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CURSO DE

ERGONOMIA

MÓDULO III

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MÓDULO III

3 AS APLICAÇÕES EM ERGONOMIA: FOCO NA SAÚDE E QUALIDADE DE


VIDA DO TRABALHADOR

A Ergonomia vislumbra estratégias que permitam melhorias nas condições


de trabalho, fazendo com que as atividades laborais sejam mais “humanizadas”.
Especificamente nas atuações em Ergonomia, pode-se observar as relações com a
saúde e segurança do trabalhador. Na Ergonomia física, por exemplo, estas
questões ficam evidentes, uma vez que a Associação Internacional e Brasileira de
Ergonomia insere termos como a saúde e segurança para conceituar a área.
Os quadros de adoecimento vêm sendo associados às atividades
desenvolvidas nas horas trabalhadas. A realização das atividades de trabalho por si
só pode apresentar algumas problemáticas que, muitas vezes, são características
de determinadas profissões. A exemplo destas questões, pode-se citar a profissão
de bancários, que segundo o contexto histórico, é permeada por doenças mentais e
de lesões por esforços repetitivos (PENNELLA, 2000), que na década de 90
assumiram um caráter de adoecimento coletivo da categoria.
Outras atividades que demonstram problemas com relação à saúde são os
frigoríficos que demandam de movimentos repetitivos e mantêm seus trabalhadores
sob condições de baixas temperaturas.
Recentemente, a mídia (GAZETA, 2010) apresentou uma reportagem sobre
as irregularidades trabalhistas em uma empresa de grande porte que apresenta
atividades em frigoríficos. Segundo a entrevista, o Ministério Público do Trabalho no
Paraná encontrou irregularidades trabalhistas na unidade da empresa, e por isso
entrou com ação na Justiça do Trabalho. O órgão pede que a empresa tenha que
pagar indenização de R$ 50 milhões por dano social. As irregularidades foram
associadas ao trabalho sob frio excessivo e aos movimentos repetitivos realizados

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pelos trabalhadores. Além disso, as normas de segurança e saúde também não
eram cumpridas pela empresa.
Outras irregularidades que, segundo o procurador do caso, eram cometidas
na unidade da Sadia em Toledo foram: falta de repouso semanal remunerado e de
pagamento de horas-extras, e horários irregulares de intervalo. O procurador
analisou os dados de afastamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e
constatou que alguns trabalhadores apresentavam doenças ocupacionais.

Dentre as ações que poderiam ter sido adotadas para diminuir/minimizar o


impacto do trabalho foram citadas: os cuidados ergonômicos, instituição de rodízios
eficazes, pausas, diminuição do ritmo de trabalho, adequação do mobiliário, dentre
outras.
De forma geral, a mecanização e automatização do trabalho, tão comum
hoje, relacionadas ao desenvolvimento tecnológico conseguido ao longo dos anos,
muitas vezes, afeta negativamente o estilo de vida do indivíduo (MACIEL, 2007).
Neste contexto, Silva et al. (2010) indicam que a atividade física vem sendo
compreendida como uma prática fundamental ao ser humano no sentido do seu
bem-estar global, entendido sob os pontos de vista: físico, emocional, social,
intelectual e até espiritual. Para os autores, a prática regular de atividades físicas é
um método saudável e que auxilia na prevenção de várias enfermidades e
manutenção da saúde.
As relações entre saúde/trabalho/adoecimento são muitas vezes
influenciadas pelo estilo de vida que o indivíduo leva ao longo dos anos.
Consequentemente, a prática de algum tipo de exercício é influenciado pelo nível

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pessoal (interesses, tempo, medos, idade, sexo, nível socioeconômico), ambiente
social (família, cultura, clima social), ambiente físico: natural (praias, lagos, planícies)
ou construído (calçadas, ciclovias, pistas de caminhada). O ambinte de trabalho
também pode atuar como fator de influência para se aderir a um estilo fisicamente
ativo.
A realização de algum tipo de exercício físico vem sendo indicado como uma
prática benéfica tanto para a saúde quanto para a realização do trabalho. Porém, o
estudo de Salles-Costa et al. (2003) indicou, por exemplo, uma prevalência de
inatividade física, principalmente relacionada às atividades de lazer. Recentemente,
o estudo de Papini et al. (2010) identificou que a disposição no fim da jornada de
trabalho foi associada à inatividade física no lazer, mostrando que trabalhadores que
têm alguma disposição depois do trabalho são mais ativos no tempo de lazer.
Muitas vezes, é verdade, não há tempo para a prática de um tipo de
exercício físico sistemático e regular quando considerado aqueles momentos que
seriam para o lazer.
Porém, a regulamentação do trabalho já vislumbra destinação às atividades
de no máximo oito horas diárias justamente para o indivíduo ter atividades de lazer e
participação na vida familiar – a chamada combinação entre entre trabalho, vida
pessoal e vida familiar (LEE, MCCANN e MESSENGER, 2009). O Escritório da
Organização Internacional do Trabalho (2009) ainda complementa informando que a
conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar está intrinsecamente
relacionada ao conceito de trabalho decente, principalmente no que tange à
liberdade, inexistência de discriminação e capacidade de assegurar uma vida digna
a todas as pessoas que vivem de seu trabalho.

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De fato, apesar da relevância em se manter um estilo de vida fisicamente
ativo e das indicações de redução das taxas de mortalidade e morbidade por
doenças cardiovasculares (PAFFENBARGER et al., 1978), diabetes, dislipidemias
(PAFFENBARGER e HALE, 1975), como também no aumento da autoestima e
redução da depressão e do isolamento social (GAUVIN e SPENCE, 1996), há em
diversos países diminuição da realização de exercícios físicos (MARTINEZ-
GONZALEZ et al., 1999; TROIANO et al., 2001).
Os problemas em não se ter estratégias preventivas ou de controle para a
manutenção de um estilo de vida ativo estão associados ao fato do
descondicionamento, que segundo Pereira, Teixeira e Etchepare (2006) leva,
consequentemente a uma fragilidade, por exemplo no sistema musculoesquelético.
Os autores ainda apresentam o ciclo do envelhecimento, idealizado por
Nóbrega et al. (1999), sendo que para a presente proposta também pode ser feita
uma analogia em relação à inatividade física e problemas encontrados no trabalho –
problemas ocupacionais (Figura 13). Além de se estar associada ao envelhecimento,
a inatividade física pode comprometer as funções corporais e, teoricamente, aqueles
indivíduos mais condicionados fisicamente poderão se apresentar mais adaptados
às atividades do trabalho.

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FIGURA 13 – CLICLO VISIOSO INATIVIDADE FÍSICA - PROBLEMAS NO
TRABALHO

FONTE: Adaptado de Pereira, Teixeira e Etchepare: O envelhecimento e o sistema músculo


esquelético. Lecturas Educación Física y Deportes, v. 11, n. 101, 2006.

Lopes, Mello e Ventura (2006) indicam que os problemas ocupacionais são


previstas pela CLT (Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991) que considera no Art. 20
como sendo equivalentes aos acidentes do trabalho dois tipos de doenças: 1)
doença profissional e 2) doença do trabalho. Ambas são mencionadas nos incisos I
e II, assim como segue:

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Inciso I do Art. 20 – doença profissional → é entendida como aquela
produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo
Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
Inciso II do Art. 20 – doença do trabalho → é entendida como aquela
adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o
trabalho é realizado e com ela se relacione diretamente, constante da
relação mencionada no inciso I. No entanto, apesar da legislação igualar
doença e acidente de trabalho, eles se distinguem em dois aspectos, o
etiológico e o cronológico.

Lopes, Mello e Ventura (2007) indicam que o acidente é, geralmente,


arrebatador e inesperado, enquanto que a doença se desenvolve num processo, isto
é, no decorrer de um período, sendo que o acidente apresenta uma causa externa.
Além disso, segundo os mesmos autores, a doença, na maioria das vezes, possui
uma causa interna, como geralmente ocorre com as doenças orgânicas comuns.
Outra diferença destacada é que um acidente pode ser provocado,
intencionalmente, pelo operário, enquanto a doença não.
Em se tratando das atividades no trabalho, os afastamentos podem em
alguns casos ser incapacitantes de forma a causar impossibilidade de retorno. Os
desfechos dos acidentes de trabalho e/ou doenças profissionais com os tipos de
benefícios da Previdência Social no Brasil foram apresentados por Santana et al.
(2006). Segundo os autores, os acidentes de trabalho ou as doenças profissionais
recaem em problemas aos empregados, que ficam impossibilidados de desenvolver
as atividades, ou seja, há uma incapacidade do trabalhador para desenvolver suas
atividades de trabalho.
Além disso, outros relatos existentes em função da ocorrência de acidentes
ou doenças profissionais são os óbitos. Nestes contextos, assim como ilustra a
Figura 14, há pagamentos de pensões, compensações salariais e indenizações, que
recaem sobre as organizações, estado e sociedade.

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FIGURA 14 – DESFECHOS DOS ACIDENTES DE TRABALHO E
CORRESPONDÊNCIA COM OS TIPOS DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL NO BRASIL

FONTE: Santana et al.: Acidentes de trabalho: custos previdenciários e dias de trabalho perdidos.
Revista de Saúde Pública, v. 40, n. 6, p. 1004-1012, 2006.

O auxílio-doença, espécie 91, é devido o segurado que fica


incapacitado, por motivo de doença decorrente de acidente do
trabalho.
O auxílio-acidente, espécie 94, é devido o segurado acidentado
que, após consolidação das lesões decorrentes do acidente do
trabalho, apresenta sequela que implica na redução de sua
capacidade laborativa. A concessão do benefício independe de
qualquer remuneração auferida pelo acidentado, mesmo
quando esta se refere a outro benefício, exceto a de qualquer
aposentadoria.
Fonte: Santana et al. (2006).

Conforme relatórios do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS citado em


Lacaz (2000), as principais causas de aposentadoria por invalidez previdenciária no
Brasil, na década de 1980 foram, respectivamente, a hipertensão arterial, os

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transtornos mentais, as doenças osteoarticulares, as doenças cardiovasculares, as
epilepsias e as doenças infectocontagiosas.
Curiosamente, os dados do INSS mostram que as aposentadorias emitidas
por invalidez, por exemplo, para o ano de 2008, ultrapassaram as emitidas em
função da idade (Figura 15), demonstrando necessidade de estratégias urgentes em
controle e prevenção dos casos de saúde/doença.

FIGURA 15 – VALOR MÉDIO DE APOSENTADORIAS EMITIDAS, POR


CLIENTELA (EM PISOS PREVIDENCIÁRIOS) – DEZ/2008.

FONTE: INSS, 2008 disponível em


http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=853. Acessado em 01/06/2010.

Em 2008, o valor de aposentadorias por invalidez foi de 7.469 (5.959


homens e 1.510 mulheres), sendo que as causas destas aposentadorias foram
principalmente em função de lesões, envenenamento e outras consequências de
causas externas e doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo.
Atualmente, os dados disponibilizados pelo INSS indicam que os auxílios-
doença urbanos acidentários concedidos chegaram a 336.434 (sendo 240.235 para

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homens e 96.199 para as mulheres). Estes auxilios apresentam valores de R$
257.242 (R$ 190.309 para os homens e R$ 66.934 para as mulheres).
Brasil (2001) faz referência à lista de doenças relacionadas ao trabalho 1,
citada na Portaria 1.339 de 18 de novembro de 1999 (ilustradas no Quadro 4).
Segundo Lopes, Mello e Ventura (2007), esta lista serve como um parâmetro
para que a lei seja aplicada e os benefícios sejam concedidos. Contudo, está
previsto na legislação que “a lesão corporal, a perturbação funcional ou a doença
não incluídas na lista” de doenças profissionais poderão ser indenizáveis, “(...) desde
que se prove serem consequências, necessárias e directas da atividade exercida e
não representem normal desgaste do organismo” (Código do Trabalho, Art. 310 2).

QUADRO 4 – LISTAS DE DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO.


→ Grupo I da CID-10: doenças infecciosas e parasitárias relacionadas com o
trabalho;
→ Grupo II da CID-10: neoplasias (tumores) relacionados com o trabalho;
→ Grupo III da CID-10: doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos
relacionadas com o trabalho;
→ Grupo VI da CID-10: doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas
relacionadas com o trabalho;
→ Grupo V da CID-10: transtornos mentais e do comportamento relacionados
com o trabalho;
→ Grupo VI da CID-10: doenças do sistema nervoso relacionadas com o
trabalho;
→ Grupo VII da CID-10: doenças do olho e anexos relacionadas com o
trabalho;
→ Grupo VIII da CID-10: doenças do ouvido relacionadas com o trabalho;
→ Grupo IX da CID-10: doenças do sistema circulatório relacionadas com o
trabalho;
→ Grupo X da CID-10: doenças do sistema respiratório relacionadas com o

1
Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho pode ser encontrada em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lista_doencas_relacionadas_trabalho.pdf

2
Código do Trabalho pode ser encontrado em: http://www.mtss.gov.pt/docs/Cod_Trabalho.pdf

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trabalho;
→ Grupo XI da CID-10: doenças do sistema digestivo relacionadas com o
trabalho;
→ Grupo XII da CID-10: doenças da pele e do tecido subcutâneo
relacionadas com o trabalho;
→ Grupo XIII da CID-10: doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo, relacionadas com o trabalho;
→ Grupo XIV da CID-10: doenças do sistema genitourinário relacionadas
com o trabalho;
→ GrupoXIX da CID-10: traumatismos, envenenamentos e algumas outras
consequências de causas externas, relacionados com o trabalho.

De qualquer forma, no ambiente de trabalho, pode-se dizer que cabe às


empresas em investir em maiores esclarecimentos dos benefícios de um estilo de
vida ativo (MERINO e TEIXEIRA, 2010).

Além disso, pode-se dizer que as empresas também são responsáveis pela
tentativa de promover aos trabalhadores opções para uma vida mais saudável.
Consequentemente, estas propostas devem vir ao encontro da prevenção e do
controle dos adoecimentos.
A importância destas questões centra-se principalmente no fato de que a
motivação para a realização do trabalho e o desempenho dos trabalhadores está

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associado à qualidade de vida. Conte (2003) associou que funcionários com
qualidade de vida no trabalho são mais felizes e produzem mais.

Para Prates (2007) a questão da busca pela qualidade de vida no trabalho


está intimamente ligada à melhoria na produtividade, uma vez que, pode-se obter
funcionários satisfeitos e saudáveis. Ademais, a busca pela qualidade de vida pode
estar aliada ao ambiente de trabalho e tecnologia proporcionando crescimento
positivo nas operações de qualquer organização.
Além disso, o site da Associação Brasileira de Qualidade de Vida 3 traz
importantes considerações no que tange a alguns dados associados ao cenário
atual do trabalhador nas empresas.
Uma das das notícias da Associação Brasileira de Qualidade de vida se
refere exatamente à relação do trabalho na vida das pessoas. Segundo matéria
publicada neste site (BORGES, 2010), a saúde e qualidade de vida são fatores de
competitividade para empresas brasileiras.

3
Associação Brasileira de Qualidade de Vida disponível em: http://www.abqv.org.br

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Desta forma, identifica-se que a abrangência da qualidade de vida engloba as
relações de trabalho, trabalhadores e organizações conforme as aborda Chaves
(2001).
Pode-se dizer que o tema qualidade de vida vem recebendo destaque em
várias áreas de pesquisa, e suas definições são tão numerosas e divergentes
quanto os métodos de avaliação (FERRISS, 2006). A investigação sobre qualidade
de vida ganha espaço quando se busca compreender e sugerir formas para que as
pessoas possam viver melhor, bem como orientar políticas públicas e tratamentos de
saúde que tratem o ser humano de forma mais ampliada (FARQUHAR, 1995).
Apesar da falta de consenso sobre o conceito de qualidade de vida, três
aspectos fundamentais referentes ao construto são apontados pela literatura: (1)
subjetividade; (2) multidimensionalidade e (3) presença de dimensões positivas
como mobilidade e negativas como a dor (WHOQOL, 1998).
Com relação à conceituação da qualidade de vida, Pereira et al. (2009)
realizaram uma revisão bibliográfica discutindo o tema. Resumidamente, os autores
associaram a qualidade de vida às questões de saúde, do estilo de vida e das
condições de vida.
No entanto, dependendo da área de interesse o conceito, muitas vezes, é
adotado como sinônimo de saúde (MICHALOS, ZUMBO e HUBLEY, 2000;
SCHMIDT, POWER e BULLINGER, 2005) felicidade e satisfação pessoal
(RENWICK e BROWN, 1996), condições de vida (BUSS, 2000), estilo de vida
(NAHAS, 2003), dentre outros; e seus indicadores vão desde a renda até a
satisfação com determinados aspectos da vida. Devido a essa complexidade,
conforme abordam Seild e Zanonn (2004) e Dantas, Sawada e Malerbo (2003),
qualidade de vida apresenta-se como uma temática de difícil compreensão e
necessita de certas delimitações que possibilitem sua operacionalização em análises
científicas.
Similar ao conceito de qualidade de vida, a qualidade de vida no trabalho
(QVT) também apresenta uma imprecisão conceitual (TEIXEIRA et al., 2009b), e
segundo Lacaz (2000), vem sendo normalmente relacionada às práticas
empresariais de qualidade total e sua discussão ganhou importância no pós-guerra

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pelo Plano Marshall de reconstrução da Europa, no qual os Estados Unidos buscou,
a partir de investimentos financeiros, alavancar a economia dos países aliados na
Europa.
Teixeira et al. (2009b) esclarecem que sua origem deu-se nos estudos de
Eric Trist e colaboradores na década de 50 na Inglaterra, no qual estudavam um
modelo macro para agrupar o trinômio indivíduo/trabalho/organização. Rodrigues
(1995) afirma que as preocupações com as condições de trabalho e influência
destas na produção e moral do trabalhador vieram a ser estudadas de forma mais
clara somente com a sistematização dos métodos de produção nos séculos XVIII e
XIX.
Na década de 60 o assunto ganhou impulso a partir de uma maior
conscientização dos trabalhadores e das responsabilidades sociais da empresa
objetivando um último plano para atingir altos níveis de produtividade, mas sem
esquecer a motivação e satisfação do indivíduo. Apesar disso, as preocupações com
qualidade de vida no trabalho foram em muitos momentos esquecidas frente às
mudanças do mercado, a economia internacional e a necessidade de mudanças das
formas de produção (RODRIGUES, 1995).
A partir dos anos 80 houve uma tendência que fundamentou a qualidade de
vida no trabalho na maior participação do trabalhador na empresa, na perspectiva de
tornar o trabalho mais humanizado, vendo os trabalhadores como indivíduos ativos
dentro do contexto da produção, sendo que sua realização pessoal está baseada no
desenvolvimento e aprofundamento de suas potencialidades enquanto trabalhador e
ser humano. Até então a preocupação sobre prevenção dos acidentes e doenças
tidas como diretamente relacionados ao trabalho era o foco principal. A superação
disso veio na discussão de outros tipos de agravos relacionados principalmente à
saúde do trabalhador e que não pareciam diretamente ligados ao trabalho (LACAZ,
2000).
Recentemente, Timossi et al. (2009) realizaram um estudo associando a
avaliação da qualidade de vida no trabalho e o modelo de Walton (1973) que
segundo os autores é o mais aceito e utilizado pelos pesquisadores brasileiros que
buscam relacionar a qualidade de vida e o trabalho. Desta forma, os autores
apresentam, mediante adaptações de Fernandes (1996) e Detoni (2001), o modelo
de qualidade de vida no trabalho de Walton (1973).

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Este modelo, conforme indicam Timossi et al. (2009), apresenta oito
categorias conceituais que enfatizam os fatores de influência na qualidade de vida
no trabalho: compensação justa e adequada, condições de trabalho, uso das
capacidades, oportunidades, integração social, constitucionalismo, trabalho e vida,
relevância social, assim como segue.

→ Compensação justa e adequada


Envolve as relações entre o pagamento e fatores do trabalho, como
treinamento, responsabilidade e condições de trabalho. Fatores como a
oferta e procura do mercado, a média salarial de uma população e a
participação nos lucros e resultados da empresa representam os
indicadores que determinam o quão justo é o pagamento. Dois fatores
são importantes para determinar a qualidade de vida no trabalho:
a) renda adequada: a renda deve estar inserida nos padrões
aceitáveis da sociedade, de forma a suprir as necessidades do
trabalhador;
b) compensação justa: o pagamento deve ser justo, isto é, se
comparado com outras empresas, não deve haver divergências
significativas no pagamento de um mesmo cargo.

Fonte: Timossi et al. (2009).

→ Condições de trabalho
Aborda as condições físicas e a jornada de trabalho às quais o
trabalhador é submetido em seu emprego. Os aspectos constituintes
destes fatores são: pagamento de horas extras para trabalhos que
excedem a carga horária semanal prevista; condições de trabalho que
diminuam o risco de acidentes e propensão às enfermidades; imposição
de limites (máximo ou mínimo) de idade quando o trabalho pode ser
prejudicial para determinada faixa etária. Para que as condições de
trabalho sejam adequadas, devem ser minimizados os fatores que
podem prejudicar a atuação do trabalhador, como odores, ruídos ou
poluição visual.

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Fonte: Timossi et al. (2009).

→ Uso ou desenvolvimento de capacidades


Após a revolução industrial, o trabalho passou a ser desmembrado em
várias atividades. Dessa forma, os diferentes postos de trabalho
possuem níveis diferenciados no que diz respeito ao quanto o
trabalhador pode desenvolver as suas habilidades e conhecimentos.
Algumas das qualidades necessárias ao desenvolvimento das
habilidades e conhecimentos são:
a) autonomia: o trabalho deve permitir certo nível de autonomia e
autocontrole na realização das atividades;
b) múltiplas habilidades: o trabalho deve permitir a utilização de
diferentes habilidades. As habilidades utilizadas não devem ser
repetitivas e monótonas;
c) perspectiva e informação: o trabalhador deve ter conhecimento do
processo de trabalho como um todo. Deve também receber feedback
de suas atividades, de forma que possa ter conhecimento da
relevância e consequências de suas ações;
d) trabalho como um todo: o trabalhador deve realizar as tarefas do
início ao fim, e não apenas uma etapa do processo;
e) planejamento: as atividades devem ser previamente planejadas
antes de sua implementação.

Fonte: Timossi et al. (2009).

→ Oportunidade de crescimento e segurança


Faz menção às oportunidades de crescimento profissional do
trabalhador, seja por meio de um enriquecimento curricular ou uma
promoção de cargo. Aborda também os quesitos segurança e
estabilidade no trabalho. Os fatores de influência neste critério são:
a) desenvolvimento: deve haver possibilidades de o trabalhador
expandir as suas capacidades e conhecimentos, de forma a evitar
que estes se tornem obsoletos;

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b) aplicações futuras: deve haver a expectativa da utilização de
novos conhecimentos e habilidades no âmbito empresarial;
c) oportunidades de avanço: deve haver a possibilidade de
crescimento do trabalhador, ascensão de cargo e plano de carreira.

Fonte: Timossi et al. (2009).

→ Integração social na organização


Engloba os aspectos vinculados ao relacionamento pessoal e autoestima
no local de trabalho. Os fatores de influência deste critério são:
a) preconceito: aceitação do trabalhador e suas características,
habilidades e potenciais sem discriminação de raça, sexo, religião,
nacionalidade, hábitos ou aparência física;
b) igualdade social: deve haver respeito mútuo entre os diferentes
níveis hierárquicos presentes na empresa;
c) mobilidade social: deve haver possibilidade de os indivíduos de
todos os níveis da empresa migrar para uma camada social superior
daquela em que se encontram;
d) companheirismo: os grupos de trabalho devem ser marcados por
ajuda recíproca, suporte sócioemocional e respeito às
particularidades de cada indivíduo;
e) senso comunitário: deve haver senso de se viver em comunidade
nas empresas e entre os grupos de trabalho;
f) troca de informações: os membros da organização devem
compartilhar, uns com os outros, suas ideias e opiniões pessoais.

Fonte: Timossi et al. (2009).


→ Constitucionalismo
Os membros de uma empresa são afetados pelas decisões tomadas.
Tais decisões podem favorecer interesses pessoais na organização.
Nessa perspectiva, deve haver o constitucionalismo para proteger os
trabalhadores de ações arbitrárias. Os elementos-chave do
constitucionalismo na empresa são:

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a) privacidade: o trabalhador deve possuir o direito de privacidade
pessoal, como o sigilo de aspectos da vida pessoal e familiar;
b) liberdade de expressão: deve haver o direito de discordância das
visões e decisões dos superiores da organização, sem que haja
qualquer forma de repressão;
c) equidade: o direito ao tratamento igualitário aos trabalhadores
deve ser presente em todas as ocasiões, incluindo o pagamento,
benefícios e segurança no trabalho;
d) igualdade perante a lei: todos os trabalhadores devem possuir as
mesmas oportunidades em todos os aspectos do trabalho, da
privacidade e no que diz respeito à expressão de suas ideias.

Fonte: Timossi et al. (2009).


→ Trabalho e vida
As experiências vivenciadas no trabalho refletem de forma positiva ou
negativa em outras esferas da vida, tais como o convívio familiar ou
social. A jornada de trabalho exaustiva e constantes mudanças de
residência podem constituir sérios problemas familiares. Se o trabalho
não consome tanto tempo e não proporciona tamanho desgaste físico, o
trabalhador, em seu tempo livre, pode realizar mais atividades de lazer
na presença de sua família.
Fonte: Timossi et al. (2009).
→ Relevância social
A responsabilidade social praticada pela empresa é percebida pelo
trabalhador, de forma a melhorar a sua autoestima. Dentre as atividades
de responsabilidade social, podem ser elencadas: minimização da
emissão de poluentes, reaproveitamento do lixo, alianças com países
desenvolvidos, participação em programas de auxílio às populações de
baixa renda.
Fonte: Timossi et al. (2009).

Com as características do mundo atual, pode-se dizer que cada vez mais as
empresas que desejem sobreviver e perpetuar-se deverão investir nas pessoas. Isto

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representa maior produtividade, menores custos de assistência médica, melhor e
maior satisfação interna, melhor imagem externa e maiores lucros (MERINO e
TEIXEIRA, 2010).
Os prejuízos em não manter um indivíduo saudável dentro das organizações
repercurtem tanto nas questões sociais quanto nas questões econômicas para o
Estado, empresas e indivíduo.
Para a empresa, há redução no número de trabalhadores e de horas
trabalhadas, o que provoca uma perda na produção e na qualidade do serviço; para
o Estado, no Brasil, as despesas recaem sobre o Ministério da Previdência Social
que, por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), tem a missão de
garantir o direito à previdência social. Esta é definida como um seguro social
destinado a reconhecer e conceder direitos aos segurados, cujas contribuições
destinam-se ao custeio de despesas com vários benefícios, sendo entre eles, a
compensação pela perda de renda quando o trabalhador encontra-se impedido de
trabalhar por motivo de doença, invalidez, idade avançada, morte, desemprego
involuntário, maternidade ou reclusão (DE LUCCA, 1994; CANDEIAS, 1997;
SANTANA et al., 2006). Além disso, o estudo de Santana et al. (2006) demonstrou
que os custos previdenciários, publicados regularmente nos Anuários da Previdência
Social, tornam-se um problema de saúde pública e ainda necessitam da atenção de
empresários, gestores e profissionais da saúde. Segundo os autores, o problema de
acidentes ou de doenças do trabalho ainda são negligenciados.
Para o indivíduo trabalhador, conforme identificado na Figura 19, há
sofrimento, levando-o a um nível de incapacidade não só para o trabalho, mas para
grande parte das atividades cotidianas (DE VITTA, BERTAGLIA e PADOVANI,
2008). Guérin et al. (2001) complementa ainda que as consequências para os
trabalhadores alastram-se em sua vida profissional, social e econômica.
Silva e Marchi (1997) confirmam as informações de Guérin et al. (2001); De
Vitta, Bertaglia e Padovani, (2008) e indicam que as ações de implementação de
programas de qualidade de vida podem alcançar benefícios que contemplam tanto o
próprio trabalhador quanto a empresa.
Segundo Silva e Marchi (1997), para os indivíduos são encontrados os
seguintes benefícios:
- Melhor relacionamemento;

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- Melhor autoimagem;
- Maior eficiência no trabalho;
- Maior motivação;
- Maior estabilidade emocional;
- Maior resistência ao estresse.

Para a empresa, os mesmos autores indicam benefícios como:


- Força de trabalho mais saudável;
- Melhor ambiente de trabalho;
- Melhor imagem;
- Maior produtividade;
- Menor custo de saúde assistencial;
- Menor número de acidentes;
- Menor absenteísmo;
- Menor rotatividade.

Além disso, os mesmos autores inferem ganhos relacionados à saúde, estilo


de vida, disposição geral, educação nutricional e riscos cardíacos.
De modo geral, pode-se dizer que atualmente a necessidade de asegurar a
saúde e o bem-estar dos trabalhadores é reconhecida (LEE, MCCANN e
MESSENGER, 2009). Assim, as preocupações da qualidade de vida no trabalho
ganham cada vez mais destaque nos debates corporativos, visto que a saúde dos
trabalhadores se relaciona de forma direta na “saúde da empresa”. Mesmo assim,
há evidências de que apenas 4% das empresas brasileiras mantêm programas de
qualidade de vida para seus funcionários. Isso reflete diretamente na economia
empresarial, que em 2009 no Brasil apresentou cerca de 747.663 acidentes e
doenças profissionais referente apenas aos trabalhadores segurados da previdência
(MERINO e TEIXEIRA, 2010).

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