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Copyright © 2023Hellen R. P.

Manual da Química Imperfeita


1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânicos sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: L. A. Design e Danny Design Editorial


Betagem: Júlia Santiago e Ana Clara Noronha
Ilustrações: Geovana Lima (@anavojoj) e Fernanda Diniz
(@afrodite.gamers)
Diagramação: Hellen R. P. (usando recursos do Canva)

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte deste livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA


LÍNGUA PORTUGUESA.
“Nossa química era tão forte, que se tornou inflamável. Quando eu
vi, a gente já tinha explodido e tudo tinha ido pro alto, pros lados, tava tudo
esparramado e queimado, eu, você e o nosso amor.”
TATI BERNARDI
DEDICATÓRIA
Para todos aqueles que acreditam na química do amor. Saibam que
seu elemento de ligação um dia aparecerá, e a reação entre vocês será tão
perfeita quanto uma combustão.
Sinopse
Regra Nº 01 – Não pense no pau do amigo
Regra Nº 02 – Nunca fuja de um trote da irmandade
Regra Nº 03 – Jamais ajude uma donzela (megera) em perigo
Regra Nº 04 – Caso seja necessário mentir para conseguir o que quer, faça isso sem pensar duas
vezes
Regra Nº 05 – Só soque seu colega se isso não for fazer você virar o Leonardo Dicaprio
Regra Nº 06 – Faça tudo para que sua mentira tenha pernas longas e torneadas
Regra Nº 07 – Se você não quer ser um príncipe, pense duas vezes antes de atrapalhar a aula
Regra Nº 08 – Namore falsamente um cara que seja mais gostoso que o Harry Styles
Regra Nº 09 – Não desminta sua falsa namorada ou levará um chute no saco
Regra Nº 10 – se seu coração bater mais rápido pelo cara que odeia, por favor, procure um médico
Regra Nº 11 Em hipótese alguma deseje a garota que disse que seu pau é pequeno
Regra Nº 12 Quando tudo parecer dar errado, leia um romance hot
Regra Nº 13 – Não se torne vizinho da mulher que deixa seu cérebro mole e pau duro. É uma furada!
Regra Nº 14 – Não negue, seu namorado é mais bonito que o príncipe Adam, mesmo que não queira
Regra Nº 15 – Se ela for fria, derreta-a aos poucos
Regra Nº 16 – Antes de viajar, olhe o tempo, a menos que queira dormir em um quarto que só tem
uma cama.
Regra Nº 17 – Você pode culpar o camarão, mas a culpa é sua se beijar os lábios errados
Regra Nº 18 – Dance no meio de um shopping center, não tem Demogorgon para atrapalhar
Regra Nº 19 – Brigue em uma semifinal de hóquei, isso pode trazer bons frutos
Regra Nº 20 – Jamais minta para seu namorado de mentira. Não é uma boa ideia!
Regra Nº 21 – Deixe-a molhada, mas não tanto
Regra Nº 22 – Segure a vela direito ou chame os bombeiros
Regra Nº 23 – Nunca subestime a química dos livros hot
Regra Nº 24 – Compre um peru para enfiar na sua cabeça se seu sogro fizer uma piada sobre ser BV
Regra Nº 25 – Se sua garota é uma canção, dedilhe-a como um músico
Regra Nº 26 – Deixe claro que seu príncipe é bonito por dentro e por fora
Regra Nº 27 - Se a garota dos seus sonhos der mole para você, capture-a como se ela fosse um
Pokémon
Regra Nº 28 – Compre fones de ouvidos para seu irmão não escutar seus gemidos
Regra Nº 29 – Leve um soco do seu cunhado, que na verdade é seu melhor amigo, se isso for pela
amizade.
Regra Nº 30 – Chute o sapo mesmo que ele lave o pé
Regra Nº 31 – Sempre ouça seu sexto sentido, mesmo se você não for o Bruce Willis
Regra Nº 32 – Mantenha a calma e força na peruca, quer dizer, no cabelo
Regra Nº 33 – Se você for ser um filme, seja “A segunda vez é ainda melhor”
Regra Nº 34 – Treine beijos técnicos para a prova final
Epílogo – Jogue verdade ou desafio mais uma vez
Bônus – Não se atrase, você não é o Goku para se teletransportar
Agradecimentos
fake dating + irmã do melhor amigo + aproximação forçada + friends
to haters to lovers

Candice Miller está ferrada.


A caloura do curso de teatro quer entrar na irmandade mais badalada
da Universidade de Michigan, mas, depois de uma confusão, vê como única
chance de realizar seu desejo, fingir um namoro com Killian Di Angelis, o
famoso defensor do time de hóquei da universidade.
O problema é que ela odeia Killian e ele não é exatamente seu
maior fã também.
Killian, o atual capitão do Lynx Michigan, teve um ano turbulento,
com notas baixas e um aumento notável em sua agressividade dentro do
rinque. Para se redimir e melhorar seu comportamento, ele é matriculado
em uma disciplina de teatro, onde, ironicamente, Candice é sua colega de
classe. Precisando de ajuda para passar na matéria e, ao mesmo tempo,
evitar problemas no time de hóquei, Killian enxerga na proposta de namoro
falso com Candice uma oportunidade de garantir seu sucesso acadêmico.
Só que ela é a irmã gostosa do seu melhor amigo.
Em meio a um jogo de aparências, um acordo com benefícios é
formado e, com ele, uma química fora de série.
É com grande alegria que compartilho com você “Manual da
Química Imperfeita”. A ideia para este livro começou com uma conversa
descontraída entre mim e as autoras Karen Santos, Lola Belluci e Olivia
Uviplais. Um grupo de WhatsApp, alguns vídeos de TikTok com jogadores
gostosos e pronto, estávamos ansiosas para escrever sobre o tema.
Foi uma parceria divertida do começo ao fim e, como resultado,
surgiu Killian e Candice, dois personagens que, como todos nós, são
imperfeitos.
Aqui, não ofereço fórmulas mágicas, soluções milagrosas ou
receitas para uma vida perfeita. Em vez disso, prepare-se para mergulhar
em um mundo cheio de imperfeições, onde as risadas são mais frequentes
que os finalmentes felizes, e onde a química é tão complexa quanto uma
equação de amor.
Então, prepare-se para rir, chorar e se apaixonar, porque esta história
é um espelho da vida real, onde a imperfeição é o que torna tudo perfeito.
Divirta-se lendo!
Com imperfeição e carinho,
Hellen R. P.
ATENÇÃO: Os livros da série seguem as regras do hóquei, mas,
por se tratar de um livro de ficção, optou-se por utilizar algumas licenças
poéticas. Por conter cena de sexo explícito, Manual da Química Imperfeita
é indicado para maiores de dezoito anos. Pode conter gatilho de luto.
Manual da Química Imperfeita, livro 2 da série Herdeiros do Hóquei, é um
volume único. Por serem com casais diferentes, cada livro da saga pode ser
lido separadamente.
KILLIAN DI ANGELIS
— Ahhh...Killian...hmmmm....bota mais força...vai — Os gemidos
eróticos saíram da boca de Nicole alto demais.
— Você sabe que a gente não está transando, né? — ergui uma
sobrancelha, o riso de deboche cruzando meus lábios quando conclui a série
de flexões.
As pessoas ao nosso redor sorriram, como se a piada fosse a melhor
do mundo. Levantei os braços, tal qual um campeão, por ter sido o cara que
mais fez flexões na festa. Um grupo de mulheres começou a dar gritinhos
agudos, os seios subindo e descendo conforme pulavam alegres, e até
mesmo os caras do futebol americano vieram me cumprimentar.
— KILL, KILL, KILL!!! — um coro com meu apelido começou a
ecoar pela casa da irmandade e eu beijei meu próprio bíceps tatuado
exposto pela regata branca.
Nicole veio de mansinho, os passos ensaiados, um pé depois do
outro, a bunda rebolando mais do que o normal. Então, ela se aproximou do
meu ouvido com os lábios cuidadosamente pintados de vermelho.
— Bem que a gente podia estar... você sabe, transando.
A oferta era tentadora, mas a palavra TRANSAR parecia ter um
novo significado na minha cabeça e a culpa era do Gus! Aquele mentiroso
de uma figa. Mentiroso e VIRGEM! Eu ainda estava sem acreditar, tanto
que ele ainda era virgem, quanto que o filho da puta do meu melhor amigo
tinha escondido aquela informação de mim.
— Não vai dar, tenho treino cedo amanhã e preciso de muita
energia. Você sabe que não sou do tipo que faz as coisas pela metade. Ou eu
me entrego por completo, ou nem começo — respondi, tentando soar
verdadeiro, e não ressentido por ter descoberto que o pau do meu amigo
ainda não tinha entrado em nenhuma boceta. Ok, eu precisava parar de
pensar nisso.
Nicole, que era líder de torcida da equipe de basquete, fez um
biquinho, mas se recompôs rápido, jogando os cabelos para o lado e indo
em direção a outro cara musculoso que passava por ali. Não precisei me
preocupar com sua ausência, já que duas morenas se aproximaram, uma
tocando meu braço e mordendo os lábios, com desejo, e outra olhando para
o meio das minhas pernas sem o mínimo de pudor.
— Ouvi falar que você bate forte. É verdade? — A que olhava meu
pau perguntou, nem ousando levantar os olhos.
—Eu sou um defensor, é óbvio que bato forte — comentei,
passando a mão pelos meus cabelos, que insistiam em cair sobre as
sobrancelhas — Já chegou a ver um dos jogos do Lynx?
Só então ela desviou a atenção, os olhos indo até os meus pela
primeira vez. Pensei que ela fosse do tipo que não ficasse com vergonha,
mas eu estava enganado, já que suas bochechas adquiriram um leve tom
rosado.
— Hum... não. — Sua sinceridade quase me comoveu. Quase.
— Que pena, assim você não sabe o quanto eu gosto de usar meu
corpo com força — falei, dando de ombros.
O mínimo que eu esperava era que acompanhassem os jogos do meu
time de hóquei. O Lynx Michigan era famoso não só no campus, como em
qualquer estado do norte do país que se prezasse em acompanhar a liga
universitária.
— Eu preciso ir — continuei, antes que alguma desculpa
esfarrapada fosse dada, e girei meus calcanhares na direção da saída da
casa.
Não encontrei nenhum dos caras do time e só imaginei que cada um
deles estaria ocupado com sua própria leva de mulheres, com exceção,
talvez, de Gus.
Bufei, irritado, e, assim que saí na parte externa da irmandade, pude
respirar o ar não tão limpo do céu de Michigan. O frio atravessou meus
braços expostos e nem mesmo a bebida que eu tinha ingerido durante a
festa foi capaz de afastar a sensação que ameaçava congelar meus ossos. Eu
era acostumado com o frio. Vivia no rinque de gelo na maior parte do
tempo, mas lá eu não estava apenas de regata e uma calça jeans. Eu
precisava de um moletom, ou talvez de mais bebida. Olhei para o sobrado
ao lado, onde ficava a Ômega Teta. Eu poderia pegar um casaco e voltar em
menos de um minuto, mas preferi a segunda opção, voltei para dentro da
casa da Alpha Phi, buscando os conhecidos copos de plástico vermelho. O
problema não era só Gus...tinha toda a situação envolvendo Finnick e isso,
mais que tudo, me irritava.
Atravessei o salão, que estava cheio de pessoas, um DJ tocando
música eletrônica em uma altura que provavelmente era contra as regras do
campus, mas que ninguém se importava em cumprir. A mesa da cozinha,
abarrotada de caixas de pizza e uma travessa de nachos com queijo, servia
também como apoio para um casal que se pegava sem se importar que suas
roupas ficassem sujas com as comidas. Peguei um dos copos limpos em
cima da bancada, perto do cotovelo da garota que gemia, e fui até os fundos
da casa, onde ficava um barril de cerveja e algumas pessoas banhavam na
piscina.
Quando a bebida atravessou minha garganta, o ambiente se tornou
mais quente, jogando o frio para escanteio.
— Kill! —uma voz surgiu ao meu lado e me assustei ao notar uma
jovem perto de mim. — Sua defesa no amistoso foi incrível. Não é à toa
que o chamam de Signora Morte, porque você sempre mata a jogada dos
adversários.
A histeria da garota de cabelos curtos encaracolados fez eu abrir
uma risada franca. Não era raro ver fãs, mas eu sempre me sentia
empolgado.
— Obrigado — agradeci, sem jeito pela primeira vez na noite, como
se ainda não estivesse me acostumado com o fato de as pessoas torcerem
por mim pela minha habilidade e não por ser um rostinho bonito.
A menina me encarou por uns segundos, o rosto adquirindo um tom
vermelho, e eu me preparei para o que vinha a seguir. Um convite para um
encontro, uma busca por sexo casual ou um pedido para eu tirar suas
roupas.
— Será que você poderia autografar minha blusa do Lynx? — ela
questionou, e só então percebi que nada do que esperava aconteceu. Minha
mente devassa quis se decepcionar, mas eu abri um sorriso sincero.
— Claro.
— Eu vou pegar ela no meu quarto. Me acompanha? — não vi
malícia em seu pedido, por isso segui seus passos apressados por entre os
corredores da casa da irmandade. — E aquele lance do Finnick entrando no
meio do jogo? A atmosfera ficou tensa na mesma hora.
Trinquei o maxilar. Um xingamento cruzou meus pensamentos.
Ótimo, agora minha lista de “não pense no pau do amigo” tinha aumentado
um item, que era “não pense no filho da puta do Finnick Colleman”.
A garota, entretanto, não tinha culpa de eu estar de mal humor. Eu
conhecia boa parte das meninas dali, mas aquela não era uma delas.
— Qual seu nome? — questionei quando chegamos ao segundo
andar e ela abriu uma porta que dava acesso a um quarto com beliche.
— Agatha — ela respondeu, indo direto para a gaveta da
penteadeira, de onde tirou uma camisa bordô com o símbolo do Lynx, uma
cabeça de lince nada amigável. Ela entregou a camisa para mim e abriu um
sorriso bobo.
— Você tem um pincel? — perguntei, sentindo o tecido conhecido
por entre os dedos.
— Claro. — A tal de Agatha abriu novamente a gaveta, vasculhando
o conteúdo com pressa. — Como eu sou idiota.
Esperei pacientemente até que ela encontrou um pincel prateado.
Virei a camisa de costas, o número “11” e o nome “KILLIAN” estavam
estampados em branco sobre o tecido vermelho escuro e, perto do meu
nome, fiz uma assinatura. Minha assinatura. Aquela que eu usava desde que
havia entrado para o time.
Um som estranho vindo do andar de baixo chamou minha atenção e
o movimento de Agatha ao revirar os olhos não passou despercebido.
— O que foi esse barulho? — indaguei, curioso.
— Hoje é a noite da iniciação. Várias meninas estão dispostas a
fazer um dos inúmeros testes para entrar na irmandade.
Ela não precisou me falar mais nada, eu sabia como funcionavam as
fraternidades e irmandades. Afinal, eu era membro da Ômega Teta, e só
podia torcer para que os trotes ali, na Alpha Phi, fossem melhores do que os
da minha própria casa.
— Hum — respondi, sem saber o que dizer, devolvendo sua camisa
do Lynx.
— Ano passado eu era uma das meninas e... não foi nada legal —
ela comentou, pegando a camisa da minha mão e guardando-a de volta à
gaveta.
Sua fala trouxe uma sensação esquisita dentro de mim, quase como
se eu estivesse esquecendo de alguma informação importante.
Me virei para ir embora sem nem me despedir, seguindo os barulhos
que pareciam tambores ecoando pela casa. A festa continuava como se nada
de diferente estivesse acontecendo, mas minha curiosidade falou mais alto e
eu segui pela casa, pé ante pé, até uma porta que eu imaginava que dava no
sótão. Minha mão encostou no trinco dourado, sentindo o frio do metal.
Se eu tivesse prestado atenção aos milhares de filmes de terror, eu
saberia que jamais deveria entrar em um sótão de uma casa americana. Eu
sabia que era arriscado. Ali poderia ter um demônio preso, um cemitério
soterrado ou qualquer entidade maligna selada.
Mas eu era Killian Di Angelis, não tinha medo de nada.
Ou ao menos era o que pensava.
CANDICE MILLER
Eu tinha certeza de que, se minha avó materna estivesse morta, ela
estaria se remexendo no túmulo agora, ansiosa para o Halloween para vir
puxar meu pé. Vó Greta havia sido a primeira mulher da família a entrar em
uma universidade. A primeira comentarista mulher da história do hóquei. E
ali estava eu, no centro da praça da Universidade de Michigan, em um
sábado à noite, xingando de todos os piores nomes possíveis o local que
mais parecia um labirinto. Para minha sorte, ela estava viva, o que só me
levava a acreditar que ela poderia puxar meu pé de qualquer forma.
Já fazia mais de uma semana que estudava ali, tinha até feito curso
de verão por vinte dias, e ainda assim eu não conseguia decorar onde
ficavam os locais naquele ambiente cheio de prédios e torres. Para piorar,
meu irmão disse que não era minha babá e que eu precisava me virar,
mesmo ele sabendo que eu era péssima em geografia espacial.
Pensei em ligar para Kira ou Ava, as meninas que trabalhavam
comigo na cafeteria Coffee & Chapters e, de quebra, moravam comigo no
alojamento. As duas, junto com Alice, que dividia o quarto com Kira, eram
as melhores amigas que eu tinha. Eu dividia o quarto com Ava, mas ela
raramente ia a festas. Então tive que me contentar em ir sozinha, já que Kira
ia se atrasar um pouco, algo que eu não queria fazer.
E tudo estava indo bem, eram apenas algumas quadras que
separavam o alojamento da irmandade, só que a porcaria da bateria do
celular descarregou e agora eu estava tão perdida quanto meme do John
Travolta em Pulp Fiction. Então, restava apenas proferir nomes horríveis,
aqueles que eu tinha conhecido em O lobo de Wall Street, enquanto
procurava desesperadamente a casa da Alpha Phi, irmandade na qual minha
avó e mãe foram membros, e na qual eu me sentia na obrigação de ser
membro também.
— Precisando de ajuda? — Uma voz melodiosa me fez virar, e eu
dei de cara com ela, a musa da minha vida: Kimberly Davis, a presidente da
Alpha Phi.
A veterana de cabelos quase raspados, tingidos de amarelo, e pele
negra irradiava beleza por todos os poros. O sorriso contagiante quase fez
eu subir os cantos dos meus lábios, mesmo que estivesse há quase meia
hora perdida.
— Oi! — senti minhas pernas fraquejando, eu estava a um metro de
distância da responsável pela minha admissão. Tinha treinado em frente ao
espelho inúmeras vezes o que falaria caso a visse, mas tudo o que consegui
fazer foi não desmaiar na sua frente.
— Então, está precisando de ajuda? — Kim, o apelido pelo qual a
chamava na minha cabeça, questionou devagar, os olhos atentos a mim.
— Estou procurando a Alpha Phi — comentei, enfiando minhas
mãos no bolso da calça jeans rasgada.
— Jura? Eu sou a presidente de lá. Prazer, Kimberly Davis. — Ela
estendeu a mão da minha direção e eu contive o sorriso idiota que insistia
em querer se abrir.
Claro que eu sabia quem era ela. Eu tinha me preparado para duas
coisas na vida: ou fazer patinação artística na Universidade de Miami ou ser
uma Alpha. Como a primeira opção não havia dado certo, esperava ao
menos que a segunda desse. Meus pais já tinham a quantia necessária para
que eu me candidatasse e minha vó Greta até mesmo mandara fazer um
suéter na cor da irmandade, um vermelho escuro tendendo ao bordô, com
um M de Michigan em letra garrafal bem no centro.
— Muito prazer, sou Candice Miller, e fiquei sabendo através de um
panfleto que o período de recrutamento para a casa está aberto.
— Você está com sorte, inclusive hoje teremos nosso ritual de
iniciação. — Kimberly piscou um dos olhos na minha direção e andou pelo
asfalto, o barulho de seus saltos ecoando pelo espaço. — Vamos, está
esperando o quê?
Olhei para meus próprios All Star por um segundo, sabendo que
Maxine, minha amiga de infância e viciada em dar pitaco sobre minhas
roupas, odiaria aqueles tênis. Segui Kim de perto, ansiosa para ver a
irmandade que eu faria parte, se os deuses permitissem, nos próximos
quatro anos.
Não foi necessário andar muito, primeiro dobramos à direita, depois
à esquerda, e então a imagem de vários sobrados com colunas redondas e
faixas coloridas surgiu na minha frente. Pessoas corriam de um lado para
outro, barulho de motores de carros se misturavam a músicas eletrônicas
que estouravam vindas de caixas de som, e um casal se esfregava de modo
indecente encostado em uma árvore.
Kim seguiu andando sem dar atenção à algazarra que se espalhava
por ali, e eu tive que praticamente correr para conseguir alcançar as
passadas compridas devido às suas pernas longas. Ela cruzou um gramado
verde, os saltos deixando buracos no solo de cobertura natural e nem
mesmo aquilo, uma sandália brilhosa cheia de terra, foi capaz de diminuir o
brilho que aquela mulher emanava. A porta do sobrado estava aberta, mas
eu parei por alguns segundos na varanda, admirando a faixa onde estava
escrito Alpha Phi em letras garrafais.
Era real! Meus All Star estavam tocando o chão da irmandade dos
meus sonhos, os pés prontos para entrar na casa que talvez fosse minha
morada até minha formatura. Uma música estrondosa saía da casa, que
estava abarrotada de pessoas em meio a uma festa. O movimento era
enorme, gente passando pelos cômodos com copos de bebida na mão.
Alguns com mais de um copo, até. Quando acalmei minha respiração, o
subir e descer dos seios se tornando menos acentuado, percebi que Kim já
estava longe, por isso acelerei para encontrá-la em uma pequena sala, em
frente a uma fila de garotas vendadas. Kim analisou as meninas e depois se
virou para mim.
— Pegue, esse é o seu. — Estendeu uma venda para mim e confusa,
sem saber do que se tratava aquilo, segurei o tecido de cor preta.
Ela andou até minhas costas e puxou uma corda de dentro de uma
caixa de papelão, em cima de uma cadeira. Os dedos de Kimberly se
entrelaçaram nos meus, a pele fria causando um arrepio em meu corpo.
— O que você... — perdi a fala quando percebi o que ela estava
fazendo. A líder da irmandade puxou meus braços para trás e então me
amarrou com a corda. Depois tirou a venda das minhas mãos e cobriu meus
olhos.
Não era o que eu estava esperando. Minha mãe falou que o trote na
época dela havia sido beber determinada quantidade de copos de cerveja, e
o da minha avó cantar em um karaokê músicas que não fossem em inglês.
Então, por que o meu envolvia me manter presa e vendada?
Tentei não surtar. Várias meninas estavam daquela forma e a
Universidade de Michigan era uma das mais conceituadas do país,
certamente não fariam nada errado. Fariam?
— Andem em linha reta, depois dobrem à direita. — Kim solicitou e
eu só pude escutar os passos quase silenciosos seguindo pela frente. —
Cuidado com as escadas.
Eu não conseguia enxergar nada, os braços para trás incapacitando
de sequer saber o que tinha ao redor, por isso, quando o degrau veio, mesmo
sabendo que teria uma escada por ali, quase me vi caindo.
— Cuidado, Candy! — Kim falou, e eu percebi que ela já tinha
aprendido meu nome e até estava me chamando pelo apelido que
costumavam usar. Essa informação me deixou com o coração mais
tranquilo.
Desci as escadas com cuidado e, assim que cheguei em 'terra firme',
notei que o som da música estava mais baixo, quase como se estivesse
abafado.
— Bem-vindas à noite da iniciação. — Kimberly começou, mas
antes que ela pudesse continuar, ouvi barulhos de coisas quebrando no
andar de cima e em seguida cochichos. Eu não podia ver nada, mas tinha
certeza de que Kim estava furiosa com o que quer que tenha escutado. —
Só um minuto, meninas, preciso resolver uma coisa. Deborah, fique com as
garotas.
O som dos saltos ecoou pelo chão até sumirem de vez. Meu coração
acelerado finalmente deu uma trégua e eu tentei puxar meus braços, o que
só fez com que a corda roçasse meu pulso, fazendo minha pele arder.
— É a hora da diversão! — Uma voz desconhecida falou e várias
palmas ecoaram pelo ambiente. — Vamos lá, Ethan, pegue uma tesoura.
Aquilo não soava como algo divertido, e som de tambores começou
a ecoar no recinto. Um arrepio cruzou minha pele, como um mal
pressentimento, e, em um ato de desespero, comecei a correr. Não sabia
para onde, o escuro tomando conta dos meus olhos, mas eu não iria ficar
parada sem saber o que diabos estava acontecendo ali. No entanto, não
consegui dar nem três passos, porque meu joelho direito latejou e acabei
tropeçando nos próprios pés.
— Ei, não a deixe fugir. — Uma voz gritou pelo cômodo e eu soube
que o “ela” era eu.
Quando mãos tocaram meus ombros, pensei que estava a salvo, mas
o barulho de tecido rasgando fez um alerta acender na minha cabeça. O que
estava acontecendo? Alguém havia rasgado minha blusa de uma ponta à
outra, expondo meu tronco. A camiseta escorregou pelos meus ombros,
deixando o sutiã bege de rendinha como a única coisa cobrindo meus seios.
Agradeci mentalmente por estar usando um, já que normalmente não
costumava usá-los.
— O que está fazendo? — minha voz saiu trêmula, e mais uma vez
tentei me soltar, as cordas arranhando minha pele, a ponto de eu morder
meus lábios para segurar um gemido.
Um sorriso sinistro ecoou próximo ao meu ouvido, e me segurei
para que as lágrimas que se formavam em meus olhos não escorressem por
meu rosto. Uma mão tocou minha barriga, e eu me debati como pude. A
mão depois envolveu meu ombro nu, e eu aproveitei que minhas pernas
estavam livres para chutar quem quer que estivesse ali. Um riso nojento fez
meus pelos se eriçarem, e eu estava pronta para gritar, mas não foi
necessário. Não quando percebi que a sala, antes barulhenta, ficou em
silêncio.
— Toque nela de novo e eu arranco sua mão fora. — Uma voz
baixa, porém grossa, fez os cochichos morrerem. — Ria de novo e eu corto
a maldita da sua língua.
Talvez meus ouvidos não estivessem funcionando direito, porque eu
poderia jurar que conhecia aquela voz. No entanto, não demorei pensando
muito sobre isso, já que no mesmo instante os dedos nojentos deixaram
minha pele.
— Eu vou te levantar. — A voz misteriosa falou, e duas mãos
seguraram com firmeza minha cintura e me ergueram com facilidade.
Com um puxão leve, minha venda foi arrancada, e quem eu vi na
minha frente quase fez eu ir ao chão mais uma vez.
— Está tudo bem? — o olhar castanho escuro penetrante, fixo em
mim, fez eu xingar não só a Universidade de Michigan, como os Estados
Unidos inteiro. Não! A galáxia inteira.
Eu não tive tempo para examinar o idiota que havia rasgado minha
blusa, porque toda a minha atenção estava no homem plantado na minha
frente. Por um segundo, quis abraçá-lo e agradecer por ter me salvado, mas
tudo o fiz foi ficar com a boca aberta, feito uma idiota. Isso porque quem
estava na minha frente era nada mais, nada menos que Killian Di Angelis.
Ele não deu tempo para eu responder e seguiu até minhas costas,
onde começou a desfazer o nó que me prendia. Seus dedos longos e ágeis
roçaram nos meus por um segundo, enquanto batalhava contra as cordas.
Um leve instante, quase imperceptível, como se tivesse sido coisa da minha
imaginação, mas ainda assim capaz de fazer o calor se espalhar por todo o
meu corpo. O aroma amadeirado que eu já conhecia invadiu minhas
narinas, o cheiro de virilidade enfraquecendo minhas pernas.
Me afastei dele assim que me vi livre das amarras. Não conseguia
ficar perto de Killian nem mais um segundo. Por mais que meu corpo
traiçoeiro quisesse ir em sua direção, analisar as tatuagens que antes não
existiam, tocar nos cabelos que agora estavam mais compridos, eu
precisava me distanciar.
Odiava Killian Di Angelis.
Odiava seu cheiro marcante.
Odiava seu olhar sedutor.
E, principalmente, odiava o que seu corpo causava ao meu, como se
eu fosse um material inflamável e ele a porra do fósforo, pronto para causar
um incêndio.
KILLIAN DI ANGELIS
Eu ainda estava furioso com o que meus olhos tinham presenciado.
Entrar no porão da Alpha Phi e ver uma enxurrada de garotas amarradas e
vendadas foi nauseante. Mas ver ela, Candice Miller, com a blusa rasgada e
um cretino qualquer ousando tocá-la, foi assustador. E sim, ela estava
vendada, mas a reconheceria em qualquer lugar da face da Terra,
principalmente depois de escutar sua voz. A voz que jamais ousei esquecer.
Estava tão furioso que nem prestei atenção em seus seios perfeitos
quase pulando pelo sutiã pequeno. Tão furioso que não dei atenção para a
sensação esquisita que passou por meu estômago. Tão furioso que, mesmo
sabendo que minha família italiana não tinha nenhuma relação com a máfia,
eu senti o sangue subindo pela cabeça, a ponto de cometer um assassinato
em quem ousasse fazer mal a Candice.
O jovem, que aparentava ser mais novo que eu, deu um pulo para
trás quando ameacei sua integridade física. A sala ficou em silêncio, as
pessoas me olhando com medo, mas eu queria mais é que se fodessem, eles
estavam compactuando com a merda que estava acontecendo e eu estava
irado.
— Espero que essa palhaça aqui tenha acabado — falei, sem
necessidade de gritar, já que todo mundo estava prestando atenção em mim.
— Kill, foi só uma brincadeira — Deborah, a vice-líder da
irmandade, comentou, o sorriso amarelo estampando o rosto. — Ela estava
fugindo, não podia deixar isso acontecer.
— Brincadeira? — questionei, sentindo o sangue ferver dentro do
corpo. — Olhe para ela. Você acha que ela está se divertindo?
Apontei para Candice, que ainda possuía o semblante assustado, os
seios subindo e descendo com rapidez. Quis chegar perto dela, abraçá-la,
dizer que estava tudo bem, mas eu, melhor do que ninguém, sabia que a
última pessoa da face da Terra que ela queria abraçar seria eu.
Deborah não ousou me contrariar, não ousou sequer me olhar,
desviando o rosto para o chão.
— Me desculpe, Lian — ela comentou, os ombros tremendo, prestes
a chorar.
— Você me chamou de quê?
— Lian...
— Nunca mais, na sua vida, repita a porra desse nome. — Dessa vez
minha voz saiu alta, o dedo indicador, tremendo de tanta raiva, apontado
para a cara dela.
Recuei minha mão, cerrando-a em punho, o coração acelerado ao
ouvir aquele nome mais uma vez. Lutei para não fechar os olhos e ceder à
escuridão, para manter a respiração, como se o ar, de repente, não pudesse
suprir minha necessidade. Todos me observavam, atentos, seus rostos
voltados para mim, e, então, uma pessoa em particular chamou minha
atenção. Era ela.
Sem pensar duas vezes, caminhei rapidamente até Candice e segurei
seu pulso, tirando-a dali.
— Venha — falei, enquanto a levava pelo porão até a escada e, em
seguida, até um dos banheiros do térreo. Entrei com ela no cômodo e fechei
a porta, só então conseguindo respirar.
Apoiei minhas mãos sobre a bancada de mármore, vendo meu
reflexo no espelho. Os cabelos de fios escuros caíam sobre meus olhos,
escondendo minhas sobrancelhas bem desenhadas, e as tatuagens que
marcavam o lado esquerdo do meu braço seguiam pelas costas por dentro
da regata branca. O piercing no nariz, pela primeira vez, atrapalhou minha
respiração ofegante.
— O que pensa que está fazendo? — Candice perguntou, os braços
cruzando sobre os seios semidespidos, e quebrou o pouco da sanidade que
eu tentava manter sob controle.
— Salvando sua pele — respondi, tirando a regata do corpo e
jogando-a em sua direção.
— Que é isso? — ela questionou, olhando para a camiseta, e se
afastando de maneira que colidiu com as costas contra a parede oposta ao
espelho do banheiro.
— Se vista, você está praticamente nua — falei, sem encarar
Candice, incapaz de admirar seu tronco exposto, mesmo que eu quisesse
muito fazer isso.
Eu não era o exemplo de cara com moralidade, mas não ia deixá-la
andando pelo campus pelada.
— Me poupe, como se você quisesse me proteger de alguma coisa.
Não precisa fingir que se importa comigo — ela comentou, a voz carregada
de deboche, ainda assim vestiu minha camisa, que ficou grande demais em
seu corpo esguio.
— Candice, eu não estou para brincadeira — avisei, passando a mão
pelos cabelos.
Como a noite havia passado de uma festa regada a bebidas e música
boa para um pesadelo em questão de minutos? Encarei Candice e o que vi
só me fez ficar mais irritado. Ela estava mais linda do que eu lembrava. Os
cabelos loiros caíam pelas costas, emoldurando seu rosto estreito. Os olhos
azuis cintilavam, mesmo que na minha direção parecessem furiosos. As
bochechas vermelhas, devido ao frio, a faziam parecer uma princesa.
Aquela que dormia para sempre, até ser beijada pelo amor verdadeiro.
— Mas você estava, cinco anos atrás — ela resmungou, virando de
costas para mim, a mão indo ao trinco da porta.
Em um passo, alcancei Candice, colando meu peito nu em suas
costas, com as duas mãos apoiadas na porta, impedindo-a de abrir. Eu ainda
estava perturbado por tê-la encontrado ali, e ainda mais por perceber que
todo um sentimento que pensei inexistir continuava ali, adormecido.
— Tudo isso é rancor? — questionei, sussurrando em seu ouvido.
— Só por causa daquele jogo de verdade ou desafio?
— Você disse na frente de todos os nossos amigos que eu era BV —
ela comentou sem se mexer, o ódio escapando por sua voz.
— E você, como retaliação, espalhou para a escola inteira que eu
tinha o pau pequeno — retruquei, tentando não parecer rancoroso. — Acho,
só acho, que sua resposta não foi proporcional.
Candice girou, ficando de frente para mim, os olhos se estreitando e
eu podia jurar que ela sibilou, tal qual uma víbora.
— Se você quiser, posso espalhar esse boato pela universidade
também — comentou.
— Você não teria coragem!
— Claro que teria.
Ela não parecia estar mentindo, mas eu não recuei. Pelo contrário,
me curvei em sua direção, vencendo a diferença de altura entre nós, e toquei
sua bochecha, não permitindo que a eletricidade que percorreu minha pele
me afastasse do meu objetivo.
— Se tudo isso é por causa de você AINDA ser BV, podemos
resolver isso agora — falei, nossas respirações se misturando, o cheiro de
tutti fruti vindo de seu gloss labial me fazendo desejar descobrir qual seria o
real sabor de sua boca.
Eu estava entrando em um jogo perigoso, afinal, nada havia mudado
nesses cinco anos. Candice ainda era proibida para mim, ainda assim,
depois de tantos anos desejando ter feito uma escolha diferente, ali estava
eu, com os mesmos pensamentos impuros diante da irmã do meu melhor
amigo.
— Eu não sou mais BV. — Ela levou as mãos até meu peito e me
empurrou, afastando nossos corpos.
Candice passou os olhos pelo meu corpo, admirando as tatuagens
que eu sabia que não conhecia. Ela percorreu cada gomo da minha barriga
trincada. Eu estava acostumado a olhares, mas não aos dela. Nunca antes
tinha experimentado o olhar dela. Era a primeira vez que ela me via sem
camisa, e quase ri, pois parecia que o destino queria igualar nossa situação.
Também foi a primeira vez que a vi só de sutiã, pena que não foi da maneira
que eu gostaria.
Ela pareceu ler meus pensamentos, porque desviou a atenção do
meu tórax, passando a observar meu braço tatuado, olhando cada imagem e
parando nas asas desenhadas em meu antebraço. Senti meu corpo travando
e, antes que ela pudesse fazer qualquer comentário, cruzei os braços.
— Se você diz — tentei parecer sarcástico, mas tudo que meu
cérebro fez foi sentir uma puta inveja do cretino que teve a sorte de sentir
sua boca pela primeira vez.
Candice bufou, irritada, e por um momento pensei que ela ia partir
para cima de mim. Ela não parecia mais aquela garota quieta, tímida, que
mal falava um “oi”. No entanto, tudo o que ela fez foi revirar os olhos.
— Adeus, Killian — disse, girando a maçaneta e saindo com a
minha camisa em seu corpo, a calça jeans acentuando seu bumbum e um
par velho de All Star nos pés.
Admirei enquanto ela se afastava, a bunda rebolando, os cabelos
esvoaçando por conta do vento que àquela altura da noite começava a
aumentar. Foi apenas nesse momento que percebi que teria que voltar para
casa sem blusa.
— Eu quero minha camisa! — gritei quando ela já estava quase no
fim do corredor. Eu sabia que ela tinha escutado, mas Candice sequer olhou
para trás.
Droga, aquela era minha regata favorita!
CANDICE MILLER
Meryl Streep teria orgulho de mim. Teria orgulho do poder que eu
emiti na minha retirada, como se meus All Star não fossem mais velhos do
que meu cachorro Rudolph, que agora morava com meus pais, e a camisa
de Killian não parecesse um pano de chão em meu corpo. Me mantive no
personagem até sair da casa da irmandade e, assim que entrei no uber em
direção ao alojamento, me deixei respirar aliviada.
Desci do Toyota Prius em um salto e mais uma vez na noite meu
joelho deu um estalo. Será que eu deveria marcar uma consulta com um
médico, ou aquilo era como minha avó dizia, um sinal de mudança do
clima? Toquei o joelho em reflexo e fiz uma careta quando a dor persistiu
ao subir os lances da escada até a porta de entrada do quarto, que eu
compartilhava com Ava, localizado no terceiro andar.
— Ok! A noite poderia ter sido pior! — comentei para mim mesma,
como sempre costumava quando estava sozinha, já que Ava, naquele
momento, não estava ali. — Sei lá, um meteoro poderia ter caído na Terra.
Tirei os tênis, deixando-o perto do armário onde eu guardava vários
outros pares coloridos da mesma marca, logo embaixo da gaveta onde eu
guardava os vários álbuns da Taylor Swift. Senti o carpete de nylon pelos
meus pés, e me debrucei sobre a cama encarando o teto branco.
Fechei os olhos tentando apagar o desastre que tinha acontecido,
mas foi impossível não pensar no trote pavoroso que aconteceu comigo.
Que merda foi aquela? Eu sabia que muitas universidades dos EUA tinham
trotes violentos, a ponto de às vezes terminarem em morte, mas jamais
passou pela minha cabeça que Michigan era daquele jeito. Minha mãe e avó
fizeram eu pensar que era um mar de rosas.
Puxei o celular, pronta para ligar para minha mãe. Eu ia contar que a
Alpha Phi não era como ela tinha relatado, mas, ao pegar o celular e me ver
pelo reflexo da tela, percebi que ainda usava a camisa de Killian.
— Arghhhh! — gritei, largando o celular e enfiando o travesseiro na
minha cara.
Eu sabia que Killian estudava em Michigan, afinal, ele e meu irmão
jogavam juntos no time de hóquei, mas pensei que demoraria a vê-lo. Quer
dizer, aquela universidade era uma das maiores do país, deveria ter milhares
de alunos, então por que ele não era uma maldita agulha no palheiro?
Tirei sua camiseta com uma velocidade que até o Flash se
surpreenderia, jogando-a sobre a cadeira que ficava próxima à minha mesa
de estudo, longe o suficiente para que eu não tivesse pesadelos com a peça
de roupa e perto para que eu não esquecesse quem era Killian Di Angelis e
o que ele tinha feito comigo.
Tudo que eu queria, aos treze anos de idade, era beijar o menino
mais bonito da escola, que por sorte era o melhor amigo do meu irmão,
Gus. Um jogo de verdade ou desafio parecia ser a oportunidade perfeita. E
teria sido, se Killian não tivesse escolhido “verdade” e contado que eu
nunca havia beijado na vida. A humilhação só não foi pior do que o riso
debochado que ele deu na minha direção. Naquela época me segurei para
não chorar e só consegui deixar o vexame de lado quando espalhei que
tinha visto o pau dele sem querer e que era pequeno. Ninguém desconfiou,
afinal ele vivia lá em casa, passando o tempo com meu irmão, jogando
videogame. Assim, nossa precária convivência, que não passava de olhadas
e algum sorriso, esfriou, como se o Sub-Zero tivesse lançado um poder.
Levando em conta que eu era patinadora e ele jogador de hóquei não
poderia esperar nada além de gelo, né?
Fechei os olhos, tentando esquecer não só a noite catastrófica, como
também o passado, mas tudo que veio à minha cabeça foi o tronco desnudo
de Killian.
As tatuagens cobrindo seu corpo chamavam a atenção. Mas nada,
repito, NADA, me preparou para ver seus músculos definidos. Ele nunca
havia sido magrelo, mas o hóquei certamente tinha feito bem a seu corpo.
Eu não conhecia todos os alunos de Michigan, mas poderia jurar que o
idiota do Killian, assim como era na escola, continuava sendo um dos
bonitões dali.
Frustrada, me levantei, peguei a camiseta de Killian e joguei-a na
lata de lixo cheia de resto de papéis amassados. E só depois que fiz isso,
consegui dormir em paz.
No outro dia, após beber um suco de laranja que já estava aberto há
dois dias, saí caminhando até a universidade, que ficava a alguns
quarteirões do alojamento. Embora tenha perdido alguns minutos
procurando a sala, consegui chegar a tempo para a aula de História do
Teatro. Mesmo que eu amasse o curso de teatro, me vi divagando durante
boa parte da explicação. Os acontecimentos da noite anterior rondando
minha mente sem me dar chances para sequer fazer as anotações que eu
sabia que precisava.
Quando a noite chegou, eu sabia o que precisava fazer para me
livrar daquela sensação esquisita que assolava meu peito. Fiz os mesmos
passos feitos na noite anterior, chegando à rua onde as fraternidades se
instalavam. Diferente de ontem, não se via uma multidão de pessoas e nem
mesmo música poderia ser escutada. O ambiente estava ironicamente
calmo, a ponto de eu escutar o próprio eco dos meus All Star sobre o
asfalto. A temperatura caía drasticamente à noite e eu levei minhas mãos à
jaqueta de couro que um dia foi do meu irmão, mas que agora não cabia
mais nele. Talvez os jogadores do time de hóquei comessem fermento!
Notei que a casa da Ômega Teta era do lado da Alpha Phi e, um
arrepio que nada tinha a ver com o frio da noite, cruzou meu corpo. Tirei a
ecobag de pano do ombro e, após abri-la, puxei a camiseta que tinha tirado
do lixo. Segurei o tecido entre o indicador e o polegar, com medo de que
aquele pedaço de pano pudesse ser amaldiçoado ou algo do tipo, e subi a
pequena escadaria que dava acesso à porta de entrada.
— Candice, não é? — A voz que soou ao meu redor me deu um
susto e eu me virei para ver Kim me encarando, em frente à porta da Alpha
Phi, com os braços cruzados. — Queria mesmo falar com você, tem um
segundinho?
— Ah, oi — respondi meio abobalhada e, às pressas, enfiei a camisa
de Killian de volta à bolsa.
Desci as escadas de acesso à Ômega Teta e atravessei o gramado
para encontrar a garota que poderia mudar a minha vida. Ela usava trajes
simples, uma calça de moletom preta e uma camiseta curta, deixando a
barriga chapada à mostra.
— Candy, posso te chamar assim, né? — questionou quando parei à
sua frente.
Eu assenti com a cabeça e ela abriu um sorriso bonito.
— Queria pedir desculpas pelo que aconteceu ontem. Jamais
imaginei que Deborah fosse fazer aquilo. — Kim não deixou de encarar
meus olhos e pude observar a sinceridade vindo dela. — Espero que o
“incidente” não a impeça de ainda querer entrar na Alpha.
Sim, por um segundo, eu tinha pensado em desistir daquela ideia de
ser uma Alpha, mas quem eu queria enganar. Fazer parte de uma irmandade
tinha muitos pontos positivos. Meus pais ficariam orgulhosos de mim,
minha avó provavelmente faria uma estátua de cera em minha homenagem
e ainda tinha o fato de que eu poderia estabelecer conexões importantes que
me ajudariam no futuro. Eu queria ser uma estrela em Hollywood, não era
mesmo? Estava fazendo teatro para isso, então contar com a ajuda de uma
irmandade grande como a Alpha seria um sonho.
— Não foi nada demais — falei, passando a mão pelos cabelos, em
uma mentira deslavada, tentando não pensar no que teria acontecido comigo
se Killian não tivesse aparecido.
— Ótimo, fico feliz que ainda esteja considerando a Alpha como
uma irmandade para você e saiba que eu já dei uns puxões de orelha na
Deborah. — Kim bateu palmas, o sorriso radiante tão claro quanto a luz do
poste que se acendeu próximo dali.
Acenei com a cabeça, sem saber o que falar. Eu odiava o fato de ser
uma garota tímida, sempre com medo do que sairia da minha boca caso eu a
abrisse. Curiosamente olhei para trás, para a casa da Ômega Teta, e um
sorriso marcou meus lábios. Eu não tinha sido nem um pouco tímida ontem
à noite na presença de Killian. Talvez por já o conhecer há anos, ou apenas
porque toda vez o via, uma chama ardente queimava em meu peito, e
provocá-lo era a única maneira de conter o incêndio que ameaçava se
formar.
— Por um acaso é parente de Gus Miller? Vi que tem o mesmo
sobrenome dele e se parecem um pouco.
— Sim, ele é meu irmão — respondi, sabendo que provavelmente
todos ali conheciam meu irmão.
Não gostava de usar a influência do goleiro do Lynx para obter
vantagem, mas sabia que os jogadores do time de hóquei eram famosos,
principalmente no meio feminino. Talvez, se ela soubesse daquilo, eu
tivesse uma chance de me tornar uma Alpha.
— As meninas me contaram que você e o Killian Di Angelis saíram
do banheiro juntos. Hoje a fofoca do dia foi essa. Bom, posso te entender,
Killian é um gato.
Sua mudança de assunto fez eu virar meu rosto em sua direção. Kim
prestava atenção em mim, curiosidade estampando seu semblante.
Impressão minha ou seus olhos continham um brilho estranho?
— Todo mundo comentando? — minha voz saiu trêmula,
preocupada.
—Ele é um cara...interessante. Tempestuoso, é verdade, mas chama
a atenção por onde passa. — Kim tocou a ponta do queixo com o indicador.
— Meu irmãozinho é muito fã dele e até mesmo meu pai aposta que ele vai
se destacar quando for atuar na liga profissional.
— Ele é realmente bom no que faz — comentei, lembrando que
Killian sempre havia demonstrado ter domínio com os patins de gelo.
Kim se aproximou de mim e abriu um sorriso enorme, como se
acabasse de ter uma ideia e, olhando para os lados, para se assegurar que
estávamos só, comentou:
— Sabe, quinta-feira iremos organizar um evento beneficente, um
jantar de gala. Já que vocês dois estão juntos, você poderia levar o Killian?
— questionou, mas meu cérebro parou depois que ela falou “juntos”.
Juntos? Eu e Killian? Jamais, abri minha boca para negar, mas Kimberly
continuou. — Como eu disse, meu irmãozinho gosta muito dele. Eu poderia
fazer mais por você, para você entrar na irmandade. Não costumamos
chamar as candidatas, mas você seria bem-vinda. Acabamos convidando os
jogadores, sabe, para chamar a atenção dos doadores, mas ele nunca vai.
Pisquei, confusa. Será que eu estava entendendo errado ou ela
queria dizer que se eu levasse Killian para a festa eu teria uma chance de ser
Alpha? Podia ver a expectativa em seu semblante e mais do que isso, podia
ver que eu tinha uma chance real de fazer o sonho acontecer.
— Claro que sim — respondi.
Kim bateu palmas, os olhos brilhando na minha direção e eu me
deixei levar por sua empolgação e também sorri. Ela abriu os braços na
minha direção, e meio sem saber o que fazer, eu também abri os meus, e
nos abraçamos, quase como se fôssemos melhores amigas e não recém-
conhecidas.
— Você tem certeza? — ela questionou, assim que nos soltamos e
um leve constrangimento nos atingiu. — Não quero que meu irmão se
decepcione.
— Tenho. — Kim, me encarou, um sorriso enorme no rosto e eu
sabia que não podia desperdiçar minha chance de alcançar meu sonho. Era a
hora de eu brilhar. Mesmo que ainda estivesse no começo do curso, eu sabia
o que poderia fazer de uma pessoa uma boa atriz: improvisação. E nisso,
mesmo sendo uma caloura, eu era mestre. Por isso, sem sentir um pingo de
remorso, falei — Não se preocupe, Killian faz tudo que eu mandar. Você
tem razão, estamos juntos. Ele é meu namorado.
KILLIAN DI ANGELIS
Eu estava enrascado. Bastou um olhar mais frio do que o rinque de
patinação, para que eu abaixasse minha cabeça e rezasse para que não fosse
engolido vivo.
O treinador, Paul Levine, largou a prancheta sobre a mesa metálica
de sua sala e apontou uma das cadeiras para eu me sentar. Depositei o
capacete sobre o chão de cimento polido e retirei as luvas com os dentes,
mesmo que soubesse que não era o jeito certo de tirá-las.
— O que está acontecendo com você? — a voz de Paul saiu mais
mansa do que imaginei e isso, mais do que tudo, me irritou.
Ele estava pegando leve, mesmo que eu merecesse um sermão
enorme. Passei a mão pelos cabelos molhados, o suor do esforço físico
deixando os fios grudados na cabeça.
— Ele atrapalhou a jogada — falei o óbvio, cruzando os braços
sobre o peito.
— Você o empurrou contra as boards com uma força desnecessária,
quase a ponto de quebrar as placas de proteção. — O treinador apontou o
indicador na minha cara, a fúria finalmente assumindo seu semblante.
— Hóquei é um esporte de contato, queria o quê? Que eu tivesse
dado tapinha nas costas dele?
— Era apenas um treino, não precisava brigar desse jeito. Já basta o
que aconteceu no Frozen Four passado.
— Você quer realmente falar sobre isso? Então me diga sobre o
amistoso que teve e Finnick entrou de surpresa no jogo!
Sim, houve o escândalo que passou até mesmo no canal ESPN, onde
Connor, nosso capitão, quase decepou os dedos de Finnick Colleman, nosso
adversário. Mas o pior foi quando, durante o amistoso na primeira semana
de aula, Finnick simplesmente surgiu do nada jogando na porra do nosso
time. No lugar que era de Connor. Eu não sabia o que tinha acontecido, se o
pai do Colleman tinha feito uma transferência do filho para a Universidade
de Michigan, ou outra merda. Só sabia que tinha pegado todo mundo de
surpresa. E o clima ficou tenso.
O treinador não respondeu e eu aproveitei para rebater suas
palavras. Sim, o Frozen four tinha sido um caos, mas isso não era
justificativa para os nossos reversas não darem o melhor de si.
— Se ele não fosse burro nada disso teria acontecido. — Encarei-o,
com firmeza.
— Killian! Eu sei que você está passando por muita coisa, o que
aconteceu com Kenny...
Me levantei na mesma hora, a cadeira caindo em um estrondo. Paul
se assustou, mas eu pouco me importei.
— Não fale o nome dele. — Minha voz saiu em um rugido, o peito
subindo e descendo com velocidade. Ele não tinha o direito de envolver o
Kenny nisso.
Paul fechou os olhos por um segundo, tocando a testa, perto da
careca, como se eu fosse o responsável por lhe dar uma dor de cabeça
terrível, o que provavelmente era verdade.
— Eu conversei com o departamento técnico e nós achamos melhor
matricular você em uma disciplina extracurricular. Por isso, neste semestre
você vai fazer Atuação I, uma disciplina introdutória do curso de teatro,
com a professora Sara Maclean.
— O quê?! — abri um sorriso desprovido de graça, o treinador só
podia estar fazendo uma piada de muito mal gosto. — Você está de
brincadeira, né?
— Suas notas têm caído desde... bem... você não é mais o mesmo.
Anda explosivo demais e hoje agrediu um companheiro.
— Isso não é justo, o que diabos teatro tem a ver com hóquei? —
abri os braços colocando o peito para frente, gesto que fazia quando
costumava peitar os árbitros e adversários.
Paul não recuou, pelo contrário, ele se aproximou. Sua largura era
quase o dobro da minha e sua altura de quase um metro e noventa o fazia
parecer um grande urso. Perguntei-me como um homem daquele porte
poderia ter sido um excelente patinador um dia.
— Algo sobre ajudar em habilidades de comunicação e expressão. A
professora vai lhe explicar melhor.
Eu tinha entrado em um pesadelo? Era só o que faltava, eu ficar
recitando Shakespeare pelos cantos ou o que quer que o pessoal que cursava
teatro fazia. Eu sabia que o técnico estava certo, eu estava no último ano de
química e minhas notas vinham decaindo, mas não tinha lógica entrar em
uma matéria ridícula daquela. Atuação I? Eu queria ser o Wayne Gretzky,
maior nome mundial do hóquei, não a porcaria do Leonardo DiCaprio.
Abri a boca para protestar, mas, antes que eu soltasse qualquer
palavra, o treinador apontou para o símbolo do lince que estampava minha
camisa.
— Você é um dos grandes nomes do Lynx. As pessoas te amam.
Você foi draftado e tem chances reais de atuar na liga nacional. Não seja o
cara que vai botar tudo a perder.
Fechei as mãos em punho, com o desejo real de socar o homem na
minha frente, e deixei a sala do treinador em direção ao vestiário. Larguei o
uniforme sobre um canto qualquer, sem nem fazer esforço para guardá-lo
no cesto específico para as roupas sujas e fui direto para a instalação de
banho.
A água escorreu pelo meu corpo, o sabonete lavando o suor, mas
tudo que eu queria era que ele levasse embora as memórias. Passei a mão
pelo meu braço tatuado, parando as pontas dos dedos sobre a imagem de
asas que marcava meu antebraço. Uma asa de anjo, a outra de demônio.
Tentei não pensar em Kenny, mas aquela tatuagem era uma lembrança
constante de que os bons se iam, e os ruins ficavam.
— O treinador pegou pesado com você? — A cabeça de Gus
apareceu dentro da sala de banho coletiva.
— Somos um time de merda, né? — questionei, desligando o
chuveiro e puxando uma toalha.
Gus sorriu, as bochechas adquirindo um leve tom rosado. Ele passou
a mão pelos cabelos quase dourados, bagunçando-os, e depois fez uma
careta.
— Sim, não estamos no nosso melhor momento. — Gus me
acompanhou até o armário onde eu costumava guardar minhas roupas e
revirou os olhos quando deixei a toalha cair no chão. — Connor está
afastado do time por causa da briga. A entrada do Finnick, de surpresa, foi
um choque, devido ao fato de Connor quase arrancar os dedos dele e agora
ainda tem você, socando não só os adversários.
O Lynx nunca esteve tão à beira do colapso. Connor era o nosso
capitão, a estrela do time, e havia entrado em uma confusão com Finnick
Colleman, o capitão do time de Denver, nosso maior adversário, em um dos
jogos do semestre passado.
Connor entrou na briga para me defender. Não bastasse o fato de eu
me sentir mal por isso, também tive que lidar com o afastamento dele, o que
resultou na transferência da braçadeira de capitão para mim. Para piorar,
Finnick, que era filho da lenda do hóquei, Wayne Colleman, acabou sendo
transferido para nosso time.
Sim, o Lynx estava um caos.
— Augustus Miller, você esqueceu de falar sobre você, que é um
virgem filho de uma puta — falei, pegando a mochila do armário e
colocando-a sobre os ombros, logo após me vestir.
— Você nunca vai me perdoar?
— O pau é seu, faça o que quiser com ele. Só imaginei que uma
informação importante como essa poderia ter sido dita para mim em algum
momento durante os longos anos que a gente se conhece.
— Me desculpe se eu não queria falar sobre meu pau com você.
Dei meu primeiro sorriso depois de um dia turbulento. Começou
com um leve arqueio em meus lábios, depois se espalhou de modo que
minha bochecha doeu.
— Você é um idiota. Vamos, precisamos chegar em casa logo. Vai
rolar a reprise da final de Lake Placid e eu não quero perder.
Meu amigo me acompanhou até o lado de fora da Yost Ice Arena e
entrou no Jeep Wrangler que eu tinha herdado do meu pai. Mesmo que meu
pai tivesse me dado o SUV azul há dois anos, eu ainda conseguia sentir o
cheiro de amaciante de bebê que ele costumava usar antes de ir para o
hospital, realizar alguma cirurgia.
O caminho da arena até a fraternidade era perto, mas meus pés
estavam doloridos devido aos treinos constantes e principalmente ao
esforço que eu estava fazendo nos últimos tempos. Em questão de poucos
minutos, estacionei em frente à casa de andar e quase corri para dentro do
sobrado quando vi que o relógio do aparelho multimídia carro indicava que
só faltavam dez minutos para o começo do jogo.
Afundei sobre a poltrona de couro marrom, ligando a televisão logo
em seguida. Eu já tinha assistido aquele jogo uma centena de vezes, mas a
emoção ainda era como se fosse a primeira vez.
— Vai querer pizza? — Gus perguntou, sentando-se no sofá ao lado,
puxando o celular.
Eu sabia que ele era um cara com paladar regrado, principalmente
porque éramos atletas e não podíamos exagerar, mas vez ou outra a gente
simplesmente ligava o foda-se para as barrinhas de cereal proteicas e comia
algo mais calórico.
— Uma grande de pepperoni.
— Você não cansa de assistir esse jogo? — ele perguntou.
— Você está brincando, nós fomos campeões contra a União
Soviética em plena guerra fria, e isso com jogadores amadores e colegiais.
Poderia ser a gente ali. — Apontei para a televisão, onde a equipe
americana fazia um ataque.
— Na nossa atual situação? — Gus bufou. — Dificilmente seria a
gente. O treinador tem razão, precisamos nos enturmar logo com Finnick.
Revirei os olhos. Não queria lembrar do que tinha acontecido. Eu
comecei a confusão que havia resultado no afastamento do Connor. Tudo
bem, a cena dos dedos quase arrancados de Finnick foi feia, mas foi um
acidente. Se eu não tivesse partido para briga, talvez ele estivesse no time
agora. O Lynx precisava se reerguer o mais rápido possível, principalmente
porque eu assumi a braçadeira de capitão.
— Sim, ele tem razão. — Dei de ombros, tentando não pensar no
brutamontes careca que queria que eu virasse o novo astro de Hollywood,
mas falhando miseravelmente. — Você acredita que ele quer que eu faça
uma disciplina do curso de teatro para me ajudar com meu temperamento?
Gus me encarou com os olhos arregalados, jogou o celular no sofá e
se virou na minha direção.
— Sério? — perguntou, um sorriso idiota estampando o rosto.
Assenti com a cabeça, incapaz de pronunciar qualquer outra palavra,
devido à fúria imensa que me corroía por dentro.
— Isso é ótimo — Gus falou, e eu quase pude notar brilho em seus
olhos castanhos claros por trás das lentes dos óculos.
— Como isso pode ser ótimo? — perguntei. — Você bateu a cabeça
no treino, teve alguma concussão?
— Kill, você pode pedir ajuda à minha irmã. Ela é caloura no curso
de teatro, tenho certeza de que vai te ajudar.
Nem o gol que a equipe estadunidense fez contra a União Soviética
foi capaz de tirar minha atenção de Gus. Eu era muito burro. Esqueci que
Candice era aluna do curso de teatro, o que queria dizer que iríamos nos ver
com frequência. Meu coração doeu com a constatação e eu levei a mão até
o peito, tentando conter as batidas que ecoavam altas demais em meu
ouvido. Eu evitava a irmã do meu melhor amigo há anos e só queria
continuar assim, distante o máximo que conseguisse.
O barulho da campainha ecoou pela sala, me despertando, e eu
respirei fundo, deixando os olhos azuis e cabelos claros de Candice longe
da minha mente, e pensando na pizza recheada de queijo e pepperoni.
— Eu vou buscar o jantar, chame Connor, talvez gordura saturada o
faça se sentir melhor depois do afastamento do time — falei, pulando da
poltrona.
Não esperei uma resposta de Gus e saí em disparada pela sala, só
parando para pegar minha carteira em cima do aparador. Retirei uma nota
de vinte dólares e girei a maçaneta, pronto para forrar o estômago com
gordura e carboidrato. Só que não era o entregador de pizza que estava ali.
Era a garota que eu queria tirar da cabeça. A que insistia em aparecer nos
momentos que eu menos esperava.
CANDICE MILLER
Killian Di Angelis parecia prestes a ter um ataque ou, quem sabe, a
me atacar. Seus olhos se estreitaram como se ele fosse o próprio lince que
estampava a camisa do time de hóquei, e as mãos fecharam sobre uma nota
de vinte dólares, a ponto de quase rasgar a cédula.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, no meio da porta, nem
me dando espaço para entrar.
— Boa noite para você também — falei, enfiando as mãos no bolso
da calça. — Será que eu posso entrar? Precisamos conversar.
O corpo de Killian continuou onde estava e eu olhei para trás para
ver Kimberly nos espiando pela fresta da porta da Alpha Phi. Droga! Ela
não podia suspeitar que eu tinha mentido. Se Killian realmente fosse meu
namorado teria aberto a porta e me dado um beijo e não permanecido
parado quem nem uma estátua. Por isso, puxei sua mão, a que não esganava
a foto do Andrew Jackson estampada na nota de vinte, e entrei na casa como
se não fosse a primeira vez que entrava ali.
Os dedos longos de Killian permaneceram sobre os meus até ele
processar o que estava acontecendo. E então, como se eu fosse um ser capaz
de lançar veneno pelo toque, se afastou, dando dois passos para trás, a fúria
assumindo seu rosto bonito.
— Que porra é essa? — questionou, as sobrancelhas arqueadas se
juntando em um vinco, e a voz saindo como um trovão. — Que diabos
pensa que está fazendo?
Killian bravo era de tirar o fôlego. Ele era uns bons centímetros
mais alto que eu, e tive que levantar a cabeça para encará-lo de frente,
tentando não admirar seu corpo forte se contraindo, fazendo a camiseta
preta se destacar sobre os músculos. Os cabelos caíam sobre os olhos
castanhos escuros que, juntamente com o nariz levemente pontudo,
mostravam a dominância dos traços da origem italiana de seu pai.
— Eu... — gaguejei por um segundo, incapaz de pronunciar
palavras. Ele se aproximou, encurtando a distância entre nós, e só então eu
consegui recuperar minha voz. — Vim entregar sua regata.
Puxei a bolsa meio sem jeito, retirando o pedaço de pano e
estirando-o na sua direção. Ele pegou a peça de supetão, quase a ponto de
rasgar a roupa, e então inclinou a cabeça em direção à porta.
— Pode ir embora agora.
— Qual é, sua família não te deu educação? — Cruzei os braços
inconformada com sua atitude rude, mas percebi que falei a coisa errada
quando Killian largou a regata no chão, segurou meus ombros e me prensou
contra a parede.
Minhas costas se colaram na estrutura e me vi presa entre ela e o seu
corpo. Sua fragrância aquática trouxe uma sensação de frescor mesmo que
fizesse tempo que não visitasse uma praia. Em algum momento nossas
respirações se misturaram e ele abaixou a cabeça, segurando meu queixo
com o polegar, fazendo com que fosse impossível não o encarar.
— O que você disse? — sua pergunta saiu em um sussurro rouco.
Um sussurro que fez meus pelos se arrepiarem.
Ele sequer piscou, a seriedade dando lugar, por um segundo, a um
lampejo de dor. Uma dor causada por mim.
— Eu... — me vi gaguejando mais uma vez, as pernas adquirindo a
fluidez de uma gelatina e lutei para não fechar os olhos, para que não
percebesse o quanto me afetava.
— Vá embora, Candice. — Killian pediu, se afastando, como se
falar aquilo exigisse forças. — Hoje não estou em um bom dia.
Ele passou a mão pelos cabelos, os dedos tremendo sobre os fios
escuros e mesmo que o odiasse, e que em meus pensamentos muitas vezes
bolasse planos para fazê-lo sofrer, eu quis pedir desculpas. Quis livrá-lo do
sofrimento que o assolava. Quando dei um passo em sua direção,
entretanto, meu joelho latejou.
— Merda! — exclamei, me abaixando para tocar a cicatriz coberta
pela calça jeans.
— Você está bem? — Killian questionou, observando meus
movimentos e pude notar um leve tom de preocupação.
Não era só ele que tinha sofrido um baque nos últimos anos. Não
tinha sido fácil para nenhum de nós. Principalmente quando já não
tínhamos um ao outro como amigos. Era estranho perceber que tínhamos
perdido muito um da vida do outro. Eu olhava Killian e não sabia qual seria
sua reação. Anos tinham se passado e nenhum de nós era o mesmo, por isso
eu decidi falar a verdade de uma vez. Era melhor tirar logo o curativo da
ferida.
— Eu não posso ir embora — Me ajeitei ficando de pé, e joguei a
bomba de uma vez. — Porque você vai precisar ser meu namorado.
— Quê?! — Killian gritou, dando um salto para trás e acabou se
esbarrando no armário para guardar os casacos, que ficava ali.
Quase ri de sua atitude, mas uma voz fez meu coração acelerar de
modo que eu tampei a boca para ter a certeza de que ninguém me escutaria.
— Kill, aconteceu alguma coisa? — o grito ecoou pelo cômodo ao
lado e eu pude identificar o timbre de meu irmão.
Merda! Olhei para Killian, o dedo indicador sobre meus lábios,
implorando para que ele não entregasse que eu estava ali e, embora
soubesse que me detestava, ele não me dedurou.
— Está tudo bem — gritou de volta.
— Será que não dá para conversarmos em um local mais... privado?
— perguntei, não querendo que a história pudesse ser ouvida por mais
ninguém. Até porque mentira tinha pernas curtas, embora as de Killian
fossem altas e torneadas.
— Seu irmão está na sala — ele falou, apontando para o cômodo
que ficava à direita do hall de entrada.
— E o seu quarto? — questionei, não querendo lidar com Gus antes
que conseguisse convencer Killian.
Ele arqueou uma das sobrancelhas, a boca abrindo e fechando sem
emitir som, e então subiu as escadas que davam acesso ao segundo andar.
— Você não vem? — perguntou quando já tinha subido quatro
degraus.
Segurei a bolsa sobre o ombro e o acompanhei de perto. Olhando
para a casa que, se tudo desse certo, seria minha vizinha. A Ômega Teta
parecia com a Alpha Phi, a diferença maior era que ali, na fraternidade, eu
podia ver embalagens de salgadinhos pelo chão, garrafas de refrigerante
espalhadas pelo corredor e até mesmo uma cueca pendurada em um dos
trincos das várias portas.
Killian girou a maçaneta da terceira porta que ficava do lado direito
do corredor e entrou no espaço que tinha uma cama de casal, além de uma
escrivaninha e um guarda-roupa.
— Agora me explica que merda você fez. — Killian afundou sobre
a cama, cruzando os braços, e a tatuagem de asas chamou minha atenção
mais uma vez.
Parei para olhar os pôsteres que cobriam boa parte das paredes. A
maioria deles era de hóquei, e alguns de bandas de rock n’ roll. Esperei ver
cartazes e mais cartazes de mulheres nuas, ou alguma Playboy jogada por
ali, mas não encontrei nada. Talvez Killian guardasse esse tipo de material
escondido em uma caixa debaixo da cama.
— E então? — questionou, perdendo a paciência, mas ele tinha que
entender que eu não era do tipo que entrava em quarto de homens,
principalmente no quarto de um que havia sido meu crush.
Na hora de mentir para Kim foi fácil, a história estava praticamente
pronta, ela que presumiu que estávamos juntos, e eu só entrei no jogo. Nem
cheguei a me sentir mal por enganá-la. Então, porque contar a verdade para
Killian se mostrava tão difícil?
Coloquei uma mecha de cabelo para trás da orelha, e contei até três
antes de explicar tudo que aconteceu. Desde meu desejo insano de ser parte
da Alpha Phi até o fato de que Kimberly parecia tendenciosa a me aceitar
caso eu o levasse à festa.
— Ainda não entendi por que precisamos fingir um namoro. —
Killian questionou e para meu espanto, até ali ele não tinha surtado, talvez
porque eu ainda não tinha falado que a culpa tinha sido minha e da minha
língua grande.
— Eu entrei em desespero, certo?! Kimberly pensou que estávamos
juntos, porque muita gente nos viu saindo do banheiro e eu acabei mentindo
para ela, confirmando que você iria à festa, já que é meu namorado.
Foi então que a reação de Killian me pegou de surpresa. Ele
começou a rir, primeiro um riso contido, depois sua gargalhada foi
aumentando a ponto de eu realmente começar a ficar preocupada com sua
sanidade.
— Você está bem? — arqueei a sobrancelha, com medo de que ele
estivesse virando o Coringa ou algo do tipo.
— Nem fodendo que eu vou fingir que sou seu namorado só porque
deu uma de idiota. — Killian se levantou e passou as mãos pelos cabelos
lisos. — Eu tenho uma reputação aqui, não vou perder meu status por sua
culpa.
— Killian, por favor. — Juntei as mãos em prece, sem saber o que
precisaria fazer para ele me ajudar.
— Querida Candice, você não entendeu o que eu disse? Nem se,
literalmente, fodesse você, eu seria seu namorado. Fui claro?
A imagem de Killian sem roupa em cima de mim invadiu minha
mente apenas por um segundo, mas tempo suficiente para eu sentir o meio
de minhas pernas ficando úmido.
— Seu idiota. Eu jamais transaria com você — Foi tudo o que
consegui dizer, ainda zonza pela reação causada em meu corpo. — Nem
que fosse o último homem da face da Terra.
Ele deu de ombros, abrindo um sorriso de canto, um que deveria ser
proibido pelas leis de Michigan, talvez com a condenação de prisão
perpétua.
— Você que está querendo um favor meu, Candice, não o contrário,
então, se fosse sensata, você imploraria por minha ajuda.
— Nem morta! — cuspi as palavras, me arrependendo de ter
envolvido Killian na minha mentira.
Ele andou na minha direção, sendo necessário apenas um passo de
suas pernas longas para chegar a poucos centímetros de mim. Killian se
abaixou até que os olhos ficassem na altura dos meus, as íris escuras com
um brilho de divertimento.
— Quer saber? Já que você está tão convicta, eu vou fingir que sou
seu namorado. Vai ser divertido ver você implorar por mim. Porque,
acredite, eu sei que esse momento vai chegar, e quando ele chegar, você vai
desejar não ter mexido comigo.
KILLIAN DI ANGELIS
Eu não deveria ter usado as palavras “foder” e “implorar” para
Candice Miller. Tinha me arrependido pelo menos cinquenta vezes desde
que concordei em fingir ser seu namorado, mas como poderia evitar, se ela
ficou me provocando?
Cinquenta e uma vezes! O número de vezes que eu me arrependi
desde que acordei até a aula de química orgânica avançada. E sim, eu estava
contando.
— Está tudo bem, senhor Di Angelis? — o professor Lawrence
questionou, abaixando os óculos de aro redondo sobre seu nariz comprido.
— Tudo ótimo — respondi, me ajeitando sobre a cadeira e
analisando o livro sobre a mesa, que estava aberto em um capítulo sobre
espectroscopia.
Encarei as páginas amarelas do livro, mas tudo o que eu conseguia
ver era a imagem de Candice com as pernas bambas e a boca aberta depois
que prometi que ela iria implorar por mim. Por que diabos falei aquilo? A
garota ficou assustada a ponto de ir embora sem nem dar um “Tchau”.
Levei meu indicador até a testa, tentando não pensar que já era a
quinquagésima terceira vez que batia o arrependimento, quando finalmente
a aula acabou. Guardei o livro de qualquer jeito dentro da mochila e saí
antes que o professor quisesse me dar um puxão de orelha por eu estar
desatento.
Uma rápida olhada no meu horário fez um xingamento italiano
escapar da minha boca. A próxima aula seria justamente a de Atuação I, por
isso segui pelos corredores da universidade atrás da maldita sala de ensaio.
O local em nada parecia com minha sala de química. Ali, não tinha
cadeira, apenas um espaço vazio, repleto de uma iluminação marcante e
uma parede com espelhos que iam do chão ao teto.
Vários alunos já estavam por ali, alguns olhando o próprio reflexo
enquanto cantavam e outros fazendo alongamentos como se fossem correr
uma maratona ou algo do tipo. Era uma turma diversificada. Pessoas com
cabelos coloridos, roupas chamativas e vozes empolgadas. E lá estava ela,
os cabelos dourados como se os fios fossem feitos dos raios de sol, os olhos
azuis cintilantes, tão límpidos quanto um céu de verão. Candice podia
passar despercebida no meio de tantas pessoas diferentes. Mas não passaria
despercebida para mim. Nunca para mim.
Ela prestava atenção em uma mulher mais velha, que supus ser a
professora e, discretamente, me esgueirei pelo meio dos alunos, parando ao
lado da minha futura falsa namorada.
— Oi.
Candice tomou um susto e colocou a mão sobre o coração. O
sorriso, dirigido para a professora, logo se fechou quando me viu.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, cochichando para que
ninguém mais escutasse.
— Eu sou seu namorado, ué. Esqueceu? — falei, e algumas pessoas
olharam na nossa direção, com alguns dedos apontados para mim e a
palavra “Kill” sendo pronunciada por alguns.
— Psiu! Fale baixo! — Candice puxou meu braço e me levou para
um canto da sala. — Nós não combinamos nada. E se perguntarem como
começamos a namorar?
— Não se preocupe, tenho certeza de que você dá um jeito. Afinal,
mentir parece ser algo que você ama fazer.
Candice me fuzilou com os olhos, o rosto adquirindo um tom
vermelh,o e eu dei meu sorriso mais safado. Ela abriu a boca para
responder, mas fui mais rápido.
— Xiu! Não atrapalhe a professora, por favor. — Apontei para a
mulher mais velha da sala, que começou algum discurso qualquer sobre a
importância da atuação para a formação de artistas.
Candice baixou os olhos, constrangida, mas enfiou o cotovelo na
minha costela, como se a culpa fosse minha.
Ia ser divertido conviver com ela.
A professora arranhou a garganta, um olhar severo na nossa direção,
e eu segurei o riso e fingi que estava prestando atenção no que quer que ela
estivesse falando. Não me importava com a disciplina, muito menos com
aquela baboseira sobre melhorar meu comportamento. Eu estava ótimo e
não seria uma matéria ridícula como aquela que iria me transformar.
Sara continuou com seu falatório sem fim e, em algum momento,
Candice chegou a anotar, em uma caderneta, rabiscos que não consegui
entender.
— Não sabia que tinha vontade de ser atriz — comentei,
percebendo que, além dos garranchos, havia alguns desenhos sobre a
página.
— Não está na hora de você ir embora? O que você sabe sobre
mim? Nada — ela cuspiu as palavras, baixinhos. — Deixamos de ser
amigos há muitos anos.
Ainda existia ressentimento por parte dela, por uma bombagem de
anos atrás. Mas não havia sido ela que enfrentou os últimos anos do ensino
médio com o boato de que tinha o pau minúsculo.
— Sei que você queria ser patinadora. Quando foi que surgiu a
vontade de ser a próxima Emma Roberts? — questionei, uma das
sobrancelhas erguidas.
— Quando foi que você achou que ter brincos e piercings seria uma
boa ideia? — Ela olhou os metais que cobriam minhas orelhas e depois meu
nariz. — Não sabia que era permitido usar essas coisas sendo jogador.
Dei de ombros diante de sua esquiva. Eu sabia, por Gus, que ela
tinha feito uma cirurgia no joelho, devido a um acidente durante uma
performance de patinação, mas nada que a impedisse de voltar a competir,
se quisesse.
— Não tem problema usar acessórios, basta tirá-los antes dos jogos
— expliquei porque sabia que muita gente não tinha conhecimento de como
funcionavam as regras do hóquei. — Uma pena que você não goste, as
mulheres adoram, principalmente o meu piercing.
Me inclinei na sua direção, a ponto de meu nariz ficar perto de seu
ouvido.
— Elas adoram a sensação do metal frio em contato com o meio das
pernas delas.
Candice derrubou a caneta no chão, chamando a atenção da turma, e
a professora caminhou até nós, parando no meio da sala e cruzando os
braços.
— Os pombinhos não estão gostando da minha explicação? — a
professora, de rosto estreito e cabelos curtos, questionou.
— Desculpe, professora Sara. Meu namorado já está de saída, falei
que ele estava atrapalhando aula e ele vai embora. — Candice abriu um
sorriso que eu poderia jurar que era sincero, se eu não a conhecesse. — Sai
da minha turma Killian, antes que eu te esgane.
O sussurro pareceu ameaçador, mesmo que ela fosse, talvez, uns
vinte centímetros menor que eu.
— Essa é minha turma também — respondi, fingindo estar
ofendido, e logo Candice me fuzilou com os olhos.
— Killian, pensei que eu era a mentirosa.
— Bom, é você que é, já que não estou mentindo.
— Vocês não parecem que estão levando a matéria a sério, uma vez
que atrapalharam minha aula enquanto eu falava sobre a peça que vamos
realizar no fim do ano. — A professora interrompeu uma possível resposta
de Candice.
A mulher mais velha tocou o queixo, pensativa, e começou a andar
de um lado para o outro, enquanto os alunos a observavam indo para lá e
para cá.
— Expulsá-los da sala não agregaria em nada à falta de respeito. —
Sara era uma mulher empolgada, mesmo que parecesse furiosa, um sorriso
não deixava seus lábios pintados de vermelho. — Por isso, tenho uma ideia
melhor. Vocês dois serão os protagonistas da peça, assim aprenderão sobre
responsabilidade de forma prática, sem sermões.
A professora bateu palmas como se tivesse chegado a um veredito, e
eu olhei para Candice em busca de uma reação, um protesto ou qualquer
coisa do tipo, porque eu não queria ser o único irritado naquela situação,
mas a única coisa que vi em seu rosto foi o desespero.
Sara virou as costas e continuou a falar sobre a peça, que seria uma
releitura de "A Bela e a Fera". Eu não pude deixar de sorrir com uma
possível ironia do destino, mostrando que eu era um maldito monstro,
enquanto Candice era a exata perfeição, como a Bela.
Quando a aula acabou e peguei minha mochila, colocando-a sobre
as costas, Candice me cutucou e depois apontou para o corredor.
— Precisamos conversar.
Nunca a tinha visto tão séria, por isso segui-a até o lado de fora da
sala, onde ela se aproximou de mim e me deu um beliscão.
— Ei!
— Por sua culpa seremos os personagens principais da peça.
— Pensei que você queria ser uma atriz de sucesso — comentei, não
entendendo seu mau humor.
— Claro que eu quero, mas estou no primeiro semestre, não sei nada
sobre atuação. — Candice levou as mãos para o ar, exasperada.
— Bom, é para isso que essa disciplina serve. — Cruzei os braços,
eu também não queria participar daquela maldita peça. Não queria
participar nem daquela maldita disciplina.
Candice colocou uma mecha do próprio cabelo atrás da orelha e me
encarou.
— Quando você iria me contar que seríamos colegas de classe?
Então sua raiva era por isso. Eu tinha omitido o fato de que iria
pagar uma matéria do curso de teatro.
— Pensei que você me odiasse e não quisesse saber de mim.
— Você fez eu me sentir mal por ter pedido para fingirmos um
namoro. Antes era só eu que precisava de você, mas agora você precisa de
mim. — Ela esbanjou um sorriso sinistro, um que fez meus pelos se
eriçarem.
— Por que você acha isso?
— Você sabe alguma coisa sobre teatro? — Candice perguntou e eu
me encolhi. Claro que não sabia de merda nenhuma e se quisesse me
manter no time teria que passar naquela matéria. Ela estava certa. Eu
precisaria de sua ajuda, ela só não precisava saber disso.
— Claro que eu sei. — Dei de ombros, tentando parecer
convincente. Foi aí que uma lembrança surgiu na minha mente, uma que
veio bem a calhar. — Acho que sei mais do que você. Afinal, não fui eu que
saí correndo do meio do palco porque queria fazer xixi.
— Killian! — Candice cruzou os braços, furiosa, os olhos claros me
fuzilando. — Eu tinha sete anos.
— Foi tão lindo ver você correndo, as asinhas se mexendo, o
vestidinho verde subindo e descendo ao passo que suas pernas se mexiam
— gargalhei, com a memória. — A Tinker Bell mais engraçada que já vi na
minha vida.
— Espero que você não precise de mim, porque vou fazer questão
de que passe vergonha na frente de todo mundo.
Eu sabia que suas palavras eram verdadeiras. Qual é, ela foi a garota
que começou um boato sobre meu pau, fazer eu passar vergonha durante
uma peça de teatro seria fichinha. Eu deveria ter ficado calado, deveria ter
pedido desculpas e pedido uma trégua, mas tudo o que fiz foi responder à
altura.
— Vamos ver quem vai rir por último, fadinha.
Dei as costas para a minha namorada falsa, deixando-a irada, e saí
caminhando pelo corredor quase saltitando, tamanha a felicidade por
finalmente ter um apelido para ela. Afinal, que namorado seria eu, se não
tivesse um?
CANDICE MILLER
Embora meu irmão fosse uma das estrelas do time de hóquei da
universidade, eu ainda não conhecia a Yost Ice Arena.
Meus pais já tinham ido ver alguns jogos de Gus, e por mais que vó
Greta tivesse sido comentarista, eu não era muito fã de hóquei. Ver outras
pessoas patinando no gelo me dava uma certa nostalgia, o que fazia sempre
me sentir mal ao saber que não podia mais ser uma patinadora artística. Mas
ali estava eu, sentada na arquibancada, vestindo a jersey do Lynx, e
aplaudindo enquanto o time principal treinava com afinco.
Meu irmão chegou a acenar para mim, surpreso, quando eu gritei
depois dele defender um ataque. Mas eu não estava ali para torcer por ele,
por mais que um pedacinho de mim estivesse feliz em vê-lo tão bem em
campo. Eu estava ali para fazer meu papel de namorada de Killian.
Ele havia ido à minha aula de teatro e feito eu passar vergonha,
ainda fez eu ser escolhida para interpretar a Bela da peça A Bela e a Fera.
Por mais que estivesse naquele curso para valer, desejando alcançar o
sucesso, eu ainda era inexperiente e tinha certeza de que outras pessoas da
turma seriam mais capazes que eu.
Agora, eu estava em seu território, como uma namorada presente e
histérica. Gritando quando Killian fazia alguma defesa espetacular, jogando
o disco para longe, ou quando empurrava algum jogador sobre o painel de
proteção.
Vi seu rosto virando na minha direção umas duas ou três vezes, e eu
mandei um beijo apaixonado na sua direção, quando na verdade queria
torcer o seu pescoço.
Muitas pessoas assistiam ao treino, embora a maior parte dos
torcedores presentes fossem jovens garotos que um dia queriam ocupar
aquele espaço como grandes jogadores. Do lado oposto de onde eu estava,
um grupo de garotas com camisas iguais gritava desesperadamente, e
suspeitei que aquele fosse um fã clube dos jogadores ou algo parecido. O
time era famoso, não tinha jeito, e, mesmo que custasse acreditar, até
mesmo meu irmão era idolatrado no campus. A fama dele de pegador fazia
eu me perguntar se ele era realmente o Gus que eu conhecia.
Reputação parecia algo importante para os jogadores. E pela
primeira vez, entendi o que Killian quis dizer sobre sua reputação. Ele era
famoso, desejado não só pelos times profissionais, como por mulheres de
todos os tipos. Eu não tinha ideia do que “namorar” Killian poderia
significar, mas sabia que estragaria todos os seus planos de pegar outra
pessoa. Pensar nisso me incomodou, não só porque fui egoísta quando disse
para Kim que ele era meu namorado, sem pensar sobre como prejudicaria
ele, mas também porque imaginá-lo com outra pessoa mexia com meu
coração idiota, que ainda pensava que eu tinha treze anos.
— Coração idiota — sussurrei baixinho para mim mesma, tentando
colocar na minha cabeça que Killian não era mais meu crush.
— Está falando sozinha? — A voz do homem que eu queria
esquecer ecoou em meu ouvido.
— Você jogou muito bem — desconversei, desejando que ele não
tivesse escutado o que falei.
— Eu sempre jogo bem. — Killian abriu um sorriso convencido. —
O que está fazendo aqui?
— Hoje é a festa da Kim. Vai ser nossa primeira aparição pública.
Depois de hoje todo mundo ficará sabendo sobre nós. — Olhei para Killian
como se aquele conjunto de palavras fosse o suficiente para explicar todo o
nervosismo que passava por meu corpo.
Se tudo desse certo eu entraria na irmandade e toda aquela loucura
de namoro falso valeria a pena.
— Ok. — Killian respondeu e curiosamente não notei nenhum tom
de deboche em sua expressão. — Ah, seu irmão está vindo aí, por favor,
conte a verdade para ele. Não quero que ele saiba por outras pessoas e
pense que eu estou comend... pegando você.
Prendi a respiração só de pensar em Killian fazendo o que quisesse
comigo. Por que eu precisava ser uma pessoa que sempre pensava no que
não deveria? Imaginação fértil era ótimo para meu futuro como atriz, mas
não quando meu cérebro insistia em focar em Killian e em sua beleza
descomunal.
— Você está vermelha, Candice — ele comentou, os olhos
passeando pelo meu corpo, o sorriso sexy marcando os lábios bonitos.
Bufei, bastavam alguns segundos para eu lembrar que ele era um
filho da mãe convencido.
— Não se preocupe com meu irmão, se preocupe com você e com o
fato de que hoje à noite precisa ser perfeito.
— Pode deixar. — Killian fez sinal de continência. — Vou ao
vestiário, se quiser eu levo você para casa.
Assenti com a cabeça e Killian saiu caminhando por um corredor
que dava acesso à parte interna da arena. Gus apareceu logo em seguida, um
sorriso marcando o rosto.
— Oi maninha. Bom ver você por aqui. — Gus estava com o rosto
vermelho, a fala meio acelerada e me perguntei se ele estava nervoso com
algo.
Gus olhou ao redor, como se procurasse por alguém, depois de uns
segundos, entretanto, voltou sua atenção para mim.
— Estava na hora de usar a camisa que você me deu. — Apontei
para o uniforme do Lynx que cobria meu tronco.
— Ficou perfeito — Gus comentou, retirando o capacete e passando
a mão nos cabelos castanhos. O suor brotava de sua testa e a respiração vez
ou outra parecia falhar, devido ao cansaço. — Vou tomar um banho e trocar
de roupa.
— Eu te ligo depois. — Me despedi do meu irmão, sentindo falta
dos momentos em que éramos apenas nós dois contra o mundo.
Sempre fomos muito unidos. Mas o jogo de verdade ou desafio não
havia abalado somente a minha amizade com Killian, mas também a que eu
tinha com meu irmão. Ele era um jovem de dezoito anos, preferia ficar do
lado do melhor amigo do que da irmã adolescente.
Vi as costas de meu irmão sumindo pelo corredor que dava acesso
ao vestiário. O nome MILLER, acima do número 13, gravado tanto na
minha camisa quanto na dele.
Resolvi esperar Killian do lado de fora. Conhecia seu carro, era o
mesmo que seu pai usara por diversas vezes quando ia na casa dos meus
pais, em alguma comemoração de 04 de julho ou outra data comemorativa.
Meus pais eram daqueles americanos tradicionais que comemoravam a data
com afinco, e mesmo que o pai de Killian fosse italiano, ele fazia questão
de levar os filhos e a esposa.
Me encostei no SUV azul, a calça jeans em contato com a lataria
brilhosa. Os All Star batendo no chão, ansiosa pelo que a noite traria.
— Entre no carro. — A voz imperiosa de Killian fez eu me virar na
sua direção e bufei a contragosto. Quem ele pensava que era para mandar
em mim?
— Querido, não vai pedir por favor? — fiz minha melhor cara de
namorada falsa, embora não soubesse exatamente como seria isso. Agora
que eu sabia que ele também precisava de mim, não iria facilitar.
— Entra na droga desse carro. Por favor.
Mesmo furioso, ele abriu a porta para mim e deu a volta no veículo
para se sentar ao meu lado.
— Tira essa maldita camisa antes que eu mesmo tire.
— Por que você está irritado?
— Você é idiota ou o quê? Você está com a camisa do seu irmão. —
Killian se aproximou de mim, o rosto ficando a centímetros do meu, os
olhos parando sobre meus lábios por um segundo e então retornando aos
meus próprios olhos. — Namorada minha não usa a camisa de outros
homens.
— Eu não tenho uma camisa sua — respondi, dando de ombros,
fazendo pouco caso do assunto.
— Não seja por isso.
Em um gesto rápido, Killian tirou a própria camisa e jogou na minha
direção.
— Você só vai assistir aos jogos do Lynx se for com meu nome
estampado nas costas. Fui claro?
— Como água. — Revirei os olhos, incapaz de acreditar no que
tinha acabado de acontecer.
Killian girou a chave na ignição e acelerou o carro, ligando o som
logo em seguida. Uma batida conhecida saiu das caixas de som e abri um
sorriso instantâneo.
— Isso é Van Morrison?
— Não sabia que gostava de rock — ele comentou, a carranca
finalmente dando lugar a um pequeno sorriso.
— Ele é um dos ídolos do Harry Styles.
— E quem é Harry Styles? — questionou, erguendo uma das
sobrancelhas.
— Você vive em uma caverna? Não conhece o One Direction? —
perguntei, já pronta para puxar meu sketchbook e mostrar as colagens,
juntamente com os desenhos, que tinha feito do meu membro favorito.
— Acho que já ouvi falar. — Killian levou uma das mãos ao queixo,
como se realmente estivesse puxando na memória a informação sobre a
maior boy band que o mundo tinha tido nos últimos tempos.
— O que você estava fazendo, sei lá, nos últimos anos?
— Não é o tipo de coisa que gosto de escutar. — Killian deu de
ombros, os músculos se contraindo com seu gesto e, inevitavelmente, me vi
analisando seu tronco nu, enquanto minhas mãos ainda seguravam a camisa
com o seu nome.
Por Deus! Ele tinha o corpo mais bonito que eu já tinha visto e olha
que eu tinha um poster do Harry Styles sem camisa no quarto da casa dos
meus pais! Killian tinha o abdômen trincado, os gominhos tão perfeitos que
pareciam uma pintura. Os braços bem definidos, fortes e malhados,
deixavam o conjunto perfeito. E ainda tinham as tatuagens. Uma aranha na
costela, uma medusa na parte superior do ombro que ia até as costas, onde
duas mãos se tocavam em uma cópia da famosa arte de Michelangelo. E, é
claro, havia as asas no antebraço.
Minhas mãos coçaram, ansiosas para pegar um dos meus inúmeros
lápis, ou uma caneta nanquim, meu sketchbook e começar um rabisco
daquele homem que parecia uma obra de arte.
— Gostando do que vê? — A voz de Killian me despertou dos
devaneios, fazendo eu desviar os olhos de seu corpo.
—Talvez com um terno fique melhor. — Tentei soar indiferente,
embora sentisse minhas próprias bochechas queimando. — Mas vamos
descobrir hoje à noite.
— Eu realmente preciso ir nessa festa? — ele perguntou, fazendo a
curva que dava acesso à rua do alojamento.
— Você não vai fugir, Di Angelis. Trato é trato. Você me ajuda e eu
te ajudo.
— Tudo bem, fadinha. — Ele estacionou o carro em frente ao prédio
e apoiou o cotovelo no volante, virando o rosto na minha direção. —
Preciso saber de mais alguma coisa? Ou apenas um terno será suficiente
para que meu charme faça as pessoas acreditarem que namoramos?
— Primeira coisa, não me chame de fadinha. — Apontei o dedo
indicador para ele. — Segundo, esse é meu número de celular. — Peguei
uma caneta da bolsa e, sem pedir permissão, anotei os números no seu
braço, bem próximo à tatuagem. — Vou pensar em uma história e
conversamos por mensagem.
Killian se assustou com meu gesto e, em um movimento rápido,
puxou o braço. Os olhos deixaram os meus pela primeira vez desde que
parou o carro.
— Eu não tenho celular.
— Como assim não tem celular? Todo mundo tem um celular.
— Eu não sou todo mundo. — Killian abriu a porta e saltou do
banco, vindo logo em seguida abrir a porta para mim. — Vamos, vá para
casa, estou atrasado.
Quis perguntar sobre a ausência de celular. Quis, ainda, questionar
para que estava atrasado, mas me lembrei que não era sua namorada de
verdade e que não deveria me importar com o que ele fazia ou deixava de
fazer.
— Me busque daqui uma hora. Ok?
— Tudo bem, fadinha. — Killian piscou um dos olhos na minha
direção, sem me dar tempo para rebater o apelido saindo de sua boca, e
seguiu de volta para o carro.
— Entre. — Dessa vez não vi ordem, apenas preocupação em seu
tom de voz, e avancei até a porta de entrada.
Não sabia se meu plano ia dar certo. Meu futuro dependia do cara
cuja camisa segurava nas mãos e que eu não sabia se podia confiar. Mas eu
estava disposta a arriscar. Não seria a primeira vez que Killian tinha o poder
em mãos, só esperava que não fosse um desastre, que nem da última vez.
KILLIAN DI ANGELIS
— Ai meu Deus, ai meu Deus! A gente devia ter ensaiado alguma
coisa. — Candice exclamou assim que desceu do meu carro em frente ao
The Detroit Club, clube social onde a Alpha Phi costumava fazer suas
festas.
Ela ficou o caminho inteiro calada, a testa franzindo vez ou outra, e
eu fiquei preocupado com sua repentina ausência de tagarelice. Foi só
chegar no local da festa, entretanto, que a Candice eufórica voltou à vida.
— O que eu faço, Killian? — Ela olhou para mim, os grandes olhos
azuis brilhando.
— Desiste e vai embora.
— Killian, você tem que dizer “vai ficar tudo bem” ou “vai dar
certo” — ela resmungou, dando um soco no meu braço.
A garota tinha ficado forte nos últimos anos. Talvez Gus tenha
ensinado para ela uma coisa ou outra sobre hóquei. Mesmo sendo o goleiro,
ele também era uma geladeira, como o resto do time. Robusto, alto, grande.
— Sorria, acene, finja. Não é isso que uma atriz faz?
Candice passou a mão pelos cabelos como se tivesse algum fio fora
do lugar e eu sorri. Ela estava linda em um vestido preto curto, os cabelos
soltos deixando as mechas caírem pelas costas. Uma meia calça escura
impedia que visse suas pernas, o que era uma pena, mas se ela queria
brincar de namoro, eu estava pronto. Ia colher os benefícios daquele acordo.
— Vamos. — Puxei sua cintura e dei um tapa na sua bunda.
— Que diabos está fazendo? — ela perguntou, olhando para mim.
— Será que eu vou ter que ficar te lembrando que é minha
namorada? — questionei, ajeitando a gravata, fingindo que meu pau não
pulsou só de um leve contato de minha mão com seu bumbum.
— Espero que saia tudo conforme planejado ou eu chuto seu saco.
Candice não me esperou e saiu andando sobre os saltos agulhas de
um jeito desengonçado. Eu poderia estar em casa, estudando química
orgânica avançada, ou mesmo escutando música em meus fones de ouvido,
enquanto pensava em alguma estratégia para os jogos que viriam em pouco
tempo. Mas ali estava eu, usando meu terno antigo, uma colônia cara e o
sorriso de milhões que só eventos daquele tipo exigiam.
Alguns caras da Ômega Teta estavam ali, principalmente os atletas,
mas aquele tipo de festa, chique, requintada, não era meu tipo favorito. Não
era a primeira vez que ia a festas como aquela, mas era a primeira vez que
eu ia acompanhado. Já que Candice ia ser uma atriz naquela noite, eu não ia
fazer menos. Ia ser uma estrela.
Entrei pela porta de vidro vendo a nata da sociedade americana
desfilando com suas roupas de marca e rostos plastificados. Alcancei a mão
de Candice, que olhava de um lado para o outro, e sussurrei em seu ouvido.
— Você está dando muita bandeira. Acalme-se. — Apertei meus
dedos entre os seus e ela respirou fundo. — Apenas me acompanhe.
Andei pelo salão dando um aceno ali, outro acolá, esbanjando meu
melhor sorriso e apertando algumas mãos. Querendo ou não, ser uma das
estrelas do time de hóquei exigia aquele tipo de comportamento. Se tudo
desse certo, daqui uns meses eu seria jogador profissional do New Jersey
Devils, afinal, havia sido draftado. Mas no mundo dos esportes,
principalmente do hóquei, ter passado pelo draft não era garantia de nada, o
Devils podia não me querer quando me formasse. Por isso, ter uma rede de
contatos era importante. Eu precisava socializar.
As garotas da Alpha Phi me olhavam com um risinho bobo no rosto,
e os namorados delas fechavam a cara na minha direção. Eu era acostumado
a chamar a atenção por onde passava. Fosse pela presença marcante, pelo
sobrenome conhecido ou pela promessa de ser um grande jogador. Candice
apenas ficou com os dedos grudados no meu, uma pequena camada de suor
cobrindo sua mão pequena. Ela estava nervosa e eu poderia entender. Um
evento daquela magnitude poderia deixar qualquer um sem jeito.
Olhei para os lados, em busca de comida, ou mesmo de alguma
bebida dando bandeira. A alegria de ter vinte e dois anos e poder beber sem
preocupações com a lei estava estampada em meu rosto.
— Puta que pariu. — A expressão saiu da minha boca sem eu
perceber.
— O que foi? — Candice questionou.
— Aquele é o Mario Lemieux! — apontei meio sem jeito para o
homem que tinha a idade aproximada do meu pai e quase dois metros de
altura.
Aproveitei que um garçom estava passando com taças cheias de
champanhe e peguei uma, virando o conteúdo de uma vez e devolvendo a
taça vazia para o garçom, que me olhou com perplexidade.
— Quem?
— Não conhece o Mario Lemieux? Ele é um dos maiores jogadores
de hóquei da história! — Passei a mão pelos cabelos, colocando-os para trás
e mais uma vez ajeitei o nó da minha gravata só para ter a certeza de que
não estava torto. — Como eu estou?
— Esquisito? — Ela me olhou com as sobrancelhas claras erguidas
e percebeu o que eu pretendia fazer. — Ah não! Por favor, não diga que vai
lá falar com ele.
— Claro que eu vou — falei, alisando o tecido do meu terno escuro.
— Eu sabia que vir com você a esse evento não era uma boa ideia.
Killian, você já olhou para mim? — ela questionou e eu sorri. Claro que eu
tinha olhado para ela. Como se eu conseguisse evitar admirar cada pedaço
de Candice Miller. — Eu nem coloquei maquiagem e mal consigo andar
nesse salto. Eu só quero que você fique ao meu lado até eu achar a Kim e
depois vamos embora.
Ela estava com vergonha? De que, se era a garota mais bonita da
festa? Estudei Candice, indo da ponta de seus cabelos claros até os pés
dentro daquele sapato alto de couro. E então, em um movimento rápido, vi-
a tocando a meia calça, ali, perto do joelho. Então era isso?
— Por que você está usando essa meia? — perguntei, desejando não
ouvir de sua boca o que imaginava que viria.
Candice desviou os olhos, as íris azuis indo parar nos próprios pés.
Seu silêncio disse mais do que qualquer outra coisa. Ela não queria mostrar
sua cicatriz. Tinha vergonha daquela parte de seu corpo. A constatação me
deixou furioso e, sem pensar duas vezes, puxei sua mão.
— Venha aqui. — Saí andando pelo salão, pouco me importando
com os rostos que viravam na nossa direção. Empurrei-a pela entrada do
banheiro masculino, olhando tempo suficiente só para ter a certeza de que
nenhum cara estava com o pau de fora por ali, mijando, e fechei a porta
atrás de nós.
— Tire os sapatos — falei, me ajoelhando na sua frente.
— O quê? — Candice olhou ao redor.
— Vamos, não tenho todo o tempo do mundo.
Candice se livrou dos sapatos altos e eu desci sua meia calça sem
nem titubear.
— Killian! — Candice cobriu a boca quando retirei a peça de roupa
deixando-a só de vestido.
— É disso que você tem medo? — Levei meus dedos até seu joelho
direito, onde uma cicatriz cruzava a pele. — De mostrar quem você é?
Ainda de joelhos, passei o polegar pela costura fina e clara que
marcava ali. Era a primeira vez que via sua cicatriz. Até então só a tinha
visto usando calças e um sorriso emoldurou meus lábios. Ela não precisava
se preocupar com uma porcaria de cicatriz, ou mesmo maquiagem. Candice
era linda, mesmo que não percebesse.
Sua pele macia e cheirosa fez eu querer continuar ali, uma mão
segurando a meia calça, a outra seu corpo. Foram apenas segundos, mas
tempo necessário para me fazer desejar mais. Muito mais. Levantei meu
rosto para ver Candice e talvez ela tenha pensado a mesma coisa, já que
sussurrou:
— Lian...
Meu corpo travou no mesmo instante, como se a respiração tivesse
congelado no peito. O nome. Aquele nome.
— De que você me chamou? — perguntei, ficando de pé, e encarei
Candice.
— Eu... me desculpe. Acho que você não gosta mais de ser chamado
assim. — Ela pegou a meia calça da minha mão e virou o corpo, pronta para
ir embora, mas eu não a deixei sair.
— Jamais faça isso de novo, fui claro? — Candice se encolheu de
costas para mim e eu segurei seu queixo e a virei de volta na minha direção
— Jamais peça desculpas para mim.
Lian! O nome que quase ninguém me chamava. Se ela soubesse o
quanto aquele nome saindo de sua boca era como ouvir o barulho das
cornetas dos anjos, entenderia que nada do que fizesse era capaz de me
irritar.
Ela balançou a cabeça em afirmação e eu girei a maçaneta, saindo
de volta para o salão. Candice veio ao meu encalço, enfiando a meia de
qualquer jeito em sua pequena bolsa cheia de brilho. Eu sabia que estava
passando dos limites quando o assunto era a irmã do meu melhor amigo.
Mas quem eu queria enganar. Ela mexia comigo.
— Acho que o seu ídolo foi embora, não o estou vendo por aqui. —
Candice comentou, olhando ao redor em busca do cara alto demais para
passar despercebido.
— Vamos procurar Kim e ir embora. — Aquela noite já tinha
passado dos limites. Eu tinha passado dos limites. Onde estava com a
cabeça quando aceitei participar daquela furada de namoro falso? Ia fazer
meu papel e dar o fora, antes que eu tirasse mais do que a meia calça de
Candice.
— Os senhores aceitam um canapé? — um garçom, com uma
bandeja enorme, parou na nossa frente e eu abri um sorriso. Finalmente a
parte boa da festa estava começando.
— Claro. — Peguei um e dei para Candice, depois peguei outro para
mim.
Já estava com a comida a caminho da boca, quando a mão de
Candice interceptou a minha.
— Ei!
— Não coma, tem camarão. — Ela pegou o canapé dos meus dedos
e enfiou na própria boca.
— Como você lembra que sou alérgico? — indaguei, curioso.
— Como eu esqueceria você tendo um piripaque na casa dos meus
pais? Sorte que seu pai estava lá, ou não sei o que poderia ter acontecido
com você.
A torta de camarão da Dona Mary, mãe de Candice e de Gus, estava
tão cheirosa, naquele dia de verão, que eu não me importei com os avisos
de minha mãe sobre “você não pode comer camarão, porque senão morre”.
Eu era uma criança e para mim aquela frase parecia uma invenção da
cabeça da minha velha. Quando meus pais e os de Candice estavam lá fora,
fazendo um churrasco qualquer em comemoração de alguma data
tipicamente americana, como era o costume dos Miller, me vi cedendo à
tentação. Eu não morri por pouco. Meu pai, que era médico, mais
especificamente, diretor de cirurgia abdominal do Holland Hospital, agiu
rapidamente, administrando uma injeção de epinefrina.
— Obrigado — agradeci meio sem jeito, imaginando que a cena de
mim quase batendo as botas poderia ter sido assustadora para uma garota
quatro anos mais nova.
— Se eu não estivesse aqui você poderia ter morrido! Preste
atenção, Killian. — Candice bufou, cruzando os braços sobre os seios.
— Se você não estivesse aqui eu também não estaria. Esqueceu que
me obrigou a vir?
— Foi mesmo? — A voz de Kimberly Davis chegou ao meu ouvido
e eu girei meus calcanhares para vê-la me encarando.
A líder da irmandade usava um vestido branco de bolinhas e mangas
compridas. A maquiagem extravagante chamava a atenção. Acima de uma
das pálpebras, a cor rosa se destacava, enquanto na outra, um verde
berrante. Kimberly era o tipo de mulher que chamava a atenção onde
passava. A pele escura em contraste com o cabelo loiro, o olhar de quem
sabia ler mentes, e o sorriso de uma garota que tinha tudo o que queria.
— Ele está brincando, Killian fez questão de vir à festa da Alpha.
Não é mesmo, fofinho? — A voz de Candice saiu trêmula e ela passou a
mão pela minha cintura, apertando minha pele, trazendo uma eletricidade
gritante por todo meu corpo.
O olhar que Candice me deu foi suficiente para saber que aquele era
um dos momentos em que, se eu sequer respirasse errado, levaria um chute
no saco. O que ela não sabia era que apenas seu toque em mim era
suficiente para deixar minhas bolas doloridas, mas não do jeito que ela
imaginava.
CANDICE MILLER
Nunca prendi minha respiração por tanto tempo! O que me levou a
pensar que eu deveria ter feito natação, não teatro. Ora era Killian Di
Angelis, o dono da minha respiração precária, com seus olhares lascivos e
sorriso estupidamente bonito. Ora era Kimberly Davis, com suas aparições
repentinas, a responsável por me fazer querer especializar em apneia.
— Kimberly, bom ver você por aqui — Killian comentou, a voz
grossa me despertando, e eu admirei seu rosto para ver um sorriso galante
ali.
— Killian, você realmente veio. — Kim tinha os olhos brilhantes e
os moveu de mim para Killian e depois de Killian para mim, repetidas
vezes. Quase como se não esperasse encontrá-lo ali. Como se acreditasse
que eu havia inventado tudo.
Eu tinha mentido? Sim, mas a sua falta de confiança trouxe uma
queimação em meu estômago. Tinha dito que ele ia na festa, não tinha?
Cumpri a minha parte do acordo, agora queria a vaga na Alpha Phi.
— Não podia perder um convite da minha fadinha. — Killian
passou o braço pela minha cintura, a mão quente e grande tocando meu
quadril, e mesmo que meu cérebro tenha virado uma gelatina diante dessa
aproximação, consegui abrir um sorriso.
— Eu preciso chamar meu irmão. — Kimberly faltou bater palmas
e, para uma garota sempre tão elegante, foi engraçado vê-la praticante
correr pelo salão em busca do familiar.
— Obrigada — agradeci baixinho.
Sabia que ali seria o momento para Killian fugir daquele acordo, se
quisesse. E quem eu queria enganar? O acordo só favorecia a mim. Não era
como se eu fosse uma estrela de Hollywood para ajudá-lo em Atuação I. Eu
era tão inexperiente quanto ele. Ainda assim, ele permaneceu no papel, sem
titubear.
— Dou muito valor ao meu saco — ele respondeu, ainda com o
braço envolvendo minha cintura.
Meu corpo insistia em aquecer onde seus dedos tocavam em mim.
Eu não era estúpida, sabia que o clima de Michigan jamais me deixava com
aquele nível de “calor”. Era Killian Di Angelis e o poder que ele tinha sobre
minha pele. Sobre mim. Quis me afastar, mas, acima da minha repulsa, quis
me manter perto. Como se ali, ao seu lado, fosse exatamente o local que eu
deveria permanecer.
Parecendo compreender a luta que travava dentro de mim, Killian
me soltou, levando a mão que antes segurava minha cintura até o bolso da
calça.
— Lá vem eles — falou baixinho e eu acompanhei seu olhar para
ver Kim voltando com um homenzarrão quase do tamanho de um poste.
— Esse é Peter, meu irmãozinho. — Kimberly anunciou assim que
se aproximou e eu comecei a questionar a sanidade daquela mulher. Onde
um homem daquele tamanho poderia ser “zinho”? — Ele tem quinze anos e
quer ser jogador de hóquei também.
Quê? Quinze anos? O que estava acontecendo com os homens? Gus
era um Pé Grande e, mesmo tendo os mesmos pais, eu estava longe de
chegar aos um e setenta de altura. O mesmo acontecia com Kim e o
irmãoZINHO, a diferença entre eles era gritante.
— Aquele jogo contra os caras de Denver foi...uau. — O garotinho,
que era três anos mais novo que eu, falou. A empolgação podendo ser
sentida em seus olhos brilhantes, parecidos com o da irmã. — Uma pena
que Connor foi afastado, ele é meu ala favorito. E você, você sem dúvidas,
é o melhor defensor que eu já vi, tirando, é claro, seu irmão.
O corpo de Killian enrijeceu no mesmo instante. Foi um movimento
quase imperceptível, mas eu notei seu maxilar travando. A postura rígida de
quem estava pronto para enfrentar uma batalha.
— Kenny tinha muito futuro no Detroit Red Wings. Tenho certeza
de que com ele o time ia ganhar a Copa Stanley. Não é?
A empolgação do tal de Peter se perdeu no ar. Killian ficou parado,
o rosto petrificado, a expressão congelada, tal qual uma estátua de
Michelangelo, e eu me vi pronta para agir. Não sabia o que estava
acontecendo com ele, só sabia que queria livrar o desconforto que
claramente ele estava tendo. E, mais uma vez, improvisei.
— Claro que o Red Wings ia vencer a Copa Stanley, afinal, a equipe
é a maior vencedora nos Estados Unidos — comentei, o sorriso trêmulo no
rosto. — Vocês dão licença, eu e Killian vamos tomar um ar.
Não esperei por uma resposta, apenas acenei para Kim, peguei a
mão de Killian e o arrastei até a varanda do clube. A lua cheia surgia diante
do céu pouco estrelado, o trânsito, ainda agitado, trazia o barulho de
buzinas até ali. Encostei minhas mãos no parapeito da varanda, os dedos
tamborilando a estrutura de concreto. Esperei Killian dizer alguma coisa,
mas ele não parecia propenso a começar um diálogo, por isso fui a primeira
a falar.
— Sinto muito por não ter conseguido ir ao enterro. — Minha voz
soou fraca, baixa, e eu encarei o céu, sem coragem de olhar para ele.
A morte de Kenny foi chocante para todo mundo. O mais velho dos
irmãos Di Angelis havia entrado há pouco tempo no time profissional de
Detroit, e eu não precisava ser fã de hóquei para saber que aquela
contratação foi gigantesca. E então, em um dia, tudo mudou.
Admirei a lua brilhante, me perguntando se realmente tínhamos
chegado até ela ou se era apenas fake news espalhada pelos Estados Unidos
para sacanear a Rússia durante a Guerra Fria. "Um pequeno passo para o
homem, um grande salto para a humanidade". Foi o que o astronauta disse
quando pisou no satélite natural. Frase bonita e que sempre me fazia
lembrar o dia que tudo mudou.
Foi um pequeno passo, mas a queda foi catastrófica. Minúsculas
atitudes, gerando consequências grandes demais. No meu caso, um passo
errado e rompi o tendão patelar no joelho. No caso de Kenny, um segundo e
um motorista atravessando o sinal vermelho, ceifando a vida da jovem
promessa do hóquei.
— Eu sinto muito que não te visitei após a cirurgia — Killian
comentou, a mão indo até meu ombro e eu olhei para ele, que encarava o
céu.
Seus cabelos pretos e lisos se moviam de acordo com o vento. As
sobrancelhas cheias e bem desenhadas franziram, formando um pequeno
vinco entre elas. O nariz, levemente pontudo, acrescentava um ar másculo a
um homem que exalava testosterona em seus quase um metro e noventa de
altura. Os lábios bem desenhados permaneciam fechados em uma seriedade
que eu raramente via. Porém, de todo o conjunto impressionante que
compunha o rosto de Killian, o que mais chamou minha atenção foram seus
olhos. Suas íris escuras, enquanto admiravam a lua, como eu tinha feito há
pouco tempo, despertaram minha curiosidade sobre o que se passava em
sua mente.
— O que está pesando? — perguntei, curiosa.
— Em como você está bonita — disse, encolhendo a mão e
desviando os olhos para mim.
— Mentiroso. — Empurrei meu cotovelo em suas costelas. Ele fez
uma careta e eu sorri. Sabia que ele estava mentindo, ainda assim senti meu
coração acelerar.
— Eu não sou o tipo de cara que mente. — Ele deu de ombros, o
sorriso zombeteiro voltando a marcar seus lábios.
— É mesmo? E o que estava fazendo ali na frente da Kimberly? —
questionei.
— Só menti por você. — Apontou o indicador na minha direção. —
Agora que já dei o ar da graça nessa festa, vamos embora.
A festa tinha perdido todo o clima depois que o assunto “Kenny”
veio à tona, mas eu não podia deixar Killian ir embora com um gosto
amargo na boca. A culpa de ele estar ali era minha e o mínimo que podia
fazer era tentar tornar a noite um pouco mais agradável. Por isso tive uma
ideia.
— Eu quero fazer uma coisa antes.
— O quê?
— Tirar fotos. Vi que tem uma cabine de foto perto da entrada.
— Por que você quer tirar fotos comigo? — questionou e eu bufei,
revirando os olhos.
— Somos namorados, se não formos lá será, no mínimo, estranho.
Killian passou as mãos pelos cabelos e depois suspirou.
— Vai ser divertido — falei, segurando seus dedos e o arrastando
pelo salão.
Ele não protestou, e seguimos até o local onde um casal saía da
cabine com os rostos marcados de batom e risinhos contidos. OK, talvez a
ideia da cabine não tenha sido a melhor, porque claramente todo mundo
sabia que era um local de pegação. Todo mundo, exceto Killian, porque ele
me olhou com um olhar curioso.
— Tava rolando aqui o que penso que tava rolando? — questionou,
quando entrou no espaço que mal cabia seu corpo grande.
— Claro, você nunca foi com uma namorada em uma cabine? —
questionei.
— Eu tenho cara de quem já teve namorada? — Ele arqueou uma
das sobrancelhas, me encarando como se eu fosse maluca.
— Para que ter uma se pode ter várias, não é mesmo?! — bufei,
empurrando-o sobre o banco e me sentando ao seu lado.
— Não tenho culpa se as mulheres me amam — Killian comentou, o
sorriso safado no rosto. O sorriso que fazia meu coração acelerar.
— Parece que não amam tanto assim, já que nenhuma delas te
trouxe em uma cabine para se atracar com você — resmunguei, cruzando os
braços, me arrependendo de sequer ter pensado em trazê-lo em uma.
— Elas não precisam, se podem me ter no banheiro, no carro, no
chão ou na cama.
Tentei não pensar em Killian em cada um desses lugares. Em como
seria ser fodida por ele repetidas vezes. Mas falhei miseravelmente, tanto
que um pequeno gemido escapou de meus lábios.
— Candice Miller, você está vermelha. Não diga que estava
pensando em nós dois juntos.
— Killian Di Angelis, você não teria o prazer de me ter nem que
fosse o último homem do planeta — falei, a voz saindo trêmula até para
meus próprios ouvidos.
— É mesmo? — Killian se ajeitou sobre o banco, passando um dos
braços pelo meu ombro e me puxando para si.
Toquei seu peito, pronta para empurrá-lo, mas o que senti ali me
deixou em choque. Seu coração, assim como meu, estava acelerado.
Rápido.
Veloz.
Frenético.
O flash da câmera veio de uma vez, me deixando confusa e, naquele
momento, ao lado de Killian, seu braço ao redor do meu, o calor de seu
corpo aquecendo cada molécula do meu ser, eu só tive certeza de uma
coisa: nunca tinha sentido aquilo antes.
O desejo de ficar ao seu lado. O conforto que só sua companhia era
capaz de trazer. O frio no estômago em meio ao fogo que dominava as
outras partes. A pulsação desenfreada em partes específicas do meu corpo.
Sentimentos estranhos. Sensações esquisitas. Talvez fosse
necessário eu procurar um médico.
KILLIAN DI ANGELIS
— Esse hambúrguer está perfeito! — Candice comentou, largando
metade do hambúrguer sobre o prato para logo depois levar o dedo
indicador à boca e sugar a gordura que escorria por ali.
Uma cena simples, que eu já tinha visto várias garotas fazendo, mas
nunca com tanta naturalidade. Nunca me causando tanto tesão. Me remexi
sobre a cadeira de plástico da lanchonete temática e engoli a saliva que se
formou em minha garganta. Não podia pensar em Candice daquela forma.
Nunca.
Nunquinha.
Porra, ela havia espalhado para Deus e o mundo que meu pau era
pequeno!
Eu já tinha até mesmo visitado o Vaticano, durante uma das várias
viagens que fazia com a família à Itália. Não seria certo desejar a irmã do
meu melhor amigo. Seria?
— Está tudo bem com você? — ela questionou, os olhos grandes e
azuis fixos em mim.
— Estou apenas pensando que uma festa chique como aquela não
tinha comida de verdade. — Arranhei a garganta tentando soar verdadeiro,
passando a mão sobre o terno que fazia eu parecer deslocado no ambiente
com vibe dos anos 70.
Merda, eu havia falado que não mentia, não era mesmo? Mas falar
“Estou com vontade de comer você sobre essa mesa” não era uma opção.
Não com Candice. Não com a garota que me odiava só porque falei que ela
era BV.
O que eu tinha na cabeça quando ao invés de deixá-la no
alojamento, a convidei para jantar? Eu tinha que ficar distante, não a vendo
manusear a boca de forma tão sensual com a porra de um pão com carne e
queijo.
— Os canapés legais todos eram com camarão. Duvido que tenham
pensado nas pessoas com alergia. — Ela sorriu, voltando a pegar o
hambúrguer, e eu fechei a cara.
Se eu não gostava de Candice zangada, gostava menos ainda de
Candice simpática. Ela havia me livrado de Kimberly e seu irmão, sem
pedir nada em troca, sem perguntas ou olhares questionadores. Ela apenas
havia sido a Candice, a garota meiga que eu conhecia. E ela era perigosa
demais, era a mesma que fazia eu ficar duro nas horas mais inapropriadas.
— Sua zanga, então, era fome? — questionei, pronto para enfurecê-
la, para trazê-la de volta em nosso jogo cão e gato. — Porque suas palavras
foram que eu jamais te teria, mas você está aqui comigo, comendo
hambúrguer e gemendo.
— Eu não estou gemendo! — Candice comentou alto, fazendo uma
das garçonetes com visual hiponga quase cair dos patins de rodinha.
— Fadinha, não precisa se zangar, isso nem foi a coisa mais obscena
que fez essa noite.
Pronto, meu comentário foi o suficiente para fazer Candice ficar
vermelha. Primeiro as bochechas, depois as pontinhas das orelhas.
— Você é um idiota, Killian. — Ela puxou o milkshake de chocolate
e sugou o conteúdo pelo canudo com força. Será que não percebia que
agindo daquele jeito era pior?
— Quando você acha que podemos parar com essa baboseira de
namoro falso? — perguntei, girando o canudo pelo copo vazio do meu
próprio milkshake, que eu tinha tomado rápido demais.
— Está odiando conviver comigo?
— Sim, não posso transar com outras garotas enquanto estiver com
você. — Dei de ombros, tentando não falar a verdade que era: sim, porque
quero transar com você e não posso fazer isso.
— Nojento. Você só pensa em sexo — Candice falou bem na hora
que a garçonete vinha trazendo a conta e, mais uma vez, a atendente ficou
chocada. Dessa vez, entretanto, ela fixou os olhos em mim e pelo sorrisinho
de canto de boca, parece que gostou do que ouviu.
— Aqui está a conta. — Ela pegou uma caneta, tão brilhosa quanto
sua blusa, do bolso da calça de cintura alta e anotou o número de telefone
no pedaço de papel antes de me entregar.
— Obrigado. — Puxei alguns dólares da carteira e entreguei para a
moça que devia ser um pouco mais velha que eu. — Mas eu só tenho olhos
para uma garota essa noite.
A garçonete esbanjou um sorriso amarelo e se retirou. Eu me virei
para Candice, para vê-la com a boca aberta. Esperei um sermão, um
xingamento de “mentiroso” e até mesmo seu cotovelo em minha costela,
Candice, porém, não esbanjou nada, além de um semblante que não
consegui ler.
— Fiz algo de errado? — perguntei, curioso.
— Não, é só que não esperava que você fosse agir assim, quer dizer,
ela é bem bonita.
— Eu sou seu namorado. Pode ser um namoro falso, mas o mínimo
que ofereço é respeito e, claro, exclusividade — falei, me levantando da
cadeira e estendendo a mão para ela. — É um acordo de mentira, mas
enquanto for um acordo eu sou seu e você é minha.
— Você é possessivo — ela comentou, segurando minha mão e se
levantando também.
— Não gosta disso? — perguntei, andando até a porta de vidro e
abrindo-a para que Candice passasse.
— Para quem nunca teve uma namorada, está se saindo bem. — Ela
passou pela porta e andou em direção ao meu carro meio sem jeito sobre os
saltos.
Meus olhos passearam por suas pernas, agora sem as meias para
atrapalhar, seguindo em direção às coxas. E eu me lembrei mais uma vez
que ela havia espalhado o boato sobre o tamanho do meu pau. Talvez eu
devesse escrever um lembrete e grudar na testa, para não esquecer a
informação. Ou, quem sabe, mostrar meu verdadeiro tamanho, para que ela
jamais...PARA KILLIAN. Ela é a irmã do Gus e nunca poderá ser mais do
que isso.
Candice encostou o bumbum no meu Jeep, cruzando os braços, me
esperando. E ao invés de eu andar na sua direção, fiquei parado, admirando
sua beleza, sentindo ciúmes da porra da lataria do meu carro.
— O que está esperando, Di Angelis?
Que essa farsa não acabe nunca. Quis dizer. Mas acabei optando por
um caminho mais seguro.
— Que você me pague pelo milkshake e hambúrguer.
— Está falando sério? — Ela perguntou, se afastando do meu carro.
— Claro que não, fadinha. — Gargalhei, andando na sua direção. —
Você acha mesmo que eu ia te cobrar pelo jantar que eu convidei para
comer?
Ela deu de ombros e eu abri a porta do carro para ela.
— Vem, vou te levar para casa.
O banco do passageiro se moldou ao corpo de Candice e eu me
peguei pensando como ela ficava perfeita ali. Subitamente quis que a noite
não acabasse e engatei um assunto.
— Você trabalha, não é? — questionei assim que retornei à minha
própria porta e me sentei no banco do motorista.
— Sim, em uma cafeteria perto do campus, mas não é todo mundo
que é herdeiro de um dos médicos mais famosos do centro oeste.
— Se meu pai fosse tão rico assim teria me dado um carro melhor,
não acha?
— Ele, provavelmente, quer que você aprenda sobre
responsabilidade. Não quer te dar tudo de mão beijada — Candice falou,
pegando uma mecha do cabelo e enrolando-a em volta do dedo. — Mas não
se preocupe, daqui a pouco você será milionário quando entrar na liga
profissional. Poderá ter o carro que quiser.
— Atrizes de Hollywood também ganham bem — falei, colocando a
chave na ignição, mas sem vontade de ligar o carro.
— Sim, as de Hollywood ganham mesmo, mas nem todo mundo
chega lá. Geralmente os astros começam na infância, quando criança. E
bem, na minha infância eu só pensava em patinar e...
Ela ficou calada. Eu sabia o que queria dizer. Candice sempre havia
sido apaixonada por patinação. Na escola dava um show em apresentações.
Seu sonho havia mudado e quis perguntar o porquê. O acidente no joelho
era o único culpado? Mas ela não parecia disposta a querer entrar naquele
assunto e, como uma pessoa que também guardava meus próprios segredos,
não questionei.
Liguei o carro e estava pronto para colocar o cinto de segurança,
quando percebi Candice tocando os ombros com as próprias mãos.
— Está com frio?
— Um pouco. — Tirei meu paletó e girei meu tronco para colocar a
peça sobre seu corpo pequeno. A peça de roupa ficou enorme nela, mas iria
aquecê-la e era o que importava. — Obrigada.
— Disponha, fadinha.
Sem pressa, acelerei pela rodovia que àquela hora estava deserta. O
relógio do carro indicava que passava das onze da noite e eu não queria ter
problemas no outro dia pela manhã, com as aulas e treino, mas a cada
quilômetro que eu me aproximava do alojamento, sentia meu coração se
apertar. Como se aquela noite fosse única, mágica, e, quando a irmã do meu
melhor amigo saísse do meu carro, eu tivesse a certeza de que voltaríamos a
ser apenas um par disfuncional de ex-amigos.
Mesmo indo devagar, não pude evitar de chegar em frente ao
pequeno prédio onde ela morava. Eu já tinha estado ali algumas vezes, as
calouras de diversos cursos costumavam se hospedar nos alojamentos até
arranjar alguma irmandade ou ficavam ali até se formar.
— Seu quarto é em que andar?
— Terceiro.
Não parecia o tipo de prédio que tinha elevador e eu
automaticamente olhei para seu joelho. Para sua cicatriz. Ela sentiu dor
dentro do meu quarto, no dia que me propôs o acordo. Será que sentiria ao
subir aquelas escadas com os saltos? Antes que Candice pudesse sair do
carro, me abaixei e tirei meus sapatos.
— Subir esse tanto de lances de escada pode prejudicar seu ... —
travei, não achei que seria algo que ela gostasse de escutar, por isso fui por
outro caminho. — Pegue meus sapatos, são mais confortáveis do que seus
saltos.
Candice me olhou, curiosa, os olhos azuis indo até o par gigante
demais para seus pequeninos pés.
— Entendo por que as garotas caem de amores por você —
comentou.
— É mesmo? — questionei.
A loira tirou os saltos e os enfiou dentro da bolsa e me perguntei
como um acessório daquele tamanho comportava tantos objetos. Depois
pegou os sapatos que eu segurava.
— Você tem um certo charme, com esse jeito protetor — falou, o
corpo inclinado, enquanto enfiava os minúsculos pés nas minhas quase
pranchas de surf.
Seus cabelos caíram para frente, deixando o pescoço à mostra e eu
mordi meu lábio inferior, desejando sentir sua pele sobre minha boca.
— Você seria uma dessas garotas, fadinha? Se apaixonaria por mim?
— questionei, engolindo um nó que se formou em minha garganta.
— Jamais! Você não faz meu tipo. — Uma careta involuntária
cruzou meu rosto. Sua resposta doeu e eu era acostumado a dor. Um
jogador de hóquei tinha que ser.
— E qual seria seu tipo? — perguntei, não querendo parecer
ansioso.
— Um cara que não espalhasse sobre minha intimidade, já estaria de
bom tamanho.
Se Candice não tivesse sucesso com o teatro, talvez não fosse tarde
para seguir a carreira de jogadora de hóquei, porque a garota levava jeito
para a briga. Deixaria muitos marmanjos chorando no meio do rinque.
Ela não ia esquecer o que eu tinha feito, e tudo bem. Eu bem que
merecia seu ódio. Era melhor lidar com ele do que com seu afeto.
— Ótimo. Que bom que não faço seu tipo — retruquei, saindo do
carro e indo abrir a porta para ela. Candice saltou do banco, a bolsa a
tiracolo.
— Posso saber por que isso é bom? — questionou, pegando uma
chave de dentro da bolsa.
— Porque, fadinha, se você se apaixonasse, eu teria que te mostrar
uma parte de mim que iria te surpreender.
Candice olhou para o meio das minhas pernas, o rosto ficando rubro
e eu gargalhei de seu gesto. Era melhor que ela pensasse que era meu pau,
quando na verdade, era meu coração.
CANDICE MILLER
— Eu acho que estou hiperventilando! — falei pela terceira vez
enquanto meus olhos não saiam do Twitter, o celular da Samsung tremendo
nas minhas mãos.
Uma foto de Killian e eu na festa beneficente da Alpha Phi com o
seguinte comentário: "Vidas solteiras importam: O capitão do time de
hóquei, Killian Di Angelis, foi visto em uma festa com uma loira
misteriosa", foi o suficiente para estragar meu dia, que até então estava
maravilhoso.
— Você e um jogador de hóquei? Quando ia contar para a gente? —
Kira, questionou, uma das sobrancelhas erguidas, a câmera analógica
pendurada no pescoço por uma tira de couro. — Esse furo podia ter sido
meu.
A caloura de jornalismo sorriu e eu larguei o celular em cima da
mesa redonda de vidro onde Alice, Ava e Kira estavam ao meu redor.
— Não é nada sério. — Dei de ombros, ainda chocada por meu
"romance" com Killian ter ido parar na internet.
— Não parece um caso qualquer — Ava comentou, levando um
donuts com cobertura de morango até a boca.
— Ava tem razão, vocês parecem apaixonados, um ao lado do outro
na varanda do club — Alice falou. Ela, diferente das outras, não trabalhava
ali, mas vez ou outra ia estudar na calmaria da cafeteria ou aparecia apenas
para conversar com a gente.
As meninas eram ótimas. Nosso primeiro contato havia sido nas
semanas do curso de verão e de cara nos demos bem. Depois passamos a
dividir o alojamento. Quando comecei a trabalhar com Ava e Kira tudo
pareceu se encaixar. Embora Ava trabalhasse no turno da noite e Alice só
aparecesse vez ou outra, ainda assim éramos como uma família.
A Coffee & Chapters era um local divertido. Poder ganhar dinheiro
estando em um ambiente repleto de cafés e livros não tinha como ser ruim,
mas a companhia das meninas era ótima. Entretanto, o romance com Killian
tinha acontecido de forma tão rápida, que não tive tempo para contar a
verdade para elas.
Mas diante da notícia espalhada aos quatro ventos, não tinha muito
como fugir. Pensei até em continuar a farsa, mas elas eram minhas amigas e
eu confiava nelas. Mereciam a verdade.
— Não é como vocês pensam.
— Como assim? — Kira questionou.
Mesmo sendo caloura, já tinha o sangue de uma jornalista nata. Os
cabelos escuros e longos estavam amarrados em um rabo de cavalo e ela
usava uma jardineira cor de beterraba em conjunto com uma camisa
listrada.
Respirei fundo, tentando controlar meus nervos que estavam à flor
da pele, e contei a verdade. Não mencionei o fato que tinha acontecido há
cinco anos, nada sobre nosso desentendimento na adolescência. Só falei que
éramos amigos e que decidimos por um acordo com benefícios.
— Ele deve ser um grande amigo, já que aceitou entrar nessa
loucura — Ava disse, um riso tímido desenhando seus lábios volumosos.
— Sim, ele é. — Senti meu rosto aquecer.
A lembrança de Killian me emprestando seu paletó e depois seus
sapatos fez meu coração dar um salto. Por mais que ele tenha sido
implicante, a noite foi divertida. Quando cheguei no quarto mal consegui
dormir. Sorte que Ava já dormia e não viu minha histeria.
O cheiro amadeirado de seu paletó me deixou zonza e eu esperei no
mínimo que seus sapatos tivessem chulé, quer dizer, ele passava o dia com
os pés enfiados em patins. Por isso me surpreendi ao notar que seus sapatos,
na verdade, exalavam um cheiro de talco (não que eu tenha realmente
levado eles até meu nariz para cheirar! Eca! Apenas constatei, quando
retirei o calçado na porta do quarto, que um leve odor de talco subiu pelo
ambiente).
— Não sabia que entrar na irmandade era tão importante para você
— Alice comentou, me tirando dos meus devaneios, e se levantou. Voltando
para a cadeira onde antes estava sentada, lendo um livro sobre equação
diferencial ordinária.
— Minha avó e mãe foram membros da Alpha Phi — respondi, e
ela me olhou com curiosidade.
Eu não sabia até que ponto era um sonho. Quer dizer, a minha vida
inteira eu só pensava em patinar, e depois que a oportunidade de continuar
fazer isso foi tirada em mim, eu me apeguei a outras opções: como fazer
teatro e entrar na mesma irmandade que minha família. Então por que eu
não me sentia plenamente feliz? Eu até mesmo tinha participado de outras
provas para entrar na irmandade, como o dia em que as meninas formaram
um grupo para tomar shots. O esforço havia valido a pena. Kim havia
ligado para mim, informando que eu seria aceita na casa. Mas ali estava eu,
choramingando por ter sido descoberta pelo Twitter, e não festejando por ter
conseguido atingir meu objetivo.
Eu não me importava com a Kim e com a Alpha Phi, quando o user
@boysdontcry disse que eu era uma Maria Patins interesseira e que era feia
para Killian. Ou quando a @dafnypants falou que eu deveria enfiar minha
cabeça em uma privada porque o cara mais gostoso do Lynx deveria estar
solteiro e não com uma mocreia horrorosa.
— Não ligue para os comentários maldosos — foi Kira quem falou,
vendo que eu tinha pegado o celular mais uma vez e estava olhando os
comentários. — As pessoas tendem a ser exageradas e sem noção quando se
escondem atrás de um computador.
Ela que havia me mostrado a foto. Como estudante de jornalismo,
estava por dentro de muita coisa que acontecia no campus. Na mesma hora,
pensei em ligar para Killian e contar para ele que àquela altura todo mundo
já sabia do nosso "namoro", mas lembrei que ele não tinha celular, o que só
me deixou frustrada.
Curiosamente, ninguém chegou a atacar Killian, eu fui a única
atacada pelas palavras de pessoas com rostos ocultos e nomes falsos. Para
piorar a situação, eu teria que pensar em um jeito de falar para Gus. Não
sabia como meu irmão iria reagir. Ele era um cara legal, mas não deixava de
ser meu irmão. Talvez ele me esganasse ou, quem sabe, esganasse Killian.
O que, na minha concepção, não seria nada mal. A culpa era dele, afinal,
por ser o ídolo do irmãozinho de Kimberly Davis.
Poderia até mesmo perguntar para Kira se Gus tinha falado sobre
algo com ela. Afinal, ele tinha vindo à cafeteria atrás dela. Eu sabia que
estavam saindo, mas não achei legal misturar as coisas. Não queria
interferir no que quer que ela tivesse com ele.
Suspirei, pesadamente. Não queria pensar em meu irmão, e muito
menos naquele tweet. Por isso, me esgueirei pelas estantes que tinham na
Coffee & Chapters. O ambiente era descolado, alguns puffs coloridos
espalhados perto do balcão, uma variedade de livros organizados em
estantes de madeira, uma música ambiente daquelas parecidas com as que
tocavam na área interna de um elevador. Um canto pequeno, porém,
aconchegante.
Passei os dedos pelas lombadas dos livros, olhando título a título
algum que me atraísse. Parei diante de uma capa ilustrada, um desenho de
um jogador de hóquei e uma patinadora artística. Um riso bobo chegou aos
meus lábios. Eu gostava de livros, não era do tipo que lia quarenta livros
por ano, mas, quando tinha tempo livre, poderia passar horas lendo.
“Icebreaker” não era um livro tão grande e nas primeiras páginas senti que
seria uma comédia romântica divertida. Escorreguei até o chão, sentando-
me de pernas cruzadas sobre a superfície gelada.
Folheei, uma, duas, três páginas. Depois mais uma dúzia e só
percebi que estava tarde, quando notei que Alice e Kira tinham ido embora,
ficando apenas Ava, na cozinha, preparando os doces para o outro dia. Por
algum motivo ela preferia cozinhar sem gente por perto.
— Pode ficar tranquila na cozinha, eu vou ficar aqui lendo um
pouco. — falei para Ava, que abriu um sorriso, ajeitou os óculos sobre o
rosto e voltou para seu cantinho favorito. — Só vou terminar esse capítulo.
Me sentei no puff, que era mais confortável, e não li só mais um
capítulo, como mais outro e outro. Em um dado momento, o fogo entre o
casal principal me deixou quase sem ar. A química entre eles era inegável.
Nada como um bom romance hot para fazer eu esquecer os problemas do
dia. Depois de um tempo, acabei pegando meu caderno e uma caneta
nanquim e enquanto ia lendo as páginas do livro ia, também, rabiscando
alguns traços sem sentido.
Romances hot e desenho foram minha salvação nos vinte dias que
fiquei com imobilizador, após a cirurgia no joelho. Ler, enquanto não podia
caminhar, foi uma opção segura e que me agradou muito. A paixão
avassaladora, o sexo selvagem, o amor sem limites. Eu era uma amante do
gênero. Mas tudo se tornou mais completo quando papai trouxe um
caderninho pequeno, com folhas brancas e sem pauta e umas canetinhas
coloridas, como se eu fosse adolescente, e não uma garota prestes a deixar o
ensino médio. No começo, me recusei a usar aquilo. Depois me vi
desenhando um traço, depois outro, e então peguei gosto pela coisa. Ainda
era iniciante, mas gostava de como ilustrar me acalmava quando tudo
parecia perdido.
Deixei minha mente divagar por um tempo, e quando olhei para o
papel, o que vi me deixou de boca aberta. Um desenho simples, uma mulher
encostada em uma parede. Um homem segurando o rosto dela com um
desejo súbito de beijá-la. O problema: a mulher parecia demais comigo
mesma e o homem... com Killian. Os cabelos lisos caindo sobre os olhos, o
piercing no nariz, a tatuagem das asas cobrindo seu braço esquerdo. Fechei
o caderno com força e o guardei na ecobag de pano, enfiando a caneta de
qualquer jeito no meu estojo. Guardei o livro de volta na estante, pronta
para ir embora antes que ficasse tarde da noite. Fui em direção à porta, com
a bolsa no ombro, o coração acelerado. Mas algo chamou minha atenção.
Uma pessoa me esperava ali. A chuva caía em um leve sereno e um
Killian ensopado, com as mãos enfiadas dentro do bolso, me encarou com
seriedade. Um arrepio cruzou meu corpo e eu agarrei minha bolsa com
força, com medo de que ele soubesse o que estava fazendo a segundos atrás.
— Finalmente te encontrei — falou, assim que a porta da cafeteria
fechou atrás de mim, levando uma das mãos até os cabelos, jogando os fios
escuros para trás. — Te procurei praticamente o dia inteiro. Fui ao
alojamento, à sala de ensaio e até mesmo ao Starbucks. Eu não sabia a
porcaria do nome da sua cafeteria. Então fui em cada uma em um raio de
alguns quilômetros do campus.
Meu cérebro estava cheio de perguntas. Ele havia estado na chuva
me procurando, era por isso que estava tão molhado? Aquela ruga em sua
testa era preocupação? Mas Killian travou os mecanismos dos meus
neurônios quando veio até mim, espremendo o corpo junto ao meu, debaixo
da cobertura da loja, onde as gotas de chuva não nos atingiam.
Por mais que ele estivesse úmido, senti o calor perpassando por mim
onde ele estava perto demais.
— Se você tivesse um celular saberia onde eu estava — comentei,
tentando soar como uma provocação, mas minha voz saiu em um fio,
nervosa e trêmula devido ao cheiro de Killian que me invadiu em cheio,
uma mistura de suor, maresia e virilidade.
— Eu soube do tweet — disse, as íris escuras fixas nas minhas. —
Li o que as pessoas escreveram.
A respiração de Killian estava entrecortada, era visível seu tórax
subindo e descendo, marcado pela camisa de banda de rock. Os dedos
longos e gelados tocaram meu queixo e ele ergueu meu rosto em sua
direção.
— Foi Gus que te mostrou? — perguntei. — Como ele lidou com a
notícia? Ele encrencou com você?
— Não se preocupe com seu irmão. Nós nos resolvemos.
Eu queria saber mais, mas Killian não parecia disposto a falar sobre
o assunto, em vez disso ele falou:
— Eu sinto muito. As coisas que li... se eu soubesse que as pessoas
iriam fazer aquilo com você, jamais teria aceitado esse negócio de namoro
falso.
— A culpa não é sua. Eu que coloquei você nessa confusão —
falei, baixando meus olhos, mas Killian aumentou a pressão no meu queixo.
— Ei, olhe para mim. Não há justificativa para comentários nojentos
e repulsivos.
Os lábios de Killian tremeram e eu não soube se pelo frio ou se por
ter dificuldade em se desculpar comigo. Algo que nunca esperei vindo dele.
— Você está congelando! — exclamei, escolhendo a primeira
opção.
— Não se preocupe, seu rosto está quente — comentou, deslizando
o polegar por minha bochecha. — Venha, vou te levar para casa, e se
alguém te importunar por conta do nosso namoro, me conte, que eu vou
acabar com a raça dessa pessoa.
A naturalidade com que ele me tratava, como se eu realmente fosse
sua namorada, era quase palpável. Quase me fazia acreditar que era real. E
mesmo que eu soubesse que era tudo uma mentira, me vi acreditando em
suas palavras.
KILLIAN DI ANGELIS
O suor pingava sobre meus olhos, enquanto a respiração escassa
fazia meus pulmões arderem. Não só as pernas estavam moídas, como os
braços também. O taco poderia pesar menos de meio quilo, mas os
movimentos dele com o puck eram sempre carregados de força. Pessoas
franzinas não eram jogadoras de hóquei e não era à toa. Era um jogo de
velocidade, pensamento rápido, e muita robustez.
A umidade da transpiração chegou na ponta do meu nariz e me vi
tirando o capacete para poder me livrar daquele calor que contrastava com a
pista gelada. Eu estava há tanto tempo treinando, fazendo movimentos
defensivos e usando cones de referência, que havia perdido a noção da hora.
Mas eu precisava dar meu melhor para os jogos que iriam começar. O resto
do time já tinha ido embora e eu havia ficado, para me doar, dar sangue, se
fosse necessário. Podia ser um cargo temporário, enquanto Connor não
voltava, mas eu era a porra do capitão. Respirei o ar gelado, vendo o vapor
da minha respiração se espalhando pelo ar. Me agachei, colocando as mãos
sobre os joelhos e fechei os olhos.
— Precisamos vencer o Frozen Four — falei em voz alta, o desejo
latente em cada parte de mim.
Desde pequeno, amava a sensação dos patins em meus pés, da
liberdade dos movimentos, da adrenalina percorrendo cada pedaço do meu
corpo. Meu irmão era dois anos mais velho, por isso foi natural acompanhar
seus passos. Ele era a pessoa mais incrível que eu tinha visto sobre patins e
eu queria me tornar tão bom quanto ele. Uma pessoa a ser admirada pelos
outros, mas por enquanto eu era só “o defensor gostoso que namorava a
loira sem sal”.
Os comentários do Twitter me deixaram irado. Como alguém tinha
coragem de falar mal de Candice? Ela era perfeita, e quem não visse isso
tinha que ir ao oftalmologista.
Abri os olhos e patinei até a porta de saída do rinque. Tirei os patins,
observando meus dedos dos pés machucados de tanto esforço, e o restante
dos equipamentos a caminho do vestiário.
Depois de um banho demorado, fui direto para a Ômega Teta. Me
tranquei no meu quarto e, puxando os fones de ouvidos, coloquei o álbum
Dark Side of the Moon do Pink Floyd em ordem aleatória. O clima na casa
não era dos melhores. O afastamento de Connor tinha sido um baque e
Finnick Colleman morar conosco só deixava as coisas mais tensas. Para
piorar, eu e Gus entramos em um conflito quando ele descobriu que eu e
Candice estávamos juntos.
Ele partiu para cima de mim e um de nós quase perdeu um dente
antes que pudesse dizer que era tudo mentira. Deixei claro que eu e Candice
não tínhamos nada. Gus era um cara tranquilo, mas eu não queria ser o
responsável por provocar sua ira. Ele falou para eu não brincar com
Candice e eu prometi que jamais faria mal a ela.
Pensar em Candice sempre me trazia uma sensação agridoce. Se por
um lado eu me sentia bem em sua companhia, por outro eu tinha medo do
que o futuro nos reservava. Ficar perto dela era um jogo perigoso.
Quando vi os comentários atacando sempre ela e nunca a mim,
soube para quem as piores consequências possíveis recairiam (e, com
certeza, não seria eu o prejudicado). Eu continuaria sendo um dos rostinhos
bonitos do Lynx, uma estrela em ascensão, mas e Candice? Como aquilo
afetaria sua vida? Tive que ir atrás dela para pedir desculpas, porque ela
merecia ser tratada como uma deusa, não humilhada na internet.
Girei a chave que trancava a primeira gaveta da minha escrivaninha
e peguei um caderno e um celular que repousavam sobre uns papéis.
Larguei o celular sobre a cama e folheei o caderno vendo a letra caprichosa
do meu irmão nas páginas.
— Sinto sua falta, Kenny. — Minha voz saiu em um sussurro, os
dedos tocando a tinta da caneta como se fossem capazes de amenizar a dor
que eu sentia no peito.
Cheguei na página onde "coisas para fazer antes de morrer" estava
escrito em cor vermelha e olhei a lista de desejos do meu irmão.
Eram atividades tão simples, mas que ele nunca teria a oportunidade
de fazer. Por isso, quando achei o caderno em seu quarto, depois do enterro,
eu fiz questão de guardá-lo, para tentar realizar cada vontade dele.
Meus olhos correram pela página e pararam na atividade "andar de
roda gigante" e um sorriso saudoso cruzou meus lábios. Como o jogador do
Detroit Red Wings, grande promessa do mundo do hóquei, poderia se
contentar com tão pouco?
Estava decidido, ia realizar aquele desejo no final de semana. Um
pedaço do meu coração se aqueceu por dentro, por pensar que, onde quer
que Kenny estivesse, estaria vendo meu esforço em continuar seu legado,
fosse no hóquei, fosse nas pequenas atitudes em seu nome. Meu pai, como
bom italiano, era um cristão fervoroso, e mesmo que eu não fosse do tipo
que ia à igreja, eu acreditava em Deus. Imaginar que o Todo-Poderoso tinha
guardado um bom lugar para Kenny era o que me acalentava.
Deixei meu corpo cair sobre a cama, os olhos varrendo a parede
oposta coberta de pôsteres. Estiquei os braços sobre o colchão macio e
minha mão tocou a superfície gelada do celular, agarrando o aparelho com
força. Senti uma vontade súbita de jogá-lo no chão, mas, em invés disso,
apertei o botão de ligar, sem saber ao menos se o aparelho estava carregado
ou não.
O visor deu sinal de vida, e me deparei com uma imagem minha de
anos atrás na tela principal. Ali eu não tinha as tatuagens, nem mesmo o
piercing e brincos. Ali eu não tinha preocupações. Ali eu não tinha medo.
Larguei o celular sobre a escrivaninha, como se ele queimasse a
minha mão, e tentei não pensar que eu havia sido a porra de um filho da
puta que não havia atendido a última chamada do irmão. Ainda podia
escutar a música alta tocando enquanto eu tomava banho e pensava que
quem quer que estivesse ligando poderia esperar ao menos eu desligar o
chuveiro e secar meu corpo com uma toalha. Não podia estar mais
enganado. O maldito celular nunca mais tocou. Kenny não ligou uma
segunda vez.
Furioso comigo mesmo, peguei o aparelho e abri a gaveta, pronto
para enfiá-lo lá dentro e nunca mais o tirar de lá. Mas então, quando meus
dedos já tinham dado meia volta na chave que trancava a gaveta, pensei em
Candice, em como fiquei desesperado por não a encontrar. Abri a gaveta
sem pensar duas vezes, e tirei o celular de lá. Ainda sabia o número que
Candice havia anotado em meu braço, o que só mostrava que, quando o
assunto era a irmã do meu melhor amigo, eu era um caso perdido.
Disquei o número de Candice e esperei por sua resposta.
— Alô?!
— Aqui é o Killian. — Minha voz saiu em um sussurro, os dedos
trêmulos segurando o smartphone que parecia não se encaixar bem próximo
ao meu ouvido.
A linha ficou muda por um segundo e a única coisa que consegui
escutar foi as próprias batidas do meu coração.
— Pensei que você não tinha celular. — Sua voz saiu mais como
uma dúvida e não acusação.
— Agora eu tenho. — Apertei o aparelho com força, absorvendo o
timbre de sua voz melodiosa. Por você eu tenho, quis dizer, mas continuei
de outra forma. — Você iria comigo para Chicago no fim de semana?
— Chicago? Fazer o quê?
— Andar de roda gigante. — Um meio riso saiu em minha fala. O
convite veio de forma tão natural que surpreendeu a mim mesmo.
— Uau, é um programa e tanto. — Candice também sorriu do outro
lado. — Isso é uma pegadinha?
— Claro que não. Quando foi que brinquei com você?
— Desde sempre! — Candice bufou e eu poderia jurar que do outro
lado da linha ela revirou os olhos. — Tudo bem, eu vou, mas antes você
tem que me ajudar na mudança para Alpha Phi.
— OK, temos um acordo — falei.
— Mais um — ela comentou e eu queria muito conseguir ler seus
pensamentos. Ela me odiava, ainda assim estava fechando mais um acordo
comigo. O que isso queria dizer?
— Parabéns por ter conseguido entrar na irmandade, fadinha.
— Obrigada, Killian. De verdade.
— Agora seremos vizinhos. — A realidade me atingiu em cheio. Eu
não era só o namorado falso ou o colega da turma de teatro. Agora seria o
vizinho, e pensar que teria Candice tão perto, todo o tempo, era demais para
minha sanidade. — A gente se vê depois, Candice.
Desliguei o telefone e passei a mão pelos cabelos, que insistiam em
cair sobre meus olhos. Poderia estar sendo ótimo passar os dias com sua
companhia, mas no fim do dia, ela era apenas aquilo: uma garota para eu
passar o tempo.
Ela era proibida. O fato de fazer meu cérebro ficar mole e o pau
duro, era apenas um detalhe. E eu não podia esquecer isso.
Candice Miller jamais seria minha e eu tinha que me conformar.
Tínhamos um pacto.
E nada mais do que isso.
CANDICE MILLER
Estalei meus dedos, nervosa, enquanto esperava Killian. Meu
reflexo no espelho da sala de ensaio mostrava que o suéter bordô, dado pela
minha avó, combinava com meus All Star vermelho.
Eu ia me mudar para a Alpha Phi e estava eufórica. Mas, mais do
que isso, estava ansiosa para contracenar com Killian, vê-lo em ação sendo
a Fera. Amava as princesas da Disney desde que me entendia por gente.
Como não gostar de histórias repletas de magia, amores avassaladores e
músicas legais?
— Está pensando em quê? — a voz grossa de Killian me fez girar
para encará-lo. — Em como eu pareço um príncipe de verdade?
O riso de canto de boca apareceu em seus lábios bonitos. E eu tentei
não pensar no fato de que, no quesito beleza, Killian deixaria qualquer
príncipe da Disney no chinelo. Mas ele não precisava saber.
— Não são todos os jogadores de hóquei que parecem? Quer dizer,
naquele dia do treino, vi pelo menos uma meia dúzia de homens bonitos.
Killian se afastou, o sorriso desaparecendo, e um vinco se formou
em sua testa, bem entre as sobrancelhas.
— Você estava olhando os outros caras? — perguntou.
— Claro, não sou cega. — Dei de ombros, fingindo não ligar para
sua reação, mas sentindo meu coração acelerar dentro do peito. — Tinha
um cara muito gato com o nome “COLLEMAN” estampado no verso.
Killian me lançou um olhar furioso, e meu sorriso se alargou com a
certeza de que ele estava irritado. Bastou uma rápida olhada para perceber
que, mesmo em meio a um time de homens bonitos, ele se destacava. Com
uma camisa preta de botões desabotoada e uma camiseta branca por baixo,
calças jeans escuras e tênis, ele estava tão atraente quanto quando usava o
uniforme do Lynx.
— Eu já disse que você é minha, não quero você secando ninguém
além de mim. — Parecia uma brincadeira vindo dele, mas sua voz não
vacilou nem por um segundo, e um suspiro baixo escapou da minha boca.
Eu poderia aguentar um Killian provocador, irônico e misterioso. Mas um
Killian possessivo, era capaz de deixar minhas pernas moles feito gelatina.
Como eu teria olhos para outra pessoa se Killian era como um ímã capaz de
atrair cada pedaço meu? — Por que você me chamou aqui?
Aproveitei sua mudança de assunto para me recompor.
— Vamos treinar — falei, puxando um roteiro da minha bolsa e
entregando para ele. — Eu sei que ainda está longe da apresentação e a
turma só vai começar a ensaiar daqui a duas semanas, mas como é sua
primeira peça, vamos precisar de mais tempo para você pegar o jeito.
— Candice, eu sou um cara de 1,89 de altura e 90 quilos que se
move como um velocista em cima de patins. Eu tenho jeito, acredite.
— Isso aqui não é um rinque. — Apontei para a sala de ensaio. —
Você não vai se apresentar em cima de patins.
Killian bufou e eu tomei o roteiro de suas mãos e comecei a lê-lo em
voz alta, para ele entender a história. Como suspeitei, Killian nunca havia
lido ou mesmo assistido A Bela e a Fera, só conhecia a existência da
história. Ele cruzou os braços e me encarou, enquanto eu mantive minha
atenção nas cenas.
— Pera aí, a professora disse que eu ia usar uma cabeça gigante em
formato de leão. Vou conseguir me movimentar com ela? Dançar com ela?
— sua pergunta, carregada de uma dúvida sincera, fez eu sorrir.
— Claro, você nunca foi em uma peça de teatro?
— Só fui à sua e foi traumatizante demais para que eu quisesse
repetir a dose. — Killian gargalhou, e eu senti meu rosto esquentar. Eu era
uma criança desesperada para ir ao banheiro enquanto estava em cima do
palco. Não tinha outra escolha senão dar no pé.
Caminhei em direção a Killian, os All Star fazendo pouco barulho
no piso amadeirado.
— Eu poderia pisar no seu pé.
— Não brinque com isso, meus pés são minha profissão, se eu os
machucar não tenho mais futuro.
Sua voz morreu assim que terminou a frase e tocou a testa com o
indicador.
— Me desculpe, não quis dizer isso — comentou, os olhos indo,
mesmo que rapidamente, até meu joelho.
Não o respondi, apenas voltei minha atenção ao roteiro, fingindo
que suas palavras não doeram. Principalmente porque eram verdadeiras.
Mas eu estava tentando me reerguer, não era mesmo?
— No começo, não teremos muitas cenas juntos, mas, depois,
praticamente todos os atos vão ter interações. Você é bom em decorar
textos? — perguntei.
— Bem, não sou o melhor do mundo nesse quesito. Já levei algumas
pancadas na cabeça, às vezes dá uma bugada — Killian falou com uma
normalidade que me fez sorrir.
— Venha. Precisa ler o roteiro e alguns ensaios de tabela, senão não
vamos para casa hoje.
— Ensaios de quê?
— Quando os atores leem o roteiro em cena. Isso ajuda a entender a
dinâmica das cenas e também a explorar a interação dos personagens.
— Não posso demorar muito. Tenho que organizar uma festa —
Killian comentou, cruzando os braços e, como abri a boca para protestar, ele
continuou. — Antes que reclame, é minha função como “síndico” da
fraternidade. Podemos ser bárbaros dentro do rinque, mas tentamos ser
civilizados dentro da Ômega Teta. Embora algumas vezes acidentes
aconteçam, como princípios de incêndio e porcos torcedores do Lynx.
Ergui uma sobrancelha, sem entender sobre o que Killian estava
falando. Porcos? Incêndios? Mas o que diabos aqueles fatos tinham a ver
com festas?
— Esquece. Pode continuar a ler o roteiro — ele falou, cobrindo
uma risada com a mão, como se a mera lembrança do que quer que
estivesse pensando fosse divertida.
Revirei os olhos e eu aproveitei seu momentâneo silêncio para
continuar a ler o roteiro em voz alta. Conhecia a história de A Bela e a Fera
desde a minha infância. A narrativa de uma garota sonhadora, apaixonada
por livros, que se envolve com uma fera reclusa, com a aparência de um
monstro, mas um coração de príncipe, sempre me encantou.
Minha experiência em cima de palcos se resumia à peça do Peter
Pan, mas eu considerava cada apresentação da patinação artística uma
apresentação tão importante e poética quanto. Em cada deslize pelo rinque
de gelo, em cada nota da música que tocava de fundo, eu me sentia entregue
à performance como se minha vida fosse aquilo e nada mais.
— Não acredito que a garota pediu somente uma flor, enquanto as
irmãs quiseram presentes caros e luxuosos — Killian se manifestou, me
despertando, e eu notei o quanto ele estava próximo, a ponto de que, ao
erguer a cabeça, poderia colidir com a dele. Seus olhos estavam fixos nos
papéis que eu segurava.
— Bela era uma moça simples.
— Qual a serventia de uma flor? — ele questionou.
— As mulheres gostam da simbologia. É uma forma de se sentir
admirada.
— Você gostaria de receber flores? — perguntou, com uma
curiosidade genuína, e eu quis que ele não estivesse tão perto, atrapalhando
meus neurônios de refletir.
— Nunca pensei sobre isso — ponderei, tocando, com o indicador, a
ponta do meu queixo. — Eu nunca tive um namorado, mas acho que se
tivesse um, gostaria que ele me presenteasse alguma vez com um buquê.
Dei de ombros, a questão não era o tipo de presente, era ser
lembrada. Bela não queria um objeto qualquer só porque era caro, ela
queria algo simples, mas que ao mesmo tempo mostrasse afeto e carinho.
— Cuidado com o que deseja, fadinha. Bela desejou uma flor e foi
morar com um monstro. — Killian fez um sinal com a cabeça em direção
ao roteiro.
— Se for pensar assim ela ganhou mais do que perdeu. Afinal,
depois do beijo verdadeiro, a Fera se transformou em um belo príncipe.
— Beijo? Vamos precisar nos beijar? — a pergunta de Killian saiu
em choque, sua voz atingindo notas graves e a mandíbula se contraindo.
— Claro — respondi o óbvio, e só então percebi o que ele queria
dizer.
Killian e eu íamos nos beijar. A BOCA de Killian ia encostar na
minha. Ai meu Deus! Só de pensar em sua mão nas minhas costas, seu
hálito quente se misturando ao meu, senti minhas pernas fraquejando. E
nada tinha a ver com meu joelho problemático.
Aos treze anos, eu ansiava por um beijo com Killian. Suspirava só
de vê-lo e queria provar seus lábios. Aos dezoito, eu estava em um dilema
entre socá-lo por ser um grande idiota gostoso ou puxá-lo e grudar minha
boca na dele por ser um grande idiota gostoso.
Eu não podia ter pensamentos daquele tipo com Killian. Não com o
garoto que havia me humilhado e que fazia questão de me provocar. Eu
tinha que manter a calma, e não surtar na frente dele.
— Não se preocupe, vai ser um beijo técnico. — Fingi serenidade
quando na verdade queria gritar.
— Eu não sei dar um beijo técnico.
— Eu te ensino — disse, notando que antes eu precisaria aprender a
dar um, porque eu também não sabia dar a porcaria de um beijo técnico.
— Você está insinuando que vamos treinar beijos? — questionou, as
íris escuras fixas nas minhas. Esperei seus lábios abrirem em um sorriso,
mas tudo o que Killian fez foi se manter sério. Seu pomo de Adão subiu e
desceu devagar, quase em câmera lenta, e ele pegou a mochila que havia
deixado no canto da sala e a colocou sobre as costas. — Ótimo, já podemos
começar amanhã, quando formos para Chicago.
Notei o tom sarcástico em suas palavras. Killian adorava brincar
comigo, Só que dessa vez, em seu semblante, vi algo que me deixou em
choque. Seus olhos faiscaram na minha direção, como chamas
descontroladas. Não era só um flerte inocente de um cara que sabia que
deixava calcinhas molhadas por onde passava. Era um flerte carregado de
desejo.
— Vamos, vou te levar para casa — comentou, andando até a porta
da sala, enquanto meu corpo, estático, não tinha forças sequer para se
mexer.
— Dispenso a carona hoje — sussurrei, fraca até mesmo para falar.
— Preciso falar com a Ava, minha colega de quarto. Vou para o alojamento
com ela.
Eu menti descaradamente, assim como havia feito com a Kimberly.
Estava se tornando uma rotina, e eu detestava como soava. Como se eu
fosse uma pessoa mesquinha, que só pensava em mim. Mas se eu parasse
para refletir, era exatamente isso que estava acontecendo. O problema era
que, naquele momento, em específico, eu estava pensando em como seria
beijar Killian Di Angelis.
KILLIAN DI ANGELIS
— Pensei que Gus não vinha! — Candice falou, os olhos se
arregalando quando escancarou a porta de seu quarto e viu, além de mim,
seu irmão.
— Para quê ter um brutamontes ajudando na mudança se você pode
ter dois? — respondi, sorrindo.
Gus havia arranjado as caixas para a mudança, e eu aproveitei que
ele estava livre para nos ajudar. Isso foi ótimo, já que eu não confiava em
ficar sozinho em um local com Candice. Não depois dela falar que ia me
ensinar a beijar. Não era seguro permanecermos a sós quando o que eu
queria era provar o sabor de sua boca.
Só que eu nem precisava ter me preocupado, já que a colega de
quarto de Candice estava ali. A garota de pele negra, de tom mediano, e
cabelos ondulados, estava lendo uma revista de culinária. Ela me encarou
por um segundo e depois voltou sua atenção para a revista.
Mas, somente com Gus ali, eu lembrava a cada segundo que
Candice continuava sendo a irmã do meu amigo e que nada entre nós
poderia acontecer.
— Acabei ficando livre, maninha. Está tudo bem com você? —
questionou, olhando para a irmã, como se não a tivesse visto há poucos dias
na cafeteria. Eu soube que ele tinha ido lá uma vez atrás de Kira. Gus olhou
de Candice para mim, e eu entendi o que ele estava tentando perguntar. Se
eu não tinha feito nada errado por conta do nosso namoro falso. Eu podia
entendê-lo, ele era um cara família e, acima de tudo, protetor.
— Está tudo ótimo, maninho — Candice se adiantou e deu um
abraço no irmão. Ela era tão baixa, que sumiu entre o paredão cheio de
músculos chamado Augustus.
Eu encarei a cena com certa inveja. Eles podiam ter suas
desavenças, mas eram unidos. E eu, subitamente, senti falta do meu irmão,
do seu jeito brincalhão e animado. De seu riso fácil e olhos amorosos.
— Finnick também se ofereceu para ajudar na mudança, mas eu
falei que não precisava. Você não tem tantas coisas assim — Gus falou e, no
mesmo instante, vi a colega de quarto de Candice, desviando os olhos da
revista e olhando para a porta, como se esperasse que Finnick Colleman
aparecesse por ali.
Achei seu gesto curioso, mas tinha muita coisa na cabeça para me
focar naquilo. Prestei atenção ao redor do cômodo, onde algumas caixas de
papelão já estavam fechadas. Seria uma mudança rápida.
— Obrigada. — Candice ficou acanhada, o rosto adquirindo um
leve tom rosado, e pegou uma pequena mala dourada, além de sua bolsa de
pano. — É só isso que tenho, já deixei tudo pronto para facilitar minha vida.
— Facilitou a nossa também. — Sorri, pegando duas caixas
empilhadas e carregando-as escada abaixo. Meu Jeep tinha um bagageiro
grande e caberia todas as coisas de Candice e ainda sobraria espaço.
Gus desceu com outras caixas e subi mais uma vez até seu quarto
para pegar o restante das coisas. Depois de acomodarmos tudo, Gus se
sentou ao meu lado e eu olhei pelo retrovisor interno em direção ao banco
de trás, onde Candice se acomodou meio sem jeito. Eu não sabia o que ela
estava pensando, mas vê-la ali, sem ser ao meu lado, parecia, de alguma
forma, errado.
— Está tudo pronto para a festa, Kill? — Gus questionou, colocando
o cotovelo para fora da janela, de modo despojado.
— Sim, já consegui os barris de cervejas e também os aperitivos. Já
deixei o Carlos avisado de que deve entregar pizza para a fraternidade às
19:00. Ah e, por favor, tente manter a ordem enquanto eu estiver fora. Não
quero que matem Finnick ou o afoguem em uma banheira.
— Pode deixar, oh captain, my captain. — Gus fez sinal de sentido e
riu. — O que você vai fazer mesmo em Chicago?
Eu não tinha falado os motivos que me levariam a fazer aquela
viagem, muito menos que tinha convidado a irmã dele. Me ajeitei sobre o
banco e mais uma vez meus olhos foram até o espelho, onde pude ver
Candice quieta.
— Vou tirar um tempo para mim. Preciso desestressar — comentei,
sabendo que Candice não iria me desmentir.
E ela não o fez.
Gus balançou a cabeça em concordância, não era difícil pensar que
todos nós do Lynx estávamos, de alguma forma, estressados.
Em poucos minutos, chegamos em frente à Alpha Phi, onde alguns
outros carros já estavam estacionados. Um conjunto de meninas loiras e
brancas também estavam descarregando suas próprias bagagens, e eu me
perguntei até que ponto se juntar com um monte de garotas estilo Meninas
Malvadas fosse um sonho para Candice.
Ela poderia estar arredia, zangada ou mesmo furiosa. Mas só
comigo. Eu sabia que ainda continuava sendo a garota tímida que tentava se
encaixar onde estivesse. Estacionei o carro e ela pareceu realmente
empolgada quando entrou pela porta de entrada da irmandade.
O processo de instalação de Candice em um quarto foi rápido.
Kimberly era organizada e na Alpha Phi não tinha surpresas como ter um
quarto no sótão que era um ninho de pombo, como no caso da Ômega Teta.
— Obrigada pela ajuda, maninho. — Candice abraçou o irmão, se
perdendo, mais uma vez, em meio aos músculos dele.
— Se precisar, só me chamar, contanto que não seja para ajudá-la
quando estiver perdida no campus. — Gus sorriu e se virou para ir embora,
só que ele ficou me esperando. — Eu...tenho uma coisa para falar com
você, Kill.
Andei até a porta, onde ele esperava, e então Gus tirou os óculos do
rosto, esfregando a lente na camisa de flanela. Seu rosto adquiriu um leve
tom rubro e então, depois de pigarrear, perguntou baixinho:
— Você sabe quando me perguntou se eu gostava mais de peito ou
de bunda?
— Claro, você respondeu que não sabia por que nunca viu nenhum
dos dois — comentei, abrindo sorriso.
— Bem, agora eu sei a resposta, eu gosto mais de peitos. — Meu
melhor amigo sorriu, voltando a colocar os óculos sobre o rosto, os ombros
relaxando como se tivesse tirado um peso deles.
— Isso é bom, Gus. Isso é bom. — Dei tapinhas nas suas costas,
orgulhoso pra caramba. Sabia que não era fácil se abrir sobre sua
inexperiência, e estava feliz que ele e Kira estavam bem.
Candice olhou, curiosa, na nossa direção, e eu aproveitei que estava
perto de Gus para falar:
— Preciso trocar uma ideia com sua irmã. Não me espere na
fraternidade, daqui já vou para Chicago.
Meu melhor amigo apenas franziu a boca, fazendo uma careta, e
cochichou em meu ouvido.
— Vocês estão indo bem, fingindo ser namorados. Continuem
assim. — levantou o polegar na minha direção em um “joinha” e saiu do
quarto, que agora pertencia a Candice.
— Você não falou para ele sobre a viagem — Candice comentou,
quando escutou os passos de seu irmão sumindo pelo corredor.
— Nem você.
Esperei uma resposta, mas ela só deu de ombros, sem dar
importância ao fato de que ia viajar comigo para outro estado.
— Suas coisas estão prontas? Quero ir cedo para voltarmos ainda
hoje.
Candice puxou a ecobag de pano colada ao corpo e eu assenti,
sentindo, subitamente, nervosismo por ter que ficar horas a sós com ela.
Dentro do carro, Candice se ajeitou sobre o banco do passageiro. Ao
meu lado. Onde ela sempre deveria se sentar. Bastou eu ligar o carro e
acelerar para que ela se apossasse do som do automóvel.
— Você se importa se eu colocar Fine Line do Harry para a gente
escutar?
— Harry Potter? Ele canta? — questionei, curioso, e Candice riu
tanto, que suas bochechas ficaram coradas.
Ela era tão linda, que tive que me forçar a voltar a olhar para a
estrada.
— Harry Styles — ela comentou, tocando nas minhas costelas com
a ponta do cotovelo. — Esqueceu que eu falei dele naquele dia?
— Eu disse que batia muito a cabeça — falei.
Candice começou a tagarelar sobre esse tal de Harry Styles, falando
sobre como ele havia sido descoberto, se juntado a uma boy band e depois
iniciado a carreira solo. Eu já estava irritado, me perguntando se esse cara
era tão foda assim e se era normal eu estar com ciúmes, quando ela
simplesmente se calou.
Olhei para o lado e a vi com a cabeça encostada na porta do carro, o
pescoço em um ângulo nada ergonômico e a boca aberta, emitindo um leve
ronco. Ela havia dormido do nada. Como alguém conseguia simplesmente
apagar desse jeito? Eu mesmo era o tipo de cara que demorava bastante
para pegar no sono. Boa parte das vezes só conseguia dormir escutando
música em meus fones de ouvido.
Dei uma rápida analisada em Candice, em como parecia calma de
olhos fechados. Em como, mesmo estando com os cabelos sobre o rosto e
um leve indício de baba na boca, era bonita.
Candice era linda, e nenhuma desavença entre nós poderia apagar
essa verdade absoluta.
Pisei no acelerador desejando chegar logo na cidade que era cerca
de duzentas e cinquenta milhas. Queria aproveitar o máximo de tempo
possível na companhia de Candice, mesmo que soubesse que era errado
pensar nela.

Candice só acordou quando estacionei o carro em frente ao Navy


Pier. A roda gigante podia ser vista de longe, e, apesar de ser perto do
horário do almoço, inúmeras pessoas passeavam por ali.
Era a primeira vez que eu ia a Chicago, mesmo sendo tão perto de
Ann Arbor. Eu gostava de viajar, sempre me divertia quando ia à Itália,
mas, depois que entrei na universidade, o foco da minha vida se tornou
estudar e jogar hóquei.
— Uau, é tão lindo — Candice falou, os olhos azuis arregalados na
direção da roda gigante.
— O que você acha de almoçarmos primeiro? — questionei,
sabendo que não deveria ser somente eu quem estava com fome.
Ela balançou a cabeça em confirmação e enfiou a mão em seu short.
Candice usava um moletom na cor vermelho escuro com uma estampa de
uma vela de desenho animado. Ergui minha sobrancelha para sua escolha de
roupa e esbocei um sorriso quando notei que estávamos quase combinando,
já que eu estava com meu moletom de Os Super Patos.
Meu objetivo em ir ali era andar na roda gigante, mas, para minha
surpresa, o píer contava com inúmeras outras atividades. Além dos
restaurantes, tinha um museu, cinema e até mesmo um teatro. Quando
Candice viu o Chicago Shakespeare Theater seus olhos brilharam. A
estrutura metálica com vidros chamava a atenção até mesmo de leigos como
eu.
— Não seria nada mal fazer uma apresentação aí, não é mesmo? —
questionei, vendo o rosto de Candice girar para trás à medida que
passávamos pelo teatro.
— Seria incrível — comentou com a voz embargada, quase como se
não conseguisse falar, e eu vi muito da garota de treze anos, que amava se
apresentar sobre patins de gelo durante o inverno quando o lago congelava.
— Consigo até imaginar você deslumbrante sobre o palco, a plateia
cheia, e você saindo correndo para fazer xixi.
— Você é idiota, Di Angelis. — Candice empurrou o cotovelo
contra minhas costelas e eu fiz uma careta.
— Qual é, ia ser divertido — Continuei acompanhando seus passos
que, repentinamente, se tornaram rápidos.
— Não sei por que inventei de vir nessa viagem com você —
Candice falou, de costas para mim, já entrando em um dos restaurantes do
píer.
— Porque você finge que me odeia, mas no fundo me ama — falei,
brincando, um sorriso travesso no rosto.
As pernas de Candice travaram por um segundo. Apenas um
segundo. E antes que eu pudesse esboçar uma reação, ela se virou.
— Nem nos seus sonhos. — Seu olhar sempre tão cálido, estava
quase tão gélido quanto o rinque de gelo.
Eu sorri com seu atrevimento. Candice poderia ser fria, mas eu
estava acostumado com o gelo.
— Nos meus sonhos eu faço você se ajoelhar e não é para rezar.
— Vê se cresce, garoto — Candice disse, revirando os olhos. Ela se
sentou em uma mesa para dois e pediu espaguete com camarão, enquanto e
eu optei pelo mac and cheese.
Sua raiva logo passou quando uma propaganda de uma série de
investigação surgiu na televisão. Ela começou a falar sobre seus programas
favoritos e, assim, começamos a conversar sobre diversos assuntos.
Após conversar amenidades que nada envolviam hóquei ou
patinação, passeamos pelo píer que mais parecia um parque de diversões e
chegamos na famosa roda gigante.
A gigantesca estrutura chamava a atenção, mas o que realmente me
surpreendeu foi o tamanho da fila para entrar. Tudo bem, era um sábado à
tarde, um horário ideal para as famílias americanas passearem, mas jamais
imaginei que todos os cidadãos de Chicago estariam ali, porque era o que
parecia.
— Vamos ficar horas aqui — resmunguei.
— O dia está bonito, para que tanta pressa? — Candice questionou,
cobrindo os olhos com as mãos, evitando os raios solares em seu rosto.
— Sou um jogador de hóquei, paciência não é bem uma virtude. —
Dei de ombros.
— Preciso te ensinar uma ou duas coisas sobre calma — ela
ponderou.
— Além dos beijos? Vai ser atriz ou professora?
— E você? Jogador ou comediante? Olha só, a fila está andando até
rápido.
Candice tinha razão. Grandes grupos de pessoas entravam de uma
vez dentro das cabines espaçosas. Enquanto esperávamos na fila, um guia
entusiasmado contava que ali, em Chicago, havia sido construída a primeira
roda gigante do mundo. Ele explicava sobre o tema com verdadeira
devoção, mas tudo que eu conseguia pensar era o quanto eu queria logo
entrar na cabine e curtir o passeio.
Não, eu não tinha paciência, por mim já teria ido embora só de ver a
fila, mas eu estava ali por Kenny e ficaria a noite toda se fosse necessário.
Algumas gaivotas cruzavam o céu quando nossa vez chegou.
Entreguei os ingressos para o atendente, e eu e Candice entramos na
estrutura de metal e vidro. Ela se sentou no banco de couro junto à janela e
olhou para trás quando a porta se fechou.
— Ninguém mais vai entrar? — perguntou, olhando para a fila que
ainda se formava ali.
— Eu comprei ingressos VIP para gente. Será só eu e você —
comentei, dando de ombros.
— Ah... — sua voz morreu e eu me sentei ao seu lado.
— Não gostou?
— Não. Quer dizer, gostei sim — ela disse, as bochechas corando.
— Você ainda fica vermelha com facilidade — falei, tirando um fio
de cabelo do seu rosto e o colocando atrás da orelha. — Sempre achei
divertido vê-la corada.
— Não tem graça, Killian. — Candice virou o rosto em direção ao
lago Michigan, o rosto ficando mais vermelho ainda. — Olha que lindo.
Ela apontou o dedo indicador em direção ao sol, que parecia mais
uma bola laranja no céu límpido. A cabine dava uma vista de 360° da
cidade. O sol se pondo trouxe ainda mais beleza quando alcançamos o topo,
cerca de 70 metros acima do solo.
— Uau, isso é incrível. — Candice tocou o vidro, como se quisesse
alcançar o sol. E eu a admirei, percebendo que ela era tão radiante com seus
cabelos dourados quanto o astro que começava a se pôr.
— Essa é uma das cenas mais lindas que já vi — declarei, quando
uma gaivota voou próximo de nós.
A cidade pequena lá embaixo, a natureza do céu quase sem nuvens,
o lago Michigan sereno em meio a agitação das pessoas no píer. E havia ela.
Candice Miller. A garota que deixava qualquer paisagem no chinelo.
— É sim. Obrigada pelo convite. — Candice agradeceu, se virando
para mim — Aliás, achei estranho quando você me chamou. O que te fez
vir para Chicago atrás de uma roda gigante?
Pensar em Kenny doía a ponto de eu me sentir sufocado. Mas ter
Candice ao meu lado era suficiente para eu respirar, como se ela fosse o ar
ao meu redor. Sim, eu queria realizar os desejos do meu irmão e tornar cada
um deles realidade. Mas ali, sentado próximo a Candice, sentindo sua
notável presença enquanto a natureza nos presenteava com um cenário
magnífico, só conseguia pensar em minha própria felicidade. Em como
aquela viagem estava sendo incrível.
— Tenho que aproveitar o tempo que tenho.
Candice ficou calada, me encarando. Ela diminuiu o espaço entre
nós e tocou o tecido do meu moletom, bem no local onde ficava meu
coração. Os dedos pequenos se agarrando ao tecido grosso.
— Lian. — Meu nome, saindo de sua boca, trouxe um arrepio em
meu estômago. — Você sabe que pode contar com Gus, né? Você pode se
abrir com ele sobre... Kenny.
— Eu sei, os garotos são ótimos. Ele, Connor e até mesmo Finnick,
que veio prestar condolências quando foi transferido para a Ômega Teta.
Mas é difícil falar algo tão íntimo.
Enfiei minhas mãos dentro do bolso. Agora eu entendia por que Gus
não queria falar que era virgem. Eu o conhecia desde criança e tínhamos um
tipo de ligação daquelas que bastava um olhar. Conheci Connor quando
entrei no time, e nossa conexão também foi surreal. Ele era um cara
incrível. Não poderia reclamar nem mesmo de Finnick. Fazíamos da vida
dele um inferno na Ômega Teta, e ele ainda conseguia se manter um cara
legal, mesmo quando deveria nos dar um chute no saco.
— Eu sei que não somos mais amigos — Candice falou, o rosto tão
próximo ao meu que eu poderia mergulhar no azul de suas íris claras,
bastava eu me jogar. — Sei que nos odiamos, mas você pode falar comigo.
Eu jamais a odiaria, mesmo que na época do boato eu tenha ficado
furioso. E mesmo que ela me odiasse, porque eu sabia que ela me
desprezava, ainda estava disposta a me acalentar.
— Eu sei, fadinha. Eu sei disso. — Levei minha mão até seus
cabelos e os baguncei.
— Por favor, só não me chame mais de fadinha. — Candice
implorou, juntando as duas mãos em prece.
O sol já se escondia no meio das nuvens, descendo no horizonte e
tingindo o céu de tons amarelados. O lago refletia essa coloração, tornando
tudo ainda mais bonito. Talvez Kenny soubesse que ali era um lugar
mágico, merecendo um lugar em sua lista. No entanto, ali, sentado no
banco, tão perto de Candice e envolto em seu perfume marcante, só
conseguia pensar no quanto desejava ter feito uma escolha diferente
naquele jogo de verdade ou desafio.
— Tudo bem — falei, relutante em me mexer, mas levantando-me
quando a cabine tocou o chão, finalizando o passeio. — Agora vou te
chamar de zuccherina.
— Odeio quando você fala palavras em italiano — retrucou,
revirando os olhos claros de forma caricata. — O que significa isso?
— Zangadinha — comentei, sentindo meu coração pulsar no peito.
Candice mostrou a língua, descendo da cabine com a bolsa sobre o
ombro. E eu mordi meu lábio inferior, escondendo um sorriso, esperando
que ela não descobrisse o verdadeiro significado daquele apelido.
CANDICE MILLER
— Ai, meu Deus! Vamos morrer!
— Candice, não vamos morrer — Killian falou, estreitando os
olhos, e se aproximando do volante, quase colando o peito na direção
revestida de couro.
— Claro que vamos. Você não enxerga nada. Eu não enxergo nada.
Como vamos chegar em casa? — perguntei, passando a mão pelo vidro da
frente do carro, mesmo sabendo que meu gesto não ia mudar em nada a
quantidade de água que se espalhava por ali. — Eu deveria ter pesquisado
sobre o tempo.
— Não precisa entrar em desespero. — Killian parecia tão calmo,
que só fazia com que eu me tornasse mais nervosa. Como ele conseguia
ficar tranquilo quando o céu parecia cair na terra sob forma de tempestade?
— Killian, por favor, diga que está conseguindo ver um palmo na
sua frente.
— Não. Mas vou parar assim que ver uma pousada ou hotel. — Ele
se inclinou ainda mais e temi a hora que se fundisse ao painel do carro.
— Ali, acho que ali é uma pousada. — Apontei para uma
construção de cores claras que ficava na beira da estrada e do qual dava
para ver inúmeros carros no estacionamento.
Killian girou a direção com cuidado e guiou o carro até o
estacionamento.
— Assim que eu desligar o carro, corra para dentro do
estabelecimento. Ok?
Balancei a cabeça e foi isso o que fiz. Killian desligou o motor, e
não esperei ele abrir a porta para mim, como costumava fazer, e saí
correndo até a entrada do local. Quando abri a porta de vidro e pisei no
tapete velho, que um dia tinha sido verde, senti o peso do meu moletom
molhado caindo sobre meus ombros. Eu estava encharcada, que nem
Rudolph após o banho. Killian apareceu logo atrás de mim, tão molhado
quanto eu e já foi direto para o balcão, onde uma velha senhora passava as
páginas amareladas de um livro.
— Eu vou querer dois quartos. — Killian pediu, sua respiração
continuava normal mesmo que tivesse corrido no meio da chuva.
Talvez eu devesse treinar hóquei para melhorar meu
condicionamento físico.
— Só tem um quarto disponível — ela comentou, mal tirando os
olhos do livro. — Como pode ver, a chuva trouxe muitos clientes.
— Eu vou querer, então. — Killian, passou a mão pelos cabelos
molhados.
— Cem dólares, pagamento adiantado.
Cem dólares? Uau! A pousada estava superfaturando. Ela nem era
grande e eu duvidava que tivesse hidromassagem no quarto. Killian,
entretanto, não reclamou, puxou a nota da carteira e entregou para a
senhora, que em troca lhe deu uma chave.
Seguimos até o fim do corredor, onde algumas crianças brincavam
de pega-pega, e Killian abriu a porta do nosso quarto. O ambiente era
simples: um frigobar, uma cama de casal, uma mesa redonda e duas
cadeiras, além de um guarda-roupa pequeno e o banheiro.
— Tire sua blusa. — Killian pediu, tirando a própria peça de roupa e
a estendendo sobre o aquecedor.
— O quê? — questionei.
— Você quer ficar molhada?
Olhei para o peito nu de Killian, onde as gotas de água faziam as
tatuagens brilharem sobre o reflexo da luz do quarto. Por um momento
esqueci o que ele tinha perguntado, admirando a beleza da tinta sobre sua
pele, mas quando notei que ele me encarava, esperando uma resposta, me vi
desviando os olhos.
— Não posso tirar minha blusa. Estou sem sutiã — comentei,
sentindo meu rosto corar.
— Ah... então venha para perto do aquecedor. — Ele apontou para o
aparelho amarelado, colado em uma das paredes.
Me arrastei até o aquecedor velho e estiquei as mãos em sua direção.
Michigan não estava tão fria nos últimos dias e imaginei que Illinois, por
ser um estado vizinho, também não estaria. A chuva torrencial que ainda
caía lá fora, entretanto, mostrava o contrário.
— E se eu tiver hipotermia? E se meu corpo congelar? —
questionei, olhando para os lados, como se fosse ver um hospital ali perto,
no meio do nada.
— Você precisa se acalmar, Candice. Você não vai ter hipotermia.
Eu esquento você nem que seja com meu corpo. — Killian tocou a testa, as
sobrancelhas franzidas. — Quando foi que você se tornou tão dramática?
Não vi julgamento em seu semblante, apenas curiosidade genuína.
— Eu não gosto quando as coisas saem do meu controle — defendi,
uma das mãos indo até o joelho em um gesto involuntário.
— É sobre isso? — Killian seguiu minha mão com os olhos até a
cicatriz exposta pelo short. — Seu acidente te deixou com medo a ponto de
você se preocupar excessivamente com tudo?
— Você não entende. — Recolhi meus braços, enfiando as mãos no
bolso úmido do moletom. — Uma hora eu estava pensando em me tornar
uma patinadora artística profissional, na outra eu não conseguia andar.
Eu já tinha conseguido, durante os treinos, executar o axel
quádruplo. Sim, era um movimento difícil, mas eu estava confiante. Em
mais um treino, entretanto, tudo deu errado. A aterrisagem imperfeita fez
meu joelho dobrar em um ângulo esquisito.
— Zuccherina, eu, mais do que ninguém, entendo o que é ter a vida
transformada de uma hora para outra. — Killian deu um passo na minha
direção, as mãos se estendendo até meus ombros. — Você poderia ter
continuado. Gus me disse que não era impossível voltar para a patinação
artística.
Encarei meus All Star, também molhados.
— Eu acho que não conseguiria. Teria que começar tudo do zero —
confessei, a voz saindo em um sussurro.
Alguns médicos diziam que era difícil o retorno. Outros, que eu
poderia tentar. Eu estava triste demais, desgastada demais para pensar em
enfiar patins nos meus pés. Por isso eu andava de All Star, pareciam ser os
únicos sapatos confortáveis. Eram os únicos que se encaixavam
perfeitamente.
— Ter uma chance de recomeçar é melhor do que não ter nenhuma
chance. — Killian recuou as mãos, e as passou pelos cabelos. — Ainda está
com frio?
— Só um pouco.
— Pegue meu moletom, está menos úmido que o seu. — Ele me
estendeu a peça de roupa e apontou, com a cabeça, em direção ao banheiro.
O ambiente era tão pequeno quanto o quarto. Um ladrilho florido
estampava as quatro paredes e combinavam perfeitamente com a porcelana
marrom. Tirei meu próprio moletom, vendo meus seios pequenos pelo
reflexo do espelho, e enfiei o moletom de Killian pela minha cabeça e
depois pelos braços. A roupa dele em mim parecia um saco de batatas, e
não do tipo sexy que Marilyn Monroe usou. Amarrei meus cabelos em um
coque e voltei para o quarto.
Killian estava sentado na cadeira de plástico, observando a televisão
de tubo, onde um jogo de futebol americano passava. Eu aproveitei para
retirar os tênis úmidos, antes que ficasse com chulé ou até mesmo micose,
deixando-os próximo à cama. Só então algo chamou minha atenção. Percebi
que aquele quarto só tinha uma cama.

TINHA
UMA
CAMA!
Olhei ao redor como se magicamente uma segunda cama fosse
aparecer ali ou então que tivesse ao menos um sofá de apoio. Nada! Era
uma cama e ponto final. A não ser que Killian fosse dormir em uma
cadeira, ou dentro do guarda-roupa (bem que ele podia ser o bicho papão),
nós iríamos dividir uma cama.
— Você está bem? — ele questionou, desviando os olhos da tela da
televisão.
— Sim. Muito bem.
— Mas você está andando de um lado para o outro.
Olhei para meus próprios pés descalços, notando que estava em um
vai e vem dentro do quarto. Por que Killian tinha que prestar tanta atenção
em mim?
— Não é nada demais. É que percebi que só tem uma cama — tentei
soar tranquila, mas meu coração faltava sair pela boca, de tão acelerado.
— Está com medo de mim? — Killian abriu um sorriso zombeteiro,
os olhos indo da ponta dos meus pés desnudos até meus cabelos amarrados.
— Você que deveria ter medo de mim.
— É mesmo? — ele ergueu uma sobrancelha. — Você não assusta
nem uma mosca.
— Você nunca me viu de TPM. — Cruzei os braços sobre os seios,
desejando que Killian não estivesse semi-pelado ali, tão perto de mim.
Não era só uma cama sendo dividida entre mim e Killian. Era o fato
de que ele estava com o tronco nu, o que só tornava a situação mais difícil.
Quase pensei em devolver seu moletom, mas quem eu queria enganar, ele
poderia estar só com os olhos de fora que ainda seria bonito.
— Você está de TPM? — seu sorriso morreu no rosto e notei
preocupação no vinco que se formou em sua testa. — Quer que eu vá atrás
de algum remédio? Chocolate?
Seu cuidado genuíno só fez eu odiá-lo mais. Não era para Killian ser
um cara fofo. Era para ser um ogro idiota. Mas ogros idiotas tiravam a
própria roupa para dar para meninas que espalhavam pela escola sobre
membros masculinos minúsculos? Eu duvidava.
— Não estou de TPM, foi só um exemplo — falei, descruzando os
braços e me sentando na ponta da cama.
— Então não tenho o que temer — ele debochou, voltando a atenção
ao jogo, onde homens tão grandes e musculosos quanto os jogadores de
hóquei corriam por um campo.
— Como você não pode levar a sério o fato de que só temos uma
cama?
— Qual o problema? — Ele perguntou, no exato momento que o
locutor gritou “TOUCHDOWN”
— Esqueceu que você me humilhou na escola? — Killian abriu a
boca para protestar, mas eu fui mais rápida. — Sim, eu humilhei você
também e esse é exatamente o problema.
Ele não conseguia perceber que não dávamos certo? Que éramos
como água e óleo?
— Você conseguiu tudo o que queria, zuccherina. A vaga na
irmandade, o papel de protagonista na peça de teatro. Podemos parar de
fingir que somos namorados. Não precisa entrar debaixo do edredom e se
atracar comigo. Não tem nenhuma Kimberly aqui.
Então era aquilo? Tudo que tínhamos vivido até ali era apenas
fingimento? Mentiras?
— Você é um idiota, Killian Di Angelis.
Meus olhos arderam com a mera possibilidade de aquele passeio
pela roda gigante não ter sido real. O sol pairando sobre o lago Michigan
era real. O som das gaivotas passeando pelo céu límpido era real. Killian ao
meu lado, se abrindo e compartilhando um pedaço de si era real. Meu
coração acelerado só de tê-lo ao meu lado era real.
Me lembrei de nós dois dentro da cabine fotográfica e depois de
Killian na porta do café à minha procura. Nada, nem um pequeno pedaço de
tudo que vivi com ele, foi uma mentira.
— Por que você está com raiva de mim?
— Porque nem tudo foi fingimento — cuspi as palavras com raiva.
Poderia ter sido para ele, mas não para mim.
Killian levantou-se da cadeira e caminhou em minha direção, seus
pés deslizando sobre o carpete verde-musgo. Os músculos se retesaram
quando ele se inclinou na minha direção. As asas desenhadas no braço
chamando a atenção. Metade anjo, metade demônio. Naquele momento,
diante de seus olhos escuros e sorriso macabro, ele só parecia ter o lado
diabólico. Me vi prendendo a respiração, quando seu perfume amadeirado
ameaçou me inebriar. Mas nem mesmo a falta de oxigenação no cérebro foi
capaz de afastar o calor que se espalhava pelo meu corpo.
— Você quer se atracar comigo, é isso? — questionou e eu me
encolhi diante de seu corpanzil.
— Não. — Minha negação saiu fraca. Falsa.
— Você se faz de durona, mas parece assustada. Do que tem medo,
Candice? De que eu beije você como deveria ter acontecido naquele jogo de
verdade ou desafio? Ou sua preocupação é de que eu prove que meu pau é
tão grande que você jamais deveria ter aberto a boca para falar sobre ele?
A voz de Killian saiu grave, rouca, como se fosse um martírio
proferir aquelas palavras. Um gemido silencioso escapou da minha boca, só
de imaginar ele fazendo cada uma daquelas ações.
— O que quer dizer com beijo que deveria ter acontecido?
— Sabe exatamente do que estou falando. Eu teria te beijado se não
fosse por Gus. Então, por respeito a ele, sabe porque algo entre mim e você
nunca vai acontecer.
Killian recuou, os lábios cerrados em seriedade. As pupilas dilatadas
fixas em mim. E, pela primeira vez na vida, eu detestei a pessoa que mais
amava.
Eu detestei meu irmão. Detestei Augustus Miller.
KILLIAN DI ANGELIS
Eu era o ser mais idiota da face da Terra. Mais idiota do que o Ross
que traiu a Rachel logo após ela pedir um tempo. Mais idiota do que o
diretor de Titanic que fechou os olhos e disse que Jack não cabia na porra
da porta junto com Rose. E, até mesmo, mais idiota do que as pessoas que
não usavam máscara durante a pandemia. Sim, eu superava todos eles. Eu
era muito idiota.
Que merda eu estava falando para Candice? Que se não fosse pelo
seu irmão eu já teria trepado com ela? Meu Deus, será que foi isso que ela
pensou? Para um cara que não tinha muita vergonha das coisas, senti meu
rosto esquentar. Ela era uma garota boa, tranquila, que corava com
facilidade. E eu era o cara que tinha transado com a metade da
universidade. Gus era o menor de nossos problemas.
Candice se remexeu na cama, meu moletom em seu corpo deixando-
a mais linda ainda, e eu tive que lutar para não sucumbir aos meus desejos.
O jogo de futebol americano já não importava, e mesmo o barulho da chuva
batendo nas telhas da cobertura não era suficiente para abafar o barulho das
batidas do meu coração.
— Então é isso? Você respeita Gus o suficiente para ter preferido
espalhar para todo mundo que eu nunca tinha beijado na vida? — Candice
se levantou, fincando o indicador no meu peito. Bem onde doía. Onde
implorava por ela.
— Sim, é isso.
— Você é mais idiota do que eu pensava. — Candice comentou e,
para minha surpresa, sorriu.
Um sorriso franco, a ponta da boca levantada para cima, os olhos se
estreitando, e eu vendo tudo em câmera lenta.
— Sim, eu sou, mas um idiota que preza pela amizade.
— Então quer dizer que sua amizade com Gus é mais forte que seu
desejo em me beijar? — ela perguntou, uma sobrancelha levantada. —
Talvez eu não seja tão beijável assim.
Candice deu de ombros, um biquinho se formando em seus lábios,
um leve tom rosado se formando em sua bochecha alva. Aquilo era golpe
baixo. Claro que ela era beijável. Porra, desde os dezessete anos eu sonhava
com aquele beijo. Como eu poderia explicar para ela que só de pensar em
encostar meus lábios nos seus eu ficava duro?
Ela estava perto demais. Linda demais. E seus olhos tinham um
brilho que fizeram uma sensação esquisita percorrer meu estômago. Seria
aquilo as conhecidas borboletas?
Levei minhas mãos à sua nuca. Um arrepio cruzou meu corpo com
o contato quente de meus dedos em sua pele.
— Não faça isso, Candice. — Minha voz soou grave.
— Isso o quê? — a dela saiu em um sussurro e ela podia não
perceber, mas eu sentia o toque de erotismo em cada palavra. Meu pau
pulsou dentro da boxer e eu tive que me lembrar do porquê eu e Candice
não dávamos certo.
— Me provocar.
— Você que está me provocando. — O moletom de Os Super Patos
se movia com velocidade, conforme a respiração de Candice acelerava, e eu
lembrei que ela estava sem sutiã, sendo aquele pedaço de tecido o único
obstáculo entre mim e os seus seios.
— Pode se afastar, se quiser — comentei, a garganta seca, as mãos
ainda em seu pescoço, em meio aos fios macios de seu cabelo.
— E se eu não quiser?
Era tão errado. Tão proibido. Então, como poderia parecer tão certo
e excitante?
— É perigoso, zuccherina. — Afastei minhas mãos dela, levando-as
até os bolsos da minha calça.
— Falar em italiano não ajuda em nada — ela disse, os olhos se
desviando para o chão e então voltando para meu tronco nu. — Elas são
bonitas, sabia?
Candice esticou a mão e, com os dedos, traçou primeiro a imagem
das asas em meu braço, depois a medusa em meus ombros e, por último, a
aranha em minhas costelas, local que ela sempre me atingia quando estava
com raiva.
— Não faça isso, Candice. Eu posso ser um cara de muita
resistência, mas essa característica não se aplica a você.
— Por favor, diga que não quer me beijar e eu paro.
— Eu falei que esse negócio de namoro falso não ia dar certo. Falei
que ia fazer você implorar, mas não era dessa forma que eu imaginava. —
Toquei minha própria testa, frustrado, o pau latejando, e o autocontrole se
esvaindo a cada segundo.
— Diga, Killian. — Candice ordenou, a mão ainda em minha
costela.
— Eu não vou dizer. — Segurei seus ombros, a raiva querendo me
dominar. Não dela. Jamais dela. Mas de mim mesmo por ter nos metido
nessa confusão. —Droga, Candice, eu não posso dizer.
— Então me beija. — Candice arrastou a mão pelo meu tronco,
parando em meu rosto, os pés se esticando para alcançar a minha altura.
Seu cheiro chegou em mim com força, nossas respirações se
misturando devido à proximidade repentina. Eram apenas alguns
centímetros. Centímetros que me separavam do meu desejo. Que me
separavam da tentação que eu tentava evitar há anos.
Candice exercia um magnetismo tão grande que inclinei meu rosto,
diminuindo a distância entre nós. Levei uma mão à sua cintura e a outra aos
seus cabelos, puxando-os com delicadeza para trás, fazendo seu pescoço
alvo ficar à mostra e ali mergulhei minha boca. Dei um beijo casto, apenas
o toque de meus lábios sobre sua pele. Foi o suficiente para eu desejar mais.
Dei outro beijo e depois a mordi. Candice tocou meu peito e soltou um
gemido fraco, regado ao tesão e não à dor, e eu colei meu corpo ao dela,
minha ereção encostando em sua barriga.
Com os lábios, segui por seu queixo, pronto para finalmente provar
de sua boca, quando de repente suas mãos me empurraram com força.
— O que foi? — perguntei, a respiração acelerada, as palavras
saindo com dificuldade.
— Você não pode continuar. — Seu subir e descer dos seios fez eu
perceber que ela também estava sem fôlego. — Não toque em meus lábios,
Killian.
Candice parecia realmente assustada, os olhos azuis arregalados e
úmidos!?
— Fiz algo de errado? — dei um passe em sua direção e toquei seu
rosto. Pronto para assumir a culpa do que quer que tenha feito e pronto para
implorar seu perdão.
— Não, Lian, eu que fiz. Me desculpe. Eu esqueci que tinha comido
camarão, não me beije ou você pode ter uma reação alérgica.
Não consegui evitar um sorriso. Ela estava preocupada comigo em
um nível que eu nunca tinha visto antes. Eu nem sabia se teria um choque
anafilático ou qualquer outro tipo de reação se a beijasse, mas, só o fato de
ela ter pensado naquilo, aqueceu meu coração.
Eu sei que poderia parecer um sinal. Como se um universo estivesse
dizendo que era errado. Me lembrando que eu não deveria tocar em
Candice. Mas que se fodesse, eu não estava me importando com a porcaria
do universo.
— Ficou triste, zuccherina? Queria que eu provasse os seus lábios?
— Eu...
— Você quer que eu te beije? Eu te beijo se for o que quer — falei,
avançando em sua direção, imprensando seu corpo contra a parede.
— Lian...
— Implore, Candice. Como eu falei que iria fazer — disse, colando
minha boca em seu pescoço, descendo uma mão por debaixo do meu
moletom, sentindo a rigidez do bico de seu seio.
Candice gemeu, aninhando seu corpo ao meu, sentindo minha
ereção forte.
— Você sabe que não pode me beijar... é perigoso.
— Eu não disse que lábios ia beijar — comentei, erguendo seu
corpo pequeno e a levando até a cama, onde a depositei sobre os lençóis.
Me arrastei para trás, o rosto ficando na altura do seu short. Levei meus
dedos até o botão e olhei para Candice, esperando sua aprovação.
— O que você está fazendo? — Candice perguntou, a voz saindo
assustada, os olhos fixos em mim.
— Eu quero provar você. Eu quero sentir seus lábios sobre minha
boca. — Abri o botão, tirando o short, deixando-a apenas de calcinha. —
Você me deixa fodê-la com minha boca?
— Por favor.
— Diga, Candice, o que você quer? — questionei, baixando sua
calcinha, vendo o tecido encharcado com sua umidade.
— Me beije, Lian. Eu quero que me beije.
Candice trouxe uma mão até meus cabelos e a outra repousou acima
da cabeça, onde segurou a colcha da cama.
Segurei a parte interna de seus joelhos, afastando suas pernas, tendo
acesso a sua bocetinha perfeita.
— Tão linda, tão molhada para mim. — Minha voz saiu grave, o
pau pulsando, buscando por alívio. — Eu vou te beijar, zuccherina, de um
jeito que você nunca vai esquecer.
Abaixei minha cabeça em direção a sua boceta e dei um beijo sereno
em seu clitóris, sentindo a umidade sobre meus lábios. Candice agarrou
meus fios de cabelo com força, e eu entendi como um sinal de que poderia
avançar. Passei primeiro a língua pelas laterais de sua boceta e depois
foquei em seus lábios. Eu poderia não beijar sua boca naquela noite, mas
provaria o sabor de Candice direto da fonte. Mordisquei o sexo de Candice,
sentindo o sabor que ela tinha a me oferecer, sucumbindo ao notar que ela
era doce como o apelido que eu tinha dado a ela. Zuccherina, “doce” em
italiano.
Minhas mãos seguraram a lateral da sua bunda. E que bunda.
Apertei a carne que tinha ali. Ela gemeu, abrindo as pernas para mim e eu
também gemi em meio a sua boceta, o tesão acumulado em todas as células
do meu corpo.
Candice ergueu o corpo quando dei uma mordiscada em seu clitóris,
me dedicando a ele. Eu queria beijar sua boca, queria enfiar meu pau até o
talo na sua boceta, mas me contentaria em fazê-la gozar. Eu faria tudo por
ela, mesmo que isso significasse eu ficar duro sem poder me aliviar.
Resvalei meu nariz ali, sentindo seu cheiro, tentando me lembrar de cada
nota para a posteridade, e então ela se contorceu.
— Agora eu entendo o que quis dizer sobre seu piercing... eu vou
gozar — ela falou, as mãos puxando meus cabelos, querendo afastar meu
rosto de seus fluidos.
— Me deixa te chupar até você gozar. Me deixa sentir o seu sabor.
— Candice, então, empurrou meu rosto em direção à sua boceta. E eu tratei
de cumprir a minha promessa, fazendo-a gemer meu nome. Lian. O nome
que só ela tinha a permissão de chamar.
Seus gritos, até então contidos, ecoaram pelo quarto quando o
orgasmo chegou. Suas pernas tremeram em êxtase e eu bebi seu gozo, me
deliciando com seu gosto.
Quando saí do meio de suas pernas, Candice sorriu e eu beijei sua
testa coberta por uma leve camada de suor.
— Descanse, zuccherina, a noite foi longa e amanhã cedo iremos
para casa. — Eu me deitei ao seu lado, olhando o teto, o pau duro desejando
Candice. Mas ele teria que esperar.
Ela fechou os olhos, sonolenta após o orgasmo, e suspirou.
— Lian?
— Oi.
— Lembra que você disse que se eu tivesse frio você me
esquentaria?
— Venha aqui. — Abri meus braços e Candice apoiou a cabeça em
meu peito.
Me perguntei se ela conseguia escutar as batidas de meu coração
acelerado.
Ela se aninhou em mim, o corpo pequeno se encaixando no meu de
forma natural.
Não preguei os olhos por nenhum segundo, esperando que ela
entrasse em um sono profundo para eu me mexer.
— Estarei aqui sempre que precisar — sussurrei e beijei o todo da
sua cabeça.
Um pequeno barulho de ronco saiu de seus lábios. Ela realmente
estava cansada. O dia tinha sido agitado até mesmo para mim, quem dirá
para a garota que tinha metade do meu tamanho.
Se Candice estava relaxada, eu estava rígido demais, com medo até
de respirar em uma velocidade diferente e acordá-la no processo. Fechei os
olhos tentando dormir, mas sentindo o corpo quente dela colado ao meu em
lugares que deveriam ser proibidos por lei.
Eu não iria conseguir relaxar, porém, se esse fosse o preço a pagar
para que ela conseguisse ter uma noite tranquila de sono, que se fodesse, eu
pagaria sem pensar duas vezes.
Não era um desejo reprimido, que morreria no momento que eu a
conquistasse. Candice não era um prêmio ou troféu. Era questão de
química, e de química eu conhecia. A química imperfeita entre nós, cheia
de altos e baixos, tensões e conflitos, parecia encontrar um equilíbrio na
própria imperfeição.
Porque quando estávamos juntos, a reação era explosiva e fogo só
era possível porque tinha calor. E, se tinha calor... tudo poderia acontecer.
CANDICE MILLER
A cara de Ava estampava meu celular enquanto eu estava deitada na
cama da Alpha Phi. Tudo ali era novo. O ambiente da irmandade, as
novatas dando gritinhos a cada descoberta, e até mesmo o cheiro de café da
manhã de verdade. Nada de cereal com gosto de plástico!
Pensei em apertar o botão de ligar, mas não tive coragem. A
primeira pessoa que veio à minha cabeça foi Kira, mas sabia que ela iria
surtar quando descobrisse o que aconteceu em Chicago. Alice tinha
problemas com timidez e embora Ava também fosse quieta, tinha dentro de
si uma natureza caótica que eu, particularmente, adorava, não era à toa que
era chamada de A Rainha do Desastre. Teclei o número de Ava, mas minha
consciência fez eu não ligar. Contar algo tão íntimo talvez não fosse o certo.
— Eu preciso desabafar com alguém sobre a noite com Killian —
resmunguei para mim mesma, olhando os pôsteres de princesas grudados
por fita adesiva em uma das paredes.
— Está falando sozinha? — Kim apareceu na porta do quarto, o
rosto bem maquiado mesmo que fosse domingo de manhã.
— Oi Kimberly, aconteceu alguma coisa? — perguntei, me
levantando da cama, curiosa por ver a presidente da irmandade no meu
quarto.
— Seu namorado está lá embaixo.
— Killian? — perguntei, sentindo meu coração dando um salto, o
rosto esquentando no processo.
— Você tem outro namorado? — ela perguntou, um toque de
divertimento.
— Não, claro que não. — Sorri meio sem jeito. Não gostava de
mentir para ela.
— Está esperando o quê, garota? Vá atrás do seu Romeu, ele deixou
você há menos de uma hora e já está aqui de novo!
Kimberly tinha razão. Eu mal havia chegado em casa após a viagem
a Chicago. O que ele poderia querer comigo?
Enfiei os All Star em meus pés e desci as escadas quase correndo, a
curiosidade maior do que qualquer outra coisa. Escutei os passos de Kim
atrás de mim e evitei virar o rosto para saber se ela estava me seguindo até a
porta ou não.
Quando girei a maçaneta, Killian estava do outro lado com um
visual que jamais imaginei ver nele. Ele usava um casaco por cima de um
suéter de lã e ainda um cachecol. Killian estava tão lindo, que,
momentaneamente, fiquei sem palavras. Desviei os olhos dos seus, sem
coragem de encará-lo depois do que ele fez no meio das minhas pernas.
Passei a viagem fingindo que estava dormindo, só porque estava
com vergonha de olhar para Killian. Eu havia pedido o beijo. Havia
implorado e, quando ele o fez e meu levou ao céu, eu entendi que não tinha
como voltar atrás. Killian Di Angelis havia me dado o melhor orgasmo da
vida.
— Vista roupas de frio, vou te levar a um lugar — comentou,
enfiando as mãos dentro do bolso do casaco. Como ele conseguia se manter
diante de mim como se nada tivesse acontecido?
— Para onde vamos? — perguntei, quando recuperei minha voz,
ousando admirar seu rosto por um segundo antes de voltar a olhar para o
chão.
— É surpresa. — Os cabelos de Killian balançaram devido ao vento,
caindo em seu rosto de forma despretensiosa e tremendamente sexy.
— Volto em um minuto. — Minhas palavras saíram atropeladas e o
deixei plantado na porta de entrada enquanto corria sobre os degraus em
direção a meu quarto. Meu joelho, como se soubesse que era importante,
não deu nem um estalo sequer, para minha felicidade.
Meu Deus! Eu não sabia o que esperar. Não sabia se “surpresa” era
um código para ele me chupar de novo ou se ele nem tocaria no assunto e
fingiria que nada aconteceu. Isso era o que homens como ele costumavam
fazer, não era? Não dar importância para coisas pequenas como aquela?
Me despi com pressa, peguei uma roupa de frio qualquer do
pequeno guarda-roupa marrom e me vesti enquanto pensava se não podia
fingir que estava dormindo de novo quando entrasse em seu carro.
Desci as escadas quase tropeçando no último degrau e vi Killian
parado diante do Jeep, a porta do passageiro já aberta, esperando por mim.
— Trouxe luvas? — questionou.
— Não está tão frio assim — falei, embora o clima estivesse
começando a esfriar um pouco, indicando o fim do outono e o começo do
inverno.
— Se você sentir frio, não emprestarei minhas luvas. — Killian
cruzou os braços sobre o peito e eu bufei a contragosto.
Entrei em seu carro sabendo que não teria como escapar. Fingir que
estava dormindo não era uma opção, então teria que usar todo meu dom
artístico para fingir normalidade. Killian ligou o carro e saiu dirigindo para
me levar em um lugar que eu não tinha ideia de onde era. Meia hora depois
e após cruzar a fronteira de Dearborn, ele parou em frente ao Fairlane Town
Center, o maior shopping da cidade.
— Veio me trazer para fazer compras? — indaguei.
— Não, vamos fazer algo muito melhor — ele falou abrindo a porta
do carro para mim.
Killian andou pelos corredores, passando por diversas lojas. Eu o
segui de lado, curiosa para saber o que ele estava aprontando. Quando
paramos no centro do edifício, onde um rinque de patinação se estendia
pelo meio do salão, eu travei.
— O que é isso? — perguntei, a voz soando trêmula mesmo que eu
quisesse demonstrar coragem.
— Um rinque. — Ele olhou para mim e depois para a pista onde
algumas famílias patinavam.
— Não me diga que essa é sua surpresa. — Cruzei os braços sobre
os seios, inúmeros xingamentos possíveis cruzando minha mente. — Você
sabe que eu não patino mais.
— Está na hora de mudarmos isso — Killian comentou, andando até
a fila que dava acesso ao guichê de aluguel de patins. — Vamos, Candice,
vai ser divertido.
Segui seus passos, minhas próprias pisadas firmes ecoando pelo
chão brilhante. A raiva borbulhava dentro de mim, ameaçando transbordar.
— Você não tem o direito de fazer isso. — Meu coração acelerou,
olhar para o rinque me deixava furiosa, pensar em andar sobre ele me
deixava nauseada. — Quem você pensa que é para me trazer a um rinque?
Só porque me chupou ontem à noite acha que farei o que você quiser?
Minhas palavras saíram rasgando meu peito, algumas pessoas mais
próximas se encolheram ao escutar minhas palavras. Meu corpo tremeu ao
lembrar do meu acidente. Killian não entendia. Nunca ia entender. Ele não
podia me obrigar a patinar.
— Ei, o que você está falando? — Killian se voltou para mim, a
mão tocando meu ombro. — Não vou exigir nada de você. Nunca fiz isso e
nunca vou fazer. Meu Deus, você está tremendo.
Killian passou o braço pelas minhas costas e me levou até um banco
de madeira que ficava em frente.
— Eu só quero te dar uma chance. Uma oportunidade de voltar a
sonhar. — Killian tocou meu rosto, o olhar cheio de um carinho que eu não
sabia existir. Seu toque me aqueceu por dentro e eu me deixei respirar com
calma. — Não estou dizendo que você deve voltar a ser patinadora
profissional, mas que não pode se impedir de fazer algo que gosta por
medo.
— Você não entende. — As lágrimas caíram mesmo sem eu querer e
Killian me abraçou.
— Sim, eu te entendo, zuccherina. — Ele se afastou tateando o
bolso e então puxou o celular. — Olhe isso aqui. Eu não usava um celular
desde que Kenny morreu.
— Por quê?
Killian fez uma careta, a mão se fechando com força em torno do
aparelho.
— No dia que ele morreu eu não atendi sua ligação. Estava tomando
banho. Quando eu retornei ele não atendeu. Ele... — Killian fechou os olhos
por um segundo e, quando os abriu, senti a dor presente neles. — ele já
tinha morrido.
— Eu sinto muito, Killian. — Coloquei minha mão sobre sua perna,
tentando, com aquele gesto, tirar toda a angústia que ele sentia.
— O que fez você voltar a usar? — perguntei, não imaginando o
que poderia ter feito ele mudar de ideia.
— Você, Candice.
— Eu? — perguntei, confusa.
— Sim, você. Percebi que com um celular seria mais fácil para eu
me comunicar com você, te encontrar.
Um sorriso bobo apareceu em meus lábios, um quentinho se
acumulando dentro de mim. O nervosismo se esvaiu aos poucos e Killian
sorriu, passando uma mão pelos cabelos em um gesto tímido, levando o
aparelho telefônico ao bolso mais uma vez.
— Espera aí. — Puxei seu celular de sua mão e desbloqueei a tela.
Meus olhos se arregalaram ao ver a imagem que ficava ali. — É nossa foto?
Que tiramos na festa beneficente?
— Sim, eu fiquei com a tirinha de fotos, lembra? Então tirei a foto
da foto. A qualidade está horrível, mas você é minha namorada. Seria
estranho se não tivesse uma foto sua, não é mesmo?
A lógica de Killian dissipou qualquer insegurança que eu pudesse
ter após a noite em Chicago. Ele não havia mudado. Ainda era o Killian que
eu conhecia, o cara que aceitou um namoro de mentira sem ganhar nada em
troca e que, na primeira oportunidade, me zoaria como costumava fazer.
Esse era o Killian que eu gostava: sarcástico, mas também cuidadoso;
impetuoso, mas também sereno.
— Obrigada — falei, ainda com a mão em sua coxa.
— Não precisa agradecer por causa de uma foto. — Ele gargalhou e
eu quis socá-lo por sua estupidez. Sim, éramos mesmo como água e óleo.
— Não estou agradecendo pela foto, idiota. — Ele sorriu com o
xingamento. — Mas por ter me trazido aqui.
— Então vamos patinar? — ele perguntou, ansioso pela minha
resposta e completou. — Se você se sentir insegura ou desconfortável em
algum momento, podemos parar imediatamente. Estou aqui para apoiá-la,
não importa o que aconteça.
Balancei a cabeça em afirmativa e fomos alugar nossos patins. Tirar
os All Star e colocar patins em meus pés parecia errado. Estranho. Mas,
assim que amarrei os cadarços e fiquei de pé da borda da pista de gelo, uma
euforia genuína me invadiu.
— Estou aqui se precisar se segurar. — Killian estendeu a mão e eu
a segurei.
Quase derrapei no primeiro instante, o joelho querendo doer, mesmo
que eu soubesse que aquela dor era mais psicológica do que outra coisa.
Fiquei em pé vendo as pessoas patinando. Homens e mulheres de mãos
dadas, crianças afoitas caindo com a bunda no chão e sorrindo.
O rinque de patinação estava iluminado pela luz do sol que cruzava
as vidraças no alto do saguão, criando uma atmosfera mágica.
Estávamos lá, eu e ele. Ele, o jogador de hóquei e futuro astro em
ascensão, eu; a garota que buscava se encontrar no teatro. Killian me
encarou com as íris brilhando e havia algo em seu olhar que eu não soube
identificar.
Comecei a patinar de forma desajeitada, quase caindo. Ele me
segurou com firmeza, a mão forte junto à minha cintura, e disse, com seu
sarcasmo característico:
— Parece que alguém não leva mais jeito para a coisa.
Revirei meus olhos. Somente ele era capaz de lidar com aquela
situação sendo sarcástico. Era natural dele. Me deixei levar, nada de pesar
por ter interrompido meus sonhos. Porque Killian me mostrava que sonhos
poderiam mudar.
— Ei, não é fácil voltar depois de mais de ano parada.
Continuamos a patinar, nossas vozes em uma dança de palavras
afiadas, mas nossas ações mostrando algo mais profundo. De repente, uma
música ambiente começou a tocar e, como se estivesse esperando por
aquilo, Killian me puxou para uma dança.
Eu ainda estava me acostumando com a sensação de estar patinando,
enquanto ele demonstrava paciência em me guiar em um vai e vem no ritmo
da canção.
— A Bela e a Fera dançam na peça, não é mesmo? — questionou,
me girando em um círculo completo e agarrando minha cintura, como se
estivéssemos em uma valsa. — É algo parecido com isso?
— Sim, muito parecido. — Sorri, surpresa por perceber que ele
patinava com graça e destreza. — Você dança muito bem no gelo.
Ele me lançou um olhar divertido.
— Bem, jogadores de hóquei também sabem como ser jeitosos,
você sabe. — Ele deu de ombros e continuou. — Por falar em hóquei, vai
ter um jogo na próxima semana. Seria legal se você fosse.
— Tudo bem — respondi.
Sabia que tinha tido um amistoso contra outro time durante a
semana e até mesmo uma comemoração após a vitória, mas foi bem na hora
de uma aula minha. Daquela vez, entretanto, prometi a mim mesma que
iria, mesmo que tivesse aula.
— Não esqueça de usar minha camisa. — Killian abriu um sorriso
divertido e me girou mais uma vez.
— Qual é, está com ciúmes do meu próprio irmão? — questionei,
percebendo que ele tinha uma fluidez invejável, o corpo maleável fazendo
movimentos difíceis parecerem simples.
Ele teria sido um ótimo parceiro de patinação artística, embora eu
fizesse apresentações solo, e eu não tinha dúvidas que seria um ótimo
parceiro em cena.
— Só quero que os outros saibam que você é minha.
Sua resposta me pegou de surpresa. Eu não sabia até que ponto ele
estava brincando ou falando a verdade, mas o brilho em suas íris e a pupilas
dilatadas indicavam que ele não falava da boca para fora.
Engoli a saliva que se formou em minha garganta e memórias da
noite anterior vieram como flashes. Killian me beijando, a marca de sua
boca tornando quente onde seus lábios tocaram, sua respiração trazendo
calor em minha umidade, o gelado de seu piercing em contraste com o
incêndio que se formava dentro de mim.
Segurei um gemido que quis escapar da minha boca e preferi levar o
assunto para um caminho mais seguro.
— Você vai se sair bem na peça, tenho certeza de que vai ser um
sucesso. Você já foi muito ao teatro? Porque parece que você sabe como se
portar.
— Esqueceu que eu falei que só fui à sua peça do Peter Pan? Posso
ser inexperiente com peças teatrais, mas já fui em todas as suas
apresentações de patinação. E você, Candice Miller, era como uma rainha
do gelo. Suas apresentações eram sempre repletas de leveza, graça e, claro,
muita técnica. Quando estava no rinque, nada poderia fazer com que eu
desviasse o olhar de você. — Inclinou meu corpo no exato momento em
que a música parou e abriu um sorriso sedutor que pareceu ecoar na pista de
gelo.
Comecei a perceber que talvez houvesse algo a mais entre nós. Algo
bem mais profundo do que eu, um dia, iria admitir. A tensão que costumava
existir entre nós agora se misturava com uma curiosa eletricidade e eu não
conseguia negar a conexão que estava se formando. Era como se, debaixo
de toda a ironia e sarcasmo, estivesse um vínculo que eu não podia mais
ignorar.
KILLIAN DI ANGELIS
O clima estava tenso dentro do vestiário. Era o primeiro jogo oficial
depois do polêmico amistoso com a entrada surpresa de Finnick. As coisas
entre ele e Connor ainda estavam conturbadas. Se por um lado, Connor
deveria estar sentado em algum lugar da arquibancada, por outro, Finnick
estava usando as cores vinho e verde que pertencia ao Lynx.
Tínhamos treinado bastante, mas não sabia se era o suficiente. O
barulho da torcida ecoava do lado de fora e uma sensação de nervosismo
percorreu meu corpo.
O treinador estava dando as últimas instruções, mas eu não prestava
muita atenção em suas palavras e sim nos outros jogadores. Dexter, o outro
defensor, estalava os dedos como se fosse para um campo de batalha.
Dawson, um dos alas, balançava a cabeça ao ritmo de uma música
imaginária, mas meus olhos se fixaram em Gus. Eu conhecia o goleiro do
Lynx desde moleque e ainda assim tinha ferido nosso código de amizade.
Tinha certeza que levar sua irmã até o orgasmo usando apenas minha boca
era estritamente proibido. Bufei irritado, sempre tinha respeitado Candice e
não era pelo que tinha acontecido em Chicago que ia deixar de respeitar.
Os caras do time se levantaram, juntando as mãos em um grito de
guerra. Fiz tudo no automático e só despertei de verdade quando segui pelo
corredor até o rinque. Pisei sobre a pista de gelo, a euforia que só o hóquei
era capaz de trazer invadindo cada célula do meu corpo.
Ali eu me sentia poderoso, ali era a Signora Morte, o cara que dava
literalmente o sangue pelo time. Ohio State Buckeyes era uma equipe difícil,
mas, se dependesse de mim, não iriam conseguir fazer nenhum gol.
A partida se iniciou em meio à euforia dos torcedores. O jogo se
tornou agressivo e rápido no mesmo instante. Todo momento dentro do
rinque era intenso. Aquilo era hóquei, um bando de brutamontes prontos
para tudo.
Estávamos no meio do jogo e a tensão no gelo era palpável. O
empate não era bom para nenhum dos times e cada corrida, cada mudança
de movimento do puck era importante. O jogo estava fervendo naquela
noite no gelo. O adversário era agressivo, e eu sabia que teríamos que lutar
cada segundo pelo nosso espaço no rinque.
— Movimentem-se. — Paul Levine gritava da área técnica.
— É isso o que estamos fazendo. Porra! — gritei de volta, feroz. Eu
era o maldito capitão e precisávamos sair dali com a vitória.
Se no amistoso o placar tinha sido fácil a nosso favor, ali estava
muito mais disputado.
— Dexter, marque o 12 — gritei, correndo em direção a outro
jogador adversário.
Como defensor da equipe da Universidade de Michigan, eu estava
determinado a proteger nosso gol a todo custo. Mas parecia que eu não
precisava me preocupar tanto, já que Gus estava mais inspirado do que o
normal. De relance vi Kira na arquibancada, o que explicava sua atuação
além do excepcional. Ri para meu amigo, ele estava se saindo muito bem no
quesito relacionamento.
Olhei para a arquibancada por um segundo, esperando encontrar
Candice usando minha camisa, mas o que vi me deixou travado. Uma
pessoa virou de costas. Os cabelos escuros, lisos, quase na altura dos
ombros, o nome DI ANGELIS estampado na jersey vermelha do Red
Wings. Em questão de segundos, pensei que fosse Kenny, como se ele
pudesse estar ali, vendo meu jogo. Pisquei os olhos, procurando por meu
irmão, mas tudo o que vi foi um torcedor do Red Wings usando uma camisa
com seu nome.
Tudo foi rápido, mas o suficiente para eu me desconcentrar. De
repente, sem eu perceber, um jogador adversário se aproximou de mim com
uma velocidade surpreendente. Com um gesto brusco ele me acertou um
golpe violento. O impacto foi avassalador e eu fui derrubado no gelo com
força. A dor penetrou todas as partes do meu corpo e eu mal consegui
respirar.
No rinque, uma confusão parecia se iniciar. A multidão na
arquibancada rugia ferozmente. Foi aí que percebi um corpo grande
parando ao meu lado. Finnick se aproximou com um rosto preocupado.
Pude notar suas sobrancelhas se curvando por dentro do capacete. Sem uma
palavra, ele se aproximou, me levantou e me guiou até a divisória do
rinque.
Eu era acostumado a sofrer ataques. Era um defensor. Só não era
acostumado a recebê-los por trás. Sempre fui muito atento e sabia que,
mesmo usando todos os equipamentos possíveis, alguns acidentes poderiam
acontecer. Quando dizia para Candice que levava muita pancada, não era
brincadeira.
Finnick olhou para mim, a preocupação clara em seu semblante. E
eu lembrei quando brigamos no Frozen Four anterior. Como nos odiávamos
só por sermos de times adversários e agora éramos colegas de time.
— Killian, você está bem? — perguntou em um tom calmo,
diferente da algazarra ao redor.
— Está tudo bem — consegui dizer, tocando minha costela que
latejava. — O time precisa de você para decidir o jogo.
Finnick assentiu e, assim que o juiz apitou a volta da partida, eu me
preparei para defender o Lynx. Não iria perder para o time de Ohio por
nada.
— Você está bem? — o treinador Paul entrou no meu campo de
visão. Ao lado da divisória.
— Sim, está tudo bem — comentei, desviando o olhar para a
arquibancada, onde o homem usando a camisa de Kenny continuava ali. —
Posso dar o troco no cara?
— Tem como eu te impedir? — questionou, tocando a testa, mas
abrindo um sorriso no fim.
— Não mesmo.
— Só não seja expulso. É nosso capitão; nosso melhor defensor. —
O treinador se aproximou em um cochicho. — Que Dexter não saiba disso.
Marquei o número do desgraçado que tinha me atacado e fui com
tudo para cima dele. Sim, o hóquei era um jogo de brutamontes. De contato
físico. Competitivo. Mas não queria dizer que era violência gratuita, por
isso, quando ataquei o jogador adversário, ataquei-o de frente. Porque eu
poderia ser várias coisas, menos desleal.
A torcida foi ao delírio, mas o jogo continuou. Queríamos a vitória.
A partida estava acirrada, principalmente porque não era Connor que estava
ali, mas sim Finnick, e o time ainda não tinha conseguido encaixá-lo.
Entretanto, para um cara de quase dois metros de altura, ele era ágil.
Quando o puck chegou e só havia um defensor em sua cola, ele conseguiu
marcar.
A arquibancada faltou ceder diante do delírio da torcida. As faixas e
bandeiras da universidade sendo agitadas ao alto. Todos os garotos foram
cumprimentar Finn, e Gus me puxou para o lado perguntando se estava tudo
ok. Balancei a cabeça em afirmação e voltei à minha posição, já que o jogo
não tinha terminado.
O time de Ohio quase marcou em seguida, mas Gus fez uma defesa
espetacular que fez a torcida gritar seu nome. Quando o juiz apitou, uma
enxurrada de pessoas invadiu o espaço entre o rinque e a arquibancada,
como era de costume após o fim dos jogos.
Tirei as luvas, o capacete e me deixei respirar. Olhei para Finnick,
que recebia tapinhas nas costas e era ovacionado por algumas pessoas.
Precisava agradecer ele pela ajuda e, quem sabe, tirá-lo do porão para um
quarto melhor.
Girei o pescoço procurando Candice em meio à multidão. Vi a loira
com minha camisa vindo ao longe, tentando passar pelas pessoas e chegar a
mim. Mãos tocaram meus braços e me virei para ver um grupo de pessoas
ali, reconheci algumas meninas que sempre acompanhavam os jogos. Uma
delas não tirou a mão de mim, mesmo que eu a tenha olhado com a cara
feia. Outra beijou minha bochecha.
— Você foi incrível. Aquele idiota merecia um troco bem pior pelo
que fez com você. — A garota que beijou minha bochecha levou as mãos à
minha costela em uma tentativa de fazer uma massagem ali.
Abri um sorriso contido, não dando muita atenção a ela, retirei sua
mão de mim e olhei para onde momentos antes tinha visto Candice. Por
mais alto que eu fosse, não consegui vê-la e me perguntei se ela tinha se
perdido.
— Se me der licença, preciso procurar minha namorada. — Saí
antes de obter uma resposta, trombando em uma ou outra pessoa.
Não encontrei Candice em nenhum lugar. Ela tinha ido embora?
Rodei pela arena com a esperança de encontrá-la com Gus, ou quem sabe
com algumas das meninas da Alpha Phi, mas estava enganado. Quando
Dexter me viu, me espremeu em um abraço e me arrastou de encontro a
Dawson.
— Você precisa organizar a festa da vitória. — O defensor falou,
cheio de uma euforia contagiante.
Procurei mais uma vez por Candice e, quando me dei por vencido,
assenti.
— Você tem razão, vou comprar umas bebidas e uns lanches. E, por
favor, pelo menos por hoje, não encham o saco do Finnick.
— Pode deixar, Kill.
Frustrado, me deixei levar pelo foco em administrar a festa. Eu era a
babá dos caras, o responsável por deixar tudo organizado. Tinha que manter
notas boas nas disciplinas de química e apresentar a peça daqui umas
semanas para não bombar na matéria de teatro. Nos horários livres eu
treinava no rinque porque não podia me dar ao luxo de perder.
Hoje eu havia falhado. Perdi o controle ao lembrar de Kenny.
Aquilo não poderia se repetir, não era permitido erros. Eu estava no Lynx
para servir, para ser vitorioso e conquistar minha vaga na NHL. Afinal,
aquele era o caminho que um herdeiro do hóquei deveria seguir.
CANDICE MILLER
A cafeteria estava com um movimento fraco para uma tarde fria.
Uma pessoa tomava um frapuccino, outra ficou no café com leite enquanto
passava os olhos pelos livros disponíveis nas estantes, e só.
Após o jogo de hóquei, fui para a Coffee & Chapters. Queria ficar
distante de tudo que remetesse a Killian ou hóquei. Vê-lo com outras
garotas mexeu algo dentro de mim. Uma parte que eu não sabia existir.
Com o estoque de café pronto, fui direto para a área onde ficavam as
estantes, para organizar os livros que os clientes deixavam fora de ordem.
Eu queria espairecer, mas, quando vi a lombada de Icebreaker, um nó se
formou em uma garganta. Um jogador de hóquei e uma patinadora. Uma
grande história de amor. Que piada.
Ainda assim, peguei o livro para ler. Me sentando em uma cadeira
de madeira que os clientes costumavam usar. Não podia culpar a autora por
seu livro parecer demais a realidade. A minha realidade. A diferença é que
eu sabia que o casal ia ficar junto no final do livro. E o meu final feliz?
Bem, não sabia se ia ter um. Me deixei mergulhar entre as páginas
amarelas, suspirando a cada momento fofo protagonizado por Anastasia e
Nate. A história era tão boa que nem prestei atenção quando Kira chegou ao
meu lado.
— Esse livro é bom mesmo? — questionou com uma sobrancelha
erguida.
— Muito bom, bem divertido e as cenas quentes... uau, são de tirar o
fôlego.
— Interessante, quem sabe eu dê uma chance depois. — Ela abriu
um sorriso e se sentou no puff laranja que tinha ali.
— Killian está te ligando. — Ela apontou para o meu celular, que
estava em cima da mesinha de madeira. — Não vai atender?
Revirei os olhos, só de olhar o nome de Killian no mostrador do
celular eu tinha vontade de gritar de raiva.
— Não. — Me limitei a dizer.
— Posso saber o porquê? — perguntou. Kira era curiosa por
natureza, mas vi uma preocupação genuína em saber se estava tudo ok
comigo.
— Eu odeio jogadores de hóquei. — Larguei o livro sobre a
mesinha.
— Essa frase não é muito forte? Afinal, você é irmã de um deles. —
Foi Ava quem perguntou, aparecendo com um avental sobre a roupa. Ela
adorava esse lance de cozinhar, embora fosse meio desastrada.
— Gus é diferente — comentei o óbvio, dando de ombros.
— Ele é um cara legal. — Kira defendeu meu irmão. Eles estavam
mesmo se curtindo. Ela, inclusive, esteve no jogo também. — No fim das
contas, os caras do hóquei são normais, a diferença é que têm quase dois
metros de altura e são tão largos quanto um urso.
— Para mim parece uma grande diferença. — Alice tirou os olhos
do livro de matemática que estudava, e comentou.
Soube por Kira que Finnick foi atrás de Alice na festa de iniciação
da Alpha Phi. Não sabia como, mas parecia que de alguma forma, todas
estávamos enroladas com jogadores de hóquei.
Era impossível não rir com as meninas. Eu ainda me perguntava
como garotas tão diferentes podiam ser amigas. As garotas da Alpha Phi
eram ótimas, pelo menos a maioria delas, mas eu não tinha muita
intimidade com elas. A verdade é que eu ainda estava me acostumando com
a irmandade. Kira, Ava e Alice eram divertidas e com elas eu podia xingar
Killian sem parecer que era uma serial killer ou algo do tipo.
— Jogadores são convencidos. — Cruzei os braços sobre os seios.
— Com suas tatuagens estúpidas e corpos musculosos.
— Gus não tem tatuagem — Kira comentou, puxando um pirulito
do bolso.
— Imaginava que Connor tinha mais. — O comentário de Alice fez
eu arquear uma sobrancelha. Ela era monitora de Connor, mas não sabia até
que ponto se conheciam. Dei de ombros, sabia que ela não ia falar muito
mais que aquilo. No fim das contas, meu irmão era um dos poucos caras
que não tinha nenhuma marca no corpo.
— Aquelas asas no braço de Killian são interessantes.
Principalmente a de demônio — Ava falou, retirando o avental e o
colocando sobre a mesinha.
— Por falar em demônio... olha só quem chegou. — Kira apontou,
nada discreta, para a porta de vidro da cafeteria, onde Killian estava. — Um
demônio gostoso pra caralho.
Killian entrou pela porta e olhou para os lados. Quando seus olhos
colidiram com os meus, senti um arrepio percorrer minha espinha.
Ele veio andando em minha direção, os olhos não saindo um
segundo sequer de mim. Killian balançou a cabeça em cumprimento quando
passou pelas meninas, mas sua atenção ainda estava fixa em mim.
— Será que podemos conversar? — questionou.
Revirei os olhos, a imagem das garotas pegando seu corpo veio com
força. Sim, iriamos conversar. Não era ele mesmo que vivia dizendo que eu
era sua e ele meu?
Balancei a cabeça em afirmativa e ele agarrou meu pulso me
levando até o corredor formado por duas estantes repletas de livros.
Os cabelos bagunçados, a testa úmida e a respiração entrecortada me
levaram a imaginar que ele tinha corrido até ali após o jogo.
— Por que você não atendeu a porcaria do telefone? — Killian
estava esbaforido, o rosto vermelho. — Eu liguei um monte de vezes.
Pensei que algo terrível tinha acontecido.
Suas mãos foram até meus ombros, mas me desvencilhei dele,
colocando minhas próprias mãos na cintura.
— Oh, desculpe, Killian. Eu estava ocupada assistindo você sendo
acariciado por suas fãs — respondi, furiosa, querendo que ele fosse embora.
— Isso não é justo, Candice. Você sabe que eu não tenho controle
sobre isso. — Killian me puxou, encostando minhas costas em uma estante.
Seu corpo rígido e quente estava tão próximo que fiquei com medo
de nos fundirmos.
— Claro que não. Aposto que você odeia ser o centro das atenções
— rebati, não iria dar o braço a torcer.
E não importava que meu coração acelerasse só de tê-lo ali tão
perto, nem que seu rosto estivesse tão próximo que eu podia sentir sua
respiração. A raiva e o desejo se misturavam de forma explosiva.
— Candice, não seja assim. Essa é a realidade de um jogador de
hóquei. Essa situação vai se repetir mais e mais. O que você acha que vai
acontecer quando eu chegar na NHL? Kenny tinha fotos sem roupa pelo
Pinterest. Nós, jogadores, acabamos nos tornando pessoas públicas. Você
tem que se acostumar.
— Por que eu me acostumaria, Killian? — Nossa mentira tinha
prazo de validade. Assim que ele passasse na disciplina de Atuação I, eu
tinha certeza de que daria o pé em mim. Ele poderia ter a mulher que
quisesse, jamais escolheria a garota perdida que só usava All Star e que se
agarrava ao curso de teatro como se sua vida dependesse disso — Isso aqui.
Eu e você, não temos nada mais que um namoro falso.
Killian trincou o maxilar e as mãos, que estavam apoiadas na
estrutura de madeira da estante, foram até meu rosto.
— Você tem razão, mas me diga uma coisa, zuccherina: se eu enfiar
minhas mãos em sua calcinha, não vou sentir a umidade no meio de suas
pernas?
— Killian! — virei para os lados para ter a certeza de que ninguém
tinha escutado suas palavras.
— Se eu encostar minha boca na sua, você não vai enfiar sua língua
no processo? — continuou, com a voz rouca.
Ele desceu uma das mãos pelo meu pescoço e eu prendi a respiração
quando ela foi até a minha cintura e ali se firmou.
— Se eu enfiar meu pau bem fundo, você não vai gritar meu nome?
Não vai implorar por mais? — Killian abriu um sorriso venenoso,
mordendo o lábio inferior em seguida. — Porque me parece que você
esqueceu de uma coisa. Você está com ciúmes. E ninguém sente ciúmes em
uma farsa.
— Eu não estou com ciúmes. — Menti, evitando seu olhar.
— Você não sabe mentir, Candice.
Sua voz rouca e o calor de seu corpo próximo ao meu me deixaram
sem fala por um instante.
— É melhor você ir embora, Killian — falei ao me recuperar.
— É melhor você parar de mentir para mim. Você pode ser boa em
atuação, mas não me engana. Se quiser me tocar, basta fazer. Você não
precisa pedir permissão.
Engoli a saliva que se formou em minha garganta. Nem um milhão
de anos de prática em artes cênicas seria suficiente para eu fingir que não
queria aquilo.
— Você é muito convencido.
— E você é muito gostosa. — Ele inclinou a cabeça, sussurrando
em meu ouvido. — Será que posso provar seus lábios certos, dessa vez?
Meu cérebro congelou e não consegui falar. As pernas adquirindo a
consistência de manteiga derretida. Sorte que eu estava apoiada na estante.
— Você também não precisa pedir permissão — consegui dizer,
quando recuperei o fôlego.
Killian apertou sua mão contra minha cintura e mordeu o lóbulo da
minha orelha. O calor se propagou pelo meu corpo, forte, preciso e
incontrolável. Esperei por seu beijo, por finalmente provar seu gosto, mas,
antes que ele fizesse isso, uma risada ecoou pelo recinto.
— Mas precisa pedir a minha. — Uma velha senhora sorriu ao nos
ver naquela posição comprometedora e eu empurrei Killian antes que
perdesse meu emprego.
— Me desculpe. — Me apressei em dizer.
— Eu... eu já vou indo. Me encontre hoje à noite na festa da Ômega.
— Ele passou pela senhora, meio acanhado, e eu sorri.
Ver um homem daquele tamanho e largura ficando tímido era algo
divertido. Quando ele já estava na porta, pronto para ir embora, se virou
para as meninas.
— Vocês também estão convidadas — disse, piscando na direção
delas e saiu.
Olhei Kira, depois Ava e Alice, e não resistimos. Caímos na
gargalhada. Momentos antes estávamos todas falando mal dos jogadores de
hóquei e ali estava eu, desejando beijar um deles. Ninguém disse que a
universidade seria fácil. Não era mesmo?!
KILLIAN DI ANGELIS
A música alta quase fazia a estrutura da casa vibrar. Os gritos
ecoavam por todo canto, principalmente na parte de trás da casa, onde a
galera enchia a cara após a vitória contra o time adversário.
Eu estava no banheiro do meu quarto, regalia que a maioria dos
caras não tinha, porque havia herdado o quarto de Kenny, que era um dos
melhores da casa. Estava escutando a algazarra do lado de fora e fingindo
que eu não me importava com o ciúme sem fundamento de Candice. Quem
eu queria enganar? Ela tinha ficado irada, inflando não só meu ego como
meu pau.
Tê-la tão perto no meio daquelas estantes me fez imaginar o que poderia
fazer com ela, caso ninguém estivesse ali.
Sim, estava perdendo a sanidade, mas não podia mais fingir que
tinha o controle sobre meus pensamentos quando o assunto era Candice.
Me olhei no espelho, analisando alguns hematomas em meu tronco
devido ao jogo. Era normal sair de cada partida com alguns machucados.
Peguei um spray que já deixava ali para aqueles casos e o apliquei sobre os
ferimentos. Voltei para o quarto, vesti uma camisa de moletom e estava
prestes a calçar meus tênis quando Connor entrou no quarto.
— Candice está lá embaixo.
— Obrigado, Connor. — Enfiei meus pés nos tênis e passei a mão
em meus cabelos, jogando os fios para trás.
Abri a segunda gaveta da escrivaninha e retirei o piercing dentro de
uma caixinha.
— Você não cansa de colocar isso toda hora? — o ex capitão
questionou.
— Não, eu não me canso de ser bonito. — Dei de ombros, enfiando
o metal pelo septo.
—Você vai sair com Candice hoje?
— Vou levá-la ao teatro — falei, tocando o bolso da minha calça,
onde eu havia guardado os tickets que comprei assim que cheguei na
fraternidade.
Candice poderia estar furiosa pelo que aconteceu após o jogo, mas
eu sabia que meu convite iria alegrá-la.
— Não está levando muito a sério esse seu namoro com ela? —
questionou.
Ele sabia que tudo era uma farsa, mas não gostei do modo que falou.
— E você não está tentando provocar Finnick, andando atrás
daquela garota que vive com ele? Como é mesmo o nome dela? Alice?
Connor se calou, levantando os braços em sinal de rendição, e
saímos do quarto juntos. Ele estava ocupado com um campeonato de
matemática. Seu grupo “Matletas” chegou a lavar carros para arrecadar
dinheiro. Eu tinha até mesmo aproveitado a oportunidade para provocar.
Éramos grandes amigos, daqueles que só uma fraternidade era capaz
de formar, e mesmo diante de todas as adversidades, nos dávamos muito
bem. Jamais esqueceria que ele tinha se metido na confusão com Finnick
para me proteger.
— Não preciso mais falar das recomendações, né? Nada de tacar
fogo na casa ou de jogar alguém pela janela. Estou contando com você —
falei assim que cheguei no fim da escada que dava acesso ao térreo.
— Pode deixar. — Connor saiu andando em direção aos fundos da
casa e eu caminhei até a loira que estava com os típicos All Star no pé e um
vestidinho rodado.
— Oi. — Candice tocou a ponta dos cabelos. — O que você quer
comigo?
— Quero te levar em um lugar — disse, apontando para a porta de
saída, e ela seguiu até o lado de fora, onde meu Jeep estava estacionado.
— Estou começando a ficar com medo de seus programas. Primeiro,
o passeio na roda-gigante que nos levou a passar a noite no hotel. Depois,
me levou ao rinque, mesmo sabendo que eu não queria. O que você tem em
mente agora?
— Ei, eu estava com a melhor das intenções e tenho certeza de que
você gostou de ir ao rinque. E de ir à roda gigante também.
Candice tentou esconder o riso, mas se deu por vencida, o rosto
corando um pouco.
— Você tem razão. Mas onde você pretende me levar hoje?
— Ao teatro. Musical do Mágico de Oz — comentei, puxando os
ingressos do bolso e os entregando a ela.
— Não sabia que gostava de musicais. — Candice ergueu uma
sobrancelha, sentando-se no banco do carro logo após eu abrir a porta para
ela.
— Bom, não tenho uma opinião formada sobre esse tipo de
apresentação. — Sorri, sentando-me ao seu lado e ligando o carro.
"Assistir um musical" era uma tarefa que acabei deixando de lado
enquanto tentava realizar os desejos do caderno de Kenny. Mas quando
Candice apareceu, não só como minha colega de turma, mas também como
namorada falsa e vizinha, me pareceu óbvio o que deveria ser feito.
Chegamos ao teatro em pouco mais de meia hora. O Theatre Nova
parecia um galpão de fazenda pelo lado de fora, com a pintura amarelada
trazendo certo aconchego ao ambiente. Lá dentro, as cadeiras de madeira,
acolchoadas, ficavam ao redor do palco pequeno. Era um ambiente
diferente dos grandes teatros que tinham em Michigan e, exatamente por
isso, tinha escolhido ali. Queria fazer um passeio diferente com Candice.
Nos sentamos em cadeiras bem em frente ao palco. Candice parecia
ansiosa, e quando os autores apareceram no palco e a cantoria começou, eu
pude ver o brilho nos seus olhos. Eu conhecia a história de O mágico de Oz,
mas em forma de música pareceu bem divertido.
— Ei, você sabe cantar? — perguntei, com curiosidade genuína.
Candice olhou para os lados, com medo de minha pergunta ter
atrapalhado alguém da plateia, e cochichou.
— Não, minha voz é um horror.
Abafei uma gargalhada, surpreso por tamanha sinceridade.
— Acho que você daria uma ótima Dorothy, se fosse morena. —
Pisquei na sua direção. — Depois de umas doses de álcool, poderia cantar
bem.
— Acho que você daria um ótimo totó — ela respondeu, se
divertindo. — Correndo e latindo para onde eu fosse.
— Zuccherina, eu já faço isso.
— Psiu. — Alguém reclamou atrás de nós.
— Você vai fazer a gente ser expulso. — Candice tocou na minha
coxa e uma eletricidade atravessou meu corpo.
E você vai fazer eu ter uma ereção, pensei. Candice continuou com
a mão ali, voltando a atenção para o palco, se divertindo com os macacos
voadores.
— Acho que à essa altura eu não me importaria muito.
Um homem olhou incomodado para nós e eu aproveitei a desculpa
para me aproximar de Candice.
— Você não quer dar uma volta lá fora?
Ela olhou ao redor, como se ponderasse se meu convite era melhor
do que ficar ali escutando o leão medroso cantando. E então se levantou.
Saímos de mãos dadas, correndo com medo de atrapalhar os espectadores.
Quando chegamos do lado de fora, estávamos rindo tanto que minha barriga
doía.
— Killian, você não tem jeito, me convidou para vir ao teatro, mas
quer sair no meio da peça!
— Me desculpe, a peça até estava boa, mas não aguentava mais
escutar a voz do leão. Ele choramingava demais. — Passei as mãos pelos
cabelos, me encostando no corrimão de madeira da rampa que dava acesso
ao teatro.
— Confesso que a voz dele realmente era irritante. — Candice
sorriu e eu encarei sua beleza. As pernas de fora dessa vez mostravam a
cicatriz no joelho, os cabelos esvoaçavam conforme a mudança do vento e a
bolsa estilo ecobag de pano, junto com o tênis vermelho, terminava o look
bonito.
— Você está linda.
Seu rosto corou, e mesmo à luz da noite, percebi o tom rosa se
espalhando na maçã do rosto.
Deus, como eu queria que ela nunca perdesse aquela característica.
Puxei seu braço, entrelaçando minha mão na sua, e a levei em direção ao
estacionamento, onde meu carro estava.
Seguimos devagar, sem pressa e no meio do caminho parei. Candice
me encarou, curiosa.
— O que foi...
Colei minha boca na sua em um beijo casto. Só o tocar de lábios,
mas suficiente para me levar ao paraíso.
— Eu precisava fazer isso. Precisava sentir seu gosto — falei.
Candice respirava de modo acelerado e se esticou, ficando na ponta
dos pés para segurar meu rosto. Ela não falou nada. Não foi necessário.
Porque repeti o ato, dessa vez com mais fome. Enfiei minha língua em sua
boca, afoito, e ela rebateu com a dela.
Segurei sua cintura, puxando seu corpo em direção ao meu, e sua
resposta foi enlaçar meu pescoço, tomando posse de mim.
Se a boceta de Candice era uma delícia, a boca era um deleite. Seus
lábios tinham gosto de conforto, aconchego e lar. Meu coração acelerou no
processo e uma necessidade de me fundir a ela me possuiu. Não era sexo,
era um sentimento genuíno de pertencimento.
Era como se o tempo tivesse parado e só existisse eu e Candice. Só
nós dois no universo e nada mais. Só nossas bocas se colando com desejo
que ameaçava rasgar meu peito. Eu não parei para recuperar o fôlego,
porque Candice era o ar que eu respirava.
Gotas grossas e geladas começaram a cair sobre mim e eu me afastei
de Candice e olhei para o céu. Uma chuva inesperada havia começado e eu
comecei a rir quando Candice caiu na gargalhada.
— Será que um dia vamos conseguir não ser interrompidos? —
comentei, segurando sua mão e a levando até o carro.
— Bem, parece que o universo conspira contra nós. — Ela sentou
sobre o banco, o vestido molhado deixando seus seios marcados.
Desviei a atenção, passando a mão pelos meus cabelos úmidos.
— Você está molhada — falei, ligando o aquecedor do carro e
dirigindo pelo estacionamento.
— Sim, eu estou molhada. — Sua voz saiu baixa e eu me remexi
sobre o banco, sentindo o pau rígido pulsando dentro da calça.
Eu poderia fodê-la ali mesmo, levantar seu vestido e meter forte até
que ela gemesse meu nome. E eu tinha a certeza de que ela iria gostar.
Mas era a Candice.
A minha Candice.
Eu não estava buscando apenas uma transa casual. Eu estava
decidido a ser paciente, a esperar. Não tinha a intenção de brincar com ela.
Não por ser a promessa que havia feito a Gus. Mas por ser uma promessa
que, naquele momento, fiz a mim mesmo.
CANDICE MILLER
Na aula de atuação, enquanto eu tentava me concentrar no que a
professora Sara dizia, percebi duas coisas.
1. Meus olhos só tinham foco em Killian Di Angelis e sua camisa
preta colada.
2. Meu cérebro insistia em me dizer que a peça estava perto de
acontecer e eu deveria me preocupar com isso, mas na verdade eu
só conseguia pensar no beijo que Killian me deu no
estacionamento.
O hálito quente de Killian, seu braço forte envolto da minha cintura,
a língua ultrapassando a barreira dos meus lábios. Tudo tinha sido perfeito.
Era um beijo que ansiava desde os treze anos e que agora eu sabia que
desejaria para todo o sempre. Não tinha como pensar em outra boca que não
fosse na de Killian. Seus lábios pareciam se encaixar nos meus em um
enlace perfeito. Como se eu fosse um quebra-cabeça e ele a peça que
faltava.
— Nos vemos na próxima aula. — A professora falou e os alunos
saíram em disparada.
Eu juntei as coisas dentro da minha bolsa, me recriminando por não
ter prestado atenção em nada, mas foi só ver Killian diante de mim que abri
um sorriso bobo.
— Você sabia que a Sra. Potts é um bule? — ele questionou, com
uma das sobrancelhas arqueada.
— Claro — gargalhei. — Você não sabia?
— Como diabos vou contracenar com um bule? E uma vela? E uma
xícara? — Killian cruzou os braços sobre o peito, fazendo eu admirar mais
uma vez aquela camisa que parecia moldada em seu corpo.
— Eles vão estar fantasiados, assim como você. Esqueceu que é
uma fera?
Ele pareceu pensar sobre o assunto e então assentiu.
— O que acha de a gente fazer um piquenique na praça da
universidade e assistirmos A Bela e a Fera?
Seu convite me pegou de surpresa. Ultimamente Killian estava em
uma vibe de me convidar para tudo. Eu não sabia se ele genuinamente
queria fazer aquele tipo de atividade ou se estava só querendo passar um
tempo na minha companhia. Independentemente de sua escolha, eu me
sentia feliz quando ele compartilhava momentos comigo.
— É uma excelente ideia. Estou livre hoje à tarde e você?
— Não tenho treino hoje. — Deu de ombros, como se estivesse
dando o veredito. — Eu levo o notebook e os petiscos. Você leva a toalha
porque não tenho nenhuma. OK?
— Fechado. — Apertei sua mão enquanto caminhávamos por um
dos corredores da universidade.
Ainda teria uma aula de História do Teatro, por isso nosso caminho
se encerrava ali. Olhei para os seus lábios por apenas um segundo, mas o
suficiente para ele notar meu movimento.
— Vá para o piquenique e ganhará mais beijos — comentou,
levando o indicador até minha boca e roçando o polegar contra meu lábio
inferior.
— Isso é chantagem — resmunguei, tentando não parecer tão
ansiosa por seus beijos.
— Isso é uma promessa — sussurrou e então deu a volta e saiu
andando pelo corredor. Como se nada tivesse acontecido. Como se não
fosse o responsável pelo bater acelerado do meu coração.
Após as aulas, fui à cafeteria pegar uma toalha emprestada. Dei um
alô rápido para Kira, que estava no caixa, aproveitei e comprei alguns
cookies com o desconto de funcionária.
Era o meu dia de folga e eu poderia aproveitar para estudar, mas, em
minha defesa, assistir A Bela e a Fera ajudaria a relembrar a história que
tanto amava.
Quando cheguei na praça composta por árvores grandes e um
gramado verde vivo, vi que Killian já estava ali com um notebook apoiado
na grama e uma cesta de palha.
— Onde você arranjou essa cesta? — perguntei, estendendo a toalha
e me sentando sobre o tecido azul.
— O depósito da Ômega Teta tem de tudo que você imaginar. — Ele
abriu a cesta e de lá retirou uma mini almofada e duas velas. — Encontrei
uma espada, uma fantasia do papai Noel e até mesmo uma caixa de
camisinha neon.
Killian sorriu e abriu um pacotinho de carne seca, retirando um
pedaço e me oferecendo outro.
— Trouxe balas, chocolates, suco de uva e claro, o filme animado
de A Bela e a Fera. Nada daquele filme com a atriz da Hermione.
— Não gosta da Hermione? — perguntei, sabendo que ele estava
falando da Emma Watson.
— Ah, sim, gosto, mas não quis pegar interferência da atuação dos
atores. Querendo ou não, assistir o live action pode interferir no meu
entendimento do filme devido a interpretação dos personagens. Não é
mesmo?
— Nunca tinha pensado por esse lado, mas você tem razão.
— Eu sempre tenho razão. — Ele deu de ombros, convencido, e
abriu a tela do notebook onde o filme já estava no ponto de ser assistido.
Assistimos ao filme enquanto comíamos todos os tipos de comida.
Killian vez ou outra fazia um comentário divertido como “esse filme é
muito louco, até o castiçal ganhou vida” ou “não sabia que xícaras eram
capazes de dançar”. Ele parecia maravilhado com o mundo apresentado no
filme e em determinado momento, empolgado com os seres inanimados
dançantes, resolveu acender a vela que trouxe, deixando um clima mais
romântico.
Sair com Killian sempre me deixava em um misto de euforia e
ansiedade. Eu nunca sabia o que esperar, porque ele era o cara de quase um
e noventa de altura que batia nos adversários dentro do rinque. Mas também
era o cara que me levava para andar de roda gigante e assistir filme de
princesa em pleno final de outono.
Killian passou o braço pelo meu ombro quando o filme já estava no
fim e puxou meu corpo junto ao seu, colando minhas costas em seu peito.
Prendi a respiração, sentindo seu contato tão próximo que nem prestei
atenção quando a Bela beijou a Fera.
— Um beijo e o monstro vira um príncipe. — Killian falou, levando
a boca até meu ouvido. — E se eu, que já sou um príncipe, ganhar um beijo,
em que me transformo?
— Se você já é um príncipe, um beijo seu faria os unicórnios
aparecerem ou algo do tipo — respondi em meio a uma gargalhada.
— Só saberemos se testarmos.
Assim que Killian falou, girou meu corpo e tomou meus lábios em
um beijo ávido. Sua língua entrou na minha boca com urgência, procurando
a minha, ansioso pelo contato molhado. Seus dentes resvalaram no meu
lábio inferior e então a mordida veio, leve, porém firme. Um gemido saiu
da minha boca, atravessando a boca de Killian e ele enfiou os dedos nos
meus cabelos, se emaranhando ali.
— Os unicórnios podem não ter aparecido, mas as borboletas? Elas
estão aqui. — Killian comentou ao se afastar, o olhar escuro penetrante, a
pupila dilatada a ponto de quase não ver o marrom de suas íris.
Assim era namorar Killian? Estava destinada a suas piadas bobas e a
sentir essas malditas borboletas que ele falou? Eu sabia que não deveria
pensar quando isso acabaria, mas era inevitável não fazê-lo. Até que ponto
aquilo era verdadeiro ou apenas por causa do acordo que tínhamos? E
depois que ele passasse pela peça teatral, o que aconteceria?
Encarei Killian, esperando encontrar minhas respostas ali, mas tudo
o que encontrei foi...
— FOGO!
— Quê? Sim, eu sei que temos muito fogo, não podemos mentir,
temos uma química do caralho e...
— NÃO. — Empurrei seu peito e apontei para trás dele, onde a vela
tinha caído e agora incendiava a toalha da Coffee & Chapters. — Está
pegando fogo.
Killian olhou na direção do meu dedo e rapidamente tirou a camisa,
usando-a para abafar as chamas que começavam a querer aumentar. Deu
certo, o “incêndio” apagou, mas a camisa de Killian ficou destruída.
— Que merda. Agora vou ter que ir para casa sem roupa. Logo
agora que o clima de Ann Arbor está maluco — Killian resmungou.
— Você não poderia, sei lá, ter apagado o fogo com suco de uva?
— Você acha mesmo que suco de uva apagaria um incêndio? —
Killian ergueu uma das sobrancelhas.
— Sei lá, deve ter água dentro do suco de uva, né não?
Ele gargalhou, organizou as coisas dentro da cesta, levantou-se e
estendeu a mão para mim.
— Não é assim que o fogo funciona, Candice.
— E o que você sabe sobre o fogo? — resmunguei a contragosto, eu
não era bombeira ou perita.
— Zuccherina, eu sou estudante de química, sei uma ou outra coisa.
— Ele levou a mão à minha cintura e me puxou na sua direção. — Isso aqui
que a gente tem, por exemplo, é fogo. Um fogo potencialmente perigoso.
Mas um que eu não tenho a intenção de apagar.
E com suas palavras eu soube que não precisava me preocupar,
independentemente do que acontecesse, Killian não iria chamar os
bombeiros.
KILLIAN DI ANGELIS
— O que vocês acham da Margot Robbie? — Dexter perguntou,
sentado no sofá da sala, a gordura de seu hambúrguer derramando sobre a
camiseta.
— Quem? — perguntei, mudando os canais da televisão, desejando
assistir algum filme daqueles que explodiam a cabeça com o plot twist.
— Como você não sabe quem é ela? — Gus perguntou, pegando
uma peça de sushi com elevada destreza usando hashis de madeira. — A
Arlequina.
— Ahhhh, gostosa — respondi, pronto para brigar com Dexter caso
ele sujasse o carpete.
— Gostosa pra caralho. — Connor concordou, pensativo, e ao lado
dele Finnick balançou a cabeça em concordância.
Eles não eram melhores amigos, mas agora estavam se tolerando, o
que já era muito, devido ao gênio forte dos dois.
Após o treino pesado, decidimos comprar comida e latas de cervejas
e se reunir na sala. O objetivo era pensar em estratégias para o próximo
jogo, mas a verdade é que estávamos tão esgotados que apenas ficamos ali,
conversando.
— Vocês viram no TikTok um grupo de jogadores de hóquei
reagindo à leitura de um livro hot onde o personagem é jogador de hóquei?
— Justin Rodriguez, um dos caras da fraternidade e reversa da defesa,
perguntou.
— Eu nem sei o que é TikTok — respondi, me sentindo meio idiota
no meio dos meninos. — E o que seria livro hot?
Havia ficado um tempo sem celular então não era o mais antenado
dos caras. E a falta de memória em relação ao nome de atores era natural,
nunca tinha decorado aquele tipo de informação.
Justin puxou o próprio celular do bolso e me mostrou o vídeo sobre
o qual estava falando.
— Livro hot é... você sabe, livro com cenas quentes. Parece que as
meninas piram em livros com jogadores de hóquei. — Ele riu quando o
vídeo repetiu pela milésima vez.
— Não só em livros — Gus comentou e eu sabia do que ele estava
falando.
Meu amigo era um ex-virgem, ou pelo menos eu achava que era; já
não podia afirmar com certeza, uma vez que ele vivia andando com Kira,
caloura de jornalismo e que trabalhava com Candice na cafeteria. Ainda
assim, inúmeras garotas espalhavam que tinham transado com ele. Era o
efeito hóquei. As camisas vendiam, as partidas ficavam lotadas, agora os
livros surgiam.
Mulher nunca foi problema, para nenhum de nós. O próprio Gus
parecia estar avançando com Kira. Eu mesmo era o cara que dormia sempre
com uma garota diferente, mas ali estava eu, amarrado na que havia falado
mal do meu pau, era irmã do meu melhor amigo e causava um incêndio por
onde passava.
— Vocês leriam um livro desses? — Justin questionou, quando
finalmente travou o celular.
— Nada contra. — Gus respondeu.
E os caras concordaram. Não éramos dados a leitura, sendo sincero,
mas nada impediria a gente de pegar um livro daquele tipo, se fosse nossa
vontade.
A conversa sobre livro, por sinal, acendeu um alerta na minha
cabeça. Um dos desejos de Kenny era justamente ler um livro de romance e
eu sabia exatamente quem poderia me indicar um.
— Eu volto já — comentei, me levantando. — Deixem mais um
pedaço de pizza para mim, já que não como sushi.
Tinha uma vantagem em ser vizinho da Alpha Phi. Apenas alguns
passos me separavam de Candice. Andei pelo gramado, sem me importar
que minhas pegadas ficassem gravadas na planta, e bati duas vezes na porta
de mogno escura.
Uma garota de cabelos curtos, enrolados, atendeu a porta e abriu um
sorriso ao me ver.
— Oi, Agatha, não é? — perguntei, reconhecendo a menina que
havia me pedido um autógrafo.
— Ai, meu Deus, você lembrou meu nome. — Ela se segurou no
batente lateral e por um segundo pensei que ia desmaiar. Então se recompôs
e abriu espaço para eu entrar. — Veio atrás de Candice?
Me assustei ao notar que ela sabia quem eu estava procurando, então
lembrei do Twitter e do quanto as notícias corriam rápidas pelo campus.
Éramos namorados, mesmo que de mentira, e todo mundo sabia.
— Sim, você pode chamar ela para mim? — perguntei.
— Você pode entrar, se quiser. — Ela deu de ombros e eu aceitei seu
convite.
Eu era burro! Se por um lado eu estava com medo de manchar a
reputação de Candice, por outro não tinha muito o que fazer. O fato de que
estávamos juntos já era conhecido pela fraternidade, não é como se
pensassem que éramos castos.
Subi os degraus até o quarto de Candice. A porta estava aberta e ela,
coincidentemente, lia um livro, deitada na cama. Seus braços esticados
seguravam o livro em frente ao rosto. As pernas balançando de forma
divertida. Os cabelos esparramados pelo lençol. Tão linda. Tão perfeita.
— Oi — falei.
No susto, Candice soltou o livro que caiu direto em sua cara.
— Ai.
— Você está bem? — Me apressei em ajudá-la a sentar.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, passando a mão sobre o
nariz, que estava vermelho na ponta.
— Você está parecendo uma rena — falei, me sentando do seu lado.
— A culpa é sua, Killian. — Ela veio com o cotovelo na direção da
minha costela, mas eu estava preparado e segurei-o.
— Ei, minhas costelas precisam de sossego, já estou detonado do
jogo anterior.
Ganhamos mais um jogo e claro, Candice esteve lá, como meu
amuleto da sorte. Usando meu nome em suas costas.
— Sério? — Candice levou os dedos até a barra da minha camiseta
e a puxou, expondo meu tronco. — Meu Deus, Lian. Não dói?
Candice passou a mão pela região arroxeada e seu toque foi
suficiente para eu desejar seu contato em outros lugares.
— Já estou acostumado — disse.
— Eu jamais me acostumaria em apanhar. — Ela balançou a cabeça.
— Ei, você não viu o estado que ficaram os caras do outro time? —
perguntei, notando que as mãos de Candice ainda estavam em mim e eu
estava gostando.
— Eu não me importo com eles. — Candice revirou os olhos. Foi
inevitável não abrir um sorriso. Ela se importava comigo e perceber isso foi
como ganhar o Frozen Four. — Mas o que veio fazer aqui?
Candice se ajeitou sobre a cama, me soltando, e eu senti sua falta no
mesmo instante.
— Queria indicação de um livro — comentei, olhando para a capa
do livro que ela estava lendo. — Esse aí não é famoso no TikTok?
Reconheci a capa do tal de “Icebreaker” do vídeo que Justin tinha
mostrado.
— Não sabia que você lia — ela comentou.
— Claro que leio, estou na universidade, como acha que cheguei
aqui? Desenhando?
Candice revirou os olhos e então sorriu, me mostrando a língua logo
em seguida.
— Você tem TikTok?
— Não, mas tenho amigos. — Sorri, pegando o livro em cima da
cama e analisando o desenho.
Uma patinadora e um jogador de hóquei. Olhei para Candice e
depois para mim mesmo. Candice era patinadora e eu, jogador. Aquilo não
podia ser coincidência. Podia?
— Você pode me emprestar esse? — segurei o livro, folheando-o,
curioso.
— Esse? Não sabia que gostava de ler romance. — Candice me
olhou.
— Bom, nunca é tarde para mudar de hábitos.
— Tudo bem, mas tenha cuidado, é da Coffee & Chapters e tenho
que devolver intacto. Na verdade, não era nem para eu ter trazido para casa,
eu sempre leio lá, mas não resisti e trouxe. E, por favor, não demore a me
devolver, eu preciso terminar de ler também. Só vou te emprestar porque
essa semana tenho prova de Teoria Teatral.
— Vou cuidar dele com carinho. — Me inclinei em sua direção e
beijei sua bochecha. — Obrigado, zuccherina.
Me despedi de Candice e segui até a Ômega Teta, onde Gus e
Connor jogavam vídeo-game em meio a gritos.
Segui até meu quarto e resolvi ler o primeiro capítulo do livro. Me
sentei na cadeira, apoiando meus pés na escrivaninha e comecei a leitura.
Ok, não era um livro ruim, por isso li mais um capítulo e depois
outro. Quando olhei o mostrador do relógio, que ficava em cima da
escrivaninha, vi que já passava da meia noite. Mas eu não conseguia tirar os
olhos das páginas, principalmente porque sentia que o clima ia esquentar
logo, logo.
Dito e feito. Quando li a cena de sexo entre Anastasia e Nate fiquei
de queixo caído. Não sabia que poderia ter acesso à pornô dentro de um
livro com uma capa bonitinha. O tesão entre eles era enorme e a descrição
do ato foi suficiente para eu engolir a saliva que se formou em minha
garganta.
Era aquele tipo de coisa que Candice queria com um homem? Com
um jogador de hóquei? Comigo? Imaginei-a na posição de Anastasia e me
vi sendo Nate. Aquele livro era demais para mim. Fechei-o e fui até o
banheiro. Me olhei no espelho, percebendo a ereção marcada em meu short.
Abri o zíper e retirei meu pau, segurando a extensão com firmeza.
Deus! Não acreditava que ia bater uma para a garota que falou que
meu pau era pequeno, por causa de um livro.
— Porra, Candice. Como eu queria fazer com você tudo o que
acabei de ler — resmunguei, a voz saindo em sacrifício.
Comecei um movimento de vai e vem no meu pau. Imaginando
Candice ali, com sua boquinha gostosa chupando minha grossura. Provar a
boceta de Candice foi uma experiência sem igual. Seu gosto ainda estava
marcado em mim, a lembrança do seu gozo, em meio aos gritos chamando
meu nome, fizeram meu pau pulsar. Eu queria mais dela. Queria não só a
chupar, como me enterrar nela e vê-la engolindo meu pau em sua garganta
apertada.
Um gemido cruzou meu peito, rouco, forte, quando meus
pensamentos nublados pela imagem dela nua fizeram eu acelerar o
processo.
Candice.
Candice.
Candice.
Apenas seu nome ecoava em minha mente enquanto minha mão
deslizava pelo meu pau.
Minha respiração acelerou quando minha porra se espalhou pelo
chão. Mesmo os jogos de hóquei não faziam eu me sentir como se eu
tivesse corrido quilômetros.
Apoiei minha mão no espelho, os cabelos caindo sobre os olhos, o
coração batendo acelerado. Que se fodesse o lance de namoro falso, ou o
fato de que Candice era irmã de Gus. Ela era minha.
Ela tinha proposto aquela mentira idiota.
Eu aceitei para brincar com seus sentimentos, para fazê-la se
arrepender, implorar por mim. Resumindo, para foder a vida dela.
Só que o tiro tinha saído pela culatra.
Eu ainda queria foder, mas não a sua vida.
Queria foder ela.
CANDICE MILLER
Os dias passaram sem que eu visse Killian. Minhas provas
começaram a surgir, enquanto os treinos dele se intensificavam devido aos
jogos. Nos encontramos apenas no Halloween, onde fui vestida de
Rapunzel e ele de Flynn, mas foi um encontro rápido, já que eu precisava
estudar para a matéria de Expressão Vocal. E, em meio à falta de tempo, o
feriado de Ação de Graças se aproximou.
— Você quer ir para casa dos meus pais comigo? — Killian
perguntou pelo telefone faltando três dias para o feriado.
Raramente nos falávamos por telefone, e ele ainda continuava sem
redes sociais. Killian Di Angelis era estranho, mas um estranho que fazia
com que eu sorrisse só de imaginar mais uma viagem ao seu lado.
A verdade era que Detroit só ficava a cerca de cinquenta minutos de
Ann Arbor, ainda assim, ficar um tempo a sós com ele, era sempre
excitante. Mamãe e papai teriam que me desculpar, o banquete em casa era
enorme, mas eu tinha a reputação de namorada de Killian a manter, e por
mais que fosse uma desculpa esfarrapada, fazia sentido. Gus provavelmente
levaria Kira para casa, então meus pais estariam super empolgados por ter
gente nova no feriado.
Depois que aceitei seu convite e desliguei o telefone, foi inevitável
não pensar no que Killian estaria achando do livro. Ele ainda não havia me
devolvido Icebreaker, embora tivesse falado que estava quase terminando
de ler.
Puxei o sketchbook de cima da mesa de cabeceira, e a nanquim de
dentro da minha bolsa e comecei a rabiscar. Primeiro veio um desenho de
Anastasia e Nate, mas depois, quase que inconsciente, minhas ilustrações
começaram a tomar a forma de Killian e eu. Eu tinha visto Killian sem
camisa o suficiente para desenhar seu corpo másculo, as tatuagens se
sobressaltando, mas a parte de baixo do seu corpo era um mistério, um que
me deixava sedenta por conhecimento.
Fechei o caderno de supetão quando senti o calor se propagando por
partes indevidas e resolvi estudar para mais uma prova que teria no dia
seguinte. Aqueles rabiscos eram só loucura da minha imaginação. Uma
imaginação muito fértil.

A buzina ecoou pela Alpha Phi fazendo eu descer as escadas em


disparada. Curiosamente, meu joelho tinha dado uma folga e não doía há
dias. A casa estava vazia, boa parte das meninas já haviam saído em suas
próprias viagens.
— Gus não pareceu muito feliz quando soube que você iria comigo.
— Killian falou, abrindo a porta do carro para mim.
— Você sabe como os Miller amam um evento tradicional. Quer
algo mais americano que Ação de Graças? Vovó só não deve estar me
xingando pelas costas porque eu estou namorando um jogador de hóquei. E
ambos sabemos que ela é uma viciada em atletas.
Vovó era uma lenda. Foi a primeira comentarista mulher de jogos de
hóquei, então ela daria um desconto, já que eu estaria na casa dos Di
Angelis.
— Sua nonna é um barato. Ela puxava minha orelha quando me via
cometendo erros no rinque. — Killian riu, entrando no carro e dando
partida.
— Sim, vovó Greta é uma figura.
O curto caminho foi envolto de conversas divertidas sobre feriados,
e quando chegamos em frente à casa tipicamente americana de tonalidade
branca, Killian estacionou o carro.
Tudo parecia como antes. A grama sempre bem cortada, as janelas
de madeira cobertas por cortinas marrons e até a caixa de correios
continuava a mesma, feita de madeira e fincada de forma torta no gramado.
Killian andou pelo caminho cimentado e quando chegou na porta de
entrada, sua mão esticou na minha direção.
— Está pronta para conhecer seus sogros?
— Eles me amam. — Dei de ombros, nos conhecíamos tempo
demais para eu estar nervosa.
— Você está muito convencida — ele comentou girando a maçaneta
e dando espaço para eu entrar no hall da casa. — Mãe, chegamos.
A senhora Di Angelis apareceu saindo da cozinha, uma touca sobre
os cabelos escuros cacheados, e um avental com estampa de tacos de hóquei
sobre um vestido florido.
— Um avental de hóquei? Onde a senhora arranjou isso? — Killian
sorriu seguindo a mãe e se debruçando sobre o balcão da cozinha, onde
farinha de trigo estava espalhada.
— Candice, é um prazer revê-la. Como estão seus pais? E
Augustus? — Nora Di Angelis me cumprimentou de longe, a maçã do rosto
suja com um pouco de farinha.
— Eles estão ótimos, e a senhora, como está? — perguntei, me
sentando em uma das banquetas que ficavam ali.
— Estou indo, na medida do possível. — Nora sorriu, um sorriso
fraco, e por um segundo pensei que ela fosse chorar, mas a mulher respirou
fundo e se virou para o forno, onde um cheiro bom saía dali.
Perder um filho era algo avassalador, e eu não conseguia imaginar a
dor que tinha sido para Nora. Kenny estava no auge, jovem e cheio de vida,
e agora deixava um vazio na família Di Angelis que nunca seria preenchido.
Senti a tensão no ar. Killian travou a mandíbula. Ele se afastou do
balcão e foi até a mãe, beijou a bochecha suja e disse:
— Estava com saudades de você, Dona Nora.
— Eu também, querido. Fico feliz que você e Candice estejam
juntos. Eu sempre via o modo que você olhava para ela e...
— Mamãe! — Killian a cortou, o rosto corando, e eu senti meu
coração saltando no peito.
— Killian, não atrapalhe sua mãe — falei, gargalhando por vê-lo
envergonhado.
— Vocês dois sempre combinaram. — Nora falou, mexendo uma
panela com uma colher de pau.
— Onde está papai? — Killian questionou, enfiando o dedo
primeiro na panela e depois na boca.
— Killian, tenha modos. — A mãe ralhou com o filho. — Seu pai
está no hospital, mas deve chegar daqui a pouco.
— Vou levar Candice no meu quarto — ele disse, me chamando
para segui-lo.
Eu conhecia a casa de cor e salteado, a escada dava acesso aos três
quartos: o primeiro era o de Killian, o segundo de Kenny, e o que ficava no
fim do corredor pertencia aos pais.
Killian abriu a porta do quarto, e se eu esperava ver o mesmo
ambiente que conhecia há cinco anos, estava enganada. Nada dos pôsteres
dos Super Patos, ali estava repleto de foto de mulher pelada. Quer dizer, de
biquíni, mas umas peças tão pequenas que não precisava ter imaginação
fértil para saber como seria sem.
— Oficialmente estou com medo de você — falei tentando não ficar
olhando a Pamela Anderson em uma pose vulgar.
— Ei, eu era um jovem cheio de testosterona e que lutava para me
livrar do estigma das pessoas pensarem que eu tinha um pau pequeno.
Killian me fuzilou com os olhos e eu cruzei os braços sobre os seios.
Ele que tinha começado tudo, não eu. Curiosamente, todas as mulheres
estampadas eram loiras e me perguntei se era apenas coincidência.
Após o choque inicial, consegui perceber que o quarto ainda parecia
o que eu lembrava. O mesmo guarda-roupa branco com um espelho em uma
das portas, a mesma cama de solteiro com a colcha do The Doors e a
prateleira lotada de prêmios oriundos do hóquei. Ainda tinha, claro, as
inúmeras tabelas periódicas emolduradas, como se fossem quadros, e
também um modelo molecular colorido em cima da mesa ao lado cama.
— Você realmente gosta de química, né?
— Sim, sempre fui apaixonado pelo assunto. Meu sonho era ser
químico forense, se não fosse jogador de hóquei, claro.
A informação me pegou de surpresa e eu ergui uma sobrancelha ao
pensar em um Killian que não seria atleta e sim um nerd desejando
trabalhar analisando locais de crime.
Ele foi até a escrivaninha e retirou um porta retrato de lá.
— Você lembra desse dia? — questionou, me mostrando a foto onde
eu, Gus, Killian e Kenny sorríamos, suados, cada um com patins nos pés.
— Claro que lembro. Foi tão divertido — respondi, alisando a foto
com o polegar.
Naquele tempo preocupações não cruzavam nosso caminho, apenas
divertimento.
— Eu posso te ajudar a voltar ao rinque. Se for o que quer —
Killian falou, me analisando, quase como se conseguisse ler meus
pensamentos.
— No final do período você vai para a NHL, não vai ter tempo para
esse tipo de baboseira. Eu estou bem, prometo.
Patinar sempre tinha sido meu sonho, mas a cada dia eu percebia
que sonhos mudavam. Eu gostava do teatro, das disciplinas, professores e
até mesmo das provas. Aquele era um caminho que eu estava apreciando
seguir.
— Eu sei que vou estar em New Jersey, ainda assim, se precisar de
ajuda, é só falar.
— New Jersey? Pensei que fosse continuar em Detroit, no Red
Wings.
— Não, vou para o New Jersey Devils — Killian falou, passando a
mão pelos cabelos.
— Uau, New Jersey fica longe. — A constatação fez meu estômago
se remoer.
— Mais de 800 milhas daqui — Killian falou, enfiando as mãos
dentro dos bolsos da calça. — Mas eu virei sempre.
Aquilo era o quê? Uma promessa? Era uma certeza, caso
continuássemos juntos? Até então eu sabia que não tínhamos futuro, ele iria
se formar. O acordo com benefícios acabaria, só então percebi que a
questão era maior. Bem maior. Killian iria morar em outro estado, um a
quase doze horas de Michigan.
— O que você está pensando? — Ele deu um passo na minha
direção e esticou a mão até meus cabelos, onde tirou uma mecha e colocou
atrás da orelha.
Como eu era tola. Como eu era idiota. Killian não estaria em
Michigan para sempre. Claro que não. Ele seria um profissional, viajaria o
mundo, moraria em outras cidades. Estávamos fadados ao fracasso antes
mesmo de começar.
Eu deveria não me importar, afinal, sabia onde estava me metendo.
Ele não me jurou nada. Nós nem éramos namorados de verdade. Droga!
Então por que meu peito doía com a certeza de que tudo ruiria?
Killian ainda estava ali, perto de mim o suficiente para eu sentir o
calor de seu corpo e seu cheiro marcante. Ele me observou por um segundo,
como se conseguisse ler minha mente, e eu desejei que ele dissesse que
tudo ficaria bem.
— Candice...
— Killian, seu pai chegou. — A voz de Nora interrompeu o que
quer que ele fosse falar.
Ele suspirou e mais uma vez segurou minha mão, me levando até o
andar de baixo, onde Giovanni Di Angelis tirava o jaleco. O homem era
alto, moreno e tinha os mesmos olhos escuros do filho mais novo. Killian
havia herdado quase tudo do pai, embora o sorriso fosse mais parecido com
o da mãe.
— Você veio. — Giovanni abriu os braços e Killian seguiu em sua
direção como um garotinho.
Os pais de Killian eram jovens, mas ambos pareciam ter
envelhecido muito em pouco tempo. A morte de Kenny foi um baque e
tanto.
— Você cresceu, Candice. — Giovanni me cumprimentou.
— Não muito — falei, vendo que o pai de Killian era tão alto quanto
o filho.
Giovanni sorriu e Nora apareceu avisando que a comida estava
servida. Os pratos estavam dispostos sobre a mesa e percebi que ali não
tinha um peru e sim uma lasanha. Nora percebeu meu olhar surpreso.
— Não existe Ação de Graças na Itália, então eu adaptei o cardápio
para Giovanni. — Nora, que era americana, não parecia se importar muito
em alterar as tradições.
Eu sorri, em casa, meus pais eram a típica família que levavam o
peru muito a sério. Algumas vezes os Di Angelis passavam o feriado na
casa dos Miller e faziam questão de comer tudo um pouco.
Todos se sentaram à mesa e o cheiro da lasanha estava tão bom que
eu mesma sabia que nem iria sentir falta do peru.
— Candice, você está linda como sempre — Nora comentou.
— Sim, está mesmo. Killian é um homem de sorte. — Giovanni
continuou e eu senti meu rosto esquentar.
— Obrigada, vocês são muito gentis.
— E então, Candice, ouvi dizer que vocês estão juntos agora. É
verdade? — o pai de Killian questionou, olhando do filho para mim.
Me ajeitei sobre a cadeira e foi Killian que respondeu, colocando a
mão sobre minha coxa.
— Sim, estamos namorando.
— Vocês fazem um belo casal. — Nora aplaudiu, rindo e eu me
senti mal por estar mentindo.
— Candice, finalmente você encontrou alguém para, como devo
dizer, desbloquear seu status de BV.
— Papai! — Killian se levantou com rapidez, as mãos apoiando a
mesa.
O pai dele deu uma risada, como se fosse uma piada, e eu mesma
me deixei rir, com vergonha de demonstrar qualquer outro tipo de reação.
Me levantei, antes de sequer tocar na comida e inventei a primeira
desculpa que apareceu.
— Com licença, vou lavar minhas mãos antes da refeição.
Saí pela cozinha com meu sorriso falso no rosto e, assim que
alcancei o primeiro degrau, corri em direção ao quarto de Killian, o joelho
doendo no processo, uma lágrima descendo pelo meu rosto.
Nunca tinha sido tão humilhada. Nem mesmo quando saí correndo
do palco para fazer xixi. Se tivesse um peru naquela mesa de jantar eu
enfiaria minha cabeça nele, que nem a Mônica naquele episódio de Friends,
de tanta vergonha.
Mas não ia ficar barato. Killian ia se ver comigo.
KILLIAN DI ANGELIS
Candice deixou a mesa às pressas após o comentário do meu pai e
eu olhei feio para o velho, que exibia um sorriso sem graça.
— Isso foi desnecessário — falei, sério.
— Desculpe, não sabia que ela iria ficar chateada, foi só uma piada.
— Uma sem graça — rebati.
— Não brigue com seu pai. — Dona Nora pediu, o olhar aflito, e eu
suspirei. Nossa família não fugia de briga, o sangue italiano falava forte,
mas eu me controlei. Eu não podia ser cretino a ponto de pensar que as
coisas não tinham mudado. Kenny havia falecido, o filho querido, o filho
exemplar, e havia sobrado eu, o cara com espírito rebelde. Eu precisava me
conter. Por mim. Por Kenny. Pelos meus pais. — Vá ver como ela está.
Mamãe era sábia, como todas as mães pareciam ser após terem seus
filhos. Ela era serena e tentava mostrar uma força que eu sabia ser difícil
sustentar. Sempre havia gostado de Candice e eu sabia que, genuinamente,
estava preocupada com ela.
Subi os degraus em direção ao meu quarto, mas ao chegar lá não
encontrei Candice. Andei, então, até o banheiro, onde a porta estava
fechada e um fungado esquisito saía por ali.
— Candice, está tudo bem? — questionei, batendo na estrutura de
madeira.
— Vá embora, Di Angelis.
Eu sabia que ela só me chamava daquela maneira quando estava
com raiva de mim.
— Não fique chateada, foi só uma piada idiota — falei, esperando
que ela abrisse a porta.
— Não estou chateada. — Candice girou a maçaneta e assim que me
viu, enfiou a unha do indicador no meu peito. — Estou furiosa.
Segurei seus ombros e a levei de volta ao banheiro, fechando a porta
atrás de mim.
— Ei, por que está furiosa comigo? Não fui eu que fiz a piada — me
defendi, cruzando os braços sobre o peito.
— Como seu pai sabia que eu nunca tinha beijado, Killian Di
Angelis? — Candice fechou a cara.
— Posso ter deixado escapar, na época que você saiu por aí
espalhando sobre o tamanho do meu pau — falei, dando de ombros. — Isso
foi há cinco anos, Candice, será que um dia você vai esquecer?
— Não, sabe por quê? Porque você é insuportável, Di Angelis.
Candice realmente estava furiosa, as sobrancelhas claras formando
um vinco, os olhos azuis quase sumindo diante das pupilas dilatadas. A
boca não esbanjava nenhum traço de sorriso e o corpo pequeno parecia
tenso. Fiquei com medo de sua ira. Candice zangada era de se temer, mas
estava tão linda que eu não conseguia me concentrar em sua fúria.
— Não precisa ser dramática, zuccherina.
Ela então, socou meu peito.
— Não me chame de dramática. — Candice socou de novo meu
peito e dessa vez eu segurei seus pulsos.
— O que você quer? — questionei. — Eu não posso construir uma
máquina do tempo.
— Eu quero dar fim ao nosso namoro falso.
Congelei no mesmo segundo. Por que ela estava fazendo aquilo? Ela
estava jogando fora o que tínhamos tido por causa da porcaria de uma
piada.
— Candice...
— Não tente me convencer do contrário. Nunca daria certo mesmo.
— Candice puxou os pulsos com força e eu não mostrei resistência.
Ela passou por mim em direção à porta, mas eu fui mais rápido e a
girei pelos ombros, apoiando-a na estrutura de madeira.
— Por quê? — encarei a garota que desejava há tanto tempo,
temendo vê-la fugir.
— Posso enumerar vários motivos. Primeiro, já consegui o que
queria. — Sua fala me machucou. Eu sabia que ela havia me usado por
benefício próprio, ainda assim, escutar de sua boca que eu não tinha mais
utilidade, feriu meu ego. — Segundo, você é irritante. Terceiro, daqui uns
meses você nem vai mais morar em Michigan.
— Você está fugindo dos seus sentimentos — falei, ainda tocando
seus ombros.
— Que sentimentos? Raiva, fúria? Pois tudo o que quero quando
estou perto de você é te socar — Candice comentou, mas vi quando desviou
os olhos para os próprios tênis.
— Zuccherina, acredite, quando estou perto de você, isso também é
tudo o que quero. Socar, mas um jeito bem diferente. — Candice ficou
vermelha no mesmo instante. Como não falou nada, eu continuei. — O que
você sente chama-se química. Não é apenas a química dos elementos na
tabela periódica, Candice. É a química entre nós, algo que não pode negar.
Ou vai me dizer que não gosta quando te toco desse jeito?
Passei os dedos pelo seu ombro, subindo até seu pescoço,
resvalando o polegar em sua pele macia. Me inclinei e beijei sua orelha,
levando minha língua até seu lóbulo. Candice se remexeu e por um
momento pensei que ela ia me empurrar, mas ela apenas pressionou uma
perna na outra. Um leve gemido saindo de sua boca.
— Sua boca fala algo, mas seu corpo diz o oposto. — Encostei meu
nariz no seu, sentindo sua proximidade mexer comigo.
— Não ouse me beijar — Candice sussurrou, a voz fraca.
— Por que você luta contra nós? — questionei, sem me afastar.
— Nós não funcionamos.
— Se isso for não funcionar, quero continuar assim — falei,
descendo uma mão até sua bunda e a apertando.
Candice fechou os olhos e mesmo diante de suas palavras, ela
levantou os pés da minha direção, enfiando as mãos em meus cabelos fartos
e me beijando.
— Isso não quer dizer que eu gosto de você — Candice disse após
tomar fôlego e me beijar mais uma vez.
A língua de Candice se enfiou dentro da minha boca, comprovando
que nem mesmo ela acreditava em suas palavras. Ela puxava meus fios de
cabelos com determinação, trazendo meu rosto em direção ao seu e eu levei
meus dedos até a barra de seu vestido e o levantei até a cintura. Passei o
polegar pela barra da sua peça íntima e esperei sua reação, seu afastamento.
Tudo o que Candice fez, entretanto, foi se mexer, deixando sua boceta mais
próxima dos meus dedos.
Baixei sua calcinha e toquei seus pelos úmidos. Ela estava molhada,
tão pronta, que meu pau latejou, desejoso. Candice gemeu dentro da minha
boca e eu retesei por completo. Ela era perfeita, seu gemido era como
música para meus ouvidos.
Sim, Candice era como uma canção. Suave, melodiosa e eu
aproveitei sua aprovação para fazer parte da música. Enfiei meu indicador
dentro dela e Candice arquejou, deixando minha boca no mesmo instante.
— Lian...
— Diga, Candice, o que você quer? — pedi, tocando seu clitóris
com o polegar.
— Está tão bom. — Ela choramingou, se remexendo sobre meus
dedos.
— Já fiz curso de guitarra, sou bom com os dedos.
— Em que você não é bom, Lian? — Candice questionou, quando
tirei meu dedo e enfiei mais uma vez. Mais uma. E mantendo o ritmo que
fazia ela gemer.
Em tentar me afastar de você. Em te tirar da minha cabeça. Tantas
respostas para aquela pergunta, mas preferi responder algo mais seguro.
— Não sou bom em evitar que você me odeie — falei, fodendo-a
com minha mão, em êxtase por vê-la tão entregue. — Mas sou incrível em
fazer você implorar.
— Eu não sei o que fazer com você. — Candice sorriu, suor
brotando em sua testa, as pernas ficando trêmulas diante do prazer.
— Eu sei o que você deve fazer. Goza, Candice. — Dedilhei-a
enquanto ela enlaçava meu pescoço, os gemidos ecoando cada vez mais alto
a ponto de ela morder o próprio lábio para conter o barulho.
Suas pernas começaram a tremer, à medida que sua respiração ficou
mais acelerada. Ela estava chegando no ápice, estava atingindo o refrão, a
música chegando no auge. E tudo ao nosso redor desapareceu, exceto a
química entre nós. Era como se fossemos um só, nossos corações batendo
em uníssono, criando uma harmonia perfeita. E quando ela gozou, o grito
final chamando meu nome, eu não pude deixar de sorrir.
Eu ainda não tinha transado com Candice, mas aquilo, aquilo era
melhor que qualquer sexo. Era uma conexão genuína, como uma promessa
de que a próxima vez seria melhor, mais intensa.
Era inegável. Candice era minha canção favorita. Uma que eu
gostaria de escutar todos os dias.
CANDICE MILLER
Eu tinha um problema sério! E meu problema tinha nome e
sobrenome: Candice Miller.
Sim, eu era meu próprio problema, porque não conseguia manter o
foco quando o assunto era Killian Di Angelis. Eu quis terminar tudo, quis
fazê-lo se arrepender, mas tudo o que consegui fazer foi ficar com as pernas
moles que nem um slime.
— Que droga — resmunguei baixinho.
— Disse alguma coisa, Candice? — A professora Sara questionou,
enquanto ensaiávamos a peça durante a aula e eu balancei a cabeça em
negativa.
— Ótimo. Vocês estão de parabéns. Falta pouco tempo para a peça e
estou satisfeita com o empenho da equipe. Mais algumas alterações e a
apresentação tem tudo para ser um sucesso. Killian, você foi uma grata
surpresa. Confesso que temi em colocá-lo como protagonista, mas tem feito
um trabalho excelente.
Killian abriu um sorriso presunçoso e eu revirei os olhos. Ele
realmente era bom em tudo, até mesmo em teatro, o que era um tanto
injusto. Não bastava ser bonito pra caralho?
— Obrigado, professora. — Killian agradeceu, retirando a cabeça da
Fera feita de espuma que estava quase pronta para ser usada.
Seus cabelos estavam uma bagunça e a roupa azul marcando seu
corpo deixava-o irresistível. Tanto que uma garota ao meu lado suspirou.
— Vou repassar ao treinador Paul a sua melhoria — a professora
continuou.
O defensor do Lynx agradeceu mais uma vez e a turma começou a
desmontar uma parte do cenário que seria usado no teatro. Tirei o vestido
amarelo da Bela sobre o topo da minha cabeça, deixando minha roupa de
baixo toda amarrotada e arranquei a peruca de fios escuros, sentindo um
alívio perpassando meu couro cabeludo.
— Você ouviu o que a professora falou sobre mim? — Killian
perguntou, parando perto de mim, após retirar suas roupas de príncipe. Uma
de suas mãos indo até os cabelos, bagunçando-os.
— Toda a turma escutou, Killian — falei, socando a roupa da Bela
dentro da caixa destinada para as fantasias.
— Eu fiz algo? Você está zangada? — Killian ergueu uma
sobrancelha.
— Fez sim, você faz eu perder minha cabeça com suas palavras
bonitas e dedos mágicos. — Cruzei os braços sobre o peito.
— Você está zangada porque eu fiz você gozar? É isso? —
perguntou, esbanjando um sorriso.
—Não, eu estou zangada porque eu gostei e porque... argh, porque
não tenho motivos para te odiar.
— Isso é maravilhoso, zuccherina, podemos finalmente deixar de
ser Romeu e Julieta para ser A Bela e a Fera. — Killian bateu palmas, uma
empolgação genuína presente em seus olhos brilhantes.
Não pude deixar de sorrir. Acho que ele não sabia muito sobre o
casal de Shakespeare. Era mais fácil sermos Romeu e Julieta invertidos,
nossas famílias eram grandes amigas, nós que éramos intrigados. O
problema era que por muito tempo eu só soube odiar Killian, o que eu faria
agora? Meu coração deu um salto, como se soubesse a resposta e eu
balancei a cabeça, tentando me afastar daquele pensamento.
— Você não é nem um pouco parecido com a Fera — falei, pegando
a bolsa e saindo da sala.
Killian me acompanhou, com a mochila nas costas, usando outro
moletom dos Super Patos.
— Nunca podemos julgar uma pessoa pela aparência, pois elas
podem nos surpreender — ele falou, todo poético, citando uma fala do
filme de A Bela e a Fera.
— O que quer dizer com isso? Que você só é bonito por fora e feio
por dentro? — sorri.
— Não sou um príncipe por dentro. — A voz de Killian veio firme e
ele parou no meio do corredor e eu me virei para vê-lo.
Ele estava, curiosamente, sério, e um lampejo de algo que não
consegui identificar cruzou seu semblante.
— Você quer compartilhar algo comigo? — questionei, andando em
sua direção e tocando seu braço.
Killian suspirou e arranhou a garganta, como se preparasse para
confessar algo e então seu velho sorriso sedutor voltou a estampar seus
lábios.
— Não é nada demais.
— Lian, você, assim como eu, também é um péssimo mentiroso. —
comentei, ainda segurando seu braço, sentindo a ponta dos meus dedos
sobre o tecido macio de sua roupa.
— Jura?
— Eu te conheço há tempo demais para saber que algo lhe
incomoda.
Ele poderia ser o garanhão da universidade, o garoto cobiçado por
mulheres e times de hóquei na mesma intensidade. Mas eu sabia quando
Killian fugia do assunto. Quando seu sorriso sedutor era uma arma de
defesa.
— O filme da princesa me fez repensar. Não sou tão bonito por
dentro quanto pensam.
— Por que você diz isso?
A mão de Killian foi até o bolso da calça e de lá tirou o celular. A
foto de nós dois estampando a tela principal fez meu estômago se revirar.
— Eu nunca atendi a última ligação do meu irmão — Killian
sussurrou, olhando o aparelho, como se a qualquer momento Kenny
pudesse ligar de novo.
— Não tinha como você saber, Killian. Não se culpe por isso.
Após guardar o celular de volta ao bolso, puxou a manga do
moletom, mostrando a tatuagem que tanto me impressionava. As asas se
destacavam em sua pele. A dualidade ali presente trazendo uma aura
diferente.
— Já se perguntou por que eu tatuei isso?
Balancei a cabeça em afirmativa. Na verdade já tinha pensado em
todas as suas tatuagens, mas aquela, sem dúvidas, era a que mais me
deixava curiosa.
— A asa do anjo representa Kenny, a do demônio me representa.
Ele era o cara perfeito, simpático, prestativo, sempre estava de bom humor.
Eu sou o oposto, debochado, convencido, sarcástico. Ele faz uma falta que
talvez eu não faria.
— Não fale isso. Nunca mais fale isso, Killian Di Angelis —
esbravejei, batendo em seu peito com meus punhos.
Killian se assustou, mas não me deteve. Eu bati nele, como se minha
força fosse capaz de fazê-lo mudar de ideia.
— Você não aprendeu nada com o filme? São os seus defeitos que
fazem de você uma pessoa única.
Killian era realmente tudo que tinha falado. E eu ainda podia
acrescentar, egocêntrico, idiota, insuportável e alguns outros nomes. Mas
ele era um ser humano incrível. Um que fazia meu coração acelerar só de
pensar em seu nome. Um que me deixava sem fôlego só de estar perto. Um
que eu não imaginaria viver sem.
— Obrigado, Candice. — Killian se curvou e beijou minha
bochecha.
— Não agradeça ainda, estou pronta para socá-lo de novo, se
precisar.
— Ah, estou esperando por isso. Adoro que você arruma qualquer
desculpa para tocar em mim. — Ele sorriu e ali eu vi um sorriso genuíno,
aquele que fazia eu querer abrir meus próprios lábios, rindo também.
— Idiota — revirei os olhos e ele passou a mão pela minha cintura.
— O que está fazendo?
— Andando com minha namorada como um namorado deve fazer.
Olhei ao redor, esperando encontrar alguém ali, mas não havia nem
uma alma viva no corredor. Ele não estava fazendo aquilo para que outra
pessoa visse. Ele estava fazendo por mim.
— Hoje à noite tem uma festa na fraternidade. Apareça por lá, vai
ser divertido. Chame suas amigas também.
— Obrigada, vou fazer isso. E, Killian, a professora Sara está certa.
Você está incrível sendo a Fera.
— Tenho uma ótima professora. — Killian apertou minha cintura,
enquanto andávamos pelo campus como um casal normal.
— Qual é, não fiz nada demais. Embora nosso acordo tenha sido de
que eu ia te ajudar — comentei, me sentindo péssima, apenas eu havia
usado Killian, em nenhum momento sequer, havia ajudado-o na matéria.
Ele era talentoso por natureza.
— Você prometeu que iria me ensinar a dar beijos técnicos, mas
você fez mais do que isso, Candice. Me ensinou o que um beijo de verdade
é capaz de fazer.
Minhas bochechas queimaram, e eu poderia jurar que elas estariam
vermelhas que nem um tomate. Uma sensação esquisita percorreu meu
estômago, uma sensação que só Killian era capaz de fazer acontecer.
— Essas cantadas costumam dar certo? — perguntei, tentando não
dar voz aos meus pensamentos.
— Zuccherina, eu não preciso de cantadas. As mulheres caem aos
meus pés sem eu precisar abrir a boca. — Killian mordeu o lábio inferior e
olhou para meus próprios lábios. Minhas pernas vacilaram, e nada teve a
ver com meu joelho. — Você é a exceção, é claro. Eu tive que usar a boca,
mas não em forma de cantada.
— Você é sempre assim? — questionei, o calor aquecendo todas as
partes do meu corpo.
Killian estava perto demais, sua mão em minha cintura jorrando
uma eletricidade que eu nem sabia ser capaz de transmitir.
— Assim como?
— Convencido, safado, de mente poluída.
— Apenas com você. Ou ainda não entendeu? Você traz o pior de
mim, mas também o melhor. Nós somos como elementos opostos;
explosivos. E, admita, Candice, você adora cada centelha dessa combustão,
tanto quanto eu.
Abri a boca para discordar, mas quem eu queria enganar? Killian
tinha razão. Aquela faísca entre nós era inegável e a resposta para a
pergunta que me fiz durante o dia estava ali, na minha frente, clara como
água.
Se eu não podia odiar Killian, só tinha outra coisa que eu podia
fazer.
E amar Killian era assustador pra caralho.
KILLIAN DI ANGELIS
Os gritos ecoavam pela casa. Se um dia tinham chamado meu nome,
agora outro nome jorrava pela boca das pessoas. Eu não me importava, ser
o centro das atenções não era meu propósito, embora não achasse ruim.
Os copos vermelhos carregados de bebidas eram erguidos ao alto em
brindes. As festas na Ômega Teta eram sempre um sucesso, recheada não só
de pessoas, mas de música em alto e bom som, brincadeiras e, claro,
bebidas e aperitivos.
As pessoas falavam comigo, um cumprimento aqui, outro acolá, um
pedido de autógrafo ou até mesmo algum comentário mais eufórico sobre a
liga nacional. As coisas pareciam iguais, mas não havia mais sutiãs para
assinar ou telefones anotados nos meus braços. Nem garotas pulando no
meu colo e sussurrando putaria. Curiosamente, não sentia falta daquilo. A
única coisa que sentia falta era da garota de cabelos dourados e All Star nos
pés. Candice estava atrasada.
Peguei meu próprio copo vermelho e bebi o conteúdo em um só
gole, o álcool rasgando por minha garganta. O que ela tinha me dito no
corredor que dava acesso à sala de ensaio ainda ecoava por minha mente.
Eu era único. Eu era único para Candice Miller, e isso era suficiente.
— Desculpe o atraso. Acabei encontrando Maxine do lado de fora.
Nem acredito em tudo o que aconteceu envolvendo-a.
— Mesmo sendo inteligente, às vezes seu irmão é burro pra
caramba. Fico feliz que tudo tenha se resolvido.
Gus tinha passado por uma fase complicada. A melhor amiga
apareceu grávida de outro cara e ele ia assumir a criança. Uma confusão
daquelas que envolveu tirar dúvidas sobre fotografia com Kira e enfeitar a
Coffee & Chapters com tema natalino em pleno outubro. Ainda bem que no
final tudo deu certo.
— Que bom, não queria ter que puxar a orelha do meu irmão mais
velho. — Candice comentou, o alívio em seu rosto fazendo eu admirá-la.
Tão preocupada com o próprio irmão e a amiga. Tão leal quanto Gus.
— Você está linda, por sinal.
Candice corou, como eu sabia que faria, e olhou de esguelha para
meu copo, o que acendeu um alerta na minha cabeça.
— Quer beber algo? — perguntei.
— O que você estiver bebendo.
— Você não tem idade para isso, zuccherina — falei, vendo que a
maioria das pessoas que estavam ali também não.
— Desde quando você se importa com o que é ilegal? — ela
perguntou e eu senti o desafio no ar.
— Sou um futuro jogador na NHL, não quero que uma brincadeira
de universidade manche a minha reputação quando estiver ganhando
milhões. — comentei, sorrindo.
Aquilo era verdade, mas eu também não sabia o que Gus acharia de
eu oferecer bebida alcoólica à sua irmã mais nova. Sim, eu podia foder ela
com os dedos pelas costas do meu melhor amigo, mas ela não poderia ser
presa por isso.
— Eu prometo que não vou lhe dedurar quando você for famoso a
ponto de limpar a bunda com notas de cem dólares. — Candice sorriu e eu
me diverti com sua suposição.
—Por acaso já pensou na minha bunda para ter essa piada formada?
— perguntei, mordendo meu lábio inferior.
Candice não respondeu, mas suas bochechas coraram e eu me
segurei para não a beijar.
— Vou fazer uma aposta. Se eu convencer o carinha que está
responsável pelas bebidas a me dar um copo com álcool, você me dá cem
dólares.
— Você já está mercenária desse jeito antes de eu chegar à NHL?
Como vai ser depois? — abri um sorriso ao ver que era Dexter que estava
distribuindo as bebidas. — O que eu ganho em troca?
— Você pode me levar para jantar.
— Não vejo como isso pode ser vantajoso, a não ser que a janta seja
você — respondi, com malícia, e Candice enfiou o cotovelo em minhas
costelas, mesmo que soubesse que ali estava roxo.
— Aaaaaii.
— Não estou com pena de você, Di Angelis.
— Temos um acordo. — Estendi a mão da sua direção e ela selou
nossa aposta com um aperto de mãos. — Mais um.
Dexter era um cara responsável e que costumava seguir as regras à
risca. Certamente Candice iria perder. Só que eu não estava preparado para
o que ela fez.
Candice passou pelas pessoas rebolando, a calça jeans marcando a
bunda gostosa. Ela jogou os cabelos para o lado assim que chegou perto de
Dexter e abriu um sorriso na sua direção. O idiota reagiu quase babando em
cima dela. Dexter sabia quem era Candice, sabia que ela era a minha
namorada e, ainda assim, ele abriu um sorriso e lançou um olhar por todo o
corpo dela.
— Esse filho de uma puta vai morrer — resmunguei quando ela fez
um biquinho na direção dele e ele se inclinou para perto dela.
Meus passos ecoaram furiosos pelo piso de madeira, mas quando
cheguei lá, Candice exibia um sorriso enorme, segurando o copo em mãos
como se fosse um troféu.
— Consegui.
— Realmente, você conseguiu ser notada pelo babaca do Dexter.
Parabéns! — falei, puxando-a para longe do jogador do Lynx.
— Ele só foi simpático. — Candice comentou, levando o copo à
boca e sorvendo a bebida em um pequeno gole, a boca ficando molhada,
convidativa.
— Ele comeu você com os olhos.
— Você está com ciúmes? — Candice questionou.
— Claro que não — respondi furioso, pronto para socar o idiota.
Quem ele pensava que era para olhar para minha Candice daquela maneira?
— Me parece que está sim. — Ela sorriu, o que só me deixou com
mais raiva. Por que estava tão contente?
— Não quero que faça mais biquinho para outro cara. — Passei a
mão pelos cabelos.
Não gostei do jeito que ele olhou para ela. Eu seria capaz de
arrancar os olhos de Dexter se a cena se repetisse.
— Uma pena que isso não seja ciúmes. — Candice fez o biquinho,
me provocando. — Seria tão sexy.
Encarei-a, curioso, era impressão minha ou Candice estava flertando
comigo?
— Acho que você já bebeu demais — falei, sem saber se aquele
comportamento era seu natural ou resposta ao álcool.
Candice revirou os olhos e mostrou o copo para mim.
— Eu só bebi um gole, Killian. — Candice segurou o copo de
plástico perto de mim, mostrando o conteúdo quase intacto, quando uma
pessoa esbarrou nela.
O líquido gelado se espalhou pela minha camisa, o frio perpassando
meu corpo.
— Que merda! — o xingamento saiu da minha boca em reflexo.
— Me desculpe. — Candice olhou do copo vazio para meu tórax.
— Não foi culpa sua.
— É melhor se trocar. — Candice segurou meu pulso e saiu
andando pela casa, subindo as escadas, me levando até meu quarto.
Ali, o barulho da música ainda podia ser ouvido, e eu agradeci por
não ter nenhum casal se atracando no meu colchão, como já tinha
acontecido uma vez.
Não tinha jeito, as festas eram recheadas de álcool e sexo. Tentava
manter as drogas longe da fraternidade, afinal, éramos atletas e ser pego em
doping ou algo do tipo poderia destruir carreiras. Mas eu não tinha como
garantir nada. Jovens eram inconsequentes e ter uma casa recheada deles
fazia com que ao abrir a porta do seu quarto você pudesse encontrar uma
suruba ou algo do tipo.
— Espere aqui, volto já — falei, indo até o guarda-roupa e pegando
uma camisa do cabide.
Candice sentou na ponta da minha cama e eu fui até o banheiro para
trocar de camisa.
Quando voltei, Candice olhava com atenção os pôsteres das paredes
do meu quarto.
— Não tem nenhuma loira pelada aqui — comentou assim que me
viu.
— Não, não tem — falei, abrindo um sorriso.
— Tomei um susto quando vi seu quarto em Detroit. Não sabia que
era viciado na Pamela Anderson.
Toquei minha nuca, sem jeito. Não sabia se deveria contar a verdade
ou não, mas era Candice, mentir para ela não era uma opção.
— Não era viciado na Pamela Anderson — disse, me mantendo de
pé, a uma distância segura. — Eu era viciado em você.
— Em mim? — Candice questionou, coçando o nariz, e olhou para
mim como se eu tivesse um parafuso a menos. — Do que você está
falando?
— Você era a loira que eu queria pelada nas minhas paredes. Eu
meio que era obcecado por você — comentei, me sentindo estranho por
confessar meu desejo de adolescente.
— Eu... não sabia. — Candice se levantou, dando um passo na
minha direção, e então parou.
— Claro que você não sabia. — Esbanjei um sorriso bobo. —
Ninguém sabia. Era o tipo de coisa que eu não podia compartilhar nem com
o meu melhor amigo.
Candice me analisou por um segundo, os olhos claros fixos nos
meus, e então enfiou a mão dentro da bolsa e puxou um caderno de lá.
— Você me contou um segredo, merece que eu te mostre um
também.
Ela me entregou o caderno e eu observei, curioso, o objeto de capa
preta.
— Abra. — Pediu, a voz sussurrada, as bochechas corando, e
obedeci.
Ali, entre as folhas cheias de rabiscos, eu vi o que Candice queria
mostrar. Primeiro, fiquei impressionado com seus traços tão bonitos. Ela
realmente tinha um dom. Depois, percebi que os desenhos eram de um casal
em poses sexuais. E só então, olhando mais detalhadamente, notei que
éramos nós dois.
Meu Deus, ali era eu! Ela tinha desenhado até mesmo minhas
tatuagens. Tinha imagens com minha mão em seu pescoço, outra comigo
beijando sua boca, e até uma em que estávamos sem roupa. Ela me
desejava, me desejava tanto que tinha desenhado nós dois juntos.
Saliva se formou na minha garganta e qualquer ideia de autocontrole
foi para o espaço. Meu pau pulsou dentro da boxer e encurtei a distância
entre mim e Candice. Como no desenho, levei minha mão ao seu pescoço,
sentindo a eletricidade cruzando meu corpo. Ficar próximo dela era sempre
uma experiência que me deixava eufórico, com frio na barriga.
Seus olhos, claros como o oceano, insistiam em me puxar para a
beira de um abismo. Eu senti meu coração acelerando quando nossos lábios
se aproximaram, o desejo aumentando a cada segundo. Uma mistura de
tesão e calmaria que só ela era capaz de ofertar.
Nos separamos para respirar, após o beijo, e Candice sorriu de uma
maneira sedutora, como se soubesse o efeito que tinha sobre mim. Seus
dedos traçaram caminho pela tatuagem no meu braço, deixando um rastro
de arrepios por minha pele. Era uma atração que nenhum de nós conseguia
resistir.
— Peça o que quiser, Candice, que eu realizarei qualquer um de
seus desejos — sussurrei em seu ouvido, a respiração tão acelerada que
minha voz saiu entrecortada.
— Eu quero você — Candice falou e seu desejo foi demais para
mim.
— Candice, eu vou te levar ao paraíso — sussurrei em seu ouvido,
fazendo-a se arrepiar.
Seus olhos encontraram os meus e ali havia tudo que eu sempre quis
ver. Uma chama intensa de desejo. Desejo por mim.
— Lian, por favor, faça isso. — Ela assentiu lentamente, como se
entendesse exatamente o que eu estava prometendo.
Apoiei minhas mãos em sua bunda e a ergui com facilidade. Ela
cruzou as pernas ao redor de mim, e se esfregou na minha ereção, fazendo
eu soltar um gemido rouco.
Nossos lábios se encontraram mais uma vez e o mundo ao nosso
redor desapareceu. Era eu e Candice apenas, sem piadas, sem acordos, sem
anseios. Era apenas o calor que parecia queimar mais intensamente a cada
segundo.
E, naquele instante, com Candice em seus braços, eu percebi que
não tinha desenho no mundo que fosse mais perfeito do que a realidade.
CANDICE MILLER
O paraíso usava camiseta preta e calça de moletom.
Enquanto Killian me segurava pela bunda e eu sentia sua ereção em
contato com a minha pele, me peguei olhando para ele. Seus cabelos caíam
para trás, deixando livre o rosto de maxilar anguloso e nariz reto dos
costumeiros fios escuros. E lá estava seus olhos intensos e sorriso gentil nos
lábios e eu senti como se o mundo tivesse sumido e só ele importasse.
Killian me deitou com delicadeza em sua cama, como se eu fosse
uma princesa, e logo se inclinou sobre mim. Em seguida, beijou meu
pescoço, deixando uma marca ardente na minha pele, enquanto o calor de
seus lábios me fazia apertar as pernas, tentando evitar a umidade. Seus
dedos seguraram a barra da minha blusa e, com um gesto cuidadoso, ele a
retirou pela minha cabeça.
— Você sempre costuma andar sem sutiã? — Ele perguntou,
olhando meus pequenos seios com verdadeira devoção.
— Eu sou a favor de peitos livres. — Sorri, sentindo meu rosto
esquentar.
— Eu também sou a favor de seus peitos livres, desde que sejam só
para mim — Killian falou, levando a boca até um dos meus mamilos.
A sensação de sua língua em mim fez com que eu arqueasse minhas
costas, levando meus dedos até seus cabelos, me firmando ali, como se
fosse uma pessoa perdida e ele meu salvador.
— Você é tão perfeita, zuccherina — falou, segurando meu outro
seio no meio de sua mão calejada.
— Eu não estou zangada, Lian, não precisa me chamar de
zuccherina — falei, gemendo, quando ele cobriu minha barriga com beijos,
chegando até o zíper da minha calça.
— Zuccherina nunca significou zangada — Killian explicou, em
meio a um sorriso, enquanto retirou minhas calças, me deixando só de
calcinha e All Star.
— O que significa?
— Significa seu nome, Candice. Todos te chamam de Candy, doce.
Eu queria um nome só meu. Zuccherina, em italiano, significa açucarada.
Aquele gesto, aquelas palavras, fizeram meu coração dar um salto
dentro do peito. Ele tinha escolhido um nome especialmente para mim.
— Por que não me disse antes, Lian? — perguntei.
— Você meio que me odiava. — Ele passou a mão pelos cabelos e
eu senti necessidade de tocar Killian.
Com as mãos trêmulas, tirei sua camisa, analisando cada detalhe de
seu tronco. O olhar observador de uma desenhista me fez querer puxar o
sketchbook para usar Killian como um muso inspirador, mas o olhar da
garota que sempre teve uma queda pelo melhor amigo do irmão, só queria
aproveitar cada instante.
— A linha entre o amor e o ódio é muito tênue — falei, me sentando
na cama e retirando suas calças, deixando-o só de boxer.
Encarei o volume dentro de sua cueca escura e mordi os lábios,
preocupada.
— O que foi? — perguntou seguindo meus olhos até sua ereção.
— Eu... — engoli a saliva que se formou em minha garganta. — Eu
sou virgem, Killian.
Fechei meus olhos esperando sua piada, mas Killian roçou seu
polegar na minha bochecha.
— Olhe para mim. — Pediu, sério, e eu abri meus olhos, encarando-
o.
— Não é vergonha nenhuma ser virgem. — Sua voz reconfortante
fez eu abrir um meio sorriso. — Eu não vou fazer nada que não queira.
Tudo bem?
A ternura em suas palavras fez com que um peso se dissipasse
dentro de mim. Eu nunca tinha pensado muito sobre como seria minha
primeira vez, mas sempre que o assunto vinha à minha cabeça era com
Killian que eu me imaginava.
— Tudo bem. Obrigada, Killian.
— Eu que agradeço, Candice, por compartilhar isso comigo. —
Killian beijou minha testa e então abriu um sorriso. — Agora falando sério,
por que eu não me surpreendo com isso? Quer dizer, você é irmã do Gus.
Meu irmão era virgem? Bem que eu suspeitava, aquela baboseira de
que ele pegava todo mundo não fazia sentido. Não combinava com ele.
— Por falar em Gus, você sabe que o quarto dele é aqui do lado, né?
— perguntou.
— Eu não me importo.
— Ótimo, porque vou fazer você gritar meu nome pela noite inteira.
— Killian se inclinou, depositando um beijo na minha boca, as mãos
percorrendo meu corpo até chegar na minha calcinha.
Ali, ele enfiou um dedo dentro de mim e, como previu, eu gemi seu
nome. Killian se mexia conforme as respostas do meu corpo, ora com
calma, ora com frenesi. Quando eu já estava pronta para gozar, ele retirou
os dedos e eu o xinguei baixinho.
— Calma, zuccherina, agora que estamos começando. — Ele retirou
minha calcinha e olhou toda a extensão nua do meu corpo. — Quero foder
você, enquanto usa esses seus tênis que você tanto ama. Posso fazer isso?
Ele poderia fazer o que quisesse comigo, contanto que matasse
aquele desejo desenfreado que eu sentia de ter ele dentro de mim.
— Isso é um tipo de fetiche estranho? — questionei, sorrindo.
— Não, eu sei que se sente confortável com eles e é isso que quero
que sinta na nossa primeira vez.
— Por favor, Killian. — Minha boceta pulsava de desejo, e quando
ele tirou a cueca, expondo seu pau, eu abri a boca, surpreendida. — Meu
Deus!
— O que foi?
— É tão grande! — falei, assustada.
— Ainda assim você espalhou pela escola que era pequeno. — Ele
mordeu o lábio inferior, contendo o sorriso, o corpo em cima do meu.
— Se eu soubesse que era desse tamanho, certamente teria ficado de
boca fechada.
— Adoro suas provocações, Candice, elas fazem eu ficar mais duro
ainda.
O pau de Killian pulsou em minha barriga, em resposta, e eu contive
um sorriso.
Curiosa, e sedenta, me deixei percorrer o caminho de seu abdome
trincado, passando as unhas em cada gominho e então, sem aviso, fechei
meus dedos em seu pau. Tão grande, grosso, firme. Killian fechou os olhos
por um segundo, a respiração tão acelerada quanto a minha.
— Isso, zuccherina, brinque com meu pau, faça o que quiser.
Passei o polegar pela cabeça rosada e, meio sem jeito, comecei a
massagear seu pau em um vai e vem. Killian travou o maxilar e tocou meu
rosto com delicadeza. Eu não sabia muito o que fazer, mas ele foi me
guiando com calma e paciência.
— Você é tão perfeita, Candice — falou, puxando meu rosto para
um beijo. — Diga o que quer. Implore para mim, como eu falei que iria
fazer.
— Eu quero ir ao paraíso — pedi, levando minhas mãos às suas
costas, colando nossos corpos mais ainda.
Killian tinha feito eu chegar a orgasmos usando a língua e os dedos,
mas eu queria que seu pau fosse o responsável para eu chegar até o céu.
— Eu vou te levar até lá, zuccherina, quantas vezes você quiser.
Killian se esticou até abrir a segunda gaveta da escrivaninha e de lá
tirou um pacote de camisinha. Ele rasgou o pacote com os dentes e depois
desenrolou o preservativo sobre sua extensão.
Eu abri minhas pernas, convidativa, deixando a vergonha de lado,
porque com Killian eu me sentia bem, me sentia segura. Ele segurou o pau
e introduziu a cabeça na minha boceta, com calma.
— Tão molhada, tão perfeita. — Sua voz saiu rouca e então ele
penetrou um pouco mais. — Se doer você me avisa. Ok?
Assenti com a cabeça, porque a boca era incapaz de pronunciar
palavras. Killian estava me preenchendo e a sensação era surreal. Uma
ardência tomou conta de mim, ao mesmo tempo em que meu corpo parecia
se adaptar ao tamanho de Killian. Suas mãos apoiavam a cama e seus olhos
nunca saíram dos meus.
O pau de Killian entrou mais fundo e ainda mais um pouco e quando
eu pensei que não iria caber tudo dentro de mim, ele penetrou de uma vez
até o fim.
— Está tudo bem? — questionou, beijando minha testa.
— Sim.
— Posso me mexer? — A expectativa em sua voz era a mesma que
eu possuía dentro de mim.
— Por favor, Lian — implorei.
Killian se mexeu devagar, sem pressa, como se tivesse me dando
tempo para me acostumar. Eu agradeci mentalmente por seu carinho e
compreensão. Ver aquele lado delicado de Killian, o cara que tinha quase
um e noventa de altura e pesava quase o dobro de mim, me comoveu. E
então ele começou a acelerar gradativamente, as estocadas fazendo eu
gemer tão alto, que fiquei preocupada com o que diriam no dia seguinte.
Meu corpo arqueava à medida que Killian me penetrava, o suor de
nossos corpos se misturando. O pau de Killian entrava e saía de mim em um
ritmo parecido com as batidas aceleradas do meu coração.
— Ti porterò in paradiso, ma sappi che il mio paradiso sei tu —
Killian falou e logo depois me deu um beijo suave, tão distante da
selvageria em que transava comigo.
— O que significa? — perguntei, arfando.
— Eu vou te levar ao paraíso, mas saiba que você é o meu paraíso.
Tirei os fios de cabelo do seu rosto, admirando o homem que Killian
tinha se tornado. Deslizei minha mão pelo seu ombro e depois pelo seu
braço, até parar na sua tatuagem.
— Sabe de uma coisa, Lian? Só os anjos podem levar uma pessoa
até o céu.
Os olhos de Killian brilharam e ele voltou a me beijar, com
urgência, desejo e fome. Sua língua entrou na minha boca, necessitada, ao
tempo que ele me estocava com força. Minhas pernas começaram a tremer,
anunciando o orgasmo que estava por vir, e eu cravei minhas unhas nas suas
costas, sem me importar com o estrago que estava fazendo na sua pele.
— Goza para mim, Candice. — Killian continuou suas investidas,
seu pau grosso me penetrando sempre mais e mais.
— Lian! — gritei seu nome quando minhas pernas tremeram e meu
coração desenfreou em descompasso, as paredes da minha boceta
abraçando seu pau.
Killian encostou a testa na minha e socou, uma, duas, três vezes, e
então foi sua vez chamar meu nome, em meio a sua voz rouca e gutural.
Após gozar, Killian saiu de dentro de mim, deitando ao meu lado e me deu
um beijo casto.
Ele exibiu um sorriso suave, sem sua tão característica marca de
sarcasmo, e eu me deixei fechar os olhos, se aninhando em seu corpo,
sentindo as batidas do seu coração.
Enquanto estava ali, perdida em pensamentos, algo chamou minha
atenção. Se foi difícil esquecer Killian por cinco anos, quando tudo o que eu
queria era um beijo, agora, depois de termos compartilhado tanto, a ideia de
tirá-lo da minha cabeça parecia ainda mais impossível. E, como uma
princesa encantada, desejei que tudo terminasse com um final feliz.
KILLIAN DI ANGELIS
Ainda parecia um sonho que Candice Miller estava deitada na
minha cama, os cabelos dourados espalhados pelo meu travesseiro e a
bunda gostosa virada em direção ao meu pau, que já estava duro mesmo
sendo apenas seis da manhã.
Ela dormia de forma tranquila, a respiração serena podia ser vista
pelo subir e descer de seus seios desnudos e a boca aberta exibia uma
pequena baba se formando.
Passei as mãos em seus cabelos, sentindo a maciez dos fios pelos
meus dedos. Admirei cada detalhe de seu corpo nu, mas fiquei um tempo
maior observando seus cílios, tão claros quanto os próprios cabelos. Ela era
tão linda que eu sentia meu coração errar uma batida só de vê-la ali, ao meu
lado.
As lembranças da noite anterior fizeram meu pau pulsar, desejando
mais de Candice, não só do sexo, mas também da conexão que tínhamos
estabelecido. Porém eu sabia que não podia ser exigente, ela tinha me
escolhido para ser seu primeiro e eu sabia a responsabilidade que tinha para
não a machucar.
— Bom dia, Lian. — Candice falou, abrindo um dos olhos e eu
sorri. Amava como ela chamava meu nome, como se eu não fosse o
defensor brutamontes do Lynx e sim um príncipe encantado dos filmes que
ela tanto amava.
— Bom dia, zuccherina — respondi, beijando sua testa.
Candice se espreguiçou na minha cama, tal qual uma gatinha
manhosa, e então ela olhou o mostrador do meu relógio.
— Ai, meu Deus, eu preciso ir. As meninas da Alpha Phi podem
estar preocupadas. — Candice levantou-se em um pulo, procurando, pelo
chão, as roupas que usava na noite passada.
— Elas estão acostumadas com garotas voltando no outro dia,
acredite — falei, admirando seu corpo, os seios pequenos saltando enquanto
ela tentava vestir as calças de forma rápida.
— Sim, eu sei, mas o café hoje é por conta das calouras, preciso
ajudar. — Ela colocou a camisa com velocidade. — A gente se vê depois.
E assim, como um furacão, ela saiu do meu quarto, voltando um
segundo depois só para beijar minha boca.
— Tchau, Lian — disse, abrindo o sorriso mais lindo que já vi na
vida e se escafedeu do meu quarto mais uma vez.
Apoiei minha cabeça sobre os braços, gargalhando, ainda sem
acreditar em tudo que tinha acontecido. As coisas pareciam finalmente estar
melhorando. Finnick estava encaixado no time, tínhamos ganhado os jogos
disputados. Até mesmo a disciplina de Atuação I parecia estar no papo, a
professora surpreendida com meu talento natural. E havia Candice... nossa
tensão ainda existia, mas de uma forma quente e sexual.
Minha barriga roncou, me lembrando que não havia comido quase
nada na noite anterior e, ainda com preguiça, levantei da cama e vesti um
short e uma camiseta, pronto para ir até a cozinha, ver se tinha sobrado
alguma fatia de pizza ou coisa do tipo. Só que, quando abri a porta, dei de
cara com um Gus furioso.
— Então é por isso que você está distante? Não é por causa do lance
do luto, mas sim por que está fodendo minha irmã? — Gus, que era tão alto
quanto eu, enfiou o indicador no meu peito. — Eu não acredito que você
fez isso!
— Ei, calma, as coisas saíram do controle e aconteceu de forma
natural.
— Como transar com a irmã do seu melhor amigo pode ter
acontecido de forma natural, Kill? — ele perguntou, a voz baixa, ferida, me
atingindo mais do que se tivesse gritado.
— Eu... eu não sei. Eu queria, ela queria. Acabou acontecendo. —
Minhas palavras saíram desconexas. Eu não saberia explicar para Gus que
eu sempre tive desejo pela sua irmã.
Sempre compartilhávamos tudo, mas eu simplesmente não poderia
chegar para ele e falar “Ei, sempre achei sua irmã uma gostosa do caralho.”
— Eu confiei em você, Kill. Porra, é a minha irmã. — Gus tirou os
óculos da face, esfregando os olhos como se não quisesse acreditar que
tinha visto Candice saindo do meu quarto.
Eu poderia ser prestativo com sua fúria. Não conseguia imaginar o
quanto ficaria puto se a situação fosse ao contrário. Mas eu não era nenhum
cretino, era porra do seu melhor amigo.
— Eu não fiz nada de errado, Gus. Você quer entrar no meu quarto
ou prefere ter essa conversa no corredor? — perguntei, girando meus
calcanhares e voltando para o cômodo que tinha sido o palco de momentos
quentes entre mim e Candice.
— Meus Deus, aqui ainda está com o cheiro dela — Gus comentou,
enfiando os óculos de volta no rosto, assim que entrou no quarto e fechou a
porta atrás de si.
— O que você quer, Gus? Eu não vou dizer que sinto muito, porque
não sinto. Se eu fosse capaz de voltar no tempo, faria tudo de novo. —
Passei a mão nos meus cabelos, afastando os fios do meu rosto, tentando
manter a calma.
Gus cruzou a distância que nos separava, furioso, o rosto tão
vermelho quanto o de Candice e eu não pude deixar de sorrir amargamente.
Eles eram tão parecidos.
O soco veio rápido, forte e quase me levou a nocaute. Cambaleei
para trás, levando minha mão até meu nariz, o sangue escorrendo pelos
meus dedos. Quis xingar Augustus, socá-lo de volta, mas tudo o que fiz foi
me manter estático.
— Você está sorrindo, seu filho de uma puta. Você pega minha irmã
como se não fosse nada demais e ainda sorri? — Gus segurou a gola da
minha camisa, a ira presente em seus olhos sempre tão doces. — Você
merece o nome que tem Kill, porque acabou de matar a amizade entre nós.
— Ei, Gus, não faça isso.
Ele largou minha camisa, passando a mão pelos cabelos ondulados.
Eu nunca o tinha visto tão furioso, nem mesmo quando eu fazia as
costumeiras piadas sobre sua virgindade. Éramos amigos há tanto tempo
que eu não tinha ideia quando realmente nos conhecemos, porque nas
minhas lembranças era como se ele sempre estivesse ali. Eu não poderia
perdê-lo. Eu não aguentaria perdê-lo.
— Eu jamais machucaria Candice. Você sabe disso — falei, quase
implorando que ele percebesse a sinceridade nas minhas palavras.
— Não vai machucá-la? E o que vai acontecer quando você se
formar e for para New Jersey? Acha que você e Candice têm um futuro? Eu
te conheço Killian. Você troca de garota como troca de roupa. — Gus
cuspiu as palavras na minha cara.
Eu nunca tinha pensado naquilo, em como seria o depois. Em como
eu e Candice continuaríamos juntos quando eu entrasse na liga profissional.
— Eu... eu não sei como vai ser, mas vamos dar um jeito e...
— Nem você acredita nas suas palavras, né? Você não pensou nisso
quando estava comendo minha irmã, não é mesmo? Típico de você, não
pensar nas consequências dos seus atos.
— Gus, você não está sendo justo — falei, limpando o sangue na
minha camisa.
— Você não entende, Kill, você quebrou a confiança que eu tinha
em você. Mas é isso que você faz, não é mesmo? Destrói as pessoas que te
amam.
As palavras de Gus me atingiram como um soco no estômago. A
lembrança do último telefonema de Kenny ecoou em minha mente,
trazendo de volta a sensação de culpa que eu já tinha enterrado dentro de
mim. Candice estava errada, eu não era a porra de um anjo.
— Eu sei que está com raiva. Eu não sei como consertar isso, mas
eu nunca quis te machucar. Nunca quis perder sua amizade. Eu sei o que é
perder alguém que você ama... — minha voz falhou, incapaz de continuar.
Os olhos de Gus se suavizaram no mesmo instante. Ele deu um
suspiro e tocou no nariz, ajeitando os óculos que escorregava por ali.
— Entendo que você tem seus próprios demônios, mas eu não
consigo te perdoar agora. — Gus virou as costas e saiu do meu quarto.
Fiquei lá, encarando a porta fechada, esperando-o retornar e dizer que tudo
não passava de uma brincadeira.
No entanto, o silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, e a realidade
da situação se instalou completamente em mim. Eu sabia que Gus estava
certo em sua raiva e decepção, mas a dor da perda de sua amizade era
insuportável.
Passei a mão novamente pelo meu nariz ensanguentado. A dor ali
presente não se comparava à que estava alojada no meu peito. Não sabia o
que fazer, mas quando um barulho ecoou pela minha porta, pareceu um
sinal de que estava na hora de tomar alguma atitude.
CANDICE MILLER
Nunca foi tão divertido fazer ovos e bacon. A cozinha da Alpha Phi
estava uma bagunça. O cheiro de muffin subia no ar, junto com algo
parecido com queimado?
— Acho que estragamos o muffin — Lilian, caloura do curso de
administração, comentou assim que abriu o forno e uma fumaça escura saiu
dali.
— Kimberly vai ficar uma fera — Agatha, uma garota de cabelos
curtos cacheados disse, enquanto fazia suco de laranja.
Ela não era caloura, já estava na irmandade há um ano, mas quis nos
ajudar com a missão de fazer o café da manhã.
A cozinha estava um caos, ainda assim nada conseguia tirar o
sorriso do meu rosto.
A noite anterior tinha sido mágica. Todo o cuidado e carinho que
Killian demonstrara para comigo só fez minha felicidade permanecer
intacta, mesmo que o bacon estivesse estourando e espirrando óleo quente
para todo lado.
— Ok, acho que não foi uma boa ideia deixar o café nas mãos de
vocês — Kimberly falou assim que entrou na cozinha, o babydoll rosa
choque chamando a atenção. — Por que vocês não lavam a louça? Eu cuido
do resto.
Até mesmo olhar minhas unhas no meio da água, sabão e restos de
comida fazia-me sorrir, pois eu lembrava que aquelas unhas se firmaram
nas costas de Killian enquanto ele me levava ao ápice do prazer, como eu
jamais havia experimentado.
— Você parece aérea. Tudo bem? — Agatha questionou, os olhos
fixos em mim, e eu corei.
— Sim, sim. Estou ótima.
— Vi que não passou a noite aqui na casa. — Agatha era uma garota
perspicaz, bem tímida e na dela, mas não era boba.
— Você tem razão — comentei, não querendo mentir, mas também
sem declarar onde estava.
— Killian é um cara legal — ela falou, tirando o prato molhado da
minha mão e passando um pano para secá-lo.
Sim, tínhamos uma máquina de lavar, mas pelo menos uma vez por
semana precisávamos lavar à mão. Segundo Kimberly, nada na vida vinha
fácil, então tínhamos que aprender a fazer as coisas. Disse a garota que era
filha do CEO de uma companhia automobilística.
— Sim, ele é — comentei, curiosa, um vinco se formando em minha
testa.
— Não me leve a mal. — Ela pareceu interpretar meu semblante, já
que continuou. — Gosto dele como jogador de hóquei. Sou lésbica,
definitivamente ele não faz meu tipo. — Sorri com a careta que ela fez. —
Ele autografou minha camisa e não esqueceu meu nome depois.
Agatha parecia orgulhosa pelo fato de Killian lembrar do seu nome
e eu achei fofa sua atitude.
— Ele leva os fãs muito a sério — respondi, sabendo que Killian era
um jogador profissional. Embora fosse um cara marrento quando se tratava
de hóquei, ele era um dos grandes nomes.
— Pena que ele vá para New Jersey, queria muito que ocupasse o
lugar de Kenny no Red Wings — ela comentou, passando o pano meio sem
jeito por um copo de vidro.
Aquele devia ser o pensamento de todo torcedor, inclusive meu. Se
Killian jogasse no Red Wings, isso queria dizer que ele continuaria em
Michigan.
Imaginar Killian longe, ainda era estranho. No próximo semestre ele
não estaria mais ali e era difícil não pensar sobre o fato, mesmo que eu
tentasse evitar.
— Vou subir para o quarto — falei, a euforia diminuindo à medida
que a realidade dava as caras.
— Não vai tomar café? — ela perguntou, apontando com a cabeça
para o muffin queimado que alguma das meninas tinha colocado em cima
da mesa.
— Estou sem fome. — Dei um leve sorriso na sua direção e subi as
escadas com pressa.
Afundei na cama assim que cheguei no quarto. Os dias estavam
correndo. Logo iríamos ter a peça de teatro e pouco tempo depois Killian
iria se formar.
Me sentei abruptamente, pegando minha ecobag que estava em cima
da escrivaninha e vasculhei seu conteúdo.
— Droga, cadê meu caderno de desenho? — indaguei a mim
mesma.
Levantei-me e fui até o guarda-roupa, depois olhei embaixo da
cama. Não estava achando o sketchbook em lugar nenhum.
— Será que deixei no quarto de Killian?
Não pensei duas vezes até ir à Ômega Teta. Quando Connor abriu a
porta e me viu, não perguntou o que eu queria ali, apenas abriu caminho
para eu subir até o quarto de Killian. Bati na sua porta e, quando ele a abriu,
tomei um susto. Ele estava usando fones de ouvido e me encarou, com as
sobrancelhas arqueadas, a camisa ensanguentada.
— Meu Deus! O que aconteceu com você? — questionei, tocando
seu rosto, passando os dedos na protuberância que se formava em seu nariz.
Killian trincou o maxilar no mesmo instante e, pensando que ele
pudesse estar com dor, retirei minha mão.
— Levei um soco — ele respondeu, desviando os olhos dos meus,
algo que raramente fazia.
— Por quê? Quem te deu um soco? — questionei.
— Não foi nada demais, Candice. O que está fazendo aqui? —
Killian indagou, parecendo surpreso.
— Nada demais? Você levou um soco! — Estava indignada com a
passividade que Killian estava tratando aquele assunto.
— Por acaso não estava assistindo aos jogos de hóquei? Socos são o
de menos. — Ele deu de ombros e eu bufei, irritada. Ele não queria mesmo
falar sobre aquilo.
— Por acaso viu meu caderno? Acho que o deixei aqui, Lian —
perguntei, sem saber por que motivo Killian estava tão irritado.
— Está na primeira gaveta. — Ele apontou para a escrivaninha e
virou de costas para mim, indo até o armário, onde começou a guardar uns
pôsteres que estavam enrolados sobre a cama.
Só então percebi que ele havia tirado os pôsteres das paredes do
quarto. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas Killian estava estranho.
Abri a gaveta que ele indicou e lá dentro vi dois cadernos. Sem
pensar, peguei o caderno que não era meu e o folheei. Curiosa para saber o
que Killian escrevia. Só que o caderno não era de Killian e só percebi
quando cheguei em uma página onde tinha escrito “Coisas para fazer antes
de morrer” “By Kenny Di Angelis”.
Continuar lendo aquilo era invasivo. Era errado. Mas não consegui
largar o caderno quando vi algumas tarefas riscadas.
 Andar de roda gigante;
 Assistir um musical;
 Ler um livro de romance;
 Fazer um piquenique;

Eu não precisava ser gênia, na verdade não precisava nem ser muito
inteligente para saber do que aquilo se tratava, ainda assim, quis perguntar.
Porque algo dentro de mim insistia em dizer que era só uma coincidência.
— O que é isso, Killian?
Killian se virou para mim e então viu o caderno em minhas mãos.
Ele venceu a distância que se formava entre nós em apenas dois passos e
puxou o caderno.
— O que você pensa que está fazendo? — perguntou, os olhos
arregalados indo da página aberta até mim.
— Diga que não é o que estou pensando — falei, sentindo minhas
pernas tremer, o maldito joelho querendo falhar. — Diga que não me usou
para realizar a lista de desejos do seu irmão.
As lágrimas começaram a escorrer antes que eu pudesse impedi-las
e meu coração doeu com a possibilidade de que aquilo fosse verdade.
— Por favor, me diga que estou errada — implorei, minha voz
vacilando.
Ele olhou para o chão por um momento, parecendo angustiado,
antes de finalmente levantar os olhos para me encarar. Seu rosto estava
contorcido em uma expressão de dor.
— Eu... — começou ele, hesitante. — Eu posso explicar.
Killian esticou o braço na minha direção e então parou. Eu não sabia
o que ele estava pensando, mas ele pareceu desistir de tentar se justificar.
Pareceu desistir de mim.
Então as palavras de Agatha ecoaram na minha cabeça. “Ocupar o
lugar de Kenny”. Encarei Killian e fiz a pergunta entalada em meu peito.
— Você vai para New Jersey, mas onde realmente gostaria de atuar?
Ele me olhou, curioso, e então passou a mão pelos cabelos.
— Em Detroit, claro. Red Wings.
— Por quê? — perguntei em um sussurro.
Killian fechou os olhos por um segundo, como se lutasse contra a
resposta. Ele fechou o caderno e guardou-o de volta na gaveta e então,
virado de costas para mim, respondeu:
— Porque era o time de Kenny.
Balancei a cabeça em concordância. Então Agatha tinha razão. Era
quase como se Killian quisesse substituir o irmão em todos os aspectos de
sua vida. Andei até Killian, segurei seu braço e o virei de frente para mim.
— Você não é o Kenny! Nunca vai ser. — Senti Killian enrijecer, e
finalmente ele me encarou. Os olhos sempre tão cálidos agora tinham um
brilho diferente, quase como se carregassem culpa.
Killian andou até a porta do seu quarto e a abriu. Ele não falou mais
nada, mas eu entendi o que aquilo significava. Peguei meu sketchbook, as
mãos tremendo, segurando o caderno de capa escura. Então era aquilo.
Passei em sua frente, meus All Star pisando no piso amadeirado do
corredor. Não encarei Killian, não tinha coragem. Não tinha forças.
Caminhei devagar, mesmo desejando correr, as lágrimas ameaçando
embaçar minha visão, o coração doendo. Antes que eu pudesse chegar às
escadas, Killian finalmente respondeu à minha acusação.
— Não, eu não sou. Se eu fosse ele eu não teria te machucado. Mas
é isso que eu faço, Candice. Eu sou especialista em magoar as pessoas.
Você é só mais uma na minha lista.
KILLIAN DI ANGELIS
— Eu pensei que química fosse fácil. Quer dizer, minhas notas
caíram, mas no geral entendo muita coisa. Sei que em boa parte dos casos a
nanossílica retarda o processo de hidratação da pozolana. E que a argila
calcinada é formada em sua maioria por óxido de silício. Mas não sei como
lidar com a combustão. Deveria ser algo simples: materiais inflamáveis em
contato com o comburente e calor resultam em chamas. No entanto, acabei
sendo o único que saiu queimado. Você entende o que estou querendo
dizer?
Não. Claro que meu irmão não entendia. Ele sempre havia sido
péssimo em química. E em matemática e física também. Por isso tinha se
formado em direito.
Passei a mão pelos cabelos, o frio do fim da tarde deixando minha
respiração visível, e olhei a lápide de mármore, esperando uma resposta que
sabia que não teria.
— Ok! Vou supor que quem cala consente — comentei, me
perguntando se tinha sido uma boa ideia ter ido ali.
O frio de dezembro fez eu passar os braços em volta do meu corpo e
eu olhei o vasto gramado composto por lápides e mais lápides. Os
cemitérios americanos eram horríveis. Apenas pedras cinzentas e muitas
árvores a perder de vista. Os italianos eram mais confortáveis, coloridos,
cheios de flores e homenagens. Talvez Kenny tivesse gostado de ser
enterrado lá.
— Você lembra do dia em que você me pegou usando seus patins e
em vez de brigar comigo você me ensinou a usá-los?
Sorri com a lembrança, o garoto dois anos mais velho era diferente
dos demais irmãos. Kenny não odiava dividir suas coisas, nem mesmo
brigava quando eu pegava seus brinquedos e os quebrava sem querer.
— A gente quase nunca brigava, você era tão calmo e pacífico.
Me sentei no gramado em frente à lápide, cruzando as pernas, como
se tivesse em uma roda de conversa com amigos e não dando um de
Ghostbusters. Puxei o diário de Killian do bolso da jaqueta de couro preta e
também o celular velho que eu usava. A foto minha e de Candice, ainda ali,
trouxe uma dor que jamais imaginei sentir. Quando as coisas pareciam ir
bem, eu havia destruído tudo.
Apoiei tanto o caderno quanto o celular sobre o gramado, onde o
corpo de Kenny descansava a uns palmos do chão. E me deixei chorar pela
primeira vez desde que tinha estado naquele mesmo cemitério, um pouco
mais de um ano atrás.
— Eu cometi uma burrada. E não sei como concertar. Eu fiz a coisa
que prometi a mim mesmo que não iria fazer. Eu brinquei com os
sentimentos de Candice Miller. De novo. E dessa vez nem foi por uma
bobagem como um jogo de verdade ou desafio.
Cobri meus olhos com minha mão, a dor de imaginar uma vida sem
Candice ameaçando me sufocar. Ela tinha entendido tudo errado. Eu não a
usei para realizar os desejos de Kenny. Na verdade, eu usei os desejos de
Kenny como desculpa para alcançar minhas próprias vontades. Mas como
explicar para ela meus sentimentos quando tudo o que eu fazia era magoar
as pessoas? Kenny, Gus e ela?
— Me desculpa por não ter atendido sua ligação. — A frase saiu
rasgando minha garganta, era a primeira vez que eu pedia perdão ao meu
irmão em meus vinte e dois anos de vida.
Os soluços cruzaram meu peito e me abracei mais uma vez,
passando o polegar sobre as asas marcadas em minha pele.
— Eu me culpei tanto por algo que eu não tinha o controle. Eu quis
tanto seguir os seus passos, que, em algum momento, eu me perdi. O pior
de tudo, eu perdi Candice no processo. Lembra que você disse que nós
combinávamos? Pois é, nós realmente combinamos. Uma combinação
perigosa. Uma que eu faria de tudo para ter de volta.
Ver Candice saindo do meu quarto, chorando, foi demais para mim.
Aquilo me quebrou de um jeito que eu nem sabia que era possível. Eu não
tinha intenção de magoá-la, mas as palavras de Gus me fizeram pensar que
seria melhor para ela ficar longe de mim. O problema é que eu não
conseguia ficar longe dela.
— Algumas pessoas dizem que o amor dói, Kenny, mas elas estão
erradas. O que dói é não ter o amor. O que dói é deixá-lo escapar por entre
nossos dedos. O que eu faço, Kenny?
— Você não sabe que os mortos não respondem? — Uma voz me
fez levantar depressa, e tomei um susto ao notar uma garotinha ao meu
lado.
A menina tinha cabelos claros, amarelo como o sol, olhos escuros e
alguns dentes ausentes dentro da boca.
— Oi — respondi, olhando para os lados, procurando algum adulto
por perto, mas sem encontrar ninguém.
— Cadê seus pais? — perguntei, preocupado com a possibilidade
da garotinha estar perdida.
— Papai está na terra. Mamãe foi comprar água e disse para eu ficar
quieta perto do papai. — A garota apontou a lápide ao lado de onde eu
estava, e eu li o nome "Cole Sear" inscrito sobre a pedra de cor branca.
— Você não tem medo de ficar só, aqui no cemitério? — questionei,
ao tempo que tentava imaginar quantos anos aquela menina tinha. Seis?
Talvez sete?
— Não, mamãe disse que tenho que ter medo dos vivos, não dos
mortos — ela respondeu, passando a mão pelo vestido rosa, desamassando
o tecido que insistia em formar vincos devido ao vento.
— Sua mãe é uma mulher sábia.
A garotinha assentiu com a cabeça e eu não pude deixar de sorrir.
Ela tinha um brilho nos olhos que me lembrava outra garotinha, uma que eu
acompanhei durante quase toda a minha vida.
— Qual seu nome? — perguntei, curioso.
— Não devo falar com estranhos. — Ela ficou na defensiva, os
bracinhos pequenos se cruzando sobre o peito.
— Mas foi você que começou a falar comigo.
Ela pareceu pensar por um segundo, e então se deu por vencida.
— Melody Sear.
— Oi Melody, eu sou Killian Di Angelis — falei, abrindo meu
melhor sorriso, passando a mão pelos olhos, afastando as lágrimas dali.
— Seu nome é estranho. Posso te chamar de Lian?
A perguntar me fez travar. Como um nome tão simples tinha um
poder tão grande sobre mim? Ainda assim, não consegui evitar um sorriso
quando respondi:
— Claro, pode me chamar de Lian.
— O que você estava perguntando para ele? — Melody questionou,
apontando para a lápide de Kenny.
Vi uma curiosidade genuína estampando seus olhinhos brilhosos.
Pensei por um segundo e então respondi.
— Cometi uma série de erros e queria o perdão do meu irmão.
— Eu tenho um irmão — ela comentou e eu me surpreendi com o
fato de que crianças conseguiam enxergar só o que queriam em uma
conversa. — Ele está vindo ali.
Uma mulher de cabelos laranjas, segurando uma sacola cheia e uma
criança de uns dois anos no colo, corria na direção de Melody, esbaforida.
— Deixa eu te ajudar com isso. — Fui até ela e depois de olhar para
mim, desconfiada, ela largou a sacola em minhas mãos se ajoelhando no
chão e tocando nos cabelos claros de Melody.
— Está tudo bem, filha? — ela olhou da garota para mim, como se
esperasse que a filha fosse contar que eu estava dando pirulito envenenado
ou algo do tipo.
— Está sim, mãe. Lian está aqui pedindo desculpas para o irmão.
A mulher, então, olhou para a lápide de Kenny, e um tom rosado
cobriu suas bochechas.
— Ó, sinto muito — ela falou, deixando o menino pequeno no chão
e pegando a sacola da minha mão.
— Foi um prazer te conhecer, Melody — disse para a garotinha, e
ela me deu um tchau desengonçado com suas mãozinhas pequenas.
Eu já estava a uns bons metros longe quando um gritinho agudo
ecoou atrás de mim.
— Espera. Você vai deixar seu celular aqui? — Melody questionou,
trazendo o aparelho grande demais para a sua mão. A foto de Candice mais
uma vez aparecendo, em uma constante lembrança do que eu havia perdido.
— Vou.
— Tem certeza? — ela questionou, e por um momento, uma
vozinha dentro de mim sugeriu que eu pegasse o maldito aparelho e fosse
embora. No entanto, eu não dei ouvidos àquela voz.
— Sim. — Ela me analisou, curiosa. — Se meu irmão acordar, pode
precisar de um telefone para me ligar.
Melody me olhou com um semblante inusitado, e então sua
bochecha corou que nem a da mãe dela.
— Posso te pedir uma coisa? — perguntou, tímida.
— Claro.
— Se meu papai acordar ele pode usar seu celular também?
Me vi ajoelhando, para ficar na mesma altura dela. E admirei sua
beleza. Os cabelos dourados me lembrando a garota que era a luz da minha
vida.
— Claro, zuccherina. — O apelido saiu de forma espontânea e eu
sorri com a lembrança do dia que o usei pela primeira vez. O passeio da
roda gigante vindo em flashes na minha mente.
Melody assentiu e voltou correndo para sua mãe, depositando o
aparelho de volta onde eu tinha deixado.
Atravessei o cemitério, sentindo, pela primeira vez, o peso deixando
minhas costas. Eu poderia estar equivocado, mas Melody era como um
sinal, um que me dizia que Kenny não me culpava.
Entrei no Jeep e me olhei no retrovisor interno, tirando os brincos e
piercing e guardando-os dentro do porta-luvas. Faltavam poucos minutos
para o jogo e segui até a Yost Ice Arena, pronto para entrar no rinque, não
como um Di Angelis que queria pegar o lugar de Kenny. Mas como Killian.
O barulho da torcida já podia ser ouvido do lado de fora e eu fui
direto para o vestiário. Ali, a movimentação estava agitada, homens quase
pelados andando para lá e para cá, a algazarra de sempre antes de qualquer
jogo. Enfiei meu uniforme embaixo do braço, pegando as luvas no meu
armário, quando um braço tocou meu ombro.
— O que você está fazendo aqui? — Gus parecia mais surpreso do
que furioso.
— O mesmo que você. Jogar hóquei. Pensei que você fosse o nerd
da equipe — respondi, sarcástico, me sentando no banco ao lado de um dos
reservas e tirando meus tênis. Precisava tirar o conjunto de moletom do
time e vestir o uniforme e equipamentos e Gus ainda estava me fazendo
perder tempo.
Sabia que as coisas entre a gente não estavam perfeitas, mas uma
parte de mim se recusava a perder a piada.
— Você não deveria estar no teatro? — perguntou, erguendo uma de
suas sobrancelhas claras.
— Não, eu jogo hóquei no rinque. Esqueceu? — me levantei,
voltando até meu armário para pegar as meias e protetor bucal.
— Você está de brincadeira. Candice vai ficar furiosa. Não acredito
que você vai perder a peça. — Gus passou a mão pelos cabelos ondulados.
— Do que você está falando. A peça de Candice é só amanhã —
falei, segurando seus ombros.
— Não, Killian. É hoje! — Gus bufou, dando um coque na minha
cabeça.
— Não, não é hoje, é amanhã. Eu anotei no meu caderno de química
dos coloides e de superfícies.
— Killian, eu sou o nerd do grupo, esqueceu? Coloquei um alarme
no meu celular como lembrete. É hoje a peça. Na verdade já deve estar
começando.
Fiquei paralisado, olhando meu melhor amigo. Ele estava brincando,
não era possível. Por que diabos eu tinha anotado a data errada? Que merda.
— Meu Deus! — exclamei, travado.
— Que merda você fez com Candice, Killian? — Gus questionou, e
eu sabia que ele não estava falando da peça.
Me remexi, o tecido do moletom subitamente me deixando com
calor.
— Eu a deixei ir.
— Por quê? — Gus perguntou, a voz fraca, como se fosse culpado.
— Porque eu a amo. — A declaração saiu fácil, porque era a
verdade. Eu amava Candice mais que tudo. — Foi o que a Fera fez. Deixou
a Bela livre. Deixou-a ir, porque a amava demais.
Gus me olhou, com uma expressão curiosa, como se estivesse se
perguntando se eu havia batido a cabeça no caminho por estar falando sobre
contos de fadas
— E o que acontece na história? — ele perguntou, genuinamente
interessado.
— A Fera fica à beira da morte e a Bela volta.
— Se esse for o problema, eu posso te deixar à beira da morte. Mas
você sabe que ela não vai voltar, né? Você que vacilou. Vacilou feio e agora
terá que ir atrás dela.
Sim, Gus era o filho da puta do nerd. Ele tinha razão. Eu precisava ir
atrás de Candice. Larguei o uniforme pelo chão do vestiário e saí correndo.
— Ei, você vai descalço? — Gus gritou quando eu já estava longe,
mas não dei importância. Eu iria até se fosse pelado.
Entrei no meu carro e acelerei em direção ao Michigan Theater, os
dedos tamborilando sobre a direção com velocidade.
— Merda. — O local estava lotado, teria que botar o carro longe e ir
a pé.
Estacionei o Jeep de qualquer jeito na primeira vaga que encontrei,
desliguei o motor e saltei para fora. Não tinha tempo a perder. Minha
respiração estava acelerada e meu coração palpitava em descompasso.
E então eu comecei a correr pelo asfalto, os pés tocando a superfície
áspera do piche. E, nem por um segundo, eu vacilei. Nem mesmo que eu
estivesse machucando meus pés, que até então eram meu futuro. Mas,
correndo em direção ao teatro, eu percebi que eu não queria um futuro sem
Candice.
Aquela era minha chance.
E eu não iria desperdiçá-la.
CANDICE MILLER
Um filme natalino passava na pequena televisão de tubo, escorada
de forma nada segura na parede do camarim. Ainda faltavam alguns dias
para o Natal, mas toda a programação televisiva focava em filmes cheios de
casais bonitos, presentes e, para minha decepção, neve.
Odiava ter que ver um casal esquiando, de mãos dadas, sorrisos
bobos no rosto. Aquele filme idiota me lembrava Killian, e eu não queria
pensar nele. Sua falta de sinceridade comigo me magoou de um modo que
eu não sabia que era possível. Ele tinha me usado, repetia a mim mesma a
cada segundo. Então, por que seus olhos cheios de dor permaneciam na
minha mente o tempo todo? Por que eu não conseguia simplesmente
esquecê-lo e seguir em frente?
O reflexo no espelho mostrava que a peruca de fios marrons ficava
horrível na minha cabeça, e abri um sorriso só de pensar como Killian iria
zombar de mim.
— Eu estou horrível — falei, ajeitando a roupa azul da Bela em meu
corpo. Sentindo o tecido pinicando em meus braços.
— Você está horrível por conta das olheiras, não da peruca. — Kira
comentou, ajeitando a alça da câmera fotográfica em seu pescoço. — Nada
que um corretivo não ajude.
— Era para eu estar me sentindo uma princesa, não um trapo —
resmunguei, verificando o relógio de aro dourado pendurado na parede
marrom do camarim.
— Você está bela. E, sim, é uma piada boba. — Kira tirou uma foto,
e o flash faz eu soltar um muxoxo. — Alice e Ava estão ansiosas para te ver
em cima do palco. Sorte que eu tenho privilégios por fazer parte do jornal,
então pude entrar para te fotografar.
— Você viu se Killian já chegou? — perguntei, sentindo meu
coração acelerar só de pensar nele.
Kira balançou a cabeça, indicando que não, e eu me remexi sobre a
cadeira. Eu não sabia o que pensar. A última vez que tinha visto Killian foi
quando brigamos. Depois, não tive mais notícias suas. Fiz questão de dizer
para Kira, Ava e Alice que não queria saber nada sobre ele. Mas ali estava
eu, ansiando por sua chegada. Eu dizia a mim mesma que era por conta da
maldita peça, mas algo dentro de mim parecia dizer que não era apenas
aquilo.
Mais uma vez, aquele olhar carregado de culpa e dor veio à minha
mente. Eu poderia tentar entender seu esforço em continuar a caminhada do
irmão, mas a verdade é que eu não compreendia. Eu não tinha sofrido o
luto; Kenny era um grande amigo, mas não era meu irmão. Pensei em Gus e
como estaria destruída se não o tivesse ao meu lado.
— Será que fui injusta? — perguntei, olhando Kira atrás de mim
pelo espelho. — Se eu tivesse Killian na minha vida no último ano, talvez
não tivesse tido medo de continuar com a patinação. Será que, estando ao
lado dele, teria feito alguma diferença? Teria conseguido aliviar um pouco
de sua dor?
Perguntei mais para mim mesma, por isso me surpreendi quando
Kira suspirou e apoiou a bunda no braço da minha cadeira.
— Eu sei que falou que não queria saber de Killian, mas acho que
deveria que ele e Gus brigaram.
— O quê?
— Gus descobriu que vocês dois estavam transando — Kira falou,
tocando meu ombro.
— Ai meu Deus! — Então o sangue em sua camisa... tinha sido
Gus?! Meu irmão tinha partido para violência física? Era até difícil de
imaginar, o grandão tinha um coração de ouro. Vê-lo me defendendo
deveria aquecer meu coração, mas só fez eu lembrar que minha briga com
Killian tinha sido logo depois.
— Você sabe que foi um ano difícil para vocês dois. Não estou
passando pano para o Killian, mas homens são burros. Até mesmo seu
irmão foi. — Kira sorriu e então continuou. — A maioria deles tendem a
guardar os sentimentos dentro de si.
Pensei em Killian, em como ele não se abria nem mesmo com seus
amigos de time, e como ele deveria acumular sentimentos que deveriam ser
difíceis demais para uma pessoa só guardar.
— Eu preciso ligar para ele — falei, me levantando da cadeira e
procurando o celular sobre a mesa que estava repleta de maquiagens e
outros trecos de teatro.
Encontrei meu celular em meio a roupas brilhosas de paetê e disquei
o número de Killian. Chamou algumas vezes e ninguém atendeu.
— Que droga. — Joguei o celular sobre a cadeira acolchoada e
arranquei a peruca. — Se a professora Sara aparecer, você avisa que eu
volto já.
Me levantei e saí correndo do camarim.
— Mas para onde você vai? — Kira gritou, quando eu já estava
corredor, mas não respondi, não tinha tempo a perder.
Corri em disparada, segurando o vestido para não tropeçar sem
querer, a sapatilha quase saindo dos meus pés. Sorte que era o vestido azul
da Bela e não aquele amarelo cheio de firulas.
Saí para o lado de fora do teatro, vendo uma imensidão de carros
estacionados e muitas pessoas indo para o guichê comprar os ingressos da
peça, na qual teoricamente eu seria a estrela.
Sem saber o que fazer, corri pela rua sem destino. Não podia ficar
parada, esperando as coisas caírem do céu, como fiz quando me acidentei.
Esperei me recuperar sozinha, esperei que voltasse a patinar mesmo que eu
não tivesse forças para me levantar da cama e calçar os patins. Daquela vez
eu não iria esperar sentada.
Foi quando o vi. Killian corria na minha direção, a distância entre
nós diminuindo mais e mais, e eu estaquei. Meu estômago se revirou, e uma
chuva fina começou a molhar meus cabelos e roupa.
Killian se aproximou a ponto de seu corpo irradiar calor sobre o
meu. Inspirei seu perfume, uma mistura de frescor, madeira e
masculinidade. E então ele me beijou, num ritmo tão lento que eu desejei
implorar por mais, mas, em vez disso, eu o empurrei.
— O que você está fazendo? Realizando o último desejo da lista do
seu irmão? — perguntei, ainda magoada, desejando bater nele, ao mesmo
tempo que queria beijá-lo de novo.
Ele passou os braços por minha cintura, me trazendo mais para
perto.
— Não. Estou realizando o primeiro desejo da minha lista. Uma
lista em que todos os desejos estão relacionados a você — Killian falou, os
olhos escuros fixos nos meus, os cabelos molhados grudados no rosto.
— Seu nariz está meio roxo — comentei, segurando sua face, vendo
o estrago que meu irmão tinha feito.
— Não foi nada demais — ele disse.
— Meu irmão deu uma surra em você — falei, sorrindo pela
primeira vez no dia.
— Eu deixei ele me dar uma surra. É diferente. — Killian fez uma
careta.
— Por quê? — perguntei, o coração batendo forte, ter Killian tão
perto me deixava sem fôlego.
— Eu sabia que ele estava chateado e precisava descontar em
alguém. Preferi que fosse em mim do que em você. — Killian deu de
ombros, olhando-me nos olhos. Sua proximidade me fez sentir um
formigamento na pele.
— Você é mesmo irritantemente nobre às vezes, sabia? — revirei os
olhos, sorrindo. Era difícil ficar com raiva quando ele estava tão perto, sua
voz suave me inebriando.
Killian também sorriu, um sorriso que fez meu coração bater ainda
mais rápido.
— É um fardo que tenho que carregar.
Nesse momento Killian se inclinou e beijou minha boca, e de
repente tudo ficou confortável. Era como estar em casa, um ambiente
seguro, aconchegante e quente.
Nossas bocas se moveram em um ritmo perfeito, o calor e a tensão
se transformando em eletricidade.
— Me desculpe, zuccherina — ele falou, quando nossas bocas se
separaram, o peito subindo e descendo acelerado, os olhos, fixos nos meus,
marejados.
Eu envolvi o corpo de Killian com meus braços e ele apoiou o
queixo na minha cabeça. Eu senti algo molhado em meus cabelos e não
soube dizer se era a chuva ou as lágrimas que escorriam pelo seu rosto.
— Eu te amo, Candice. Você é como a luz que ilumina os dias mais
sombrios, como a calma no meio da tempestade, mas também é como a
combustão que incendeia meu corpo. Não sei precisar desde quando, mas
sei que esse sentimento tem estado presente dentro de mim há muito tempo.
— Provavelmente é desde a época em que me viu correndo do palco
para fazer xixi. Deve ter sido uma cena inesquecível — falei, sentindo meus
próprios olhos arderem diante da confissão de Killian.
— Talvez. Ver uma fadinha tão linda saindo em disparada realmente
foi um marco na minha vida. — Killian se afastou e então beijou minha
testa.
— Eu te amo, Killian Di Angelis. Te amo mesmo quando quero te
odiar. Eu falei que só anjos levam alguém para o céu, mas também só os
anjos são capazes de mostrar que o paraíso pode ser encontrado em meio ao
caos.
Olhei para Killian, vendo-o descabelado e sem sapatos. Fitei-o,
confusa, sem saber por que ele estava daquele jeito, mas naquele momento
isso não pareceu importar. O paraíso usava moletom do time de hóquei e
pés descalços. E, como diria Kira: era gostoso como o inferno!
KILLIAN DI ANGELIS
Eu ainda estava sem acreditar que Candice me amava. Que eu a
amava não era segredo, mas que a recíproca era verdadeira, me pegou de
surpresa. Eu parecia anestesiado, quando Candice segurou minhas mãos e
me guiou na direção oposta ao teatro.
— Para onde você está me levando? — perguntei, sentindo o calor
de seus dedos, mesmo que a chuva insistisse em cair sobre nós.
— Vamos para seu jogo — ela falou, determinada, e eu sorri.
— Mas e a peça? — perguntei, com as sobrancelhas erguidas.
— Eu tenho quatro anos para me formar. Você só tem esse semestre
para mostrar para o New Jersey Devils que você merece estar no time.
— E se eu reprovar em teatro? — perguntei, realmente com medo.
— Provavelmente seu treinador deve dar um jeito. — Candice então
parou, olhando para os lados, como se então tivesse percebido que
estávamos longe da Yost Ice Arena.
— Meu carro está ali. — Apontei para o Jeep estacionado de forma
torta na rua.
Candice entrou no carro, ajeitando o vestido azul de modo que o
tecido não ficasse preso pela porta do automóvel. Ela estava tão linda de
Bela que me perguntei por que diabos não a contrataram ao invés da Emma
Watson.
— Venha aqui — chamei, quando me sentei ao seu lado, me
inclinando na sua direção. E ela veio com seu corpinho pequeno, o cheiro
de baunilha vindo de seus cabelos me fizeram abrir um sorriso.
Beijei sua boca, encontrando sua língua no meio dos meus lábios, e
mordi seu lábio inferior, arrancando um gemido seu. Sem pensar duas
vezes, segurei sua cintura e a ergui, colocando-a em meu colo. Candice se
ajeitou em cima de mim, as mãos passando pelo meu pescoço.
— Killian, o que está fazendo? — ela perguntou, o corpo tão colado
ao meu, que eu tinha certeza de que ela percebeu minha ereção.
— Beijando minha namorada — falei, a voz rouca, meu desejo de
tê-la era maior do que qualquer coisa.
— Não temos tempo, Lian.
— Enquanto eu respirar, eu tenho tempo. E, agora, a única coisa que
quero é você.
A vida era efêmera demais para esperar. Eu não sabia o que iria
acontecer no futuro, e justamente por essa incerteza, eu queria que o
presente fosse vivido ao máximo.
— O que acontece se você entregar esse vestido rasgado para a
professora Sara? — perguntei, levando meus dedos até suas costas, tendo
dificuldade em encontrar o zíper da roupa.
— Provavelmente ela vai me reprovar. De qualquer forma, eu já
devo estar reprovada. — Ela deu de ombros, as pernas em volta do meu
quadril.
Consegui abrir o zíper antes que precisasse rasgar sua roupa e desci
as alças do vestido deixando seus seios expostos.
— Sabe, cada vez eu sou mais adepto dos seios livres — comentei,
tocando um de seus mamilos, sentindo-o ficar rígido. — Tão linda.
Seus seios se encaixavam perfeitamente em minhas mãos, como se
tivessem sido esculpidos para mim. Somente para mim.
— Lian! — Candice gemeu, jogando a cabeça para trás, deixando o
pescoço alvo à mostra. — E sua reputação? Você não tinha medo de algo
destruir sua carreira?
— Candice, você não está entendendo. De que importa minha
reputação sem você? — questionei, levando meu nariz até a curva entre seu
ombro e o pescoço, e a beijei. — Eu preciso saber se você me quer tanto
quanto eu te quero.
Candice se esfregou em mim, a boceta roçando meu pau duro, e eu
mordi meu lábio, prendendo a respiração.
— Sempre, Lian.
Desci com uma mão até embaixo de seu vestido e afastei a calcinha
para o lado, enfiando um dedo na sua boceta já molhada. As paredes
internas se contraíram contra meu dedo, e eu imaginei o que Candice seria
capaz de fazer com meu pau.
— Eu quero tanto te comer, Candice. Eu quero foder você de um
jeito que nunca mais vai esquecer de mim. Que toda vez que olhe nos meus
olhos, lembre dessa noite e de como nós transamos gostoso.
— Por favor, Lian. — Candice implorou, as mãos inexperientes
indo até a calça de moletom do Lynx.
Ela retirou meu pau duro para fora e o alisou, as unhas finas
brincando com as veias expostas.
— Eu quero cavalgar você, Lian. Eu quero te domar. Te fazer meu.
— Zuccherina, eu já sou todo seu. — Passei a mão em seus cabelos
e os segurei com firmeza, puxando-os para trás, e então beijei sua boca.
Diferente dos beijos anteriores, esse foi carregado de desejo. Nossas
bocas lutando em frenesi, as línguas em movimentos complexos, o sabor de
Candice se fixando em cada um dos meus nervos.
Candice tomou a dianteira e levou meu pau até sua entrada.
Resvalando a cabeça dele em sua boceta.
— Argh, Candice — gemi, louco de tesão, estendendo a mão até o
porta-luvas e vasculhando às cegas o espaço. — Droga! Eu não tenho
camisinha. É melhor a gente parar...
— Não precisa, eu tomo remédio.
Encarei seus olhos, as pupilas quase não deixando espaço para o
azul. Havia desejo neles.
— Tem certeza? — questionei. — Eu nunca transei sem
preservativo.
Candice balançou a cabeça em afirmativa e guiou meu pau até sua
umidade. Ela se sentou sobre ele com calma, e eu segurei a lateral da sua
bunda, mas a deixei assumir o controle.
Candice desceu devagar, meu pau pulsando freneticamente dentro
de sua boceta. E desceu mais um pouco e depois mais. Até que toda minha
extensão estava dentro dela, e então ela fez o que prometeu. Ela me domou,
como se eu fosse um cavalo arredio. Rebolou como se sua vida dependesse
daquilo. Minhas mãos apertaram sua bunda enquanto ela subia e descia com
velocidade, diversos xingamentos desconexos saindo de sua boca.
— Ai, meu Deus — ela gemeu, me cavalgando como uma amazona,
fazendo eu chegar cada vez mais perto de ter um orgasmo.
— Bem-vinda ao sexo de reconciliação — falei, sorrindo, vendo-a
tão entregue ao prazer.
— Não sabia que podia ser tão bom — ela comentou, a voz saindo
entrecortada.
— Nem eu — respondi.
— Como assim? — Candice perguntou, passando as mãos em volta
do meu pescoço.
— Bem, é minha primeira vez. Ou você acha que eu saía transando
mais de uma vez com a mesma pessoa?
Candice sorriu, enquanto sua boceta gostosa trabalhava ao redor do
meu pau. Os seios pequenos pulando perto da minha cara.
Meu Deus. Só de olhar para ela dava vontade de gozar. Eu estava
muito fodido. Tinha me apaixonado pela garota que me deixava louco antes
mesmo de eu provar sua boceta.
Envolvi sua cintura, seguindo seus movimentos, ajudando-a no
processo. E meti forte em sua boceta, estocando-a em um ritmo intenso.
— Lian — ela choramingou.
— Diga isso de novo.
— Lian — Candice suspirou em meio a um gemido.
— Eu adoro ver nossos corpos unidos, eu me movendo dentro de
você. — Puxei seu vestido para cima, mostrando para Candice o que eu
estava falando. Ela olhou para baixo, onde sua boceta se unia a meu pau e
sorriu, um sorriso fraco. Um sorriso de quem estava prestes a gozar.
Candice gemeu, as pernas tremendo ao meu redor, as paredes da sua
boceta se contraindo. Tão apertada, tão perfeita. E então ela chamou meu
nome. Aquele que, atualmente, só ela chamava. E eu mantive o ritmo,
bruto, rápido, arrebatador e derramei minha porra dentro dela, um som
gutural saindo da minha garganta.
Tinha sido a melhor transa da minha vida, e não tinha a ver só com
uma boceta apertada, e sim com a conexão, a troca de olhares em meio à
cumplicidade.
Ergui Candice, tirando-a de cima do meu pau, e ela se sentou em
meu colo, apoiando o rosto em meu peito. Beijei o topo de sua cabeça e
passei meus braços ao redor de suas costas em um abraço.
— Te amo, zuccherina — falei, mesmo que soubesse que era piegas
falar esse tipo de coisa após o sexo.
— Te amo, Lian.
E ficamos assim por um tempo, mesmo que a apresentação estivesse
sem nenhum dos protagonistas, ou que Lynx tivesse entrado no rinque sem
seu capitão.
Afinal, tínhamos nosso próprio tempo, porque, naquele instante,
tudo que importava era só nós dois.
CANDICE MILLER
— Não acredito que fiquei de exame final! — Killian resmungou
pelo menos pela décima vez, desde que descobriu que sua ausência na
apresentação de A Bela e a Fera deixou-o com uma nota péssima. — Você
disse que o técnico ia conseguir livrar minha barra.
Ele se remexeu sobre uma das cadeiras da Coffee & Chapters e eu
me sentei ao seu lado. Aquele era o meu turno, mas a cafeteria estava vazia,
por isso tirei o avental de cor vinho, o colocando sobre a mesinha.
— Eu falei "TALVEZ". — Revirei os olhos. Por mais que Paul
Levine tenha tentado livrar a barra de Killian, a professora Sara não aliviou.
Nem para ele, nem para mim, que também precisava recuperar a nota. —
Você teve sorte. A prova vai ser uma peça. Só eu e você. E, claro, a
professora julgando. Seria pior se tivéssemos que fazer uma prova escrita
sobre a teoria de atuação.
— Mas eu não sei nada sobre O Fantasma da Ópera. — Ele passou a
mão pelos cabelos, bagunçando-os.
Killian havia retornado à arena logo após nossa escapulida dentro do
carro. O Lynx havia feito uma boa partida e ganhado o jogo. A peça de
teatro foi um sucesso, mesmo que tenha começado atrasada. Os substitutos
de Killian e eu tiveram um desempenho excepcional. Até mesmo o jornal
do qual Kira fazia parte, que destacou a peça teatral em sua manchete, teve
uma tiragem maior do que o esperado. Foram vendidas vinte cópias!
Eu poderia olhar para trás, para meu boletim vermelho, para a
ligação que vó Greta fez para mim aos berros, e ter me arrependido. Mas eu
não conseguia. Não quando Killian Di Angelis estava ao meu lado.
— A gente pode assistir ao musical e também podemos treinar
beijos técnicos — comentei, tentando amenizar o clima.
Os olhos de Killian pararam por um segundo na minha boca, e
depois voltaram a me encarar.
— Ok, você tem um bom argumento. Mas, e se eu reprovar? — ele
realmente estava preocupado.
— Killian, se a Kira passou em ética, você consegue passar em
teatro — falei, não para menosprezar minha amiga, pelo contrário, para
mostrar que, quando se tinha vontade, era possível alcançar o melhor.
— Kira teve um bom professor. Gus é um nerdola. Não é mais
virgem, mas continua nerdola — Killian comentou e eu sorri.
— Você pode não ter Gus, mas tem eu, que sou uma Miller e devo
ter neurônios em comum com meu irmão — falei, orgulhosa.
Eu havia entrado na Alpha Phi, certo? Como minha mãe e avó.
Deveria significar algo. Eles olhavam o histórico acadêmico e meu boletim
não era ruim. Eu não era só um rostinho bonito. Tinha passado nas outras
disciplinas do curso de teatro com êxito.
— Você também está no exame final, Candice. — Killian apontou o
indicador na minha direção.
— Isso é um mero detalhe — respondi, dando de ombros.
— Pensei que você iria me oferecer ajuda em Atuação I em troca de
eu ser seu namorado. Não era esse o acordo? Eu faria com que você
entrasse na irmandade e, em troca, você faria eu passar na matéria? Acho
que não foi um acordo muito justo.
Killian levantou uma sobrancelha, a camisa branca deixando seu
corpo bem definido, marcado. Ele era tão bonito que tive que me focar no
que estava dizendo, porque era fácil perder a concentração quando estava
tão perto.
— Você ganhou uma namorada. Isso é melhor do que qualquer nota.
— Você tem razão. — Killian me puxou pela cintura, me fazendo
sentar em seu colo.
— Ei, alguém pode entrar — falei, olhando para os lados, para
confirmar que não tinha nenhum cliente.
— Todos já sabem sobre nós. A quantidade de meninas tem
diminuído durante os treinos. Parece que boa parte do time já foi fisgado.
— Killian passou a mão na minha nuca, afastando meus cabelos para o lado
e dando um beijo ali.
Meu corpo inteiro arrepiou. Será que um dia iria me acostumar à
sensação de ter seus lábios em minha pele? E mais uma vez me forcei a
manter o controle e continuar uma conversa normal.
— As pessoas no Twitter ainda comentam sobre o defensor do Lynx
e a caloura de teatro. Alguns falam que somos lindos juntos; outros, não dão
um mês para a gente terminar — atualizei Killian sobre o que estavam
falando sobre nós. — Ainda é estranho saber que você não tem redes
sociais.
— Passei um ano sem e não fez diferença na minha vida.
Killian tinha comprado um celular novo. Um que não trouxesse
tantas lembranças dolorosas. Nossa foto dentro da cabine telefônica
continuava em sua tela de bloqueio e quase todos os dias ele me ligava só
para dizer oi.
— Vou sentir sua falta — declarei, me ajeitando sobre suas pernas,
virando meu tronco para encará-lo.
Com a formatura iminente, era questão de tempo que ele fosse para
New Jersey.
— Eu também, zuccherina — ele segurou meu rosto, os olhos
escuros fixos nos meus. — Eu te prometo que enquanto eu respirar, vou
fazer de tudo para voltar para Michigan. Meu sonho não é ir para o Red
Wings por causa de Kenny, e sim por causa de você. Para ficar perto de
você. Já passei tempo demais distante da minha fadinha.
— Vamos para casa? — perguntei, tocando sua testa com a minha,
sentindo seu cheiro invadindo cada poro meu.
— Eu já estou na minha casa — ele sussurrou, passando o polegar
na minha bochecha, as íris castanhas indo rapidamente para a minha boca.
Meu corpo todo aqueceu, suas palavras trazendo um conforto que eu
nem sabia ser possível. Meu celular vibrou dentro do bolso e eu me levantei
para ver uma mensagem de Kira, convidando para uma noite de filme.
— Kira quer assistir filmes natalinos. Embora Gus ainda não tenha
superado o trauma, ele faz tudo pela Kira, que é fã das películas regadas a
músicas da Mariah Carey. Arrume suas coisas, a gente pode estudar depois
do filme — falei, pegando minhas canetas e guardando-as dentro da minha
bolsa.
Quando Killian terminou de se arrumar, dei uma olhada na cozinha.
Tudo estava em seu devido lugar, sem copos térmicos espalhados ou livros
fora de ordem. "Icebreaker" voltou à estante depois que terminei de lê-lo, e
Killian e eu passamos uma tarde inteira discutindo sobre o livro.
Era fácil conversar com Killian. Ele escutava atentamente o que eu
tinha para falar, mesmo que isso envolvesse os namorados da Taylor Swift
ou algum filme de princesa. Ele ainda era o mesmo cara convencido, safado
e de mente poluída de sempre, e eu amava tudo isso.
— Você realmente vai me ensinar beijos técnicos ou é só uma
desculpa para me beijar? Porque tenho a impressão de que a professora Sara
não vai querer me ver enfiando a língua dentro da sua boca durante a
apresentação.
— Você é bobo, Di Angelis. — Levei meu cotovelo até suas costelas
e ele sorriu com meu gesto. — Vamos?
Seguimos até a Ômega Teta onde assistimos dois filmes seguidos e
depois treinamos O fantasma da Ópera até a exaustão. Os beijos técnicos
ficaram para depois, porque toda vez que chegávamos na cena do beijo, era
inevitável, beijávamos de verdade.
À medida que as horas passavam e estudávamos juntos em meio a
piadas, flertes e divertimento, percebi que a química entre nós era algo que
não podia ser explicado por fórmulas ou manuais. Era algo único, cheio de
descobertas.
E se um dia decidíssemos escrever um livro sobre nossas vidas, eu
tinha certeza de que não seria uma história de perfeição, mas sim uma
jornada cheia de aventuras e descobertas. Pensei que o título desse livro
poderia ser algo como "Um Manual da Química Imperfeita". E o desfecho
dessa história? Bem, como uma entusiasta de contos de fadas e histórias de
princesas, eu só poderia imaginar que teria um final feliz.
(2 ANOS DEPOIS)
CANDICE MILLER

Killian Di Angelis volta ao Michigan em grande estilo

O ex-jogador do Lynx Michigan surpreendeu ao aparecer na terça-


feira (31) na festa organizada por sua antiga casa, Ômega Teta. Vestido de
Super Mário, em uma jogada genial devido à sua descendência italiana, o
jogador do New Jersey Devils desfilou ao lado de sua Princesa “Peach”,
Candice Miller.
A festa ficou agitada, com calouros pedindo autógrafos, meninas
lançando sutiãs em direção ao astro da NHL, mesmo com a namorada ao
lado, e até mesmo um princípio de inundação por conta de um chuveiro
aberto (podemos excluir Ava Harrington como a causadora, uma vez que a
Rainha do Desastre não estava presente na festa).
Após o caos instalado, Killian Di Angelis e Candice Miller
deixaram a festa discretamente, deixando esta editora curiosa sobre para
onde foram com tanta pressa.
Acredito que ainda ouviremos falar desses nomes nos próximos
dias, e ficamos na expectativa de que o Lynx Michigan consiga jogadores
tão bons quanto na época de ouro, quando Killian era capitão e o time
conquistou o Frozen Four.
Kira Mori

— A Kira realmente tem jeito com a coisa — Killian falou,


segurando o celular, onde ele olhava o esboço do jornal que seria publicado
no dia seguinte.
Kira havia feito a matéria e nos enviado para darmos uma olhada.
Eu havia escolhido uma foto nossa, entre inúmeras que tiraram durante a
festa. Isso que dava ser amiga da editora chefe do jornal da universidade:
tinha acesso exclusivo antecipado às matérias que seriam publicadas.
Ele estacionou o carro em uma das vagas em frente a Yost Ice
Arena. Descemos do veículo e, de mão dadas, seguimos até dentro da
edificação.
— Sim, ela tem. Papai está todo orgulhoso da nora que tem e até
mesmo vovó Greta, com toda sua excentricidade, caiu de amores por Kira.
Para vó Greta, Kira foi uma das responsáveis por Gus ter conquistado o
Troféu Vezina.
Gus acabou indo para o New Jersey Devils, e virou companheiro de
time de Killian. Os melhores amigos não ficavam mesmo longe um do
outro.
— Preciso ter ciúmes? Nonna Greta também me ama, já seu pai
gostava de mim quando éramos apenas amigos. Depois que virei seu
namorado, ele não parece muito feliz — questionou, abrindo a portinha que
dava acesso ao rinque.
O ambiente vazio de nada parecia com o formigueiro humano que se
formava nos dias de jogos do Lynx.
— Você não pode culpá-lo. Você é um cara maior e mais forte que
ele. Como me protegerá se você me magoar? — sorri, passando a mão pelo
macacão do Super Mario que ele usava, o cap vermelho sobre os cabelos
deixava-o engraçado.
— Eu nunca vou te magoar — respondeu, me levando até o
vestiário e abrindo um dos armários que ficavam ali. Ele retirou dois pares
de patins, um para si próprio e outro para mim.
— Preciso me preocupar por você ter a chave de um armário aqui na
arena da universidade, mesmo depois de anos formado? — questionei,
erguendo uma sobrancelha.
— Subornei Paul Levine. — Ele deu de ombros, fazendo pouco
caso. — Virei seu menino de ouro. Conquistei o Frozen Four sendo capitão.
Consegui a arena e também patins para nós.
— Posso saber o que estamos fazendo aqui? — perguntei.
Eu sabia que algo estava estranho desde que Killian havia chegado
de viagem de New Jersey. Ele vinha a Michigan praticamente toda semana,
mas dessa vez quis ir em uma festa na sua antiga fraternidade. Quando
saímos da festa em direção à arena, questionei sobre o que estava
acontecendo e Killian só disse que estava com saudades de patinar. Mas não
parecia ser só isso.
— Quero ver se você melhorou na patinação. — Ele me entregou os
patins e voltamos para perto do rinque, onde enfiei-os nos pés com destreza.
Agora eu praticava com mais frequência. Às vezes, ia ao lago perto
da casa dos meus pais patinar sozinha; Outras, eu treinava com Gus. E
tinha, claro, os momentos que passava no rinque com Killian. Patinar já não
era difícil, não era doloroso e nem trazia lembranças ruins. Agora eu me
sentia mais livre. Tinha me encontrado na atuação, nas aulas sobre
produção teatral e até mesmo na disciplina de Direção teatral. Teatro era
minha cara e cada vez eu gostava mais de seguir aquele caminho.
Sim, eu ainda surtava quando tinha alguma apresentação ou prova.
Mas fazia parte. Ninguém disse que ser estudante seria fácil.
— Está pronta? — Killian questionou, estendendo a mão na minha
direção, e eu segurei seus dedos entre os meus, sentindo calor irradiando
entre nós, mesmo que ali estivesse um frio intenso.
— Vamos. Vou mostrar que sou melhor do que você. — Mostrei a
língua na sua direção, e assim que entrei no rinque, me soltei, correndo pela
pista, sentindo os patins deslizando, o atrito quase inexistente.
— Ei, você não tem como competir com um jogador da NHL.
— Um jogador da NHL faz isso? — Dei uma pirueta graciosa,
cravando o pouso com destreza.
Killian me olhou, surpreso, um sorriso se desenhando em seus
lábios bonitos.
— O que foi? — perguntei.
— Não sabia que precisava ver você vestida de princesa Peach
dando uma pirueta. — Ele se aproximou, o corpo maior e mais forte do que
era na universidade, ainda assim tão bonito, tão perfeito. — Foi quase tão
lindo quanto ver você de Tinker Bell fugindo do palco.
— Você nunca vai esquecer isso, né?
— Não enquanto eu viver. — Killian passou o braço ao meu redor e
me puxou para uma valsa.
Sim, ele ainda era muito habilidoso dançando sobre patins. Até
mesmo melhor do que quando dançamos no meio do shopping center dois
anos atrás. Ele ainda mantinha o sorriso conquistador, o calor irradiando
entre nós, e as piadas de sempre. Mas havia seus olhos, aqueles que sempre
faiscavam quando encontravam os meus, como se o desejo nunca
adormecesse. Como se, em sua visão, eu fosse a única pessoa no mundo.
— Lian, eu não sei o que faço com você. — Sorri de sua resposta.
Era impossível não se divertir com seu jeito bobo.
— Eu sei o que faz. Se acostuma, já que eu vou voltar para
Michigan.
— Quê? — Parei no mesmo instante, sem saber se tinha ouvido
direito.
— Recebi uma proposta do Red Wings — Killian disse, os olhos
fixos nos meus, as mãos indo até meu rosto. — É questão de tempo até eu
voltar para casa.
E eu soube que ele não estava falando sobre voltar para Michigan, e
sim sobre voltar para perto de mim. Meus olhos arderam com a informação,
depois do primeiro ano fora, eu meio que tinha perdido as esperanças de um
retorno rápido. Saber que Killian voltaria era como estar sonhando
acordada.
— Meu Deus! Isso é maravilhoso! — Envolvi seu pescoço com
meus braços e me deixei apoiar a cabeça em seu peito. Consegui sentir seu
coração tão acelerado quanto o meu.
— Eu fui à festa da Ômega Teta porque senti a necessidade de
agradecer a casa que fez tanto por mim. — Killian passou os braços por
minhas costas e acariciou minha pele sobre o vestido.
— Eu falei que ia voltar — comentou, sussurrando. — E eu cumpro
minhas promessas, zuccherina.
— Vou precisar comprar uma camisa do Red Wings — comentei,
feliz demais para dizer qualquer outra coisa. Ainda sem saber se a ficha
tinha caído.
Killian sorriu, deu uma gargalhada, curvou-se e depois beijou o topo
da minha cabeça.
— Eu vou lhe dar a minha, da mesma forma que dei quando saiu
dessa arena pela primeira vez. Lembra?
— Como poderia esquecer? Você ficou com ciúmes por eu usar a
camisa do meu irmão.
— Desculpas se sou um brutamontes possessivo. — Ele revirou os
olhos.
— Você é o meu brutamontes possessivo — respondi.
O sorriso morreu nos lábios de Killian e ele segurou minhas mãos.
Ele era tão alto que tive que inclinar meu pescoço para olhar seu rosto.
Alguns fios de cabelos caiam sobre o rosto, e eu me perguntei se ele ficaria
bonito com um bigode de verdade, que nem o Super Mario. Sim, ele ficaria.
Killian ficaria bonito de qualquer jeito.
— Quero fazer uma brincadeira com você. Topa?
Killian estava visivelmente nervoso. Ele olhou profundamente para
mim e questionou:
— Verdade ou desafio?
Sua pergunta me deixou intrigada. Não sabia o que ele estava
aprontando, mas resolvi entrar na sua brincadeira.
— Verdade.
— Candice Miller, há muitas coisas que gostaria de dizer a você,
mas uma delas é a mais importante. Eu sei que nosso último jogo de
verdade ou desafio não terminou bem, mas desde então, aconteceu muita
coisa. Nossos caminhos se cruzaram de novo, e eu não posso mais deixar
para depois o que eu realmente quero perguntar. Você se casaria comigo?
Esperei que fosse uma piada, ou mesmo que abrisse um sorriso
sarcástico. Esperei ele dizer que estava brincando. Mas Killian não estava,
porque levou uma das mãos até o bolso do macacão e de lá tirou uma
caixinha de joias.
— Lian... — com desenvoltura, ele se ajoelhou no rinque, fazendo
uma careta assim que sentiu o gelado da pista sobre sua roupa.
— E então, qual a verdade, zuccherina? Sim ou Não?
— Sim. Claro que sim! — Minhas mãos tremeram enquanto Killian
tentou enfiar o anel com uma pedra grande no meu dedo anelar.
As lágrimas vieram mesmo que eu tentasse impedi-las. Killian se
levantou e me deu um beijo casto. Sua boca tinha gosto de aconchego, de
calmaria e de serenidade. Eu poderia morar naquele beijo. Poderia passar a
eternidade em seus braços. Mas então a curiosidade me atingiu e tive que
me afastar.
— Espera aí. E se eu escolhesse desafio?
Killian sorriu e respondeu com um toque de divertimento.
— Então, eu teria desafiado você a se casar comigo.
Não consegui conter minha alegria. Ele realmente tinha pensado em
todas as possibilidades.
— E eu aceitaria o desafio.
— Tenho certeza de que sim. Candice Miller não foge de desafios.
— Ele olhou para os patins em meus pés e tirou um fio de cabelo do meu
rosto, colocando-o atrás da orelha.
— Sei que você é jovem e ainda está na universidade. Mas não
queria perder mais tempo. A cada viagem que eu fazia para New Jersey,
tinha certeza de que era aqui que eu queria estar. Se você preferir, podemos
nos casar depois que você se formar.
— Sim, é uma boa ideia. — Estava tão chocada com o pedido que
nem tinha percebido que ainda faltavam uns anos para me formar.
Tanto eu quanto Killian ainda éramos novos. Eu ainda tinha vinte
anos! Mas conseguia compreender Killian. A ideia de tempo era relativa.
Ele viu o irmão morrer no auge de sua vida e não queria deixar para depois
o que poderia fazer agora. Ele vivia intensamente e depois de eu fazer a
cirurgia no joelho também me sentia assim, como se tivesse que aproveitar
as oportunidades que a vida dava.
— Você acha que posso pedir sua mão para o Gus ao invés do seu
pai? — ele questionou, fazendo uma careta, interrompendo meus
pensamentos.
— Você está com medo do meu pai? — questionei, achando
divertido ver um homem daquele tamanho preocupado.
— Claro! A primeira vez que fui à sua casa depois que começamos
a namorar, seu pai me ofereceu creme de camarão!
— Ele não lembrava que você era alérgico. — Defendi meu velho,
ele poderia ser um pouco ciumento em relação a mim, mas jamais faria mal
de propósito a Killian.
— Não sei se caio nessa desculpa. — Killian cruzou os braços sobre
o peito, a cara emburrada, e tudo o que fiz foi gargalhar. Ele zangado
vestido de Super Mario era demais para mim.
— Você realmente pensou que seria uma boa ideia me pedir em
casamento vestido de Mario?
— Eu precisava ver você vestida de Peach. Meio que eu tinha um
fetiche nisso.
— Jura? Tipo, você tinha um tesão em me ver vestida de Peach?
— Na verdade, zuccherina, meu tesão mesmo é em te ver despida.
Independentemente do tipo de roupa você use. — Killian se aproximou,
uma mão pousando nas minhas costas, tocando o zíper do meu vestido. —
Primeiro nós fodemos enquanto você estava vestida de Bela. Então, eu
pensei: por que não fazemos disso uma tradição e trepamos enquanto está
de Peach?
— Aqui? — Olhei para os lados, mesmo sabendo que não teria
ninguém ali. Um arrepio cruzou minha pele e eu segurei um gemido só de
imaginar Killian me penetrando com força. — Mas... é frio!
— Lembra da nossa primeira viagem? Eu falei que te esquentaria
nem que fosse com meu corpo.
Ele segurou o zíper entre o polegar e o indicador e sua outra mão foi
até a minha, onde a pedra brilhante repousava sobre meu anelar.
— Que tal você cumprir sua promessa? — perguntei.
Killian inclinou o corpo, se abaixando para me beijar. Seus lábios
tocaram os meus suavamente, o gelado do piercing em seu nariz roçando
meu próprio nariz. Ele abriu o zíper sem pressa, como se saboreasse cada
detalhe daquela ação, depois abaixou uma manga do meu vestido, deixando
meu ombro exposto.
— Pode deixar que vou cumpri-la. Na verdade, vou aproveitar para
fazer outra promessa.
— É mesmo? E o que você vai me prometer agora? — questionei,
curiosa.
— Eu prometo ser fiel. — Ele beijou meu ombro. — Te amar e te
respeitar. — Tirou o meu vestido, deixando o tecido cair sobre o rinque e
segurou um dos meus seios, mordendo o outro mamilo. — Na alegria e na
tristeza. — Killian deixou uma trilha de beijos por minha barriga, chegando
até minha calcinha — Na saúde e na doença. — Ele se ajoelhou e tocou a
cicatriz em meu joelho com delicadeza. — Na riqueza e na pobreza. — E
então beijou os patins sobre meus pés. — Por todos os dias da nossa vida.
— Ele se levantou e voltou a beijar minha boca. — Até que a morte nos
separe.
Seus olhos escuros continham um brilho único. O mesmo brilho que
eu tinha visto no dia que nos encontramos na festa da Alpha Phi. Não
restava dúvidas, era o lampejo do desejo. Só que ali, vendo Killian tão
perto, percebi que tinha algo mais.
Ali, com os braços em volta do meu corpo, um sorriso gentil nos
lábios e com o rinque como testemunha, eu vi que Killian também tinha
amor.
Um amor que nenhuma reação química poderia explicar.
(7 ANOS DEPOIS)
KILLIAN DI ANGELIS
Eu nunca me acostumaria com a vitória. E não era porque eu
ganhava pouco. Pelo contrário, o Red Wings era o atual tricampeão da Copa
Stanley. Era porque a sensação de vencer um jogo na NHL era indescritível,
deixando-me sempre eufórico, mesmo que fosse a milésima vitória.
A adrenalina corria pelas minhas veias, tínhamos ganhado uma
partida importante, mas, mais do que isso, hoje eu estava empolgado com a
apresentação que ocorreria a poucos minutos. Mal havia saído do rinque,
entrando na zona de entrevista, quando um repórter me pegou para fazer um
repertório de perguntas.
De repente, fiquei cercado de câmeras e microfones. Boa parte dos
repórteres eram gente boa, mas havia aqueles que eram debochados,
fazendo perguntas sarcásticas. Eu, entretanto, estava acostumado.
— Killian, ótimo jogo esta noite. Você está brilhando na NHL. Qual
é o seu segredo? — Um dos repórteres sorriu, tentando parecer simpático,
mas eu sabia que ele era um dos caras que sempre queria que a gente desse
um vacilo.
Eu dei um sorriso igualmente sarcástico.
— Bem, é tudo graças ao meu café da manhã com cereal e à minha
cueca da sorte. Por favor, não comentem com a minha esposa, ou ela vai
jogar essa cueca velha fora — falei como se contasse um segredo e algumas
das pessoas ao redor sorriram. — Não tem mistério, só muita prática e um
pouco de sorte.
Ele não desistiu e puxou outra pergunta.
— E sobre o jogo contra os New York Rangers na próxima semana?
Vocês estão preparados para enfrentar um time tão forte?
Suspirei. Eu adorava falar sobre hóquei, mas hoje não era um dia
comum. Minha filhinha estava me esperando na escola. Ia fazer sua
primeira apresentação e eu não podia perder esse momento especial. Eu
precisava encerrar isso rapidamente.
— Ah, o Rangers é uma equipe formidável. Acho que deveríamos
trocar as marcas de barrinha de cereal antes do jogo para mantermos a
energia lá em cima — respondi, provocando risadas no local, andando
mesmo que o repórter continuasse querendo me entrevistar.
Por ali passavam jogadores, outros repórteres e mais uma infinidade
de pessoas ligadas à comissão técnica.
— Uma última pergunta, por favor.
Olhei para um dos relógios que ficavam em um painel de controle
próximo ao rinque e bufei, irritado. Eu não era a porra do Goku. Não
conseguiria me teletransportar para a escola, teria que pegar a porcaria do
meu carro e percorrer trinta quilômetros até lá. Mas não, o repórter não
parecia preocupado. A minha vontade era de empurrá-lo, como faria se ele
fosse um jogador adversário, e tive que me controlar. Pensei em Hope, em
como minha pequena era meu porto seguro, e em como eu não deveria
assassinar o infeliz que estava na minha frente, porque eu tinha que cuidar
dela e não ser preso.
— Por que você não faz sua pergunta para mim? — Connor surgiu
logo atrás, os braços cruzados sobre o peito musculoso, a aura de capitão do
time presente em cada milímetro de seu ser. — Ele precisa ir. A filha vai
fazer uma apresentação e não pode faltar.
Para minha surpresa, o repórter desfez a cara de quem chupou limão
e não gostou, abrindo um sorriso.
— Killian, uma última pergunta antes de você ir embora. Como
você se sente sobre ser um dos maiores jogadores da NHL e um pai
dedicado ao mesmo tempo?
Um sorriso genuíno se espalhou pelo meu rosto. Toda a raiva se
esvaiu em um segundo. Porque Hope era como seu nome dizia, um pedaço
de esperança na minha vida.
— Ser um jogador de hóquei é incrível, mas ser pai é o melhor título
que já ganhei. Agora, se vocês me dão licença, tenho um encontro com a
pequena Hope que está esperando para me mostrar sua performance. E eu
não quero perder isso por nada no mundo. Boa noite, pessoal.
— Quem ainda tiver alguma pergunta pode contar comigo. —
Connor chamou a responsabilidade e deu uma piscadela na minha direção.
— Obrigado, capitão. — Toquei seu ombro com gentileza. Era
gratificante mesmo depois de anos poder contar com ele não só como
colega de time, mas também como amigo.
No Detoit Red Wings, eu me sentia em casa, não só pela presença de
Connor, mas também a de Finnick. O time estava quase completo. Pensei
em Gus, morando a milhares de milhas dali, em New Jersey, mas sempre
que podia nos encontrávamos, afinal, ele e Kira eram padrinhos de Hope e
faziam questão de encontrá-la quando possível.
Deixei a zona de entrevista para trás, retirando os equipamentos no
caminho, ansioso para ver minha filhinha brilhar na escola. A NHL podia
esperar, mas a apresentação da Hope era o evento da noite.
Sai apressado, sem nem mesmo tirar a camisa do Red Wings. Não
tinha tempo para bobagens, não tinha tempo nem para respirar. Precisava
encontrar minhas duas garotas. Entrei no Jeep Wrangler Rubicon e pisei no
acelerador pela rodovia em direção ao Bloomfield Maples Montessori
School.
O trânsito não estava ruim naquela hora da noite e em pouco mais
de meia hora cheguei à escola. Estacionei de qualquer jeito, mesmo que
significasse que meu carro poderia ser levado pelo reboque, e saí correndo
até a entrada do edifício de cores claras.
Lá dentro, uma mulher loira chamou minha atenção. Ela era a
mulher mais linda do recinto. Com um vestido curto verde metalizado cheio
de flores amarelas, Candice abriu um sorriso ao me ver, mas, assim que me
aproximei, deu uma cotovelada nas minhas costelas.
— Ai! — protestei, fazendo uma careta.
— Você está atrasado — ela resmungou, os olhos claros me
fuzilando. — Não acredito que veio de uniforme.
— E ainda assim sou o mais bonito daqui.
— E também o mais convencido — ela falou, mas passou o braço
ao redor da minha cintura. — As pessoas estão te encarando. Tem um cara
ali que parece estar se coçando para pedir um autógrafo.
Virei o pescoço e vi o que Candice estava falando. Alguns
cochichavam de forma despretensiosa, como se eu não conseguisse
perceber que estavam falando de mim. Outros nem disfarçavam, com os
dedos e celulares apontados na minha direção. Ser famoso tinha seu preço a
pagar e, contanto que não mexessem com minha família, estava tudo bem.
Balancei a cabeça em um gesto de cumprimento na direção dos curiosos,
com um sorriso no rosto, e então direcionei minha atenção para o pequeno
palco improvisado que tinham montado no fundo da sala.
Crianças começaram a surgir em uma fila indiana. Eu pude
identificar um Willy Wonka, com um chapéu esquisito sobre os cabelos
escuros. Um SuperMan, a cueca do menino bem que parecia verdadeira. E
outras tantas variações de fantasias. E tinha ela. A garotinha vestida de
Tinker Bell. Os cabelos amarelos presos em um coque. O vestido verde
brilhoso chamando atenção por onde passava. E, claro, as pequenas asinhas
balançando de acordo com o movimento de seu corpo. Hope Di Angelis era
o ser mais fofo desse planeta e quem discordasse teria que se ver comigo
dentro de um ringue. Ou rinque. Eu acabaria com a pessoa em qualquer
lugar.
— Ela é tão linda — suspirei, como um pai babão que era desde
quando estava na barriga da mãe.
— Sim, ela é — Candice concordou, levando uma das mãos até o
coração e os olhos querendo marejar.
Zuccherina ainda era dramática. Mas eu poderia compreender, Hope
era a prova do nosso amor. Até eu tinha vontade de chorar, vendo que
minha garotinha já não era mais um bebê.
— Ela parece com você — encarei Candice para ver que Hope
realmente lembrava a mãe.
— Hope tem seus olhos escuros. Eu os amo. — Não sei se ela
estava falando dos meus olhos ou da nossa filha. Quem sabe dos dois!
Me lembrei de quando vi Candice com a mesma roupa de Tinker
Bell, eu ainda era tão novo, mas ali, na minha cabeça de criança, Candice
realmente parecia uma fada. Tão linda, tão perfeita e tão mágica.
E então veio a vontade de fazer xixi!
— Ei, você acha que existe a chance de Hope querer fazer xixi
durante a apresentação? — perguntei, olhando ao redor para ver se
encontrava um banheiro, caso ela precisasse.
— Seu bobo. — Candice deu um leve soco em meu peito e então
sorriu. — Claro que tem a chance, ela só tem três anos. Por via das dúvidas,
coloquei uma fralda nela. Nunca se sabe, né?
Gargalhei com a sua resposta. Candice ainda era a mesma. A mesma
que tinha espalhado para a escola sobre meu pau. A mesma que tinha
mentido para Kimberly dizendo que era minha namorada. A mesma que
tinha proposto um acordo, mesmo que não tivesse muito a oferecer. E,
mesmo depois de formada, mesmo depois que começou a dirigir suas
próprias peças e a atuar em alguns seriados da Netflix, ela ainda continuava
sendo a minha Candice.
— Eu te amo, zuccherina — sussurrei próximo ao seu ouvido.
— Eu te amo, Lian — ela comentou a mão indo até a minha, onde
nossos dedos se entrelaçaram.
Eu fechei os olhos por um segundo, me deixando mergulhar naquele
nome. Lian. O nome que agora não era só Candice que me chamava. Me
lembrei de Kenny e de como seus olhos escuros eram parecidos com os da
garotinha que, em cima do palco, rodava como se realmente fosse conseguir
voar. A garotinha que também me chamava de Lian. Papai Lian.
Hope acenou na minha direção assim que me viu, seu sorriso
radiante revelando todos os seus dentinhos. E, ao lado de Candice, olhando
nossa filha, eu percebi que não era nem o anjo nem o demônio que eu tinha
tatuado no meu corpo. Mas tinha encontrado meu próprio paraíso.
Não poderia deixar de começar agradecendo à Karen, Lola e Olívia,
pela parceria incrível, oportunidade e amizade. Vocês são incrivelmente
maravilhosas. É uma honra fazer parte de um time tão espetacular. Meu
muito obrigada!
Agradeço ao meu esposo, que cuidou da nossa filha para que eu
tivesse tempo de escrever esse livro. Você é a minha química imperfeita,
intensa, explosiva e tão certa. Te amo.
Obrigada a VOCÊ, que deu uma chance para mim. Espero que tenha
gostado dessa história, que tenha saído com um coração quentinho. Serei
eternamente grata por você acompanhar este livro. Que Candice e Killian
tenham trazido alegria para o seu coração. Saiba que sem você, NADA
disso seria possível!
Deixo meu obrigada à Julia Santiago que aguenta meus surtos e
sempre me dá conselhos incríveis. Agradeço também à Laiza de Oliveira,
minha amiga de coração e que sempre está por dentro das minhas histórias.
Meu muito obrigada à Tatiana e à Fran, por me apoiarem. Deixo minha
gratidão à Mariana Vaz, você por muitas vezes é minha bússola, guiando
para onde devo ir.
Gratidão à Ana Clara Noronha, minha beta linda, que fez eu
gargalhar alto com seus surtos e que fez de Killian seu favorito. Saiba que
ele também te ama.
Obrigada à minha mãe e irmã, que estão sempre de olho nas minhas
histórias. Obrigada também às minhas ilustradoras lindas. Que fizeram um
trabalho perfeito.
Não esqueça de fazer uma avaliação após a leitura. Seu feedback é
importante!
Quer saber o que vem aí nos volumes 3 e 4 da série Herdeiros do
Hóquei?
MANUAL DA APOSTA IMPERFEITA – KAREN SANTOS
Connor Parker estava no topo: o ala central da Universidade do
Michigan era capitão dos Linces, destaque da NCCA, com uma vaga
garantida em um time de Nova York e prestes a ganhar o Frozen Four, o
campeonato universitário de hóquei mais importante da liga. Mas quando
um incidente acontece, rapidamente a fama do bad boy da UMich
desmorona e ele precisa lutar para não perder a vaga no time e a bolsa de
estudos, e de quebra lidar com a entrada de seu nêmesis, Finnick Ryder
Colleman, em seu time, em sua mesma posição.
Como uma forma de vingança, Connor propõe uma aposta: seduzir a
namorada de Colleman.
Alice Banks está em seu primeiro ano e para conseguir pagar as
contas se torna tutora de matemática na UMich. Seu desafio? Fazer Connor
Parker aprender todas as disciplinas que ignorou durante os três primeiros
anos de UMich. O problema é que ela não gosta do jogador de hóquei
depois do acidente com seu melhor amigo, Finnick Colleman, de quem
corre o rumor que é namorada.
Mas as aulas entre Connor e Alice vão mostrar que os dois são
muito mais do que o esportista e a nerd, e que tem muito mais em comum -
além de uma grande atração - acontecendo entre os dois. E em meio a
festas, faculdade, hóquei e um campeonato de matemática, eles vão
descobrir que foram feitos um para o outro. Mesmo que para isso Connor
precise revelar todo o plano de sua "aposta imperfeita".
MANUAL DO CLICHÊ IMPERFEITO – LOLA BELLUCI
Opostos que se atraem :: Slow Burn :: Eles vão ter que trabalhar
juntos :: Ele se apaixona primeiro :: Nerd e popular.
Finnick Colleman, o novo astro do hóquei na Universidade do
Michigan, aparenta ter tudo: talento, beleza e a atenção das câmeras. No
entanto, por trás dos sorrisos ensaiados, existem mais segredos do que se
pode esperar e um passado conturbado.
Ava Harrington é uma caloura com um plano, ou melhor, com uma
lista.
Há muitas coisas que ela nunca teve coragem de fazer e longe dos
holofotes que perseguem sua família, a universidade é o lugar perfeito para
deixar o título de “princesinha número 5” para trás e assumir uma nova
personalidade.
Passo número 1? Perder a virgindade.
No entanto, graças a sua natureza atrapalhada, dois dias no campus
são o suficiente para Ava receber mesmo um novo título, bem pior do que o
primeiro, e que coloca seus planos em risco.
O bad boy do hóquei e a rainha do desastre não tinham nada em
comum, até um trabalho em dupla colocá-los lado a lado, e uma lista
perdida, encontrada e devolvida com uma proposta inusitada, colocá-los na
mesma cama.
Ela é virgem, ele um cafajeste.
Ela prefere o silêncio, ele está acostumado ao som da multidão.
Ela luta para ser invisível, ele só que ser visto.
A única coisa em que eles concordam é em não querer ser um
clichê.
O acordo é simples: riscar os itens da lista, um a um, mas há regras.
A primeira? Não se apaixonar no processo.
No que será que eles vão falhar primeiro?
Ainda não leu o volume 1 da série Herdeiros do Hóquei?
MANUAL DA CONQUISTA IMPERFEITA – OLIVIA UVIPLAIS
Augustus Miller tem um segredo. Bem, não é exatamente um
segredo. Uma fofoca inventada levou a outra e, de repente, o goleiro golden
boy do Michigan Lyons é considerado o maior pegador do campus. O que
não seria um problema se não fosse por um pequeno detalhe: Gus é virgem.
Kira Mori está indo mal na faculdade. Muito mal mesmo. Prestes a
reprovar em Ética 101, parando de ir a festas para estudar, desinstalando o
Tinder para se concentrar e prestando mais atenção nas aulas do que nas
fofocas da cafeteria, ela precisa de um professor particular.
E Gus, o melhor de todos, não está disponível.
O mundo da caloura extrovertida e do geek astro do hóquei jamais
se tocariam se não fosse pela vodka, a vontade de Kira em ajudar os
embriagados e a tendência de Gus de contar segredos quando está bêbado.
E, de repente, um acordo é feito.
Gus ensina teorias da Ética.
Kira ensina a arte da conquista.
Aprender nunca foi tão divertido. E delicioso.

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