava seu aprendizado. A teoria
e declamavam versos musicados nos saraus e festas das cortes e, que estabelecia as regras de composição das cantigas era de-
mais raramente, em celebrações de cunho popular. Havia tam- nominada a “gaia ciência”. “Na chamada Leys de Amor, editada
bém os segréis e menestréis (trovadores profissionais) e o jogral em Elberfeld (1875), encontramos uma espécie de código da
(bobo da corte e intérprete de composições de autoria alheia). poesia trovadoresca” (TAVARES, p. 49, 1996).

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Trovadorismo e Humanismo

Levando em conta seus aspectos formais e contextos de


circulação, as cantigas podem ser agrupadas em dois grandes e do pesar que vós tomades i,
grupos: as cantigas líricas e as cantigas satíricas. tom’eu pesar que nom posso maior,
e queria nom vos haver amor,
Cantigas líricas mais o coraçom pode mais ca mi.
(Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, 543).
Cantigas de amor
O eu lírico dessas canções era sempre masculino, um homem Cantigas de amigo
que se dirigia a sua castiça e virtuosa senhora, em uma relação que As cantigas de amigo — que já haviam despontado em terras
se assemelha à vassalagem. Como você deve saber com base em hispânicas em tempos ainda mais remotos e nisso e no estilo
seus estudos de História, a hierarquia entre suseranos e vassalos era diferiam das cantigas de amor, oriundas do rovarismo provençal
uma instituição política e social de caráter fulcral para a existência e —, por sua vez, têm um eu lírico feminino, geralmente uma
manutenção do feudalismo. jovem camponesa, diferentemente das de amor. Não tome
No que concerne ao eu lírico das cantigas, essa relação social esse dado como uma indicação de que as mulheres também
é transposta para o plano amoroso, podendo-se falar de um atuavam com menestréis. Trata-se apenas de uma convenção
vassalo-trovador. Com raras exceções, o eu poético não revela dessa modalidade de poema, por isso lembre-se que o eu lírico
o nome da dama que glorifica, pois tal designação constituiria não deve ser confundido com o poeta de carne e osso, o qual
uma quebra de mesura, subvertendo as convenções do amor era sempre um homem.
cortês. Nessas cantigas, a mulher lamenta a ausência do amado,
Nos versos das cantigas de amor é comum perceber uma atitude seu interlocutor. Pode-se afirmar que as cantigas de amigo
servil diante da senhora, o que nos leva a outro aspecto importan- apresentavam uma estrutura e linguagem mais simples e livre,
tíssimo das cantigas de amor: a coita amorosa, isto é, o sofrimento incluindo, muitas vezes, refrãos. Essas características combinadas
amoroso: o submisso eu lírico tem ciência de que jamais poderá com a evocação idílica da vida no campo, tornavam as cantigas
concretizar fisicamente seus sentimentos, do que resulta sua pecha de amigo muito apropriadas para serem acompanhadas com
de “coitado”, perene sofredor. danças ao ar livre.
Começavam quase sempre por expressões ou palavras como: Sobre a estrutura e variedade das cantigas de amigo, Hênio
“mia senhor”, “senhor” ou “fremosa senhor” (notar que, na- Tavares assevera:
quela época, os nomes terminados em -or eram uniformes
A palavra “amigo” (namorado), geralmente aparece nos
quanto ao gênero). Conforme o assunto, recebiam várias
denominações: pastorelas (amores bucólicos), descord ou primeiros versos. Também variam conforme o assunto:
desacordo (amores não correspondidos), tenção (dialogada alvas ou albas (cenas transcorridas pela manhã), serenas
entre dois trovadores, como desafio) etc. (referem-se às horas tristes e calmas do crepúsculo), bailias
ou bailadas (de ritmo e assunto próprios para a dança), bar-
TAVARES, p. 49, 1996 carolas (assuntos do mar, das águas), romarias (descrição
Leia a seguinte cantiga de amor de autoria de D. Denis (1261- dos santuários e passeio entre peregrinos namorados), cantigas
1325), filho do Rei D. Afonso III e trovador e monarca responsável da mal-maridada (lamentos da dama infeliz no casamento) etc.
pela fundação da Universidade (sediada em Lisboa, em 1209, e TAVARES, pp. 49-50, 1996
Leia a seguir a cantiga de amigo de Nuno Fernández Torneol:
transferida, em 1308, para Coimbra): Bem entendi, meu amigo,
Senhor fremosa, vejo-vos queixar
que mui gram pesar houvestes
porque vos am’, e no meu coraçom
quando falar nom podestes
hei mui gram pesar, se Deus mi perdom,
vós noutro dia comigo,
porque vej’end’a vós haver pesar,
mais certo seed’amigo
e queria-m’em de grado quitar,
que nom foi o vosso pesar
mais nom posso forçar o coraçom
que s’ao meu podess’iguar.
que mi forçou meu saber e meu sem;
desi meteu-me no vosso poder, Mui bem soub’eu por verdade
e do pesar que vos eu vej’haver, que érades tam coitado
par Deus, senhor, a mim pesa muit’em; que nom havia recado,
e partir-m’ia de vós querer bem mais amigo acá tornade;
mais tolhe-m’end’o coraçom poder sabede bem por verdade
que me forçou de tal guisa, senhor, que nom foi o vosso pesar
que sem nem força, nom hei já de mi; que s’ao meu podess’iguar.

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Literatura – Coleção 2V

Cantigas de maldizer
Bem soub’, amigo, por certo,
Nessa modalidade de cantiga, o eu lírico abria mão de grande
que o pesar daquel dia parte das sutilezas e artifícios que caracterizam as cantigas de
vosso, que par nom havia, escárnio, optando por explicitar os desafetos contra os quais
mais pero foi encoberto, o eu poético cantava seus versos. A virulência e o emprego de
e por em seede certo ofensas e agressões eram traços usuais das cantigas de maldizer.
Muitas vezes, chegavam a recair na obscenidade e no emprego
que nom foi o vosso pesar
de palavras consideradas de baixo calão.
que s’ao meu podess’iguar. Leia a seguir a cantiga de maldizer de Afonso Eanes de Coton:

Ca o meu nom se pod’osmar, Maria Mateu, daqui vou desertar.


nem eu nom pudi negar. De cona não achar o mal me vem.
(Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa 553/ Cancioneiro Aquela que a tem não ma quer dar
do Vaticano 146). e alguém que ma daria não a tem.
Maria Mateu, Maria Mateu,
Cantigas satíricas tão desejosa sois de cona como eu!

Cantigas de escárnio Quantas conas foi Deus desperdiçar


Nessas cantigas, o tema de amor cede lugar à crítica social. quando aqui abundou quem as não quer!
Nelas o eu lírico tece comentários mordazes, mas velados a um E a outros, fê-las muito desejar:
determinado indivíduo ou grupo, utilizando pistas para que o a mim e a ti, ainda que mulher.
alvo de sua causticidade pudesse ser identificado pelos ouvintes Maria Mateu, Maria Mateu
sem ser nomeado. Temas como a tirania e injustiça do senhor
feudal e vícios sociais, como a indolência e a farra desmedida, tão desejosa sois de cona como eu!
apareciam com profusão nas cantigas de escárnio. Disponível em: http://cseabra.utopia.com.br/poesia/poe-
sias/0643.html. Acesso em 10 dez 2018.
Leia a seguinte cantiga, atribuída a D. Joam Garcia de Gui-
lhade, em que o eu lírico escarnece da feiura de uma senhora,
ao mesmo tempo que afeta sua intenção de cantar seu louvor Humanismo
(ou “loor”, em galego português):

Ai, dona fea, foste-vos queixar


que vos nunca louve’en em meu trobar;
mas ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!…

Dona fea, se Deus mi perdom,


pois havedes [a]tam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom O Combate entre o Carnaval e a Quaresma, de Pieter Bruegel, o Velho
vos quero já loar todavia; (1559): o profano e o sagrado se
e vedes qual será a loaçom: imiscuem, marcando a transição do medievo para a modernidade.
Disponível em: http://insidebruegel.net/. Acesso em: 11 fev 2021.
dona fea, velha e sandia!
O período de transição entre a Idade Média e o Renascimento
Dona fea, nunca vos eu loei na Europa é marcado pela influência decisiva do Humanismo,
em meu trobar, pero muito trobei; movimento artístico e filosófico que trouxe à baila novos para-
mais ora já um bom cantar farei digmas também para a literatura.
em que vos loarei todavia; Os séculos XV e XVI foram importantíssimos para a História
e direi-vos como vos loarei: de Portugal, pois concernem a era das Grandes Navegações,
dona fea, velha e sandia! na qual as conquistas ultramarinas da Coroa Portuguesa e seus
marujos desbravadores, às custas de muitas vidas humanas,
Disponível em: http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cd-
atingiram níveis prodigiosos, alçando o país ao estatuto de
cant=1520&pv=sim. Acesso: 04 jan 2018.
maior potência da Europa.

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Trovadorismo e Humanismo

Célebre entre os príncipes, e mesmo entre os monarcas, foi o


infante D. Henrique de Avis, o Navegador. Ele inaugurou o ciclo Tam tristes, tam saudosos,
de grandes conquistas portuguesas ao apossar-se da cidade de tam doentes da partida,
Ceuta, na região do Estreito de Gibraltar, ao norte da África, local
portuário de relevância estratégica decisiva, pois possibilitava tam cansados, tam chorosos,
o controle de uma das principais rotas comerciais da época. da morte mais desejosos
Na esfera filosófica, o principal aporte das ideias que pulula- cem mil vezes que da vida.
vam em meio aos pensadores, naturalistas e artistas do período DE CARVALHO, Amorim. Dos trovadores ao Orfeu: contribuição para o es-
era o antropocentrismo, ou seja, a inserção do homem como tudo do maneirismo na poesia portuguesa. Lisboa: Edições Ecopy, 2012.
medida de todas as coisas. A Europa continuava fortemente
católica, mas é possível perceber um nítido deslocamento
valorativo na mentalidade teocêntrica que absorvia a maior A crônica histórica de Fernão Lopes
parte das preocupações do homem medieval.
Como a literatura, a arte da palavra, reflete e refrata
as transformações eclodidas no seio da sociedade, não
surpreende que o século XV tenha contado com baluartes
conferidores de vigor insuspeito às Letras e uma verdadeira
guinada na tradição literária, preparando terreno para o
advento do Classicismo.
Em Portugal, podemos pontuar três movimentos decisivos
no âmbito da literatura, cada um incidindo sobre um gênero Fernão Lopes.
distinto: a poesia, a crônica histórica e o teatro. Analisaremos a Google Arts & Culture
seguir cada um desses, para constatar os elementos de renova- Os conhecimentos acerca da vida do escrivão de livros e
ção que vivificaram essas manifestações literárias e imprimiram
“guardador das escrituras do Tombo” Fernão Lopes (c.1378-1459)
o signo da modernidade vindoura em suas obras.
são escassos, mas sua contribuição para a nova configuração
assumida pelo gênero crônica histórica é de indubitável monta.
Poesia Palaciana Seu apreço por tópicos cotidianos, pela verossimilhança
Com a admissão dos poetas nos salões mais seletos da e pelo engendramento de perfis psicológicos dos atores que
aristocracia – paulatinamente desvestida de seu caráter bélico povoam seus relatos, individualizados e aquilatados à altura
e mais afeita à vida na corte, por influência da centralização dos encadeamentos de episódios que protagonizavam e que
progressiva dos encargos políticos na figura do rei – a poesia o cronista narrava no mesmo momento de seus desenlaces,
adquiriu um estatuto próprio, não mais vinculada inalienavel- além da inédita focalização, não só sobre os varões, monarcas
mente à música. Os trovadores do medievo cederam espaço
e membros da elite, mas também sobre as classes mais baixas
para os declamadores de saraus, o que significou uma elitização
na hierarquia social, lhe renderam presença no panteão de
ainda maior dessas artes.
escritores mais representativos e influentes de Portugal.
Por outro lado, a poesia palaciana se pautou também por um exer-
cício de sofisticação da linguagem literária. Tornaram-se mais comuns Ao narrar o combate de Aljubarrota, evento célebre na histo-
os usos de figuras e artifícios de linguagem, a preocupação formal e os riografia portuguesa, Fernão Lopes o reduz a meros três golpes
expedientes semânticos e sonoros, conferindo um caráter autóctone de espada, dessacralizando a glória da narrativa outrora ofer-
aos versos, não tão evidente nas cantigas. tada pelos cronistas. Assim, a guerra, longe de ser uma disputa
entre valorosos e implacáveis guerreiros, torna-se um bando de
O martírio amoroso também sofreu nítida amenização,
realçando uma dimensão mais lúdica e focada na exploração “gemtes darmas” realizando golpes e retiradas de improviso:
dos recursos e potencialidades da língua, que já adquiria con- [...] Pera que diremos golpes nem forças nem outras razoões
compostas louuor dalguuns, nem afremosentar estoria
tornos distintos: nesse período, o português se diferencia do que os sessudos nom ham de crer, de gujssa que destorias
galego, portanto as produções poéticas palacianas que nos são verdadeiras façamos fabullas patranhosas? Abasta que dhuuma
legadas são de compreensão muito mais simples para falantes e doutra eram dados taaes e tamanhos golpes como cada
do português contemporâneo. huum melhor podia apresemtar aaquelles que lhe cahuja em
Veja a seguir um exemplo: sorte; de guissa que os muytos por sojugar, e os poucos por se
veerem jssentos de seus emmigos, lidauom com toda sua força”
João Roiz de Castel-Branco (Séc. XV) (LOPES, Fernão. Crónica del rei Dom Joham I).
Senhora, partem tam tristes Em suma, cada indivíduo fazia o que estava à altura de sua
meus olhos por vós, meu bem, capacidade e sobre o confronto não vale a pena delongar-se:
que nunca tam tristes vistes cada um fazia o que podia, não vale a pena dizer mais nem
enfeitar a narrativa, como o faziam os poetas palacianos com
outros nenhuns por ninguém.
suas “fabullas patranhosas”. Percebe-se aí um indício de so-
.. briedade e retidão no tratamento do tema, um expediente de
verossimilhança.

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Literatura – Coleção 2V

Entre suas obras mais famosas estão a supracitada Crônica O teatro vicentino
de D. João I e as Crônicas de D. Pedro e Crônicas de D. Fer-
nando. A narrativa da Crônica de D. João I é constituída de 3
partes: a primeira concerne à morte de D. Fernando e à coroação
de D. João I, Mestre de Avis; a segunda narra as vicissitudes do
reinado de D. João I até 1411, culminando na assinatura da paz
com o reino de Castela; a terceira parte, por sua vez, lida com a
morte de D. João.
Já as Crônicas de D. Pedro apresentam 44 capítulos e narram o
reinado de D. Pedro I de Portugal, suas decisões régias, sua adminis- Gil Vicente
tração e sua maneira de exercer a justiça. Não por acaso, o epíteto Fonte: Google Arts & Culture.
com que o monarca entrou na história foi o Justiceiro ou o Cruel. Gil Vicente (c.1465-1535) é considerado o pai do teatro portu-
Recebem especial atenção os fatos concernentes a D. João, guês. É importante frisar que havia manifestações teatrais desde
filho bastardo de Pedro e seu eventual sucessor, os empreen- o Trovadorismo, em pleno medievo (geralmente representações
dimentos no Reino de Castela, um dos antigos reinos formados coletivas de passagens bíblicas), mas a envergadura literária do
após a Reconquista Ibérica, e o episódio referente a Inês de gênero, de acordo com a fortuna crítica, foi alcançada com o teatro
Castro, de reverberações míticas para Portugal. vicentino.
Segundo as crônicas, trovas, poemas e cantatas dedicadas à Em consonância com o espírito da época, a temática profana
história de amor trágica, Inês era amante de D. Pedro, que des- passou a fulgurar simultaneamente às tramas extraídas da Bíblia,
posara D. Constança Manuel, o que causava rebuliços e constran- evidenciando o pendor antropocêntrico. É importante frisar, contudo,
gimentos na corte, especialmente para o pai, o rei D. Afonso IV. que a preocupação moral e religiosa ainda é um aspecto importantís-
No momento oportuno, juntamente com membros da corte, D. simo dos autos de Gil Vicente. Tanto que produções contemporâneas
Afonso ordenou a execução de Inês, o que revoltou D. Pedro – que, como O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (inspirada no
depois, selaria um acordo de paz com o pai em 1355. teatro popular), são herdeiras diretas do autor português, tendo
Os demais conspiradores (com exceção de Diogo Lopes Pa- também os pés cravados ora no profano, ora no sagrado.
checo, perdoado no leito de morte do rei) não tiveram a mesma Essa característica inovadora, aliada aos diálogos ágeis e mor-
sorte. Ao assumir o trono como D. Pedro I, o novo rei perseguiu dazes, ao equilíbrio formal e ao forte envolvimento com a plateia
os responsáveis pela execução de Inês de Castro, chegando a contribuíram para a popularidade de Gil Vicente. Os personagens
celebrar um banquete enquanto os corações de Pero Coelho que integram seus enredos são denominados personagens-tipo e
e Álvaro Gonçalves eram arrancados, respectivamente, pelo encarnam grupos sociais inteiros, ou seja, os actantes não se sobres-
peito e pelas costas. O carrasco que cumpriu essa ordem teria, saem por sua profundidade psicológica ou por um roteiro de vida
de acordo com Fernão Lopes, tentado dissuadir o rei de sua individualizado, mas por sua adequação aos caracteres sociais que
decisão, pois o procedimento macabro era de difícil execução. povoavam o imaginário dos homens e mulheres da época: o usurário,
Por fim, as Crônicas de D. Fernando detalham as guerras a alcoviteira, o parvo, o fidalgo, entre outros que compõem a galeria.
fernandinas, a expansão do reino para o sul, com o intuito de
angariar forças e contrabalançar o poderio do reino de Castela.
As crônicas em questão discorrem também sobre o Grande
Cisma do Ocidente e a ascensão da burguesia, em conflito com
a nobreza de Portugal.

Representação de personagens-tipo dos autos vicentinos.


Disponível em: http://ouvirfalarlerescrever.blogspot.
com/2015/11/a-atualidade-do-teatro-vicentino.html.
Acesso em: 11 fev 2021.

Para fins didáticos, as peças escritas por Gil Vicente podem


ser divididas em dois grupos:
• os autos: em que a temática religiosa prevalece, tratada
de maneira séria ou cômica. A finalidade anunciada
Drama de Inês de Castro, tela de autoria de Columbano Bordalo Pinheiro
(c. 1901-1904). Inês de Castro é detida por D. Fernando, Pero Coelho, Álvaro dessas obras era a moralização do público.
Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco e condenada à morte, sem o conheci- • as farsas: voltadas para o entretenimento. Eram
mento do filho do rei, o infante D. Pedro.
curtas, compostas de apenas um ato e os temas eram
Disponível em: https://www.ciberjob.org/mujeres/historia/ines/ines. provenientes do cotidiano, ou seja, em seu conteúdo
jpg. Acesso em 11 fev 2021. prevalecia os aspectos profanos.

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Trovadorismo e Humanismo

As duas obras mais emblemáticas de Gil Vicente são O Auto


da Barca do Inferno e A Farsa de Inês Pereira. Exercícios
Auto da Barca do Inferno 1. (IFSP – 2017) Inspiradas na poesia provençal, as cantigas
trovadorescas são consideradas as primeiras manifesta-
O Auto da Barca do Inferno (c. 1517) representa o dia do juízo ções literárias portuguesas. O movimento literário em
final, conforme a tradição católica. Nele, a interpelação moral é que elas surgiram ficou conhecido como Trovadorismo.
expressa de forma satírica, com o tom jocoso característico de Sobre o Trovadorismo, assinale a alternativa CORRETA.
Vicente. As personagens se encontram em uma espécie de porto,
A) As cantigas trovadorescas foram transmitidas apenas
onde estão estacionadas duas barcas: uma é comandada pelo
em cópias e recolhidas somente em duas importan-
próprio Diabo, destinada ao Inferno, e a outra é guiada por um
tes antologias, denominadas Cancioneiros, únicos
anjo, indo até o Paraíso. A função de ambos é aguardar as almas
documentos que restam para o conhecimento do
que serão conduzidas para um dos dois destinos. As personagens
Trovadorismo: Cancioneiro da Ajuda e Cancioneiro
são um fidalgo, um agiota, um parvo, um sapateiro, um frade,
da Biblioteca Nacional.
Brísida Vaz (alcoviteira, cafetina e feiticeira), um judeu (cristão
novo), um corregedor, um procurador, um enforcado e quatro B) O Trovadorismo foi um movimento artístico literário
cavaleiros que lutaram em nome do cristianismo. O fidalgo é que predominou no século XVII, na Europa. Esse estilo
condenado ao inferno pelos pecados de luxúria e tirania; o agiota, surgiu em Roma, na Itália, se expandiu por outros
pela usura; o parvo é quase ludibriado pelo diabo, mas o anjo, países da Europa, como Portugal, logo após seu surgi-
cativado pela ingenuidade dele, o conduz ao paraíso; o sapateiro mento, mas foi na Espanha que ele se tornou vigoroso.
vai para o inferno, apesar de tentar barganhar sua salvação, por C) Em Portugal, as cantigas trovadorescas são classifica-
trapaça e desonestidade; o frade, que não se envergonha em das em cantigas líricas (cantigas de amor e cantigas
chegar perante seus julgadores com sua amante, também é de amigo) e cantigas satíricas (cantigas de escárnio e
condenado à danação no inferno, por sua hipocrisia e desrespeito cantigas de maldizer).
aos sacramentos; a alcoviteira sofre o mesmo destino; o judeu, D) No Trovadorismo, o pensamento religioso, espiritualis-
acompanhado de um bode, também não encontra um destino ta, predominante na época, numa visão teocentrista
favorável (marca do antissemitismo da época); o corregedor e o (em que Deus, do grego Teos, está no centro das
procurador também ingressam na barca do diabo, já que, em vida, preocupações humanas), dá lugar a uma visão antro-
usufruíram dos seus cargos em benefício próprio; o enforcado pocentrista (em que o homem, do grego anthropos,
está convencido que o fato de já ter sido condenado pela justiça está no centro das realizações do universo humano).
dos homens o livrará do sofrimento eterno, mas culpas pelas
E) As características formais e temáticas das cantigas
quais ele não sofreu penitência em vida rendem-lhe a rota até o
de amigo eram: influência das cantigas provençais,
inferno; por fim, os cavaleiros, guerreiros da fé, são perdoados e
originárias do sul da França; eu lírico masculino que
conduzidos imediatamente pelo anjo ao paraíso.
evoca a mulher amada usando a forma de tratamento
O conteúdo é profundamente moralizante e a crítica aos “Minha senhora” (“Mia senhor”, “Mia dona”); exaltação
costumes e aos vícios sociais é implacável. A linguagem da peça, das virtudes da beleza da amada inatingível; e predo-
refletindo as camadas sociais que predominam no enredo, é mínio do sentimento amoroso..
coloquial, como em muitos autos de Gil Vicente.
2. (Uepa) “A literatura do amor cortês, pode-se acrescentar,
Farsa de Inês Pereira contribuiu para transformar de algum modo a realidade
Em A Farsa de Inês Pereira, a jovem Inês, sobrecarregada extraliterária, atua como componente do que Elias (1994)*
com o excesso de afazeres domésticos, resolve se casar na chamou de processo civilizador. Ao mesmo tempo, a reali-
esperança de que tendo um marido poderá levar uma vida dade extraliterária penetra processualmente nessa literatura
mais sossegada. A casamenteira Leanor lhe apresenta o rico que, em parte, nasceu como forma de sonho e de evasão.”
camponês Pero Marques, mas Inês aceita receber o pretendente (Revista de Ciências Humanas. Florianópolis. EDUFSC, v. 41, n. 1 e 2, p. 83-110,
Abril e Outubro de 2007 pp. 91-92) (*) Cf. ELIAS, N.
apenas para zombar dele, por sua inaptidão social e falta de O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, v.1.
etiqueta. Após esse episódio, dois judeus a serviço de Inês lhe
Interprete o comentário acima e, com base nele e em seus
trazem Brás, um trapaceiro, que juntamente com seu cúmplice, conhecimentos acerca do lirismo medieval galego-portu-
chamado simplesmente de Moço, planeja casar com Inês pe- guês, marque a alternativa CORRETA:
los dotes da mulher. Ela aceita, mas Brás se revela um tirano.
Convocado para a guerra, o marido morre como um covarde e, A) as cantigas de amor recriaram o mesmo ambiente
palaciano das cortes galegas.
feliz, ela decide se casar com Pero Marques. A farsa termina com
Inês se aproveitando da ingenuidade e mansidão do marido, B) “a literatura do amor cortês” refletiu a verdade sobre
traindo-o com um falso padre, antigo namorado seu. Inês se dá a vida privada medieval.
bem, consegue a vida que quer, casando-se com um homem C) a servidão amorosa e a idealização da mulher foi o
que literalmente a carrega nas costas, e chega até a cantar uma grande tema da poesia produzida por vilões.
canção zombando da ignorância de Pero sobre sua infidelidade. D) o amor cortês foi uma prática literária que aos poucos
Percebe-se que a peça apresenta uma função muito mais lúdica modelou o perfil do homem civilizado.
que moralizante, isto é, é voltada para o entretenimento e não E) nas cantigas medievais mulheres e homens subme-
para a educação. Por essa razão, trata-se de uma farsa. tem-se às maneiras refinadas da cortesia.

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Literatura – Coleção 2V

3. (PUC SP) Gil Vicente, criador do teatro português, realizou 5. (ifsp – 2016) Considere o trecho para responder à questão.
uma obra eminentemente popular. Seu Auto da Barca No final do século XV, a Europa passava por grandes mu-
do Inferno, encenado em 1517, apresenta, entre outras danças provocadas por invenções como a bússola, pela
características, a de pertencer ao teatro religioso alegó- expansão marítima que incrementou a indústria naval e o
rico. Tal classificação justifica-se por desenvolvimento do comércio com a substituição da eco-
nomia de subsistência, levando a agricultura a se tornar
mais intensiva e regular. Deu-se o crescimento urbano,
especialmente das cidades portuárias, o florescimento
de pequenas indústrias e todas as demais mudanças
econômicas do mercantilismo, inclusive o surgimento
da burguesia.
Tomando-se por base o contexto histórico da época e
os conhecimentos a respeito do Humanismo, marque
(V) para VERDADEIRO ou (F) para FALSO e assinale a
alternativa CORRETA.
( ) O Humanismo é o nome que se dá à produção es-
crita e literária do final da Idade Média e início da
A) ser um teatro de louvor e litúrgico em que o sagrado moderna, ou seja, parte do século XV e início do XVI.
é plenamente respeitado. ( ) Fernão Lopes é um importante prosador do Hu-
B) não se identificar com a postura anticlerical, já que manismo português. Destacam-se entre suas
considera a igreja uma instituição modelar e virtuosa. obras: Crônica Del-Rei D. Pedro I, Crônica Del-
-Rei Fernando e Crônica de El-Rei D. João.
C) apresentar estrutura baseada no maniqueísmo cris-
tão, que divide o mundo entre o Bem e o Mal, e na ( ) Gil Vicente é um importante autor do teatro por-
correlação entre a recompensa e o castigo. tuguês e suas principais obras são: Auto da Barca
do Inferno e Farsa de Inês Pereira.
D) apresentar temas profanos e sagrados e revelar-se
radicalmente contra o catolicismo e a instituição ( ) Gil Vicente é um autor não reconhecido em Portugal,
em virtude de sua prosa e documentação histórica
religiosa.
não participarem da cultura portuguesa.
E) aceitar a hipocrisia do clero e, criticamente, justificá-la
A) V, V, V, F. D) V, V, F, F.
em nome da fé cristã.
B) V, F, V, V. E) V, F, F, V
4. (Mackenzie – 2017) Pode-se afirmar que pertence ao C) F, V, V, F.
mesmo tipo de poema trovadoresco de “Ondas do mar
de Vigo” APENAS a alternativa: 6. (EsPCEx) É CORRETO afirmar sobre o Trovadorismo que
A) Dona fea, nunca vos eu loei/en meu trobar, pero A) os poemas são produzidos para ser encenados.
muito trobei;/mais ora já un bon cantar farei,/en B) as cantigas de escárnio e maldizer têm temáticas
que vos loarei toda via;/e direi-vos como vos loarei:/ amorosas.
dona fea, velha e sandia! (Joan Garcia de Guilhade) C) nas cantigas de amigo, o eu lírico é sempre feminino.
B) Quer’eu en maneira provençal/fazer agora un cantar D) as cantigas de amigo têm estrutura poética complicada.
d’amor/e querrei muit’i loar mia senhor, a que prez E) as cantigas de amor são de origem nitidamente popular.
nem fremusura non fal,/nem bondade, e mais vos
direi en: tanto fez Deus comprida de ben/que mais 7. (Fuvest) Indique a afirmação correta sobre o Auto da Barca
que todas las do mundo val. (D. Dinis) do Inferno, de Gil Vicente:
C) A melhor dona que eu nunca vi,/per bõa fé, nem que A) É intricada a estruturação de suas cenas, que surpreen-
oí dizer,/ e a que Deus fez melhor parecer,/mia senhor dem o público com o inesperado de cada situação.
est, e senhor das que vi,/ de mui bom preço e de mui B) O moralismo vicentino localiza os vícios não nas ins-
bom sem,/per bõa fé, e de tod’outro bem, de quant’eu tituições, mas nos indivíduos que as fazem viciosas.
nunca doutra dona oí. (Fernão Garcia Esgaravunha) C) É complexa a crítica aos costumes da época, já que
D) Quantos ham gram coita d’amor/eno mundo, qual o autor é o primeiro a relativizar a distinção entre o
hoj’eu hei,/ querriam morrer, eu o sei,/e haveriam en Bem e o Mal.
sabor;/mais, mentr’eu vos vir, mia senhor,/ sempre D) A ênfase desta sátira recai sobre as personagens
m’eu querria viver/ e atender e atender. (João Garcia populares, as mais ridicularizadas e as mais severa-
de Guilhade) mente punidas.
E) Que coita tamanha ei a sofrer,/por amar amigu’e non E) A sátira é aqui demolidora e indiscriminada, não
o ver!/E pousarei sô lo avelanal. (Nuno Fernández fazendo referência a qualquer exemplo de valor
Torneol) positivo..

548 Frente única


Capítulo 05
Classicismo

Na poesia, o soneto despontou como a forma mais adequada


para a escrita poética. Sá de Miranda (1481-1558), respeitado
literato da Universidade de Coimbra, introduziu e exaltou os
requintes da poesia feita com dois quartetos e dois tercetos,
preconizando também os versos decassílabos, métrica conside-
rada mais requintada e distante da fala tradicional. Nesse ponto
e em vários outros, se opunha ao gosto pela redondilha maior
e menor, que marcara o Trovadorismo e a Poesia Palaciana.

Luís de Camões

Triunfo de Galateia, afresco de Rafael Sanzio (1512), Vila Farnesina.

Galateia foge de seu perseguidor, o ciclope Polifemo, em uma carruagem


em forma de concha, puxada por golfinhos. Segundo a versão narrada
por Filóstrato, Galateia rejeita Polifemo e parte para encontrar seu amado
Ácis. O afresco traduz o ideal classicista de equilíbrio e leveza das formas,
representando uma cena que prima pelo movimento. Camões como poeta laureado, de François Gérard.
A Renascença consistiu num período de enorme pujança Disponível em: http://www.allposters.com/-sp/Luiz-Vaz-De-Camoes-Post-
cultural na Europa. Esse esplendor das artes se traduziu, no ers_i1584671_.htm. Acesso em: 01 mar 2019.
âmbito da literatura, na forma do Classicismo, estilo de época
O maior expoente do Classicismo português foi sem dúvida
que incorporou muitas das principais características do espíri-
Luís de Camões (1524-1580), poeta de renome internacional,
to humanista, o idealismo, o racionalismo, o universalismo, o
autor do grande épico Os Lusíadas. Publicado em 1572, a
apreço pela forma e pela medida, o interesse pelos modelos
epopeia celebra as conquistas marítimas e bélicas do povo
greco-romanos da Antiguidade Clássica e a consequente
português, narrando a expedição de Vasco da Gama, o primeiro
releitura da mitologia pagã dessas civilizações e a busca do
a cruzar o Atlântico para alcançar a Índia a partir da Europa. Nas
equilíbrio e da razão. O movimento cultural humanista, que
palavras de Joaquim Nabuco:
buscava a perfeição do homem e cujo centro de gravidade
Portugal é uma das nações que teve papel saliente na História, isto é,
era o antropocentrismo, irradiou-se pelas nações europeias
uma daquelas que, por iniciativa própria, realizaram algum destino
e sua forte influência se manifestou-se também na arte e da humanidade. Todos os descobridores modernos saíram de certo
na literatura lusitanas. O vultoso acervo de obras gregas e modo da Escola de Sagres e tiveram por patrono Henrique, o Navega-
latinas da Antiguidade passou a ocupar especial relevância dor. Sem falar nas descobertas anteriores, — a da Madeira, dos Açores,
nos estudos filológicos, culminando no triunfo dos valores das ilhas de Cabo Verde, — foi um Português, Bartolomeu Dias, quem
transformou o Cabo das Tormentas em Cabo da Boa Esperança; outro,
humanistas no campo das letras.

Frente única 549


Literatura – Coleção 2V

Vasco da Gama, quem primeiro alcançou a Índia; outro, Pedro Álvares


Cabral, quem descobriu o Brasil. A outro, ainda, Magalhães, coube a glória
da circunavegação do Globo. Sem as descobertas portuguesas não se
poderia explicar Colombo. A influência dos navegadores portugueses foi
certamente a mais forte que sofreu Colombo; deles deve ter aprendido a
ser homem do mar; casou-se com a filha de um dos capitães do infante
dom Henrique; viveu algum tempo em Lisboa e sô por um mistério ainda
selado coube a Fernando e Isabel, em vez de a dom João II, a glória de
auxiliá-lo na realização do seu sonho.

Retrato de Camões pintado em Goa (1581).


(Wikipedia Commons).

Para além da edificação dos méritos portugueses,“Os Lusíadas


celebram antes de tudo uma concepção da vida que não pertence
especificamente à nação portuguesa, mas à história europeia, den-
tro da qual constitui um momento de altíssima tensão ideal”(RON-
CAGLIA, 1975, p. 281). É possível discernir na epopeia a tentativa de
conferir um símbolo de eterno e espiritual às campanhas e feitos
heroicos, visando ao espírito de universalidade e à apreensão de
um sentido moral para essas ações, nos moldes que o poeta latino
Virgílio, em seu épico Eneida buscou imprimir nas façanhas de seu
Camões e as Tágides (1894), de Columbano Bordalo Pinheiro (Museu herói Eneias. Em Eneida e também em Os Lusíadas, as virtudes
Nacional Grão Vasco, Viseu, Portugal). As tágides eram as musas do rio cívicas e as causas nobres dos feitos executados são exaltadas ao
Tejo, simbolizando, aqui, a inspiração do poeta. Elementos pagãos são lado da bravura, da glória e do caráter exímio das personagens
frequentes em Os Lusíadas, o grande poema épico de Camões.
representadas. Pode-se dizer que há uma forte índole pedagógica
na épica camoniana, o que também o torna herdeiro de Horácio,
Os Lusíadas o codificador da poética que objetivava, antes de tudo, à elevação
A epopeia Os Lusíadas é, no esteio das massivas empresas moral dos leitores: era importante que os heróis dessem bons
marítimas do período, esboçadas no excerto, um trabalho de exemplos para a educação dos homens. Além disso, a dicção épica
construção e edificação da memória coletiva de um povo. Lan- no poema convive com o bucólico, o elegíaco, o erótico e cômico,
çando mão do motivo das grandes navegações como imagem conferindo um pouco de leveza à matéria narrada.
da glória portuguesa e ponto culminante da grandeza de uma A epopeia começa, como visto, com a proposição, a invo-
nação. Já em seu Canto I, o tom ufanista se revela: cação e a dedicatória a D. Sebastião, monarca português. É
importante assinalar também que a ação se inicia em medias
res, isto é, avançando cronologicamente a narrativa para situar
As armas e os Barões assinalados eventos tardios do enredo no início do poema, o que favorece
Que da Ocidental praia Lusitana a captação do interesse do leitor. O estilo do poema é extrema-
Por mares nunca de antes navegados mente elevado, grandioso, repleto de latinismos e helenismos,
Passaram ainda além da Taprobana, que comprovavam erudição. Os Lusíadas é também rico em
Em perigos e guerras esforçados vocábulos novos (neologismos da época), muitos dos quais,
desde então, passaram a figurar no léxico português. Como
Mais do que prometia a força humana,
ocorre com Dante, Shakespeare, Goethe e outros escritores
E entre gente remota edificaram consagrados cânones máximos de suas respectivas nações,
Novo Reino, que tanto sublimaram; existe toda uma língua camoniana, um trabalho de inovação
E também as memórias gloriosas linguística sofisticado que muito enriqueceu a “última flor do
Daqueles Reis que foram dilatando Lácio”.
A Fé, o Império, e as terras viciosas Episódios e temas da Antiguidade Clássica e da mitologia gre-
De África e de Ásia andaram devastando, co-romana são amplamente empregados: no cosmo da epopeia,
E aqueles que por obras valerosas as divindades clássicas, como Baco, Febo e Netuno, se manifestam
no mundo cristão, monoteísta e sacramentado pela Igreja Cató-
Se vão da lei da Morte libertando,
lica. A facilidade com que o poema foi aprovado pela censura da
Cantando espalharei por toda parte, época, apesar da presença de tais entidades pagãs, surpreende
Se a tanto me ajudar o engenho e arte. até certos camonistas, de modo que se conjetura que tal sucesso
CAMÕES, L. Os Lusíadas. Editora Abril, 2010. se deva à proximidade de Camões com a ordem dominicana, à
qual pertencia o censor oficial Frei Bartolomeu Ferreira.

550 Frente única


Classicismo

Há de se observar, contudo, que apesar do rigor inquisitorial


da Igreja sobre o que era publicado, a história e mitologia clás-
sicas eram consideradas pelos renascentistas, a elite intelectual “A que novos desastres determinas
quinhentista, dados de enorme prestígio que abonavam a épica de levar estes Reinos e esta gente?
de Camões. Como observado, o Classicismo primava pelo resga-
Que perigos, que mortes lhe destinas,
te e redescoberta dos valores clássicos, ao seu ver, sepultados
por séculos de medievo, o que prova a sintonia de Os Lusíadas debaixo dalgum nome preminente?
com as inclinações culturais de seu tempo (ao menos entre os Que promessas de reinos e de minas
setores letrados). d’ ouro, que lhe farás tão facilmente?
Outro dado bastante explorado, especialmente na Moder- Que famas lhe prometerás? Que histórias?
nidade, acerca de Os Lusíadas, é que o entusiasmo náutico e Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?”
nacionalista, dominante artístico do poema, não é proferido
CAMÕES, L. Os Lusíadas. Editora Abril, 2010.
em uníssono no corpo da obra. No famoso episódio do Velho
no Restelo, Camões oferece uma voz discordante, pertencente
à personagem homônima, que reflete a angústia daqueles que
ficaram para trás, em terra, e lamentam a partida de familiares
em viagens nas quais o risco de jamais retornarem era altíssimo,
já que as grandes navegações representavam perigos enormes
e a grande maioria dos homens perecia no caminho. É o espírito
antiépico encontrando seu lugar no código densamente trabalha-
do da própria épica, uma tensão interna que que se opõe, em um
episódio, ao monologismo – isto é, a vigência de uma perspectiva
una no conjunto da obra. Leia alguns versos da passagem:

O Velho do Restelo (1904), por Columbano Bordalo Pinheiro (Museu


Mas um velho, de aspecto venerando, Militar de Lisboa, Portugal).
que ficava nas praias, entre a gente, Essa bela passagem e outras denotam uma vacilação perante a
postos em nós os olhos, meneando crença inabalável na capacidade extraordinária do homem (crença
três vezes a cabeça, descontente, renascentista), e atribuem densidade dramática e pungência lírica
a voz pesada um pouco alevantando, à dor dos impotentes diante da execução dos projetos naciona-
listas da corte e de seus conterrâneos em um gênero reservado
que nós no mar ouvimos claramente,
ao enaltecimento de grandes homens e empreitadas heroicas.
Cum saber só de experiências feito, Apesar disso, Camões não se desvencilhou dos preconceitos de
tais palavras tirou do experto peito: seu tempo e a visão eurocêntrica é hegemônica no épico. O outro
é visto como bárbaro e selvagem em Os Lusíadas. Os mouros,
“Ó glória de mandar, ó vã cobiça antagonistas de Vasco da Gama (e Portugal como um todo), são
desta vaidade a quem chamamos Fama! pintados como perversos inimigos a serem eliminados pelas forças
lusitanas ocidentais.
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Sob o aspecto formal, Os Lusíadas é constituído de dez
c’ua aura popular, que honra se chama!
cantos, cada um com um número variável de estrofes (em mé-
Que castigo tamanho e que justiça dia, 110) contendo oito versos (oitavas). O esquema de rimas
fazes no peito vão que muito te ama! é cruzado nos seis primeiros versos e emparelhado nos dois
Que mortes, que perigos, que tormentas, últimos, podendo ser representado por AB AB AB CC. Como já
que crueldades nele experimentas!” falado, em alinhamento com os preceitos da poética clássica,
cada verso da epopeia tem dez sílabas poéticas, ou seja, são
decassílabos e heroicos, pois, em sua maioria, recebem acento
“Dura inquietação da alma e da vida nas sextas e décimas sílabas poéticas.
fonte de desamparos e adultérios,
sagaz consumidora conhecida Poesia lírica de Camões
de fazendas, de reinos e de impérios! Capaz de imprimir alta precisão rítmica em seus poemas e
fiel à métrica decassílaba e heroica, Camões também foi um
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
profícuo criador de sonetos, poemas de duas quadras e dois
sendo digna de infames vitupérios; tercetos. Por sua inegável contribuição para a literatura de sua
chamam-te Fama e Glória Soberana, nação, Camões persiste como uma referência inconteste entre
nomes com quem se o povo néscio engana!” os escritores lusitanos e exemplo máximo de sofisticação técnica
para seus contemporâneos.

Frente única 551


Literatura – Coleção 2V

Petrarquismo: o poeta italiano Francesco Petrarca (1304-


1374) é considerado o inventor do soneto, forma poética
cultivada não só por Camões, mas por muitos de seus contem- É um não querer mais que bem querer;
porâneos. Sua influência na produção literária dos chamados É um andar solitário entre a gente;
séculos áureos (XIV a XVI) é ampla e, juntamente com Bocaccio, É nunca contentar-se de contente;
está entre os primeiros e mais célebres humanistas.
É um cuidar que se ganha em se perder.
A estrutura composicional e temática inerente ao petrar-
quismo encontra ecos no conceito de neoplatonismo, outro É querer estar preso por vontade;
traço forte da poética camoniana. Petrarca compunha uma É servir a quem vence, o vencedor;
lírica amorosa, em que a mulher amada, sua Laura, era alçada É ter com quem nos mata, lealdade.
a panteões celestiais, imagem de pureza de alma e perfeição,
Mas como causar pode seu favor
evanescente em seu esplendor espiritual. Deriva desse tom de
louvor e reverência o caráter inatingível desse amor, esvaziado Nos corações humanos amizade,
de qualquer possibilidade de consumação. Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Platão elaborou, em seu diálogo O Banquete, uma teoria do CAMÕES, L. Rimas. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade de
amor, fundada na bipartição da alma humana, cindida entre o Coimbra, 1953.
masculino e o feminino. Trata-se de uma explicação metafísica,
(corrente fundada pelo filósofo ateniense), para a atração e o No soneto a seguir, a descrição singela dos componentes
amor, que deu origem a concepção popular de “cara metade”: naturais aponta para o aspecto pictural e descritivo da poesia
o ser humano estaria condenado eternamente a buscar sua de Camões. Aparece também o tema da desdita amorosa, que
metade perdida para restaurar sua antiga natureza. Tal inter- figura como contraponto angustiante às belezas naturais, que
pretação do mito de Eros é partilhada por Aristófanes, uma não dão conta de suprir a carência do eu lírico.
das personagens do diálogo, mas Sócrates, que muitos julgam
ser o alter ego de Platão, toma a narrativa primordial como A formosura desta fresca serra
ponto de partida para, dialeticamente, refletir sobre o amor.
E a sombra dos verdes castanheiros,
A metafísica, proposta por Platão no conjunto de sua obra,
pressupõe a distinção entre a realidade material, dos corpos e O manso caminhar destes ribeiros,
das matérias, e a realidade ideal, perene e imutável. A ideia de Donde toda a tristeza se desterra;
privação e distância insuperável entre o eu lírico que deseja e
o objeto amado é, portanto, um dos fundamentos da poesia de O rouco som do mar, a estranha terra,
Camões. O lusitano, seguindo a doutrina da imitatio, utiliza o O esconder do Sol pelos outeiros,
modelo petraquiano de prestígio para construir sua poética. O recolher dos gados derradeiros,
É na temática amorosa [...] que Camões aproveita mais amplamente Das nuvens pelo ar a branda guerra;
os fundamentos ideológicos da filosofia para desvendar a metafísica
do amor e a importância da vontade na ação do congeminar (realizar Em fim, tudo o que a rara natureza
no pensamento — ou espírito – a elaboração do amor). Três são os Com tanta variedade nos of’rece,
elementos fundamentais na revelação (da chama) do amor, tal como
Me esta, se não te vejo, magoando.
ocorre em seus poemas (p. ex. em “Pede-me o desejo, dama que vos
veja”, soneto; em “Pode um desejo arder no peito tanto, ode”; ou ainda na Sem ti tudo me enoja e me aborrece;
glosa “Vejo-a n’alma pintada”): a visão, o desejo e a memória, presididos
pelo sentimento da carência. [...] quer dizer, o amor entre as criaturas
Sem ti, perpetuamente estou passando
pressupõe «falta». [...] Camões lança mão [...] das analogias com a rea- Nas mores alegrias mor tristeza.
lidade, confrontando elementos concretos e abstratos: a perpetuação CAMÕES, L. Rimas. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade de
do desejo (faltar e sobejar), a grave perda, a parte terrestre humana, Coimbra, 1953.
a baixeza. Contradições aparentes com as quais, ele próprio acaba por
instituir a insatisfação como condição primária para existência do amor
(“não quer logo o desejo o desejado”). (Dicionário de Luís de Camões). O neoplatonismo cultivado por Camões aparece enunciado
no soneto a seguir:
Leia a seguir um dos sonetos camonianos mais emblemáti-
cos, rico em metáforas e paradoxos, em que a temática do amor
emerge de maneira inequívoca e pulsante: Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho logo mais que desejar,
Amor é fogo que arde sem se ver;
pois em mim tenho a parte desejada.
É ferida que dói, e não se sente;
Se nela está minha alma transformada,
É um contentamento descontente;
que mais deseja o corpo de alcançar?
É dor que desatina sem doer.
Em si somente pode descansar,

552 Frente única


Classicismo

pois consigo tal alma está liada. as ciladas foram vencidas, o que faz o poeta terminar o
canto com os famosos versos:
Mas esta linda e pura semideia,
“No mar tanta tormenta, e tanto dano,
que, como o acidente em seu sujeito,
Tantas vezes a morte apercebida!
assim co’a alma minha se conforma,
Na terra tanta guerra, tanto engano,
está no pensamento como ideia;
Tanta necessidade aborrecida!” (106)
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
II Canto – está em Mombaça a armada. O rei da terra
como matéria simples busca a forma. manda uma mensagem aos visitantes. Nova perfídia de
CAMÕES, L. In: NABUCO, Joaquim. Pensamentos Soltos e Camões e Baco, na traição maquinada pelos mouros. Vênus suplica a
assuntos americanos. São Paulo, Instituto Progresso Editorial (IPE), 1949. Júpiter proteção para os lusitanos. Júpiter cede ao pedido
da deusa do amor. Incumbe a Mercúrio de providenciar
boa acolhida em Melinde. Tal acontece. O rei de Melinde
pede a Vasco da Gama para lhe contar a história dos
portugueses:
Para saber + Mas antes, valoroso Capitão,
Nos conta (lhe dizia), diligente,
A obra de Camões contém todos os elementos de uma Da terra tua o clima e região
epopeia. Assim: Do mundo onde morais, distintamente;
A) Heroísmo. O herói do poema é Vasco da Gama, E assim de vossa antiga geração,
que encarna em si todas as qualidades do povo E o princípio do Reino tão potente,
português, fazendo com que, na essência, seja o Cos sucessos das guerras do começo,
próprio Portugal, o herói da epopeia.
Que, sem sabê-las, sei que são de preço; (109)
B) Assunto Nacional: Imortaliza os feitos dos seus gran-
des heróis e das grandes façanhas, que colocaram III Canto – Começa, então, Vasco da Gama a sua narra-
Portugal em relevo no concerto das nações. ção. Inicia-a pela descrição da Europa. Mas, antes, o poeta
C) Maravilhoso: Há no poema o maravilhoso cristão luso invoca a musa da eloquência e da epopeia, Calíope.
e o pagão. O poeta invoca em muitos lances a Segue-se a história dos grandes filhos da nação, come-
Deus, e faz entrar na sua obra a ação fantasiosa çando por Viriato, o primeiro grande herói da nacionalida-
dos seres da mitologia clássica. Vênus e Marte são de. Passa Vasco da Gama para outros eventos históricos: o
favoráveis à empresa náutica dos lusos, enquanto casamento de D. Henrique com D. Teresa; o reinado de D.
Baco procura impedi-la. Afonso Henriques, o cerco de Guimarães, no qual se salva
Vejamos, a seguir, o resumo da obra, no sumário de graças à fidelidade do aio Egas Moniz; a aparição de Cris-
cada canto: to a Afonso na batalha de Ourique contra os mouros; os
reinados de Sancho I a D. Fernando; a batalha de Salado; a
I Canto – Após a proposição, invocação e dedicatória, explicação das armas de Portugal; a luta contra os mouros
inicia-se a narração: de Granada, aliados aos de Marrocos; a tragédia de Inês de
“Já no largo Oceano navegavam, Castro, vítima inocente do amor.
As inquietas ondas apartando;
IV Canto – Com a morte de D. Fernando, o rei de
Os ventos brandamente respiravam, Castela se apresenta como pretendente do trono luso.
Das naus as velas côncavas inchando;” (19) Isto porque sua esposa D. Beatriz seria a única herdeira da
Seguem os navios de Vasco da Gama em demanda da coroa. Mas o povo está com o Mestre de Avis (D. João I),
Índia. Os deuses reúnem-se em concílio, a fim de decidirem e com ele o grande Nuno Álvares, que não desejam ver a
a sorte da expedição lusa: pátria sob jugo estrangeiro. Nuno Álvares volta-se contra
os próprios irmãos, traidores que são a favor de Castela.
“Quando os Deuses no Olimpo luminoso, Fere-se a batalha de Aljubarrota, na qual Nuno Álvares
Onde o governo está da humana gente, opera prodígios (28 a 44).
Se ajuntam em concílio glorioso Seguem-se a aventura de Ceuta, o cativeiro do Infante
Sobre as cousas futuras do Oriente.” (20) Santo em Fez; o reinado de D. Duarte e o de D. Afonso V;
as conquistas na África, a batalha de Toro, o reinado de D.
Júpiter vota pelos portugueses e, com ele, Vênus e João II e o de D. Manuel, e o sonho que este último teve
Marte; Baco lhes é contrário (estâncias 24 a 40). A frota sobre a Índia, da qual seria senhor.
segue no mar índico, próximo a Madagascar. Chegam a Prepara-se a comitiva que singrará os mares. A partida
Moçambique. Baco urde uma traição para os navegantes. para o Oriente é saudada com as imprecações do Velho
O governador de Moçambique pretende destroçá-los, do Restelo, que censura a ambição dos conquistadores.
mas a vitória sorri aos portugueses. Passam, continuando
a viagem, ao lado de Quiloa, e chegam a Mombaça. Todas V Canto – Na angra de S. Helena, a aventura de Fer-

Frente única 553


Literatura – Coleção 2V

não Veloso, de ânimo sempre folgazão; transpondo um VIII Canto – Baco promove outra armadilha aparecen-
morro, é recebido a flechas e pedradas, mas conseguem do em sonho para um sacerdote muçulmano, advertindo-o
salvá-lo, interpelando o companheiro jocosamente, o que dos perigos que os lusos representam para a Índia.
confere a narrativa um sabor anedótico.
IX Canto – No regresso a Portugal, Vênus proporciona
Tem-se, então, o aparecimento do gigante Adamastor:
aos portugueses uma recompensa após tanto trabalho,
“Porém já cinco Sóis eram passados conduzindo-lhes à edênica Ilha dos Amores, recanto
paradisíaco.
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados, Ó que famintos beijos na floresta,
Prosperamente os ventos assoprando, E que mimoso choro que soava!
Quando uma noite estando descuidados, Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Na cortadora proa vigiando, Que em risinhos alegres se tornava!
Uma nuvem que os ares escurece O que mais passam na manhã, e na sesta,
Sobre nossas cabeças aparece.” (35) Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
E seu aspecto era repelente e apavorador:
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida, X Canto – O poeta lamenta seu envelhecimento, invo-
cando Calíope, a musa da eloquência.
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida, Aqui, minha Calíope, te invoco
Cheios de terra e crespos os cabelos, Neste trabalho extremo, por que em pago
A boca negra, os dentes amarelos. Me tornes do que escrevo, e em vão pretendo,
O gosto de escrever, que vou perdendo.
O gigante vocifera ameaças àqueles que ousaram nave-
gar seus mares e prediz para os intrépidos nautas: Vão os anos descendo, e já do Estio
Há pouco que passar até o Outono;
Naufrágios, perdições de toda sorte,
A Fortuna me faz o engenho frio,
Que o menor mal de todos seja a morte. (44)
Do qual já não me jacto nem me abono.
— “Eu sou aquele oculto e grande Cabo,
Os desgostos me vão levando ao rio
A quem chamais vós outros Tormentório,” (50)
Do negro esquecimento e eterno sono.
“Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Mas tu me dá que cumpra, ó Grã Rainha
Contra o que vibra os raios de Vulcano;” (51)
Das Musas, co’o que quero à nação minha.
E o gigante do Cabo das Tormentas (Cabo da Boa Es-
perança), passa a narrar sua desventurada história: seu As futuras glórias dos portugueses são narradas. Con-
malogrado amor por Tétis e sua conversão em Cabo pelos forme a concepção de Ptolomeu, Tétis, do alto do monte,
deuses. descreve o universo a Gama. O poeta se deixa vencer pela
Vasco da Gama pede a Deus para que afastasse os cruéis amargura e pelo desânimo.
sucessos que o gigante predissera. E a viagem prossegue,
os marujos enfrentam os mares, o escorbuto, até chegar
ao hospitaleiro reino de Melinde, a cujo rei o Capitão acaba Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho
de fazer a longa narração solicitada. Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
VI Canto – O rei de Melinde promove festas em ho-
menagem aos portugueses. Novamente voltam os lusos Cantar a gente surda e endurecida.
ao mar. Baco continua na sua perseguição e Fernão Veloso O favor com que mais se acende o engenho
põe-se a narrar o episódio dos Doze da Inglaterra. Depois, Não no dá a pátria, não, que está metida
festas, banquetes, novas aventuras de cavalaria... Porém, No gosto da cobiça e na rudeza
Baco não descansa: consegue de Netuno uma tremenda
tempestade. A situação é desesperadora. Vênus desce De uma austera, apagada e vil tristeza.
aos mares e obtém das ninfas, de quem os ventos se ena-
moram, que os amansem. (85-91). Avistam de novo terra. Lamenta a pátria que se afunda na decadência e exorta
Vasco da Gama, ao ver as terras de Calicute, prostra-se e o rei para soerguê-la de novo nas galas do esplendor e da
rende graças a Deus. glória.
TAVARES, Hênio. Teoria Literária. 11 ed. rev. e atual. Belo Horizonte:
VII Canto – Em que os lusitanos desembarcam na Villa Rica, 1996 (adaptado).
Índia e ao palácio do Samarim (título dos reis de Calicute),
selando um pacto de amizade.

554 Frente única


Classicismo

Exercícios O texto a seguir é referente às próximas duas questões.


Texto I
1. (EsPCEx – 2014) Epopeia é uma longa narrativa em versos CLIII
que ressalta os feitos de um herói, protagonista de fatos
históricos ou maravilhosos. A maior das epopeias da Criou a Natureza damas belas,
Língua Portuguesa é Os Lusíadas, de Camões, em que o Que foram de altos plectros celebradas;
grande herói celebrado é Delas tomou as partes mais prezadas,
A) Diogo Álvares Correia. E a vós, Senhora, fez do melhor delas.
B) Fernão de Magalhães. Elas diante vós são as estrelas,
C) O Gigante Adamastor. Que ficam com vos ver logo eclipsadas.
D) Vasco da Gama. Mas se elas têm por sol essas rosadas
E) Cristóvão Colombo. Luzes de sol maior, felizes elas!

2. (IFSP – 2014) Em perfeição, em graça e gentileza,


Leia o trecho de Os Lusíadas. Por um modo entre humanos peregrino,
A todo belo excede essa beleza.
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo; Oh! Quem tivera partes de divino
Bramindo, o negro mar de longe brada, Para vos merecer! Mas se pureza
Como se desse em vão nalgum rochedo, De amor vale ante vós, de vós sou digno.
– Ó Potestade, disse, sublimada: (CAMÕES, Luís de. Rimas: Segunda parte, Sonetos. In:

Que ameaço divino ou que segredo Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. p. 529.)

Este clima e este mar nos apresenta, Texto II


34.
Que mor coisa parece que tormenta?
Não acabava, quando uma figura Seu João, perdido de catarata negra nos dois
Se nos mostra no ar, robusta e válida, olhos:
– Meu consolo que, em vez de nhá Biela, vejo
De disforme e grandíssima estatura;
uma nuvem.
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
(NEVES, João Alves das e TUFANO, Douglas. Luís de Ca-
mões. São Paulo: Moderna, 1980.)
As estrofes referem-se ao
A) Velho do Restelo que, devido à sua insanidade e à
sua aparência marcada pela passagem do tempo,
aterroriza os marinheiros portugueses.
B) Velho do Restelo que recrimina os portugueses por
partirem em busca de riquezas, abandonando mu- 3. (UFJF-PISM 3 – 2016) Os textos I e II, ainda que muito
lheres, crianças e idosos à própria sorte. distantes entre si do ponto de vista cronológico, tratam
basicamente do mesmo tema, evidenciando alguns dos
C) Gigante Adamastor, personagem que representa um aspectos atemporais da existência humana. Enquanto em
dos perigos enfrentados pelos portugueses, ressaltan- Camões (texto I) a Senhora é apreciada em cada detalhe
do o lado heroico dos protagonistas. de sua composição, formando um todo perfeito e divino,
D) Gigante Adamastor que, submetido ao comando Seu João de Dalton Trevisan (texto II):
da deusa Vênus, surge para proteger os navegantes A) resigna-se em apreciar sua Senhora apenas de longe.
contra o mar revolto do Cabo das Tormentas. B) idealiza platonicamente a imagem da mulher amada.
E) ao soldado que, obedecendo às ordens do rei de C) foge ao julgamento da beleza exterior de nhá Biela.
Portugal, mata cruelmente Inês de Castro, jovem D) lamenta a cegueira que o impede de ver sua musa.
espanhola amante de D. Pedro. E) contenta-se com a indistinção da figura de nhá Biela.

Frente única 555


Literatura – Coleção 2V

4. (UFJF-PISM 3 – 2016) As referências à Senhora de Camões O texto a seguir é referente às próximas três questões.
(texto I) e à nhá Biela de Dalton Trevisan (texto II) têm
[...] o professor e escritor português Helder Macedo, que, no
em comum:
ensaio Camões e a viagem iniciática, irá contestar a teoria
A) as antíteses reiteradas. da castidade do poeta Camões, argumen­tando que o autor
B) a comparação aos deuses. Luís de Camões, à frente do seu tempo, teria, na verdade,
C) a metáfora celeste. procurado e desenvolvido uma nova filosofia na qual os
D) a aliteração sibilante. valores até então inconciliáveis do ho­mem (o corpo e a
E) a hipérbole da beleza. alma) pudessem, na sua poesia, finalmente se combinar.
Ora, Camões estava, sim, inserido numa Europa qui-
5. (UERN – 2015) Os gêneros literários são empregados com nhentista, que ainda apre­sentava como grandes ícones
finalidade estética. Leia os textos a seguir. poéticos os renascentistas italianos Dante e Petrarca, que,
Busque Amor novas artes, novo engenho, como dissemos, eram defensores do amor não carnal e
em cujos versos a figura feminina era via de regra vista
Para matar-me, e novas esquivanças;
como sím­bolo de pureza. Entretanto, se estes dois poetas
Que não pode tirar-me as esperanças, aprovisionam o seu fazer poético de um caráter platônico
Que mal me tirará o que eu não tenho. indubitável (e não o fazem apenas na arte, mas também
(Camões, L. V. de. Sonetos. Lisboa: Livraria Clássica Editora. 1961. Fragmento.) na vida, haja vista as biográficas paixões inalcançá­veis que
estes nutriam pelas mulheres que se tornariam as suas
Porém já cinco sóis eram passados respectivas musas po­éticas: Beatriz e Laura), a mesma
Que dali nos partíramos, cortando certeza não se pode ter em relação ao poeta por­tuguês.
Os mares nunca doutrem navegados, Isto porque viver na Europa qui­nhentista não faz neces-
Prosperamente os ventos assoprando, sariamente de Luís de Camões um quinhentista genuíno,
Quando uma noite, estando descuidados no sentido ideológico e não temporal da pa­lavra, não
insere obrigatoriamente Camões no pensamento do seu
Na cortadora proa vigiando, tempo, a coadunar, parcial ou totalmente, com a visão
Uma nuvem, que os ares escurece, de mun­do vigente. E serão estas duas possibilida­des,
Sobre nossas cabeças aparece. estes inegociáveis estar e não estar camonianos em sua
(Camões, L. V. Os Lusíadas. Abril Cultural, 1979. São Paulo. Fragmento.) época, que provocarão as dubiedades semânticas que
podemos observar com frequência nas leituras críti­cas
Assinale a alternativa que apresenta, respectivamente, a
de sua poesia.
classificação dos textos.
Marcelo Pacheco Soares, Camões & Camões ou Pede o desejo, Camões, que vos leia. <http://
A) Épico e lírico. C) Lírico e dramático. www.revistavoos.com.br/seer/index.php/voos/article/view/46/01_Vol2_VOOS2009_CL20>.
B) Lírico e épico. D) Dramático e épico.
7. (ESPM – 2017) Segundo o texto:
6. (PUC Camp – 2016) [...] os mitos e o imaginário fan- A) Camões não se enquadra cronologica­mente no qui-
tástico medieval não foram subitamente subtraídos da nhentismo, mas sim ideolo­gicamente.
mentalidade coletiva europeia durante o século XVI. [...] B) alvos da crítica literária, as contradições semânticas
Conforme Laura de Mello e Sousa, “parece lícito considerar são frequentes na produção poética camoniana.
que, conhecido o Índico e desmitificado o seu universo C) Camões produziu uma teoria da castida­de, ao defen-
fantástico, o Atlântico passará a ocupar papel análogo no der o amor puro, não mate­rial, não carnal.
imaginário do europeu quatrocentista”. D) a busca da conciliação entre matéria e es­pírito, corpo
(VILARDAGA, José Carlos. Lastros de viagem: expectativas, projeções e descober- e alma, é um traço típico da lírica camoniana.
tas portuguesas no Índico (1498-1554). São Paulo: Annablume, 2010, p. 197)
E) a consciência das tensões entre corpo e alma, “estar”
Se no século XVI a presença de mitos e do imaginário e “não estar”, faz de Ca­mões um poeta à frente de
fantástico se fazia notar nas artes e na literatura europeia, seu tempo.
como em Os Lusíadas, de Camões, no Brasil isso não
ocorria porque 8. (ESPM – 2017) Ainda de acordo com o texto,
A) as tendências literárias mais sistemáticas no país A) o professor e escritor português citado discorda de
privilegiavam as formas clássicas. uma teoria filosófica nova de­senvolvida por Camões.
B) predominava entre nós a inclinação para as teses do B) a mulher, no quinhentismo, era vista, con­trariando
Indianismo. a regra, como um ser idealizado, puro, inalcançável.
C) nossas manifestações literárias consistiam em descri- C) Camões produziu obras biográficas cujas fontes de
inspirações poéticas eram as fi­guras femininas.
ções informativas e textos religiosos.
D) Camões não seguiu rigidamente os câno­nes renas-
D) os jesuítas opunham-se a qualquer divulgação de centistas da época: o platonismo e o petrarquismo.
literatura calcada em mitos pagãos.
E) paira uma incerteza sobre a genuína influ­ência da
E) não era do interesse do colonizador permitir a difusão
filosofia platônica nos clássicos renascentistas Dante
da alta cultura europeia entre nós. e Petrarca.

556 Frente única


Classicismo

9. (ESPM – 2017) Baseando-se estritamente no ponto de 11. (G1-IFSP – 2016) Considerando o Classicismo em Portu-
vista teorizado no texto (e não no sentido amplo da obra gal, assinale a alternativa CORRETA.
camoniana), Camões pode­ria ser vinculado a uma das A) Os Lusíadas é a principal obra lírica de Camões
definições abai­xo, que caracterizam períodos da História e o tema central é o sofrimento por um amor não
da Literatura. Assinale-a: correspondido.
A) “Obediente a estritas normas de cortesia – o ‘amor cor- B) Os Lusíadas tem como temática a descoberta do
tês’ –, rendia vassalagem ab­soluta à dama, prometia Brasil e a relação entre o colonizador e o índio.
servi-la e respei­tá-la fielmente, ser discreto embora C) Luís Vaz de Camões é o principal autor do Classicismo
ciu­mento, empalidecer na sua presença...” em Portugal e destacou-se por sua produção épica
B) “visão de mundo centrada na ideia do va­lor essencial e lírica.
e supremo do Homem, em oposição às teorias que
D) Uma característica dos versos de Camões é que eles
privilegiam a Na­tureza, a realidade física ou concreta.”
não apresentam uma métrica, são livres e brancos.
C) “Entendido ora como liame entre a Renas­cença e o Barro-
E) Uma característica de Camões é que ele desprezava
co, ora como uma tendên­cia autônoma e diferenciada...” Portugal e o povo português.
“É marca­do pela contradição e o conflito e assumiu na
vasta área em que se manifestou varia­das feições.” 12. (Unicamp – 2021) Leia o poema e responda à questão
D) “A envolvente estesia verbal ... ‘distraía’ a consciência que se segue.
do pecado ou do erro, simbo­lizado na prática de uma
vida não cristã e não católica.” A fermosura desta fresca serra
e a sombra dos verdes castanheiros,
E) “...pregavam, na esteira de Horácio, a ‘áurea mediocri-
dade’, ou seja, a dourada mediania existencial, trans- o manso caminhar destes ribeiros,
corrida sem so­bressaltos, sem paixões ou desejos.” donde toda a tristeza se desterra;

10. (Unicamp – 2021) Mudam-se os tempos, mudam-se as o rouco som do mar, a estranha terra,
vontades, o esconder do Sol pelos outeiros,
Muda-se o ser, muda-se a confiança: o recolher dos gados derradeiros,
Todo o mundo é composto de mudança, das nuvens pelo ar a branda guerra;
Tomando sempre novas qualidades. enfim, tudo o que a rara natureza
Continuamente vemos novidades, com tanta variedade nos oferece,
Diferentes em tudo da esperança: se está, se não te vejo, magoando.
Do mal ficam as mágoas na lembrança, Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
E do bem (se algum houve) as saudades.
sem ti, perpetuamente estou passando,
O tempo cobre o chão de verde manto, nas mores alegrias, mor tristeza.
Que já coberto foi de neve fria,
É CORRETO afirmar que, no soneto de Camões,
E em mim converte em choro o doce canto.
A) a beleza natural aborrece o eu lírico, uma vez que se
E afora este mudar-se cada dia, transforma em objeto de suas maiores tristezas.
Outra mudança faz de mor espanto, B) a variedade da paisagem está em harmonia com o
Que não se muda já como soía*. sentimento do eu lírico porque a relação amorosa é
(Luís Vaz de Camões) imperfeita.
C) a harmonia da natureza consola o eu lírico das im-
*soía: terceira pessoa do pretérito imperfeito do indicativo
perfeições da vida e da ausência da pessoa amada.
do verbo “soer” (costumar, ser de costume).
D) a singularidade da natureza entristece o eu lírico
(Luís de Camões, 20 sonetos. Campinas: Editora da Unicamp, p.91.)
quando ele está distante da pessoa amada.
Indique a afirmação que se aplica ao soneto escrito por
Camões.
A) O poema retoma o tema renascentista da mudança
das coisas, que o poeta sente como motivo de espe-
rança e de fé na vida.
B) A ideia de transformação refere-se às coisas do mun-
do, mas não afeta o estado de espírito do poeta, em
razão de sua crença amorosa.
C) Tudo sempre se renova, diferentemente das esperan-
ças do poeta, que acolhem suas mágoas e saudades.
D) Não apenas o estado de espírito do poeta se altera,
mas também a experiência que ele tem da própria
mudança.

Frente única 557


Capítulo 06
Literatura de Informação e
Catequese
Quinhentismo: Literatura de apoiado mais em fantasias que em fatos reais. Para reconstruí-lo,
precisavam agora de um novo tipo de narrativa, diferente da de
informação Marco Polo, apoiada mais na observação do que realmente se
encontrava nesses “novos mundos” – o mundo não se constituía
As primeiras manifestações literárias sobre a América estão ainda numa realidade minimamente integrada –, o que não
delimitadas por seu caráter informativo e expressam, sem gran- quer dizer que não tenham sido criadas novas fantasias. Mas
des intenções artísticas, os contatos do europeu com o Novo agora o fantasioso deixava de ser dominante e importavam mais
Mundo. São documentos a respeito das condições gerais da terra os elementos da observação direta do que havia nas terras e de
conquistada. Neles, se descrevem os problemas, as prováveis como eram as gentes. (RONCARI, 1995, p. 26).
riquezas, as lutas de dominação, a paisagem física e humana etc.
Nesse sentido, conforme Luiz Roncari1, a Carta ao rei Dom
No início, tudo são flores: a visão europeia sobre as terras Manuel, escrita por Pero Vaz de Caminha, e as de outros es-
recém-descobertas é idílica. Dentro da tradição utópica do Re- crivães e cronistas, voltadas para suprir essas “necessidades
nascimento, a América surge como o paraíso perdido, local de europeias” da época, “pertencem ao gênero de relato, que
maravilhas e abundância, seduzindo pela imaginação, com os se constituiu com vistas a reconstruir o imaginário europeu
nativos sendo descritos de forma deslumbrante, como se pode a partir de novos valores e de uma nova visão de mundo”
observar na Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel.
(RONCARI, 1995, p. 26). Para Roncari, isso evidencia que a
Entretanto, com o tempo, a visão idílica e paradisíaca se Carta é muito mais uma obra pertencente à história da
transforma. Para o colonizador, embora a natureza continue literatura portuguesa, no capítulo das suas narrativas de
exuberante, os habitantes da terra passam a ser descritos viagens. O Brasil, ainda segundo Roncari, entra apenas como
como boçais e selvagens, como se verifica nos relatos de Pero objeto da narrativa: é sobre suas terras e seus primeiros
de Magalhães Gândavo. habitantes que ela discorre.
Além das primeiras imagens da terra e dos homens, tam-
bém podemos observar na Carta os valores éticos e materiais
que orientavam o interesse português sobre as realidades
deste mundo novo, e como, ao registrar pela escrita as im-
pressões do encontro, o relato fixa o choque e o contraste
entre esses valores portugueses e os dos indígenas. (RONCARI,
1995, p. 28).
A Carta, escrita numa sequência cronológica, se aproxima
de um diário, exibe os principais acontecimentos da viagem da
frota capitaneada por Pedro Álvares Cabral ao Brasil, desde a
partida de Belém, em 9 de março de 1500, até a despedida da
Desembarque de Cabral em Porto Seguro, óleo sobre tela de Oscar
Ilha de Vera Cruz, no dia primeiro de maio do mesmo ano. O
Pereira da Silva (1922). Acervo do Museu Histórico Nacional (Rio de texto ficou guardado na Torre do Tombo, em Lisboa, até 1773,
Janeiro). quando foi descoberto por José de Seabra da Silva. A Carta
Disponível em: http://super.abril.com.br/blogs/superlistas/8-explora- não exerceu nenhuma influência sobre escritores portugueses
dores-e-suas-viagens/ e brasileiros até 1817, quando foi publicada pela primeira vez
,sob orientação do padre Manuel de Aires Casal, pela imprensa
Para se ressituarem no mundo, agora mais amplo, aberto, régia do Rio de Janeiro. O texto foi mutilado em suas partes mais
variado, composto de novas terras, novos homens, costumes picantes, ou seja, as ousadas descrições das “vergonhas” das
e civilizações, os europeus dependiam de informações, relatos indígenas. Somente no século XX, com a supervisão de Carolina
e narrativas de todo o tipo. Junto com as representações que Michaëllis e de Jaime Cortesão, é que a Carta foi devidamente
tinham do mundo, sucumbe também o imaginário, construído e apresentada ao público, alcançando enorme repercussão.

558 Frente única


Literatura de Informação e Catequese

Vários poetas modernistas, dotados de forte senso crítico, do índio, assim como a dificuldade e a incapacidade do europeu
se apropriaram da Carta para uma revisão de leitura do país. para compreender que poderia existir um outro tipo de ordem
Oswald de Andrade, em seu livro de poemas Pau-Brasil, no social e cultural diferente da vigente em Portugal e na Europa.
texto As meninas da gare, recorta a passagem da descrição Para Gândavo, o mundo do indígena era o da desordem, pois
das índias nuas e desloca-as para o espaço da estação ferro- tinham, de acordo com sua ótica europeia, uma vida bestial.
viária, com viés crítico, descarrilando o sentido e antecipando Diante daquilo que observa e vê, Gândavo se mantém inteiro
a questão da exploração sexual, da prostituição nativa pelo como um europeu renascentista, portador da cultura cristã. Isso
colonizador. Observe, primeiramente, o excerto da Carta e, fica claro ao comentar como vê os indígenas e o que eles não
depois, o poema de Oswald: têm. Falando do outro, acaba dizendo de si mesmo. Primeiro
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças pelos termos que usa, equipara os indígenas às plantas, depois,
e bem gentis, com cabelos muito pretos compridos pelas aproxima-os de animais, afirmando que vivem feito brutos sem
espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas, e ordem, destituídos de razão. Como plantas ou como animais, os
tão limpas das cabeleiras, que de as nós muito bem olhar- indígenas estariam mais próximos do estado da natureza, como
mos não tínhamos nenhuma vergonha. seres rústicos distintos dos humanos, sem razão e desprovidos
de qualquer traço de civilização e cultura.
Aliás, é importante observar que, para a cultura de algumas
As meninas da gare épocas e suas escolas literárias, como a romântica e a modernis-
Eram três ou quatro moças bem moças e ta, por razões diferentes, essa maior proximidade da natureza
[bem gentis será um valor positivo, mas, para Gândavo, é negativo. Nesse
sentido, comenta que na língua deles, indígenas, não existe
Com cabelos mui pretos pelas espáduas F, nem L, nem R; sendo assim, para o autor, os indígenas não
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas teriam Fé, nem Lei, nem Rei, vivendo dessa maneira sem justiça
Que de nós as muito bem olharmos e desordenadamente. Com isso, o português depreende que
os indígenas não têm nenhuma daquelas instituições que
Não tínhamos nenhuma vergonha
caracterizavam a vida na Europa do século XVI.
Portanto, Gândavo não faz mais do que reafirmar a visão
Murilo Mendes, em História do Brasil, faz caricatura da fer- eurocêntrica do colonizador branco em relação ao Novo Mundo.
tilidade de nossa terra. Leia o trecho da Carta e, em seguida, o Isso também se encontra em Caminha, mas o escrivão da frota
poema de Murilo Mendes. de Cabral se refere sempre aos indígenas como “homens da
terra” e não como índios e, quando os compara aos animais, o
E de tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, dar-se-á
nela tudo, por bem das águas que tem. Porém, o melhor fruto faz de forma valorativa.
que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente. Esta
deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.

A terra é mui graciosa,


Tão fértil eu nunca vi
A gente vai passar,
No chão espeta um caniço,
No dia seguinte nasce
Bengala de castão de ouro.
Tem goiabas, melancias. Matando o prisioneiro, por Theodore de Bry (1592).
Banana que nem chuchu. Há de se destacar, em Gândavo, a descrição que faz, com
riqueza e precisão de detalhes, do ritual antropofágico, desde
Outro observador e cronista das terras brasileiras foi Pero de o percurso do capturado vivo na guerra até seu sacrifício. O
Magalhães Gândavo. Esse português esteve no Brasil entre 1565 autor mostra com que caráter heroico o prisioneiro enfrenta
e 1570. Por essa época, Portugal já havia definido sua política a morte, preferindo morrer valentemente a fugir e viver. O
de ocupação e colonização do Brasil, reservando alguns papéis ritual antropofágico que descreve faz com que tudo pareça
para os brancos vindos da Metrópole e outros para os indígenas. estar acontecendo no momento da leitura. De certo modo,
Em seu Tratado da terra do Brasil, Gândavo tem uma inten- ele encena um sacrifício para falar do ritual. O sentido de todo
ção bastante clara: a de exaltar aos portugueses a abundância e o ritual pode ser revertido: de vítima, o prisioneiro pode se
as qualidades das terras brasileiras, com a finalidade de atraí-los transformar em grande vitorioso, encontrando ali o momento
para aqui se fixarem. de realização mais plena de seu valor diante dos demais; esco-
lhendo a morte, o prisioneiro torna-se digno de ser comido. A
Gândavo descreve principalmente aquilo que os indígenas morte confere valor ético à carne do seu corpo, pois aqueles
têm de diferente do europeu. A partir de suas observações, po- que matam acreditam que, comendo a vítima, adquirem sua
demos apreender a distância entre a vida do branco europeu e a valentia e sua coragem.

Frente única 559


Literatura – Coleção 2V

se tornassem mais atraentes por meio do trabalho artístico.


A arte, nesse caso, não cumpria uma função propriamente
estética, podendo-se afirmar que seu conteúdo era de maior
relevância que sua forma.
O representante de maior ressonância da literatura de catequese
é o padre José de Anchieta. Tendo chegado ao Brasil em 1553,
a pedido do também padre Manuel da Nóbrega, ele se envolveu
intensamente com os índios, tornando-se não apenas professor e
catequizador, mas também um defensor dos nativos. Suas obras
são todas de inspiração religiosa, transformando-se em veículos de
doutrinação cristã. Lembremos que, nessa época, a Igreja Católica
Banquete ritual, por Theodore de Bry (1592). vive embates decisivos com o protestantismo. Era importante, assim,
Enfim, Gândavo combina observações documentais preciosas garantir que as novas possessões se transformassem em novos
sobre os indígenas e seus costumes – com juízos decorrentes de terrenos para a expansão do catolicismo.
uma posição mais rígida e fixa, a qual jamais ele abandona –, que Um dos poemas mais famosos do Pe. José de Anchieta, que
hoje podem nos apoiar nas representações desse indígena, seja serve de exemplo do que foi a literatura de catequese, é o poema
para se comparar com o outro (como fez Montaigne, em seus A Santa Inês, feito em homenagem à chegada de uma imagem
Ensaios), seja para observar seus valores, grandezas ou possibili- da santa ao Brasil. Escrito em redondilha menor e amparado por
dade (como fez Caminha, na sua Carta ao rei Dom Manuel), seja rara simplicidade, esse poema revela como a arte quinhentista
ainda para se colocar no lugar do outro e observar a si mesmo praticada no Brasil está estreitamente vinculada à realidade
(como fizeram os modernistas, no Brasil, principalmente Mário imediata da Colonização, distante dos ideais estéticos que então
de Andrade, em Macunaíma). vigoravam na Europa, todos eles colhidos do Renascimento.

Cordeirinha linda,
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo!
Cordeirinha santa,
de Iesu querida,
vossa santa vinda
o diabo espanta.
Por isso vos canta,
com prazer, o povo,
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.
Nossa culpa escura
fugirá depressa,
pois vossa cabeça
Pôster do filme Hans Staden dirigido por Luiz Alberto Pereira. O protag- vem com luz tão pura
onista homônimo naufraga no litoral de Santa Catarina, chegando a
Vossa formosura
São Vicente, onde se concentra a colônia portuguesa na região. Ao sair
em busca de um escravo, o alemão se vê capturado por tupinambás e é honra é do povo,
levado para a Aldeia Abatuaba, para ser devorado em um ritual antro- porque vossa vinda
pofágico. lhe dá lume novo.
Virginal cabeça
pola fé cortada,
Quinhentismo: Literatura de com vossa chegada,
catequese já ninguém pereça.

No Brasil do século XVI, não houve apenas a prática de uma Vinde mui depressa
literatura de informação. Os padres jesuítas que aqui aporta- ajudar o povo,
ram utilizaram a literatura e o teatro como instrumento de pois com vossa vinda
mediação entre a fé cristã e o paganismo dos povos indígenas. lhe dais lume novo.
Conhecida como literatura de catequese, seu fundamento ób-
[...]
vio era auxiliar na conversão dos indígenas, fazendo com que
certos conceitos de difícil absorção por parte dos autóctones (Pe. José de Anchieta)

560 Frente única


Literatura de Informação e Catequese

Exercícios 3. (PUC Camp – 2017) Do Brasil descoberto esperavam


os portugueses a fortuna fácil de uma nova Índia.
1. (IFSP – 2016) Leia, abaixo, o fragmento da História da Mas o pau-brasil, única riqueza brasileira de simples
Província de Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gândavo, extração antes da “corrida do ouro” do início do século
para responder à questão. XVIII, nunca se pôde comparar aos preciosos produtos
Finalmente que como Deus tenha de muito longe esta do Oriente. [...] O Brasil dos primeiros tempos foi o
terra dedicada à cristandade, e o interesse seja o que mais objeto dessa avidez colonial. A literatura que lhe
leva os homens trás si que nenhuma outra coisa haja na corresponde é, por isso, de natureza parcialmente
vida, parece manifesto querer entretê-los na terra com superlativa. Seu protótipo é a carta célebre de Pero
esta riqueza do mar até chegarem a descobrir aquelas Vaz de Caminha, o primeiro a enaltecer a maravilhosa
grandes minas que a mesma terra promete, para que fertilidade do solo.
assim desta maneira tragam ainda toda aquela bárbara (MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides − Breve história
gente que habita nestas partes ao lume e ao conhecimen- da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977, p. 3-4)
to da nossa santa fé católica, que será descobrir-lhe outras
minas maiores no céu, o qual nosso Senhor permita que Uma vez que se considere que o conceito de literatura,
assim seja, para glória sua, e salvação de tantas almas. compreendida como um autêntico sistema, supõe a
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. História da Província de Santa Cruz. presença ativa de escritores, a publicação de obras e a
Org. Ricardo Martins Valle. Introd. e notas Ricardo Martins Valle e resposta de um público, entende-se que
Clara Carolina Souza Santos. São Paulo: Hedra, 2008. p. 115. I. ainda não ocorreu no Brasil a vigência plena de um
A leitura atenta do texto permite afirmar que sistema literário, capaz de expressar aspectos mais
A) nos textos de informação estavam consorciados o complexos de nossa vida cultural.
projeto de exploração das novas terras descobertas II. os primeiros documentos informativos sobre a terra a
e o de difusão da fé cristã. ser colonizada devem ser vistos como manifestações
B) o autor julga desinteressante a perspectiva de explo- literárias esparsas, ainda não sistemáticas.
ração mercantil do Brasil, preferindo a ela o projeto III. a carta de Caminha e os textos dos missionários
de difusão da fé cristã. jesuíticos fazem ver desde cedo a formação de um
C) o autor condena os homens ambiciosos e interessei- maduro sistema literário nacional.
ros, que preferem a exploração mercantil ao projeto Atende ao enunciado o que está APENAS em
abnegado de difusão da fé cristã.
A) I.
D) o autor condena a hipocrisia dos que afirmam em-
preender em nome da fé cristã, mas que apenas se B) II.
interessam pelas “grandes minas” a descobrir. C) III.
E) havia discrepância e dissenso entre o projeto de ex- D) I e II.
ploração das novas terras descobertas e o de difusão E) II e III.
da fé cristã.
4. (UCS RS)
2. (G1-IFSP – 2016) A respeito do Quinhentismo no Brasil,
marque (V) para verdadeiro ou (F) para falso e assinale a Com base na Carta do Achamento, de Pero Vaz de Ca-
alternativa CORRETA. minha, considere as seguintes afirmações.
( ) A principal obra do período foi A moreninha, de I. Na Carta, o escrivão Caminha descreve o descobri-
Joaquim Manuel de Macedo, cuja temática era o índio mento de uma nova terra, chamando a atenção para a
brasileiro. beleza natural, a fertilidade, a cordialidade dos índios
e as riquezas.
( ) Consta que o primeiro texto escrito no território do
Brasil foi a Carta de Pero Vaz de Caminha, em que II. No texto, é possível perceber um dos objetivos da
registra suas impressões sobre a terra recém-desco- expansão marítima de Portugal: catequização dos
berta. gentios para a ampliação do mundo cristão.
( ) Entre as publicações daquela época, encontram-se III. A Carta, um dos relatos que fazem parte da literatura
cânticos religiosos, poemas dos jesuítas, textos des- informativa sobre o Brasil, é considerada mais um
critivos, cartas, relatos de viagem e mapas. documento histórico do que uma obra literária.
( ) A produção das obras escritas naquele período Das afirmativas acima, pode-se dizer que
apresenta um caráter informativo, documentos que A) apenas I está correta.
descreviam as características do Brasil e eram envia- B) apenas III está correta.
dos para a Europa.
C) apenas I e II estão corretas.
A) V, V, V, F. D) V, F, V, V.
D) apenas II e III estão corretas.
B) F, V, F, V. E) F, V, V, V.
E) I, II e III estão corretas.
C) F, V, V, F.

Frente única 561


Literatura – Coleção 2V

5. (UFSM – 2015) Os hábitos alimentares estão entre os 7. (UFLA – 2000) Todas as alternativas são corretas sobre o
principais traços culturais de um povo. Era de se esperar, Padre José de Anchieta, EXCETO:
portanto, que houvesse alguma menção sobre o assunto A) Foi o mais importante jesuíta em atividade no Brasil
no primeiro contato entre os portugueses e os nativos, do século XVI.
conforme relatado na Carta de Pero Vaz de Caminha.
B) Foi o grande orador sacro da língua portuguesa, com
De fato, Caminha escreve a respeito da reação de dois
seus sermões barrocos.
jovens nativos que foram ate a caravela de Cabral e que
experimentaram alimentos oferecidos pelos portugueses: C) Estudou o tupi-guarani, escrevendo uma cartilha
sobre a gramática da língua dos nativos.
Deram-lhe[s] de comer: pão e peixe cozido, confeitos,
bolos, mel e figos passados. Não quiseram comer quase D) Escreveu tanto uma literatura de caráter informativo
nada de tudo aquilo. E se provavam alguma coisa, logo a como de caráter pedagógico.
cuspiam com nojo. Trouxeram-lhes vinho numa taça, mas E) Suas peças apresentam sempre o duelo entre anjos
apenas haviam provado o sabor, imediatamente demons- e diabos.
traram não gostar e não mais quiseram. Trouxeram-lhes
água num jarro. Não beberam. Apenas bochechavam, Texto para as próximas duas questões:
lavando as bocas, e logo lançavam fora. Texto I
Fonte: CASTRO, Silvio (org.) A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 2003, p. 93. A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segun-
A partir da leitura do fragmento, são feitas as seguintes da-feira, 9 de março. [...] E domingo, 22 do dito mês, às
afirmativas: dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das
I. No fragmento, ao dar destaque às reações dos nati- ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau [...].
vos frente à comida e a bebida oferecidas, Caminha E assim seguimos nosso caminho por este mar de longo,
registra o comportamento diferenciado deles quanto até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram
aos itens básicos da alimentação de um europeu. vinte e um dias de abril, estando da 8dita ilha obra de
660 léguas, segundo os pilotos diziam, 1topamos alguns
II. No fragmento, percebe-se a antipatia de Caminha
sinais de terra, os quais eram muita quantidade de 5ervas
pelos nativos, o que se confirma na leitura do restante
compridas, a que os 4mareantes chamam 6botelho [...].
da carta quanto a outros aspectos dos indígenas,
E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a
como sua aparência física.
que chamam 7fura-buxos. Neste dia, a horas de véspera,
III. O predomínio de verbos de ação, numa sequência de 2
houvemos vista de terra!
eventos interligados cronologicamente, confere um 9
Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo
teor narrativo ao texto.
[...]; ao monte alto o capitão pôs o nome de 3O Monte
Está(ão) CORRETA(s) Pascoal, e à terra, A Terra de Vera Cruz.
A) apenas I. D) apenas I e III. Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal
B) apenas II. E) I, II e III. Texto II
C) apenas II e III. A descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
6. (Mackenzie) Considere as seguintes afirmações acerca
do texto: Até a oitava Páscoa
I. Constituído de citações do texto I, compõe uma Topamos aves
unidade poética autônoma que atualiza o sentido da E houvemos vista de terra
carta de Pero Vaz de Caminha. Oswald de Andrade, “Pero Vaz Caminha”
II. O poeta chamou de A descoberta o que na verdade
é apropriação de outro texto, sugerindo que a desco- 8. (UFV MG) Sobre José de Anchieta é INCORRETO afirmar
berta do Brasil possa também ser entendida como um que:
tipo de apropriação. A) cultivou especialmente os autos, buscando, na ale-
III. A ideia de renovação da tradição já está insinuada no goria, tornar mais acessíveis às mentes indígenas os
trocadilho do título da coletânea: “Pero Vaz Caminha”. conceitos e os dogmas do cristianismo.
IV. A ausência de elementos de coesão entre os versos B) no teatro, o “Auto de São Lourenço” destaca-se como
resulta num conjunto fragmentado de frases nomi- obra catequética de influência medieval.
nais, traço de estilo que lembra a estética futurista.
C) na poesia lírica encontram-se suas mais belas com-
Assinale: posições, expressivas de uma fé profunda.
A) se todas as afirmações estiverem corretas. D) apesar de pautada na língua e na cultura do índio, sua
B) se todas as afirmações estiverem incorretas. produção literária não se caracteriza como literatura
C) se apenas as afirmações I e III estiverem corretas. já tipicamente brasileira.
D) se apenas as afirmações I, II e III estiverem corretas. E) sua obra teatral, marcadamente alegórica e anti-reli-
E) se apenas as afirmações I, III e IV estiverem corretas. giosa, moldou-se nos padrões renascentistas.

562 Frente única


Literatura de Informação e Catequese

9. (CFTCE) No período compreendido entre o descobrimen- Exercícios Enem


to do Brasil e o ano de 1601, produziu-se, no Brasil a lite-
ratura informativa, cuja temática está resumida na opção: 12. (2013 – 1a aplicação)
A) a vida dos habitantes nativos. Texto I
B) o perfil físico, étnico e cultural da nova terra. Andaram na praia, quando saímos, oito ou dez deles;
C) o modelo de catequese adotado pelos jesuítas. e daí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que
viriam, este dia, à praia, quatrocentos ou quatrocentos e
D) as aventuras do europeu descobridor.
cinquenta. Alguns deles traziam arcos e flechas, que todos
E) a política predatória de Portugal em relação ao Brasil. trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes
davam. […] Andavam todos tão bem-dispostos, tão bem
10. (Mackenzie) Assinale a alternativa CORRETA acerca do feitos e galantes com suas tinturas que muito agradavam.
texto I. CASTRO, S. “A carta de Pero Vaz de Caminha”. Por-
A) Trata-se de documento histórico que inaugura, to Alegre: L&PM, 1996 (fragmento).
em Portugal, um novo gênero literário: a literatura Texto II
epistolar.
B) Exemplifica a literatura produzida pelos jesuítas bra-
sileiros na colônia e que teve como objetivo principal
a catequese do silvícola.
C) Apesar de não ter natureza especificamente artística,
interessa à história da literatura brasileira na medida
em que espelha a linguagem e a respectiva visão de
mundo que nos legaram os primeiros colonizadores.
D) Pertence à chamada crônica histórica, produzida
no Brasil durante a época colonial com objetivos
políticos: criar a imagem de um país soberano, eman-
cipado, em condições de rivalizar com a metrópole.
E) É um dos exemplos de registros oficiais escritos por
historiadores brasileiros durante o século XVII, nos
quais se observam, como característica literária, traços
do estilo barroco.

11. (FMJ SP – 2012) Leia o trecho d’A Carta, de Pero Vaz


de Caminha.
E dali avistamos homens que andavam pela praia. [...]
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas ver-
gonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham to- Pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, a carta
dos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes de Pero Vaz de Caminha e a obra de Portinari retratam a
fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. chegada dos portugueses ao Brasil. Da leitura dos textos,
Glossário: batel: pequena embarcação constata-se que
depuseram: abaixaram A) a carta de Pero Vaz de Caminha representa uma das
(Adaptado) primeiras manifestações artísticas dos portugueses
em terras brasileiras e preocupa-se apenas com a
O texto caracteriza-se como
A) um diário pessoal tratando da recepção hostil que os estética literária.
descobridores portugueses tiveram logo que aporta- B) a tela de Portinari retrata indígenas nus com corpos
ram na costa brasileira. pintados, cuja grande significação é a afirmação da
B) uma narrativa ficcional acerca da vinda da Família Real arte acadêmica brasileira e a contestação de uma
ao Brasil devido à ameaça de invasão do território linguagem moderna.
português pelas tropas napoleônicas. C) a carta, como testemunho histórico-político, mostra
C) um documento histórico relatando o primeiro contato o olhar do colonizador sobre a gente da terra, e a
entre os colonizadores portugueses e os nativos bra- pintura destaca, em primeiro plano, a inquietação
sileiros, posteriormente chamados de índios. dos nativos.
D) uma sátira bem-humorada descrevendo os costumes D) as duas produções, embora usem linguagens dife-
dos portugueses recém-chegados ao Brasil e as difi- rentes — verbal e não verbal —, cumprem a mesma
culdades de adaptação à nova terra. função social e artística.
E) uma narrativa épica sobre o encontro da esquadra de
Vasco da Gama com os habitantes nativos de Melinde, E) a pintura e a carta de Caminha são manifestações de
na costa oeste do Continente Africano. grupos étnicos diferentes, produzidas em um mesmo
momentos histórico, retratando a colonização.

Frente única 563

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