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Leituras

Complementares
de Os Lusíadas

Canto II
Índice
1. E da casa marítima secreta lhe estava o Deus 8
Noturno a porta abrindo...

2. Cortado tens de Netuno o reino e salsa via... 10

3. Mas aquele que sempre a mocidade tem no 13


rosto perpétua...

4. Apareceu no rúbido horizonte da moça de Titão 17


a roxa fronte...

5. Mas a linda Ericina... 19

6. Convoca as alvas filhas de Nereu... 22

7. Nos ombros de um Tritão... 25

8. Para onde estava o Padre se moveu... 27

9. Perdeu, vendo Diana na água clara... 31

10. Ciúmes em Vulcano... 35

11. Outro novo Cupido se gerara... 41

12. O facundo Ulisses escapou de ser na Ogígia ilha 44


eterno escravo....

13. De Cila e Caríbdis o mar bravo... 48


14. Do falso Mahamede ao Céu blafesma. 55

15. O consagrado Filho de Maia... 58

16. O hospício que o cru Diomedes dava... 62

17. As aras de Busíris infamado... 64

18. No Roubador da Europa... 70

19. A luz Febéia (o filho de Latona)... 78

20. Que teve o perdido Ítaco em Alcino... 86

21. O arco rutilante da bela Ninfa, filha de Taumante... 91

22. Dos ventos hórridos de Éolo... 93

23. Cometeram soberbos os Gigantes o Olimpo claro 96


e puro...

24. Tentou Pirítoo e Teseu o reino de Plutão... 99


Como utilizar
o material?

Q uando iniciamos a leitura de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, deparamo-

nos com inúmeras dificuldades, dentre as quais a falta de conhecimento

das referências históricas e míticas é a que mais nos faz gastar tempo. É verdade

que já deveríamos saber quem foram aqueles varões ilustres de Portugal, citados

incansavelmente por Camões ao longo de todos os cantos da obra; que deveríamos já

conhecer todas aquelas divindades principais da mitologia greco-romana, que carregam

em si interpretações simbólicas da realidade e servem como recurso de adorno literário

para a poesia épica; que o autor esperava que seus leitores reconhecessem ao menos os

heróis da história da humanidade, que se imortalizaram por meio de suas obras valerosas.

Contudo, a realidade não é essa.

Recorremos aos comentários de outros estudiosos de Camões para que as

referências citadas pelo poeta não nos sejam apresentadas em vão. Sabemos, no

entanto, que não basta apenas ler que o sábio Grego que se encontra nas primeiras

estrofes do Canto I fora o Odisseu, da afamada Odisseia de Homero. Por que Ulisses

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 4


é tido por sábio? Quais foram os motivos que levaram Camões a citá-lo logo no início

de sua epopeia?

Os comentários às referências não nos fazem conhecer aquelas personagens,

mas apenas os nomes delas; e, assim, se não formos atrás de textos que nos façam

criar intimidade com elas, nossa falta de conhecimentos históricos e culturais nunca

será suprida.

Tendo isso em vista, o Leituras Complementares de Os Lusíadas foi feito. Através

desse material, o leitor poderá conhecer de fato as principais referências de Os

Lusíadas por meio de textos que são focados nos aspectos mais importantes de cada

personagem para a leitura da obra. Se Ulisses é sábio, o leitor encontrará textos que

realçam essa qualidade; se Alexandre, o Grande, é citado por suas conquistas, o leitor

saberá por que elas lhe concedem tanta glória.

É claro que houve uma seleção das referências que se encontram neste canto:

algumas serão explicadas pelo próprio poema, em episódios narrados por Camões;

para outras, bastam apenas os comentários de alguma edição de Os Lusíadas que os

contenha; por fim, algumas divindades míticas aparecerão com mais frequência na

própria obra, o que dispensa outras apresentações.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 5


Sugestões de
exercícios com os
textos do material

PARÁFRASE ORAL: a criança, após o término da leitura, pode recontar com suas próprias

palavras o que se narra no texto, quais os seus detalhes, as personagens principais, o

que mais lhe pareceu interessante, entre outros.

PARÁFRASE ESCRITA: a paráfrase escrita é igual ao exercício anterior, mas, agora, a

criança escreve aquilo que leu, com suas próprias palavras, sem consultar o texto já

estudado.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 6


EXERCÍCIOS DE MEMÓRIA RECENTE: neste exercício, ela pode ler um parágrafo e,

após a leitura, sem consultar o texto, fazer uma paráfrase oral do que leu para o professor.

PESQUISA DE PALAVRAS NO DICIONÁRIO: neste material, há textos escritos por

autores muito bons, e portanto mais exigentes. Através deles, a criança pode aumentar o

número de palavras conhecidas a partir da pesquisa no dicionário e cópia do significado

delas.

MEMORIZAÇÃO DOS POEMAS OU DE TRECHOS: com um esforço que exige da

concentração e da vontade, a criança pode memorizar poemas ou trechos dos textos

que tenham despertado nela interesse e comoção.

CÓPIA ESCRITA: para que a criança domine a ortografia da língua portuguesa, é

necessário que esteja atenta à forma de escrita das palavras. Através da cópia de textos,

ela pode ser corrigida em seus eventuais erros ortográficos; assim, se lembrará da

correção feita e aprenderá a escrever corretamente as palavras que estão nos textos

lidos por ela.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 7


Érebo
Érebo e a Criação segundo os Mitos

Érebo e a Criação
segundo os Mitos
(Mitos Gregos – Robert Graves)

R eza a lenda que primeiro foi a Escuridão, e da Escuridão surgiu o Caos. Da

união entre a Escuridão e o Caos surgiram a Noite, o Dia, Érebo e o Ar.

Da união entre a Noite e Érebo surgiram o Destino, a Velhice, a Morte, o Assassinato,

a Moderação, o Sono, os Sonhos, a Discórdia, a Miséria, a Aflição, Nêmesis, a Alegria, a

Amizade, a Misericórdia, as três Parcas e as três Hespérides.

Da união entre o Ar e o Dia surgiram a Mãe Terra, o Céu e o Mar. Da união entre o

Ar e a Mãe Terra surgiram o Terror, o Ofício, a Raiva, a Luta, as Mentiras, os Juramentos,

a Vingança, a Intemperança, a Altercação, o Pacto, o Esquecimento, o Medo, o Orgulho,

a Batalha e também Oceano, Métis e outros titãs, o Tártaro e as três Erínias, ou Fúrias.

Da união entre a Terra e o Tártaro surgiram os gigantes.

Da união entre o Mar e seus Rios surgiram as nereidas. Mas, até então, não havia

mortais, de maneira que, com o consentimento da deusa Atena, Prometeu, filho de

Jápeto, formou-os à semelhança dos deuses. Utilizou-se de barro e água de Panopeus

na Fócida, e Atena insuflou vida neles.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 9


Netuno ou
Poseidon
Netuno ou Poseidon

Netuno ou Poseidon
(Mitos Gregos – Robert Graves)

Z eus, Poseidon e Hades, após destronarem seu pai Cronos, tiraram a sorte

num elmo para decidir quem governaria o céu, o mar e o lúgubre mundo

subterrâneo, deixando a terra como domínio de todos. Zeus ganhou o céu; Hades, o

mundo subterrâneo; E Poseidon, o mar. Este último, igual a seu irmão Zeus em dignidade

mas não em poder, e sendo de natureza áspera e combativa, pôs-se imediatamente a

construir seu palácio submarino perto de Aegae, na Eubeia. Em seus espaçosos estábulos

guardava cavalos brancos de tração, com cascos de bronze e crinas douradas, e um carro

de ouro que fazia com que, ao se aproximarem, os ventos de tempestade cessassem de

imediato, e em torno do qual os monstros marinhos se alçavam e davam cabriolas.

Como necessitasse de uma esposa que se sentisse em casa nas profundezas do mar,

ele cortejou a nereida Tétis. Mas quando Têmis profetizou que qualquer filho nascido

de Tétis seria superior ao pai, ele desistiu e permitiu que ela se casasse com um mortal

chamado Peleu. Então tentou se aproximar de outra nereida, Anfitrite, mas causou-

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 11


Netuno ou Poseidon

lhe tanta repugnância que ela acabou fugindo na direção do monte Atlas. Contudo,

Poseidon enviou mensageiros no seu encalço. Um deles, chamado Delfim, defendeu

com tanta arte a causa de Poseidon que ela acabou cedendo, e pediu-lhe que cuidasse

dos preparativos para o casamento. Em agradecimento, Poseidon colocou a imagem de

Delfim entre as estrelas, que é agora a constelação do Delfim.

[...] Presume-se ter sido ele o criador do cavalo, ainda que alguns digam que, logo

depois de seu nascimento, Reia tenha dado um cavalo a Cronos para que o comesse no

lugar da criança. Também se atribui a Poseidon a invenção das rédeas, apesar de Atena

já as ter inventado antes. Mas do que ninguém duvida é que foi ele quem instituiu

as corridas de cavalo. Sem dúvida, os cavalos são consagrados a ele, talvez

por causa de sua perseguição amorosa a Deméter, enquanto

ela buscava, aos prantos, sua filha Perséfone. Diz-se que

Deméter, exausta e abatida pela busca e sem nenhum

desejo de flertar com deuses ou titãs, transformou-se

numa égua e começou a pastar junto com a manada de um

certo Onco, filho de Apolo que reinava em Telpusa, na

Arcádia. Contudo, ela não conseguiu enganar Poseidon,

que, por sua vez, transformou-se num garanhão e a

cobriu, e dessa vergonhosa nasceram a ninfa Despina

e o cavalo selvagem Árion. A ira de deméter foi tão

intensa que ela ainda é venerada, no culto local, como

“Deméter, a Fúria”.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 12


Baco ou
Dioniso
Baco ou Dioniso

(Adaptado de Mitos Gregos – Robert Graves)

O Nascimento de Baco

A história mais difundida do nascimento de Baco conta que Zeus, disfarçado

de mortal, uniu-se a Sêmele, filha do rei Cadmo de Tebas. A ciumenta Juno,

revestida das feições de uma velha ama de Sêmele, Béroe, recomendou à jovem, já

grávida de seis meses, que exigisse de seu misterioso amante uma prova de verdadeiro

amor: que lhe revelasse sua verdadeira forma e natureza. Senão, como poderia ela ter

certeza de que ele não era um monstro? Sêmele acatou o conselho e, diante da recusa

de Zeus a seu apelo, passou a proibi-lo de visitar a sua casa. Ele, então, furioso, surgiu na

forma de trovão e raio, fulminando-a. Mas Mercúrio conseguiu salvar o filho que estava

no sexto mês de gestação e o costurou dentro da coxa de Zeus, para que ali maturasse

por mais três meses. No tempo devido, ele nasceu. Por isso Baco é chamado de “nascido

duas vezes” ou “a criança da porta dupla”. Explica-se esta circunstância dizendo que a

criança foi criada sobre uma montanha da Índia chamada Meros, palavra que na língua

grega significa barriga da perna. Assim, renascido de Zeus, Baco torna-se imortal.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 14


Baco ou Dioniso

A infância de Baco
(Mitologia – Albino Pereira Magno)

A lgum tempo depois, o pequeno Baco saiu do seu esconderijo e foi confiado

aos cuidados da sua velha tia Ino, que lhe deu por amas as Ninfas e as Horas,

e mais tarde um agricultor chamado Sileno encarregou-o da sua educação e ensinou-lhe

a cultura da vinha. Juno, tendo descoberto onde se ocultava a criança, perseguiu-a para

não escapar à sua vingança.

Um dia Baco, muito fatigado, adormeceu à sombra de uma árvore. Juno mandou-

lhe uma enorme serpente de duas cabeças. Ao ruído feito por este animal, Baco acordou

e teve tempo de o estrangular. Outra vez, Juno feriu-o de loucura, e Baco pôs-se a

correr o mundo até à Frígia, onde Cibele o curou. Ainda escapou a outro perigo: tinha

adormecido na ilha de Naxos, quando os piratas tírios, inspirados por Juno, vieram roubá-

lo e prendê-lo; mas o deus, despertando, quebrou os laços e na sua cólera transformou

os piratas em delfins.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 15


Baco ou Dioniso

As conquistas de
Baco no Oriente
(Mitologia – Albino Pereira Magno)

B aco, entretanto, cresceu, e, depois de ter ajudado Júpiter duma maneira

gloriosa a vencer os gigantes, resolveu fazer-se herói e ultrapassar a glória

dos mais ilustres conquistadores. Os seus projetos de conquistas nada tinham de terrível

e de sanguinário – o seu único desejo era levar a civilização e a arte de fazer o vinho

às regiões mais remotas. Partiu, pois, para as Índias acompanhado do velho Sileno e

dum grupo de homens e de mulheres armados de tirsos (lança ou dardo ornado de era e

pâmpano, terminado em pinha) e de tambores.

Baco ia no seu carro puxado por dois tigres, levava a cabeça coroada de era e

de pâmpano e um tirso lhe servia de cetro. O exército civilizador chegou finalmente

à terra desejada, que em pouco tempo foi submetida ao suave e pacífico domínio do

deus das vindimas, e as nações vizinhas vieram, de sua livre vontade, submeter-se à sua

lei. Depois de lhes ter ensinado a arte de cultivar a vinha, depois de ter estabelecido

por toda a parte a mais perfeita harmonia, Baco embarcou levando consigo o amor e a

saudade dos povos que havia conquistado.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 16


Aurora
Aurora

(Mitologia – Albino Pereira Magno)

A urora, filha do Sol, presidia ao nascimento do dia. Era uma donzela

deslumbrante, com os dedos rosados, com um vestido cor de açafrão,

envolvida em nuvens diáfanas, saindo todas as manhãs de um palácio brilhante como o

ouro num carro cor de fogo puxado por quatro cavalos brancos.

Em volta da roda desse carro, dando-se as mãos, estão as Horas. Amou

ternissimamente Titão, príncipe e mancebo célebre pela sua formosura, de quem teve

um filho, a que chamou Mênon. A paixão para com aquele príncipe foi tão grande, que

havendo-lhe proposto lhe pedisse à vontade qualquer cousa em penhor da sua afeição,

conseguiu uma prolongada vida até que chegou a uma extrema velhice em que foi

convertido em cigarra por Júpiter que lhe deu a imortalidade.

A Aurora abre as portas do céu anuncia todas as madrugadas a vinda de seu pai.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 18


Vênus ou
Afrodite
Vênus ou Afrodite

(Mitologia – Albino Pereira Magno)

O s pagãos, como já vimos, tinham personificado não somente os fenômenos

da natureza, mas também as faculdades físicas ou intelectuais do homem, as

suas virtudes e os seus vícios, as suas qualidades e excentricidades. A beleza foi também

divinizada e a esta nova divindade chamaram os latinos Vênus, os gregos Afrodite, isto é

nascida da espuma. Vênus era filha do Céu e do Mar, contando-se o seu nascimento pelo

seguinte modo:

Urano, tendo sido ferido por Saturno, algumas gotas do seu sangue caindo no

Oceano, imediatamente se formaram flocos de espuma branca como a neve, e dentre as

ondas viu-se então sair uma donzela duma beleza arrebatadora, embalada pelas vagas e

acariciada pelo suave sopro dos zéfiros. Os Tritões e as divindades do mar colocaram-na

sobre uma grande concha e foram depô-la na Ilha de Chipre.

Assentada na praia, sacudiu a sua longa cabelereira toda molhada espalhando

suaves perfumes. Coroada de rosas subiu, brilhante e radiosa, para o Olimpo. À sua

chegada, a admiração foi grande e geral. Júpiter adotou-a por sua filha e colocou-a no

trono ao lado das outras deusas. Todos os deuses a cobiçaram para esposa, mas foram

todos repelidos, só Vulcano, que não se tinha manifestado por causa da sua deformidade

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 20


Vênus ou Afrodite

e da sua fealdade, foi preferido a todos os seus rivais por vontade soberana de Júpiter.

O casamento de Vênus com Vulcano, o mais disforme dos deuses, significa que o império

da beleza se estende mesmo àqueles que não têm o dom de agradar.

Julgamento de Páris

P ouco tempo depois, um acontecimento imprevisto veio perturbar as alegrias

no Olimpo. Todos os deuses assistiam às bodas de Tétis e Peleu. No meio do

banquete, a deusa Discórdia, que não tinha sido convidada, querendo vingar-se desta

afronta, atirou para cima da mesa uma maçã de ouro com esta inscrição: “Para a mais

bela”. Todas as deusas quiseram apoderar-se da maçã, mas Júpiter interveio e entregou

a decisão desta importante polêmica a um pastor da Frígia chamado Páris, célebre pela

sua beleza, sabedoria e inteligência. Páris era filho de Príamo, rei de Tróia, e guardava os

rebanhos de seu pai no monte Ida.

As pretensões das outras deusas foram julgadas improcedentes, ficando apenas

três rivais, Juno, Minerva e Vênus, que compareceram perante o julgador: Juno e Minerva,

para conseguirem vencer, prometeram a Páris, uma, honras e riquezas, a outra, sabedoria

e virtude; Vênus nada prometeu, mas o seu porte nobre e decente, o seu sorriso cheio de

graça e a doçura dos seus olhos encantaram o jovem troiano que lhe deu o prêmio da beleza.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 21


Nereu
Nereu

(Mitologia – Albino Pereira Magno)

A imensa extensão das águas em breve se encontrou povoada duma multidão

de seres de formas estranhas, criadas ao capricho dos poetas, que deles

fizeram divindades secundárias.

Nereu, filho do Oceano e de Tétis, desposou Dóris, sua irmã. Desta união nasceram

as Nereidas, ninfas do mar, especialmente honradas pelos marinheiros, porque elas

tinham o poder de aplacar as tempestades. Pelas costas do mar Egeu estavam espalhadas

pequenas capelas levantadas em honra das Nereidas e ornadas de conchas e de ramos

verdes. Sacrificavam-lhes algumas vezes cabras brancas e ofereciam-lhes também leite,

mel e azeite. Representavam-nas sob a forma de graciosas donzelas, com os compridos

cabelos esmaltados de pérolas.

Nereu recebera dos deuses o dom de profecia e o poder de se transformar à sua

vontade para escapar aos importunos que vinham consultá-lo sobre o futuro.

Predisse ao troiano Páris os males que o rapto de Helena devia trazer sobre a

cidade de Tróia. Foi ainda ele que fez conhecer a Hércules os meios de se apoderar dos

pomos de ouro do jardim das Hespérides. Representavam Nereu sob a figura de um

velho de longa barba azulada e rodeado das suas filhas, dançando em coro.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 23


Nereu

Nereidas

A s suas filhas, notáveis pela graça dos seus movimentos e beleza das suas

feições, constituíam o ornamento do cortejo de Netuno. Os heróis desejavam

a aliança destas graciosas divindades, personificação das vagas e das ondas, e que, pela

graça dos seus movimentos e brilho variado das suas cores, feriram a imaginação dos

povos vizinhos do mar.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 24


Tritão
Tritão

(Mitologia – Albino Pereira Magno)

T ritão, filho de Netuno e de Anfitrite, meio homem, meio peixe, era o mensageiro

e o arauto de Netuno, cujo carro ele precedia, fazendo sair do fundo das águas

toda a população marinha, ao ruído terrível do seu búzio. Como Nereu, era considerado

um sábio do mar por sua sabedoria e conhecimento dos acontecimentos futuros. A fim

de cumprir com mais rapidez as mensagens do seu soberano, deram-lhe uma legião

de tritões inferiores, encarregados de levarem as ordens do deus dos mares a todas as

potências deste vasto império. Eram representados com uma longa cabeleira azuladas,

orelhas grandes, olhos azuis, mãos com garras, braços em forma de barbatanas e o

peito coberto de ervas marinhas; o resto do

corpo terminava em forma de peixe. Tinha,

também, o poder peculiar de mudar à

vontade sua forma.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 26


Júpiter
Júpiter

(Mitologia – Albino Pereira Magno)

Júpiter histórico

H avia na Tessália uma alta montanha chamada Olimpo. O seu cume estava

sempre coberto de neves e nos seus flancos abrigavam-se todos os

salteadores daquela região.

Um rei da Tessália chamado Júpiter, dotado de uma audácia e de uma força

extraordinária, exterminou-os a todos e, para pôr o país a coberto das incursões de

semelhantes aventureiros, construiu num dos mais elevados picos destes montes uma

formidável fortaleza; alargando o seu poder e os seus domínios, não podendo governar

sozinho os seus vastos estados, dividiu-os pelos seus irmãos Netuno e Plutão; guardou

para si a parte oriental, a ocidental rica em minas de ouro e de prata deu-a Plutão e a

Netuno concedeu-lhe as ilhas dispersas pelo mar.

Os poetas apoderaram-se desta lenda histórica, desfiguraram-na obedecendo

à sua caprichosa vontade, fizeram de Júpiter o rei do céu e do monte Olimpo a sua

habitação celeste, de Netuno o deus dos mares e de Plutão o dos infernos.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 28


Júpiter

Júpiter, sua infância e


educação
J úpiter, o mais poderoso dos deuses, o senhor do céu e da terra, era, segundo

a fábula, filho de Saturno e de Cibeles. Sua mãe, para o subtrair à voracidade

de Saturno, escondeu-o numa ilha do Mediterrâneo, ilha de Creta, e confiou-o à guarda

dos seus sacerdotes, chamados Curetes, Coribantes, Idéas, ou Dáctilos; com receio de

que os vagidos da criança denunciassem o seu esconderijo, ordenou aos sacerdotes que

dançassem fazendo acompanhar a dança com estrondosos

gritos, toques de tambores e de escudos uns nos outros;

a esta cadência de escudos chamavam eles dáctilo.

Júpiter e
Amaltéia
U ma ninfa chamada Amaltéia foi transformada em uma

cabra branca para amamentar o pequeno deus, duas

outras ninfas chamadas Melissas foram encarregadas de o criar.

Conta-se que um dia a cabra sagrada, saltando nos bosques,

quebrara um chavelho; Júpiter presenteara as ninfas que cuidaram

da sua infância com esse chavelho, dando-lhe a virtude de produzir

tudo o que elas desejassem: é o chavelho da abundância tão

celebrado dos poetas.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 29


Júpiter

Já crescido...
J úpiter crescendo tornou-se vigoroso e forte, pôde então tomar a defesa de

seu pai Saturno, que os Titãs tinham destronado e encarcerado; nem sempre,

porém, se mostrou filho submisso e dedicado, porque expulsou seu pai do céu. Tornado

senhor supremo de um império usurpado, repartiu esse império com os irmãos; Netuno

ficou sendo o soberano dos mares, dos rios e das fontes; Plutão do Tártaro, do Inferno e

do Érebo; Júpiter reservou para si o Céu.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 30


Diana ou
Ártemis
Diana ou Ártemis

(Mitologia – Albino Pereira Magno)

D iana, irmã de Apolo, era filha de Júpiter e de Latona. O triste destino de sua

mãe lançara a sua alma numa profunda melancolia e dera-lhe uma grande

aversão ao casamento, pelo que fez voto de castidade; escolhia de preferência os retiros,

a solidão dos bosques, a sombra e o silêncio das noites para sua habitação.

Teve três cargos distintos: presidir às florestas e à caça; alumiar o mundo durante

a noite; vigiar as almas nos infernos: Diana caçadora ou Artemisa na terra; Diana, a lua

ou Febe, no céu; Diana a tenebrosa, a guarda dos infernos, também chamada Hecate.

Diana caçadora habita os bosques, as montanhas e as costas do mar; calçando

um coturno, vestindo uma leve túnica, aos ombros um carcaz (aljava das setas), na mão

um arco, seguida de oitenta ninfas, que tomam cuidado da sua matilha de cães e das

suas armas, percorre as florestas caçando e à tarde, assentada à beira-mar, deita as suas

redes. Esta deusa dotada de um caráter irascível e vingativo fez sentir mais duma vez os

efeitos da sua cólera aos imprudentes que se atreveram a provocá-la.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 32


Diana ou Ártemis

Vinganças de Diana
U m hábil caçador chamado Ácteon percorria incessantemente os bosques e as

montanhas, os vales e as planícies para surpreender os animais e caçá-los. Um

dia, perseguindo com ardor um javali, perdeu-se na floresta e achou-se por acaso à borda

de um lado, onde Diana com as suas ninfas se banhavam e repousavam das fadigas do

dia. Irritada por ser assim surpreendida, atirou ao rosto do caçador uma porção de água;

Ácteon fugiu, mas foi transformado em veado e no mesmo momento os seus cães, não

o reconhecendo sob aquela forma, atiraram-se a ele e despedaçaram-no às dentadas.

Diana, numa das suas corridas, encontrou outro caçador, a

quem deu morte não menos deplorável, seu nome era Órion.

Órion era filho de um homem muito pobre e velho.

Na época em que os deuses visitavam a terra, Júpiter,

Netuno e Minerva vieram pedir hospitalidade a este

velho, que os acolheu com bondade, matando para

eles o único boi que possuía. Os deuses reconhecidos

prometeram conceder-lhe o que pedisse. Pediu um filho,

e o seu pedido foi logo satisfeito: os deuses, amassando

um pouco de barro, meteram o barro na pele do boi e

horas depois saiu da pele o jovem Órion, a mais bonita

das crianças. A sua estatura era a de um gigante, os

seus exercícios mais favoritos, a caça e a pesca.

Diana, invejosa da muita habilidade do jovem

Órion, vendo-o um dia deitar as suas redes ao mar, quis

dar uma prova da sua destreza na presença de Apolo, que

a desafiara, e retesando o seu arco feriu mortalmente o

jovem caçador.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 33


Diana ou Ártemis

Confusa e arrependida deste ato de crueldade, obteve de Júpiter a permissão

de suspender o corpo da sua vítima na abóbada celeste, onde forma uma das mais

brilhantes constelações. Outros dizem que Órion morreu com a picada de um escorpião.

Templo de Diana

O seu templo em Éfeso era uma obra-prima de arquitetura e uma das sete

maravilhas do mundo. Todos os povos iam ali levar as suas oferendas; a Ásia inteira ali

depusera os seus tesouros e lhe consagrara cem anos de trabalho. No dia do nascimento

de Alexandre Magno, um louco de nome Heróstrato, para imortalizar o seu nome, deitou

fogo a este suntuoso edifício.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 34


Vulcano
ou
Hefesto
Vulcano ou Hefesto

Vulcano ou Hefesto,
deus das forjas
(As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica – Gustav Schwab)

H efesto (em latim Vulcanus) era o filho de Zeus (Júpiter) e de Hera (Juno). Veio

a o mundo manco e feio, e por isto foi atirado por Hera do Olimpo ao mar. A

nereida Tétis o abrigou, apiedada, e cuidou dele. Quando cresceu, logo deu mostras de

grande habilidade. Para sua mãe Hera ele construiu um trono de ouro, enviando-o a ela

como presente. E quando ela se sentou ali, não pôde mais levantar-se, pois engenhosas

correntes a mantinham presa, e ninguém foi capaz de soltá-la. Hefesto então foi

chamado, mas ele nem pensava em ir para lá.

Foi só Dioniso, o deus do vinho, quem conseguiu enganá-lo. Deu-lhe vinho para

beber, e embriagado e encorajado pela bebida, Hefesto decidiu voltar ao Olimpo.

Tornou-se o deus do fogo e de todas as artes e ofícios que fazem uso deste elemento,

em particular dos fundidores de bronze. Construiu o palácio dos deuses no Olimpo, fez

a égide de Zeus, uma armadura artisticamente elaborada, que depois Atena usou, e o

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 36


Vulcano ou Hefesto

cetro, símbolo de seu poder soberano, além de muitas outras obras de arte. Por causa

de seu trabalho, ele sempre tinha uma aparência robusta, e ainda que mancasse e fosse

feio, conquistou como esposa a mais bela das deusas, Afrodite. Mas esta não lhe foi fiel.

Apaixonada por Ares, uma vez ela foi surpreendida por Hefesto, que envolveu ambos

com uma teia de ouro, sem que eles o percebessem, e então chamou todos os deuses

para ver os dois amantes, provocando muita risada.

Sua oficina situava-se no Olimpo, sob o vulcão Etna, onde ele trabalhava juntamente

com os seus companheiros, os ciclopes, e forjava os raios para Zeus.

O Nascimento de
Vulcano
(Adaptado de As 100 Melhores Histórias da Mitologia, A.S. Franchini/Carmen Seganfredo)

J uno, esposa de Júpiter, descobriu um dia que estava grávida.

- Meu primeiro filho! – dizia ela, orgulhosa, a todo instante.

O Olimpo inteiro aguardava com ansiedade irreprimível o nascimento do

primogênito de Júpiter. Que tal seria? Teria a audácia viril do pai ou a beleza austera da

mãe? E que inclinações traria do ventre? O gosto pelas batalhas? O pendor bucólico dos

pastores? Ou, quem sabe, o refinado talento do artista?

Todas as indagações ficaram suspensas nas línguas, pois Juno estava agora prestes

a parir o bebê tão esperado.

De repente um grito atroou pelos corredores do palácio de Júpiter.

- Não, não... Meu filho, isto?!

Tais foram as primeiras palavras ditas pela mãe ao receber nos braços a criança

recém-nascida: um bebê peludo, de cor escura, como que encardido ou chamuscado, e

que produzia feições horríveis quando chorava – ou estaria, o pobre, a sorrir?

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 37


Vulcano ou Hefesto

Júpiter, constrangido, afastara-se da deprimente cena – o primeiro drama doméstico

e familiar de uma série que teria de enfrentar. Juno, a seu turno, com a cabeça voltada

em direção oposta ao berço onde estava o bebê, roía as unhas.

“Eu, Juno, rainha do céu, mãe de um demônio...”, pensava.

O choro horrendo do bebê não cessava; não era, nem de longe, aquele choro forte

e melódico que se esperaria do filho do senhor do Universo. Não, aquilo não era um

choro, mas um guincho rouco e desprovido de qualquer encanto ou harmonia.

Juno, envergonhada daquele guincho humilhante, tapava os ouvidos, pressionando

com toda a força a polpa dos dedos roídos sobre a entrada de suas divinas orelhas. Mas

o ronco, o guincho, o chiar, o estrídulo, o relincho – o que

quer que fosse aquilo! – não cessava nunca.

- Basta, criatura! – disse Juno, pondo-se em

pé com decisão. – Deve ter havido, afinal, algum

engano. Com este corpo de tritão, deve ser filho

de Netuno, rei dos mares, e não de Júpiter

celestial. Volte, pois, para o seu lar.

Juno, cega de desgosto, ergue a criança

do berço. Num esforço supremo o garoto

ainda tenta um último estratagema: dar à

mãe um sorriso terno e alegre.

Então Juno, cega de ódio, após

rodopiar por duas vezes no ar a infeliz

criança, arremessa-a do alto do Olimpo.

Um grito medonho desce das alturas, e

durante o dia e a noite aquela voz ecoa

por mares e continentes. O dia amanhece

outra vez, e o menino peludo, feio e

infeliz ainda voa, rodopiando pelos ares.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 38


Vulcano ou Hefesto

Seu destino parece ser o revolto mar que se abre lá embaixo, como uma goela azul e

escancarada, pronto para traga-lo em suas ignotas profundezas.

“Escondido bem no fundo do oceano, ninguém jamais o descobrirá!”, pensara a

deusa, um instante antes de arremessá-lo.

Duas massas líquidas e azuis, separadas como dois imensos lábios salgados, recebem,

então, o bebê, para se fechar logo em seguida com o fragor de duas ondas gigantescas

que se chocam, borrifando as estrelas lá no alto com um turbilhão de espuma.

- Que espantoso ruído foi esse? – pergunta Eurínome, filha de Tétis e do Oceano,

à sua mãe.

- Algo caiu do céu direto em nossos domínios – exclama Tétis, a

mais bela das ninfas de Nereu e futura mãe do irado Aquiles.

No fundo do oceano, engolido pelas águas, está o pequeno

e peludo garoto, a se debater convulsamente entre as funestas

ondas. Tétis agarra-o imediatamente e sobe com ele até

a superfície:

- Levemos o pobrezinho para terra.

Deste modo chegam os três à ilha de Lemnos. Após

cuspir o resto da água que agoniava seus pequenos

pulmões, o pequeno ser pedala seus pezinhos e faz uma

careta de choro para a estranha que o tem em seus braços.

- Veja que lindo sorriso! – diz Tétis, encantada.

Ao escutar essas palavras o bebê se anima e remete

agora, no melhor de seus pequenos esforços, aquilo que

pretende ser o mais grato dos seus risos.

Envolto em um cobertor, o garoto é levado para uma

profunda e calorosa caverna.

- Aqui ele estará aquecido, o pobrezinho! – diz

Eurínome, beijando a testa cabeluda do pequeno deus,

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 39


Vulcano ou Hefesto

que conhece pela primeira vez o significado de um gesto chamado carícia e de um

sentimento chamado afeto.

As duas estão preparando a nova morada para o bebê, quando Tétis, voltando-se

para onde ele estava, percebe que o pequeno sumiu. O garoto, engatinhando, metera-

se numa escura furna. Atraído pelo fogo da lava que se agitava nas profundezas da terra,

lá vai ele, destemido, descobrir que coisa seria aquela. Será um pedacinho desprendido

do sol, que escorreu do céu para meter-se dentro da terra?

Um grito rouco atrai a atenção de Tétis e de sua filha. Elas o encontram sentado,

com um pedaço de ferro metido entre os dedinhos chamuscados. Um trejeito de dor

denuncia que ele e o Fogo já foram apresentados.

- Já que se interessa tanto por vulcões, vamos chamá-lo de Vulcano – diz Tétis a

Eurínome.

O garoto volta-se misteriosamente para as duas. Nos seus dedinhos chamuscados

brilham duas pequenas coisinhas, delicadas e douradas. Com um brilho radiante nos

olhos, o pequeno Vulcano estende às suas mães adotivas um par maravilhoso de brincos,

que ele mesmo confeccionara.

Sim, Vulcano, acossado desde o primeiro instante pelo infortúnio, é alma forte e

lúcida, com discernimento bastante para fazer mudar em beleza a dor que o destino lhe

remete. Assim ele cresce, metido em sua forja nas profundezas da terra, confeccionando

as mais belas peças de ferro, bronze e metais preciosos de todo tipo.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 40


Cupido ou
Eros
Cupido ou Eros

Cupido ou Eros
A união entre Vênus e Marte gerou um filho chamado Cupido, o deus do amor.

Desde pequeno, ele já possuía os mesmos poderes da mãe: sabia inflamar

os corações. Uma só das suas flechas bastava para desencadear as paixões mais vivas.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 42


Cupido ou Eros

Ode de Anacreonte: Eros

Um dia, lá pela meia-noite,


Quando a Ursa se deita nos braços do Boieiro,
E a raça dos mortais, toda ela, jaz, domada pelo sono,
Foi que Eros apareceu e bateu à minha porta.
“Quem bate à minha porta,
E rasga meus sonhos?”
Respondeu Eros: “Abre”, ordenou ele;
“Eu sou uma criancinha, não tenhas medo.
Estou encharcado, errante
Numa noite sem lua.”
Ouvindo-o, tive pena;
De imediato, acendendo o candeeiro,
Abri a porta e vi um garotinho:
Tinha um arco, asas e uma aljava.
Coloquei-o junto ao fogo
E suas mãos nas minhas, aqueci-o,
Espremendo a água úmida que lhe escorria dos cabelos.
Eros, depois que se libertou do frio,
“Vamos, disse ele, experimentemos este arco,
Vejamos se a corda molhada não sofreu prejuízo.”
Retesa o arco e fere-me no fígado,
Bem no meio, como se fora um aguilhão.
Depois, começa a saltar, às gargalhadas:
“Hospedeiro, acrescentou, alegra-te!
Meu arco está inteiro; teu coração, porém, ficará partido.”
Ulisses ou
Odisseu
Ulisses

Ulisses na Ilha de Ogígia


(A Odisseia de Homero – João de Barros)

C alipso era uma ninfa, mulher no aspecto, deusa na alma e na imortalidade.

Ulisses, ao regressar de Troia com vários dos seus camaradas, todos

embarcados num pequeno navio, naufragaram em pleno mar. Uma tempestade terrível

embravecia e enegrecia as ondas, e lívidos relâmpagos se cruzavam no céu.

Incendiado por uma faísca, o barco afundou-se. Só Ulisses escapou da morte, e,

durante nove dias, errou ao sabor das vagas. Por fim, abraçado aos restos da quilha do

navio, o mar atirou-o às paias da ilha de Ogígia, onde morava Calipso. A ninfa recolheu

Ulisses com verdadeiro carinho. Achou-o logo tão digno do seu amor que se propôs

casar com ele, prometendo-lhe que o tornaria imortal e eternamente jovem. Mas Ulisses

não queria ser imortal, nem eternamente jovem... O que ele sonhava e ambicionava era

voltar a governar o seu povo, era ficar o resto da vida junto da mulher e do filho.

Apesar de ser muito bem tratado – a própria Calipso o servia às horas das refeições;

de andar vestido com tecidos ricos e macios, dos tecidos com que se vestiam os deuses;

de não sofrer nem frio nem fome; de estar longe de temporais, de aventuras, de lutas

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 45


Ulisses

e de necessidades; de ter tudo quanto lhe apetecesse e lhe fosse preciso –, Ulisses

aborrecia-se e lamentava-se constantemente.

A saudade de Ítaca não o abandonava nunca. Para saudade tão grande, nem

Calipso seria capaz de encontrar consolação possível...

Ao fim de sete anos, Minerva, do alto Olimpo, radiosa pátria dos deuses,

compadeceu-se do pobre Ulisses. Sempre o estimara e admirara pela sua inteligência e

habilidade. E agora sentia que já era tempo de não o fazer sofrer mais. Conseguiu então

que Júpiter, seu pai, e pai de todos os deuses, mandasse o mensageiro Mercúrio dizer a

Calipso que desse a liberdade a Ulisses e lhe fornecesse todos os meios indispensáveis

à sua partida de Ogígia e à sua travessia até à cidade de Ítaca.

Estava Calipso na sua habitação, que era uma gruta encantadora, trabalhando

num lindo tear de rico marfim com uma lançadeira de ouro. Madeiras olorosas ardiam

alegremente à entrada da gruta. Olmos, choupos e ciprestes, povoados de aves

gorjeantes, sombreavam a gruta agasalhadora, e vinhas cobertas de cachos vestiam

as pedras. Quatro fontes prateadas nasciam, cada uma de seu lado, e cercavam com

as suas águas límpidos prados esmaltados de toda espécie de flores.

Calipso ali vivia, contente, enquanto Ulisses chorava a desdita do

seu exílio, o olhar sempre atraído pelos horizontes do mar...

Assim os encontrou Mercúrio. E dirigindo-se à ninfa,

depois de ter recebido das mãos dela a ambrósia e o

néctar, comida e bebida dos deuses, logo lhe transmitiu

as ordens de Júpiter, que eram mandar embora Ulisses,

dando-lhe embarcação e provisões para a viagem até ao seu

reino. Calipso, embora triste por ter de ficar sozinha,

não ousou desobedecer. Mercúrio voou para o

Olimpo. E a ninfa logo chamou Ulisses e lhe

comunicou a boa nova, acrescentando:

- Não te queixes mais, príncipe desgraçado;

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 46


Ulisses

abate algumas árvores da floresta, constrói uma jangada que te leve sobre as vagas;

oferecer-te-ei as provisões necessárias, e vestuário que te defenda da violência do ar;

farei com que um vento favorável te conduza em boa hora à tua pátria, se os deuses te

quiserem conceder um regresso feliz.

Ulisses quase nem acreditava em tal promessa! Mas quando verificou que era

sincera e verdadeira, riu e chorou de júbilo e não hesitou mais.

A noite chegara, e teve de conter a sua impaciência até ao dia seguinte. Mas,

assim que a manhã rompeu, Calipso entregou-lhe um belo machado de bronze, de finos

gumes, com sólido cabo de oliveira, e levou-o à extremidade da ilha, onde as árvores

eram mais fortes e maiores. Com traves de olmo, de choupo e de pinheiro fez Ulisses

a jangada. Sempre que uma ferramenta era necessária – agora uma serra, logo uma

verruma –, a ninfa aparecia e dava-lha.

Pregos e cordas prenderam e ligaram bem as tábuas. Cercou-se de uma espécie

de amurada, carregou um lastro pesado no fundo. Ergueu mastros, prendeu as velas e o

leme. No fim de quatro dias a obra ficou pronta. No quinto dia, vestido com as magníficas

roupagens que a ninfa lhe dera, provido de pão, de carne, de vinho e de água doce,

Ulisses, confiadamente, abriu as velas ao vento e pôs-se ao leme, atento e lembrado dos

conselhos de Calipso. Esta recomendara-lhe, para quando a noite caísse, rumar sempre

à esquerda da constelação da Ursa Maior. Luziam-lhe os olhos de contentamento e nem

sequer – tão entusiasmado partia – receava os perigos que certamente teria de vencer...

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 47


Cila e
Caríbdis
Cila e Caríbdis

Cila e Caríbdis
(Mitologia – Albino Pereira Magno)

F órcis, um deus marinho de segunda ordem, era filho de Netuno. Expulso por

Atlas do país da Corsega e da Sardenha, foi ter com o pai, que lhe deu a

imortalidade. Os marinheiros invocavam-no durante as tempestades.

Teve uma filha, a ninfa Cila. Esta, vítima do

ciúme de Circe, famosa mágica, banhou-se, sem

o saber, numa fonte envenenada e viu-se logo

transformada num monstro horroroso armado

de doze garras, seis cabeças e seis gargantas

que ladravam constantemente para assustar os

marinheiros. Foi tal o horror que de si própria concebeu,

que se precipitou em um golfo do mar da Sicília. O barulho

das ondas, que neste lugar se vão quebrar nos rochedos,

deu ocasião aos poetas de fingirem que eram os latidos do

dito monstro. A passagem entre este golfo e outro de nome

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 49


Cila e Caríbdis

Caríbdis é assaz perigosa para os navios, e por isso, quando se quer escapar de Cila,

corre-se o risco de cair em Caríbdis, ou vice-versa.

Dizem que Caríbdis era uma mulher cruel que assaltava os passageiros para roubá-

los. Furtou alguns bois a Hércules, pelo que foi transformada em um monstro marinho

ou em um pego fronteiro ao de Cila. Caríbdis hoje chama-se Galofaro, e Cila, Cilo. São

dois perigosos cachopos.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 50


Cila e Caríbdis

Ulisses em Cila e
Caríbdis
(Odisseia, adaptada da versão de Edmund Carpenter – O Livro das Virtudes II)

O s marinheiros de antigamente viam nos mares terrores incontáveis, reais e

imaginários. Nenhum, porém, era mais temido do que uma certa passagem

estreita que diziam haver na costa sul da Itália. Era um estreito traiçoeiro, ladeado por

dois rochedos horrendos que todos os homens do mar tentavam evitar.

O primeiro era um penhasco tão alto que seus picos chegavam ao céu. O ponto

mais alto, cercado por eternas nuvens negras, era imerso em perpétua escuridão. A

encosta era tão íngreme e tão lisa que nenhum mortal conseguia subir ou descer, ainda

que tivesse vinte mãos e vinte pés. À meia altura dessa escarpa havia uma caverna tão

acima do nível da água que nenhum arqueiro, por mais forte que fosse, poderia atingi-la

com uma flecha atirada de um navio.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 51


Cila e Caríbdis

Nessa caverna vivia Cila, o monstro horrendo que dava nome ao penhasco. Tinha

seis pescoços longos, cobertos de escamas, cada um sustendo uma tenebrosa cabeça

que latia. Cada cabeça tinha três carreiras juntinhas de vorazes dentes pontiagudos.

A história dizia que Cila vivia escondida na caverna, mas de vez em quando se debruçava

para fora e examinava as águas do estreito com os olhos faiscantes arregalados nas seis

cabeças. Não havia peixe ou golfinho que escapasse à horrível vigilância, pois bastava

passar por ali que ela o apanhava com as bocas enormes, arrastava para a caverna e

devorava. Os navegantes evitavam a proximidade do penhasco porque Cila podia

aparecer a qualquer momento, agarrar um pobre marinheiro incauto no convés e sumir

com ele dentro da caverna.

Do outro lado do estreito havia outro penhasco, chamado Caríbdis. Não era tão

escarpado quanto o outro e no topo havia uma frondosa figueira, sempre carregada

de frutos. Mas ao pé do rochedo havia um golfo encravado na rocha, onde a sucção

da água era tão violenta que formava um tremendo redemoinho. E de repente a água

borbulhava para fora com violência igual à da sucção, lançado às ondas carcaças de

navios naufragados e esqueletos de marinheiros desafortunados. Tão intensos eram

esses movimentos que, se um barco se aproximasse muito do rochedo, ou sumiria de

vista tragado pelo vórtice ou seria projetado contra a rocha, fazendo-se em pedaços, e

em qualquer dos casos os marinheiros morreriam afogados.

Na longa viagem de volta, após a guerra de Troia, Ulisses e seus homens tinham

que passar entre Cila e Caríbdis. Chegando ao horrível estreito, encheram-se de terror.

Os remos caíam de suas mãos, o sangue sumia de suas faces. O pavoroso murmúrio dos

demônios lhes atravessava o cérebro. Os imensos rochedos pareciam ameaçá-los com a

catástrofe; e espuma das ondas escondia pontos traiçoeiros.

Vendo o desespero dos homens, Ulisses percorria o convés incentivando a

tripulação e lembrando que haviam passado perigos maiores. Pediu que continuassem a

confiar nele, assegurando que os conduziria ao outro lado. Bastava que se empenhassem

com todo o vigor e destreza. Destacou o trabalho do piloto que estava no timão, que

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 52


Cila e Caríbdis

agora precisava mostrar mais firmeza que qualquer outro a bordo, pois tinha a maior

parte da responsabilidade. Comandou que desviasse do redemoinho, que certamente

os engoliria, e firmasse o curso pela rocha mais alta.

Os homens o ouviram e, mais uma vez tranquilizados pela bravura e orientação

do seu líder, tomaram novamente os remos. Erguendo-se na proa, Ulisses se preparou,

levando nas mãos duas lanças bem compridas, em guarda, pronto a enfrentar a medonha

Cila, caso ela os atacasse quando passassem perto do penhasco.

O redemoinho de Caríbdis rugia na escuridão cavernosa diante deles. A tripulação

viu a horrível garganta negra escancarar-se inteira, girando loucamente, deixando à mostra

a areia coalhada de ossadas no fundo do mar. E de repente vomitou de volta as águas

agitadas numa imensa nuvem de espuma, fazendo o mar ferver como uma chaleira.

O troar das ondas, o rugido de Caríbdis, o latido da horrenda Cila, os uivos do

vento se juntavam num ruído ensurdecedor, aterrador. Mas incitados por Ulisses, os

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 53


Cila e Caríbdis

marinheiros avançavam com afinco, e, à medida que se afastavam da voragem, parecia

que tudo correria bem.

Mas não seria assim. Do fundo da gruta escura, Cila avançou de repente os

seis pescoços monstruosos e, antes que Ulisses a golpeasse, agarrou meia dúzia de

marinheiros! Ulisses ouviu os berros dos infelizes erguidos no ar, de pés para cima e as

mãos estendidas em sua direção, implorando socorro. Ele nada podia fazer. Em todos os

seus percalços, nunca tivera uma visão tão desgraçada.

O restante da tripulação, tomado de terror diante do destino dos companheiros,

remou loucamente para escapar ao perigo, antes que o monstro armasse um segundo

bote. Furiosos com a escapada do restante da presa, Caríbdis urrava e Cila latia, mas o

navio completou a travessia do pavoroso estreito e chegou a mar aberto. Os homens,

cansados e oprimidos, se curvaram sobre os remos, sonhando com o descanso.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 54


Maomé
Maomé

Maomé
(Guerra Santa – Nigel Cliff)

Q uando Maomé Ibn Abdallah ouviu pela primeira vez a palavra de Deus no

ano de 610 – ou por volta desta data –, não tinha a intenção de fundar um

império mundial.

Ele não tinha nem mesmo certeza se era são.

“Agasalhe-me!”, disse o comerciante de quarenta anos,

tremendo miseravelmente enquanto rastejava em direção

à sua esposa, que jogou uma capa em volta dele e o

abraçou, afagando seu cabelo enquanto ele chorava.

Ele estava meditando em sua caverna habitual,

fora de Meca — um luxo que lhe foi permitido

pelo casamento com uma rica viúva quinze anos

mais velha do que ele —, quando o anjo Gabriel

apareceu, lançando-o em um transe doloroso,

extático, e lhe disse as palavras de Deus.

Maomé ficou aterrorizado com a possibilidade de

estar enlouquecendo e pensou em jogar-se da montanha. Mas a voz continuou falando,

e três anos depois Maomé começou a pregar em público. Gradualmente, a mensagem

surgiu: a fé de Abraão e Jesus era a fé verdadeira, mas ela tinha sido corrompida. Havia

um Deus, e Ele exigia islam— rendição completa.

[...] Para que sua mensagem se espalhasse, ele teve primeiro que considerar Meca.

Oito anos de guerras ferozes com os coraixitas ensanguentaram a fundação do Islã.

Num dos momentos mais obscuros, Maomé, com o rosto esmagado e manchado de

sangue, foi retirado do campo de batalha por um de seus guerreiros, e somente o rumor

de que estava morto salvou os remanescentes de seu exército. A moral da ummah foi

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 56


Maomé

pulverizada, e foi nessa hora que Maomé fez aos seus guerreiros uma promessa que

ecoaria através da história. Aqueles que foram assassinados na batalha, foi-lhe revelado,

seriam levados ao mais alto nível do Paraíso: “Eles serão alojados juntamente, em paz,

entre jardins e fontes, vestidos em ricas sedas e finos brocados [...] Nós os casaremos

com as houris de olhos negros”.

Os muçulmanos – “aqueles que se submetem” – uniram-se; e unir-se contra as

querelas em si parecia um sinal da benevolência divina. O momento decisivo não foi

uma vitória no campo de batalha, mas um espetacular golpe de publicidade. No ano de

628, Maomé apareceu inesperadamente perante Meca com mil peregrinos desarmados

e afirmou eu direito legítimo como árabe de adorar na Caaba. Em 630, Maomé retornou

com fileiras cerradas de seguidores. Ele novamente circulou o santuário sete vezes,

entoando “Allahu Akbar!” – “Deus é grande!” –, e então entrou, carregou os ídolos e

esmagou-os em pedaços no chão.

Dois anos mais tarde, quando já estava morto, Maomé foi responsável por uma

proeza que nenhum líder na história jamais tinha imaginado: ele fundara uma nova fé

florescente e um novo Estado em expansão, um inseparável do outro.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 57


Mercúrio
ou Hermes
Mercúrio ou Hermes

Mercúrio ou Hermes
(Contos e lendas da Mitologia Grega – Claude Pouzadoux, por Eduardo Brandão)

H ermes é o filho de Zeus e da divindade arcádica Maia. Era considerado

mensageiro dos deuses, concedendo a riqueza aos homens, em especial

enquanto multiplicador dos rebanhos. Já em sua primeira infância ele deu provas de

grande astúcia:

Quando Apolo ainda era pastor, seu irmãozinho Hermes lhe pregou uma peça e

tanto. Aproveitando-se do descuido de Apolo, que sonhava em vez de vigiar o rebanho,

roubou-lhe as ovelhas.

Apolo estava longe de desconfiar que aquele menino, o qual imaginava ainda ser

de colo, fosse capaz de enganá-lo. Mas era ele mesmo que conduzia agora o rebanho

pelas planícies e vales até o denso bosque de Pilo. Ali deixou as ovelhas descansando,

escondidas numa gruta. Depois voltou para junto da sua mãe Maia, com um sorriso

malicioso nos lábios.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 59


Mercúrio ou Hermes

Apolo acabou encontrando a pista do rebanho. O voo dos pássaros, que ele sabia

interpretar, o ajudou a descobrir o esconderijo. Seus dons de adivinho lhe revelaram o

autor do roubo:

“Menino feio”, ralhou com o irmão, “você tem sorte de ainda usar fraldas. Senão,

eu teria lhe dado uma boa sova!”

Mas a raiva de Apolo se aplacou quando ele ouviu os sons melodiosos que o menino

tirava de um instrumento desconhecido. Todo contente, Hermes lhe deu o instrumento:

“É para você. É uma lira que acabei de inventar. Beliscando as cordas presas a

cada extremidade desta carapaça de tartaruga, você vai obter os sons cristalinos que

acompanharão seus cantos.” Esquecendo os motivos do seu mau humor, Apolo até

propôs a Hermes trocar o rebanho pelo instrumento. O negócio selou a reconciliação

entre os dois irmãos.

Por sua malícia e engenhosidade, Hermes demonstrava uma precocidade

excepcional. Sempre curioso, o jovem deus não se limitou a esse achado. Teve a ideia

de prender um ao outro caniço de comprimentos diferentes para confeccionar um

instrumento. Levou-o aos lábios e soprou delicadamente em cada orifício. Foi assim que

inventou a flauta.

Apolo ficou encantado com essa nova invenção e quis logo adquiri-la. Em troca,

ofereceu ao irmãozinho o cajado de ouro que usava para pastorear. Esse cajado virou o

caduceu, símbolo de Hermes.

Feliz com a habilidade que ele manifestava em todas as ocasiões, seu pai, o

poderoso Zeus, fez dele seu mensageiro. Hermes passava a maior parte do tempo

correndo o mundo; para isso, usava sandálias aladas, que lhe permitiam mover-se mais

rapidamente. Suas viagens às vezes o levavam muito longe, até o reino subterrâneo,

onde acompanhava os defuntos.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 60


Mercúrio ou Hermes

Representações
de Mercúrio
(Mitologia – Albino Pereira Magno)

R epresentavam Mercúrio sob a forma de um jovem, ágil, sempre risonho,

meio coberto com um manto, com asas nos pés e na cabeça e nos ombros,

ordinariamente com o seu caduceu na mão. Como mensageiro dos deuses, tinha asas

brancas e o dedo sobre a boca; como deus dos negociantes, costumava ter uma bolsa

na mão; como guia das almas, davam-lhe uma varinha e asas pretas nos pés; como deus

da eloquência, tinha uma cadeira de ouro suspensa nos lábios; como deus dos pastores,

trazia um carneio aos ombros; como deus da música, sustinha uma tartaruga, porque as

liras eram feitas das conchas destes animais e era por isso que os latinos chamavam à

lira, testudo, tartaruga.

Davam a Mercúrio vários nomes: Cyllenius, do nome da

montanha Cyllene, onde nascera; Nomius, pelas leis de

que era autor; Camillus, por servir os deuses; Vialis,

por presidir aos caminhos.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 61


Diomedes
Diomedes

Diomedes – Oitavo
Trabalho de Hércules
(As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica, por Gustav Schwab)

C omo oitavo trabalho, o primo de Héracles encarregou-o de trazer a Micenas

as éguas do trácio Diomedes. Diomedes era filho de Ares e rei dos bistônios,

um povo guerreiro. Possuía éguas que eram tão fortes e selvagens que precisavam

ser amarradas com correntes de ferro a estábulos de ferro. Não se alimentavam de

aveia como os cavalos normais, devorando, em vez disso, a carne dos estrangeiros

que tinham a infelicidade de chegar àquela cidade e que lhes eram atirados. Quando

Héracles chegou, seu primeiro ato foi atirar o desumano rei às suas próprias éguas,

depois de ter dominado os vigias que estavam diante das cocheiras. Com essa comida

os animais tornaram-se mansos e ele os conduziu para o mar. Mas

os bistônios o seguiram, armados, de maneira que Héracles foi

forçado a lutar contra eles, deixando os animais sob a guarda de

seu acompanhante Abdero, filho de Hermes.

Quando Héracles partira, as éguas ficaram outra vez

com vontade de comer carne humana, e quando ele voltou,

tendo vencido os bistônios, encontrou apenas os restos de seu

amigo, destroçado pelos animais. Lamentou a morte do querido

companheiro, enterrou-o e fundou em sua honra a cidade de

Abdera. Depois voltou a amarrar as éguas e levou-as a Euristeu.

Euristeu consagrou as éguas a Hera. Sua descendência

reproduziu-se por muitas gerações; o rei Alexandre da Macedônia

ainda cavalgou sobre um descendente desses cavalos. Concluído

esse trabalho, Héracles embarcou para a Cólquida com Jasão e

todo um exército em busca do Velocino de Ouro.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 63


Busíris
Busíris

Busíris
(Dicionário da Mitologia Grega e Romana – Pierre Grimal)

B usíris é, na lenda grega, um rei do Egito. Na realidade, não figura em qualquer

das dinastias faraônicas, mas talvez seja uma deformação do nome do deus

Osíris. Busíris era um rei muito cruel. A sua tirania tinha obrigado Proteu a fugir do Egito.

Tinha também projetado enviar uma expedição de bandidos para raptar as Hespérides,

que eram afamadas por sua beleza. Héracles encontrou-as no seu caminho quando ia

procurar as maçãs de ouro e matou-as, tal como tinha morto o próprio Busíris.

Com efeito, uma série de más colheitas abatera-se sobre o Egito, e Frásio, um

adivinho oriundo de Chipre, aconselhara o rei a sacrificar a Zeus um estrangeiro, todos

os anos, a fim de aplacar o deus e recuperar a prosperidade. Foi o que fez Busíris,

começando por sacrificar o próprio Frásio. Quando Héracles passou pelo Egito, Busíris

prendeu-o, atou-o com faixas, coroou-o com flores e conduziu-o ao altar como vítima.

Mas Héracles desatou os nós, matou Busíris, o seu filho Ifidamante, o arauto Calves e

todos os assistentes.

Busíris era filho de Poseidon e de Lisianassa e tinha sido colocado no trono do

Egito pelo rei Osíris, quando este partira para a sua grande expedição à volta da Terra.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 65


Busíris

Busíris em Os Doze
Trabalhos de Hércules
(Monteiro Lobato)

À noite houve um grande banquete oferecido ao herói. Hércules comeu como

nunca — e beberia de cair, se Emília não interviesse: “Nada de excessos

alcoólicos, Lelé. Muito perigoso. Você perde a cabeça e põe-se a fazer estragos nestes

pobres líbios tão entusiastas.” Hércules obedeceu e só tomou água com mel.

No dia seguinte o herói amanheceu outro. Havia sarado completamente do acesso

de “cólera recolhida”. O Visconde observou que para os grandes heróis só os grandes

remédios. “Um mortal comum cura-se com qualquer laxante de sulfato de magnésia,

para um Hércules o purgante tem de ser um Anteu.”

Um egípcio aproximou-se e disse:

— Grande Héracles, meu país também está necessitado de uma limpeza no trono.

Temos como rei um verdadeiro monstro, talvez ainda pior que Anteu.

— Quem é ele?

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 66


Busíris

— Busíris, filho de Posseidon e Lisianasa. Anteu lutava e matava todos os estrangeiros

aportados na Líbia. Busíris sacrifica no altar de Zeus todos os que aportam ao Egito. Por

que não vais lá e não libertas o nosso povo daquela calamidade feita homem?

Hércules olhou para Emília como quem pede parecer. Emília disse:

— O papel dos heróis é limpar de monstros o mundo. Vá, Lelé, e achate com o

tal Busíris.

Hércules prometeu e, depois de despedir-se do novo rei e daquele bom povo,

tomou o rumo do Egito.

Busíris no começo não se revelara cruel, e assim foi até o dia em que uma grande

seca assolou o país. Nove anos durou tal seca. Os bois foram definhando todos. As

plantações secaram-se. Gente morria de fome por todos os cantos. Vendo a gravidade

da situação, um famoso adivinho daquela época, de nome Frásio, procurou o rei e disse:

— O meio de pôr fim à horrível estiagem que está destruindo o Egito é um só:

sacrificar a Zeus um estrangeiro.

Frásio era estrangeiro, e Busíris fez como o tirano Fálaris: mandou agarrá-lo e

sacrificá-lo no altar de Zeus. E como por coincidência viesse uma chuva no dia seguinte,

Busíris convenceu-se de que o meio de fazer chover estava realmente naquilo — nunca

mais cessou com os sacrifícios humanos.

Minervino advertiu ao herói do grande perigo que era para um estrangeiro penetrar

no reino de Busíris, o qual possuía grandes exércitos. Mas aconselhado pela Emília o

herói desprezou o conselho da prudência e transpôs as fronteiras do Egito.

Ao ter conhecimento do fato e dos propósitos de Hércules, Busíris enfureceu-se

e lançou contra ele um exército de dez mil núbios ferozes como tigres. Hércules foi

capturado, acorrentado e conduzido à presença de Sua Majestade.

— Sei o que fizeste para o meu grande amigo Anteu — disse-lhe Busíris – mas

vou vingar a majestade real ofendida pelo teu crime. Serás sacrificado amanhã no altar

de Zeus.

Os pica-pauzinhos ficaram numa grande aflição. Pela primeira vez viam Hércules

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 67


Busíris

dominado e infamemente acorrentado. E como o exército de Busíris era um verdadeiro

enxame de vespas ferozes, armadas de lanças pontiagudíssimas e escudos de couro de

rinoceronte, Pedrinho e o sabuguinho consideraram tudo perdido. Unicamente Emília

não perdeu a fé no herói.

— Ele arruma-se — dizia ela.

— Como, boba? — Não sei; só sei que no último momento dá um jeito. Tenho a

mais absoluta confiança em Lelé.

Mas apesar da confiança da Emília, Minervino, Pedrinho e o Visconde não viam

de que modo o herói acorrentado pudesse arrumar-se — e estavam na maior angústia.

Chegou o dia do sacrifício. Numerosos sacerdotes dispuseram-se em redor do

altar de Zeus à espera da vítima. E quem era a vítima a ser

sacrificada a Zeus? Justamente um dos mais generosos

e famosos filhos de Zeus...

Minervino e os pica-pauzinhos fora colocar-se

num ponto de onde tudo podiam ver — o Visconde e

Emília erguidos nos braços do mensageiro de Palas,

Pedrinho de pé sobre um bloco de granito.

Súbito, a multidão rumorejou e abriu alas. Era

Hércules que vinha vindo, seguido duma legião de

soldados. Busíris e seus cortesãos ocupavam uma

plataforma erguida às pressas para aquele fim.

Emília viu Hércules e a despeito de sua confiança

no destino do herói teve vontade de chorar. Lá vinha ele

acorrentado de pés e mãos e, por ironia, coberto de guirlandas de flores de lótus, que é

a principal flor do Egito. O sacerdote sacrificador, lá diante do altar correu o dedo pelo

fio da faca sagrada. “Se cortasse o dedo seria bem-feito!” — pensou Emília.

Hércules parou diante do altar. Não havia mudado em coisa nenhuma. A sua

confiança em si próprio só era igualada pela confiança de Emília no destino dele.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 68


Busíris

O sacrificador subiu a um banquinho, porque se tratava duma vítima muito

alentada, e ergueu a faca. Ia cravá-la na garganta do herói...

Mas o que houve até parece mentira. Naquele momento Hércules contraiu os

músculos num esforço potentíssimo — e as algemas de ferro que o ligavam às correntes

se romperam como se fossem de vidro. Libertou-se e, agarrando as correntes, utilizou-

se delas como se fossem a sua clava. Num ápice varreu a soldadesca toda. O “espalha”

foi dos nunca vistos. Corpos despedaçados voavam em todas as direções. A grita se fez

imensa. Todo mundo fugia no maior pânico. O chão ficou juncado de escudos e lanças.

Um grande claro se abriu em redor dele.

Lá na plataforma, Busíris e os cortesões agitavam os braços, sem saberem o que

fazer. Muitos fugiram a tempo. Os que patetearam foram atingidos pelas correntes que

o herói arremessou — e caíram esmoídos. Um elo da corrente alcançou Busíris pela

testa, e a mioleira espirrou como espirra água de poça quando cai uma pedra em cima.

Hércules havia libertado o 231 mundo de mais um odioso rei. E como a mesma corrente

havia alcançado Afidamante, filho de Busíris, e o arauto Calves, ficou o Egito também

livre daquele filhote de serpente e do odioso anunciador das ordens cruéis do soberano

esmigalhado.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 69


Europa
Europa

O Roubo de Europa por Júpiter


(Metamorfoses – Ovídio, tradução de Bocage)

O grão Jove no céu Mercúrio chama


E, sem lhe declarar o amor que o fere,
“Vai, ministro fiel dos meus decretos,
Vai, filho meu, co’a sólita presteza;
Desce à terra (lhe diz) donde se avista
Tua mãe reluzindo à sestra parte,
E que os seus naturais Sidon nomeiam.
O armentio real, que ao longe a relva
No monte anda a pascer, dirige à praia”.
Disse, e já da montanha o gado expulso
Caminha à fresca praia, onde costuma
A do sidônio rei mimosa filha
Espairecer, folgar co’as tírias virgens.
A majestade e o amor não bem se ajustam;
Jamais o mesmo peito os acomoda.
Do cetro a gravidade enfim depondo
O pai e o rei dos deuses, Jove, aquele
Que armada tem do raio a sacra destra,
E que ao mínimo aceno abala o mundo,
Veste forma taurina, entre as manadas
Muge e pisa formoso as brandas ervas.
É cor da neve, que nem pés calcaram,
Nem co’as asas desfez o Sul chuvoso;
Alteia airosamente o móbil colo;
Das espáduas lhe pende, e bambaleia
Europa

A cândida barbela, as breves pontas


Da industriosa mão lavor parecem,
Ganham no lustre à pérola mais pura.
Não tem pesado cenho, olhar terrível,
Antes benigna paz lhe alegra a fronte.
A filha de Agenor admira o touro,
Estranha ser tão belo, e ser tão manso.
Ao princípio, inda assim, teme tocar-lhe;
Vai-se depois avizinhando a ele,
Europa

E as flores que apanhou lhe aplica aos beiços.


Ei-lo já pela relva salta e brinca,
Já põe na fulva areia o níveo lado.
À virgem pouco a pouco o medo extingue,
E agora of’rece brandamente o peito,
Só para que lho afague a mão formosa,
Agora as pontas, que a real donzela
De recentes boninas lhe engrinalda.
Ela, enfim, que não sabe a que se atreve,
Ousa nas alvas costas assentar-se.
De espaço à beira-mar descendo o nume,
Põe mentiroso pé n’água primeira,
Vai depois mais avante... Enfim, nadando,
Leva a presa gentil por entre as ondas.
Ela de olhos na praia, ela medrosa
Segura uma das mãos numa das pontas,
Sobre o dorso agitado a outra encosta;
Enfuna o vento as sussurrantes vestes.
Despida finalmente a falsa imagem,
Eis parece o deus, eis brilha Jove,
E em teus bosques, ó Creta, Amor trinfa!
Europa

Versão em prosa
(Adaptado de As mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica – Gustav Schwab)

N a terra de Tiro e Sídon vivia Europa, a filha do rei Agenor, na solidão profunda

do palácio paterno. Certa vez, pouco depois da meia-noite, ela teve um sonho

estranho. Apareceram à sua frente duas partes do mundo, em forma de mulher, brigando

por sua posse. Uma das mulheres tinha a aparência de uma estrangeira, e a outra – a

Ásia – parecia uma conterrânea sua. Esta, amparava-a delicadamente, dizendo ter sido

ela quem dera à luz e amamentara aquela filha. Mas a estrangeira abraçou-a, como se a

estivesse raptando, com um gesto violento, e levou-a embora, sem que Europa pudesse

defender-se.

- Venha comigo, minha querida – disse a estrangeira – vou levá-la para junto de

Zeus! Isso está determinado em seu destino.

Com o coração palpitante, Europa despertou e levantou-se, pois o sonho noturno

fora claro como uma imagem diurna. Por muito tempo ficou sentada na cama, imóvel,

perguntando-se:

- Qual dos deuses celestes me enviou aquelas imagens? Quem era aquela estranha

que vi em sonho? Que miraculosa saudade é esta que despertou em meu coração?

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 74


Europa

E com quanto carinho ela se aproximou de mim, como eram cheios de amor os seus

sorrisos, mesmo quando me raptou com violência! Possam os deuses fazer com que

este sonho me seja favorável!

Amanhecia, e a clara luz do dia apagou na memória dela aquele sonho. Logo suas

companheiras de folguedo se reuniram à sua volta. Vinham convidá-la para um passeio

à beira-mar, um dos pontos de encontro preferidos pelas moças daquela região. Rindo,

as donzelas se espalharam, cada qual em busca de suas flores prediletas.

Depois de terem colhido bastantes flores, as meninas sentaram-se na grama e

começaram a fazer buquês para oferecê-los às ninfas do lugar, como agradecimento,

pendurando-os nas verdes árvores.

Zeus estava profundamente tocado pela beleza da jovem Europa. Mas, como temia

o ódio da ciumenta Hera, e não tinha nenhuma esperança de poder enganar aquela

jovem donzela, imaginou um novo artifício, transformando-se em touro. Mas que touro!

Não um daqueles que, sob o jugo, puxam carros carregados com cargas pesadas, e

sim um touro soberbo, de forma esplêndida, com músculos intumescidos no pescoço e

uma papada imponente. Os chifres eram elegantes e pequenos, como se tivessem sido

feitos pela mão de um artista, e mais transparentes do que diamantes. O pelo tinha uma

tonalidade dourada, só na testa reluzia uma marca em forma de meia-lua prateada. Os

olhos azuis rutilavam, prenhes de paixão.

Antes de se transformar dessa maneira, Zeus chamou Hermes para junto de si,

sem lhe revelar nada de suas intenções:

- Apresse-se, querido filho, fiel cumpridor de minhas ordens! Vê lá embaixo a

Fenícia? Dirija-se para lá e conduza o rebanho do rei Agenor, que está pastando nas

montanhas, até a beira do mar.

Poucos instantes depois, o deus alado chegou às pastagens sidônias e

conduziu o rebanho do rei, em meio ao qual, sem que Hermes suspeitasse, também

estava Zeus, transformado em touro, até as ravinas onde a filha de Agenor brincava

despreocupadamente com as flores.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 75


Europa

O rebanho espalhou-se pelos campos. Só o belo touro, dentro do qual o deus estava

oculto, aproximou-se do gramado onde Europa brincava com suas amigas. Soberbo, ele

andava pela grama esplêndida, sem parecer ameaçador ou assustador. Seu aspecto era

delicado. Europa e suas companheiras admiravam as formas nobres do animal e sua

atitude pacífica, e ficaram com vontade de vê-lo mais de perto e de acariciar-lhe as

costas reluzentes. O touro parecia perceber aquilo, pois se aproximava cada vez mais

delas e, por fim, colocou-se junto a Europa. Esta deu um salto e recuou alguns passos,

mas, como o animal, manso, continuasse imóvel, encheu-se de coragem e acercou-se

dele. Aproximou o buquê de rosas do focinho do animal e este lambeu, afetuosamente,

as flores e a delicada mão da donzela, que começou a acariciá-lo com muita ternura.

Então ele deitou-se aos pés da princesa, olhando-a cheio de paixão e oferecendo-lhe o

largo dorso. Europa disse então às suas amigas:

– Aproximem-se, vamos nos sentar nas costas deste belo touro e divertir-nos!

Acho que há lugar para nós todas. Ele parece amigável e delicado, é diferente dos outros

touros. Acho que ele tem inteligência, como um ser humano; só lhe falta a capacidade

de falar!

Depois dessas palavras, tirou das mãos de suas companheiras as coroas de flores,

enfeitou com elas os chifres do touro e montou-o, corajosa, enquanto suas amigas

observavam, indecisas.

O touro então levantou-se e pôs-se a trotar vagarosamente, de maneira que as

companheiras de Europa não eram capazes de manter o mesmo passo. Mas quando

já se aproximava da beira do mar ele redobrou de velocidade, parecendo um cavalo

voador. E antes mesmo que Europa pudesse perceber o que estava acontecendo, ele

mergulhou no mar e lá se foi nadando com sua presa. Ela, temerosa, olhava para a terra

que se afastava, chamando em vão por suas amigas. Logo a margem desapareceu, o Sol

se pôs, e na penumbra a assustada Europa só enxergava as ondas e as estrelas.

E assim foi, mesmo depois de a aurora aparecer. Ao anoitecer deste dia, chegaram

a uma praia distante. O touro subiu para terra firme e, sob uma árvore, deixou que

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 76


Europa

a donzela deslizasse suavemente de suas costas e desapareceu. Em seu lugar surgiu

um homem esplêndido, semelhante aos deuses, que lhe declarou ser o senhor da ilha

de Creta e que a protegeria se ela concordasse em casar-se com ele. Europa, em seu

abandono inconsolável, deu-lhe a mão, em sinal de sua concordância, e então os dois se

uniram. Depois, ele desapareceu, da mesma maneira como surgira.

Europa despertou de um sono profundo quando a alvorada já surgia no céu.

Perturbada, olhou à sua volta e chamou por seu pai. Mas então se lembrou do que

acontecera e lamentou-se. Passou as mãos pelos olhos, como se quisesse apagar o terrível

sonho. Mas os objetos distantes permaneciam ali, árvores e rochedos desconhecidos a

cercavam e um mar assustador rugia, borrifando os arrecifes.

– Ah! Se ao menos o maldito touro voltasse! Eu quebraria os chifres daquele

monstro! – exclamou ela desesperada.

A infeliz e abandonada moça só pensava em morrer, mas não conseguia encontrar

coragem para se matar. Subitamente, ouviu um sussurro baixo e irônico atrás de si e

voltou-se, assustada. Irradiando um brilho sobrenatural, a deusa Afrodite estava atrás

dela, e junto dela seu filhinho, o deus do amor, que baixara o arco. Um sorriso pairou nos

lábios da deusa antes que começasse a falar:

– Esqueça o seu ódio, não se zangue, linda moça! O touro odiado voltará, e

oferecerá os seus chifres para que você os arrebente. Sou eu quem enviou aquele sonho

a você. Console-se, Europa! Foi Zeus quem a raptou. Você agora é a deusa terrestre do

deus invencível! Seu nome será imortal, pois doravante a terra longínqua que a acolheu

será chamada Europa!

Os filhos de Zeus e Europa foram os sábios e poderosos reis Minos e Radamonte, que

depois de sua morte foram nomeados juízes dos mortos nos Ínferos. Seu terceiro filho foi o

herói Sarpédon, que morreu muito velho, como rei da Lícia, na Ásia Menor.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 77


Febo ou
Apolo
Febo ou Apolo

Febo ou Apolo
(Adaptado de Contos e Lendas da Mitologia Grega – Claude Pouzadoux, por Eduardo Brandão)

A pobre Latona teve grande dificuldade para pôr no mundo seus dois filhos com

Júpiter. Nova conquista do soberano dos céus, Latona também suportou o

rancor tenaz da esposa dele, Juno.

Quando ela estava prestes a parir, a deusa, morrendo de ciúme, proibiu todos

os lugares da terra de acolhê-la. As montanhas, as planícies, os rios, a natureza inteira

temiam enfrentar a cólera divina e fugiam à aproximação da jovem mulher.

Latona já estava quase sem forças quando uma pequena ilha, sem levar em conta

as ameaças de Juno, ofereceu-lhe hospitalidade e o repouso tão ansiado. Delos, pobre

rochedo deserto, batido pelos ventos e pelas ondas, nada tinha a perder. Foi aí, ao pé da

única palmeira da ilha, que dois novos deuses vieram à luz.

O nascimento de Apolo foi anunciado por um sinal prodigioso: sete cisnes sagrados

deram sete voltas ao redor de Delos; sete vezes eles cantaram para a parturiente. Na

oitava volta, calaram-se de súbito, e o bebê saiu do ventre materno. Desde então, essas

aves de voz melodiosa passaram a ser os queridos de Apolo, e Delos, seu lugar favorito.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 79


Febo ou Apolo

O menino cresceu entre os hiperbóreos, para junto dos quais os cisnes o levaram

quando nasceu. Esse povo habitava uma região distante, no extremo Norte do oceano,

e vivia sob um céu sempre puro. Ao se tornar adulto, o deus foi para a Grécia.

Mal chegou a Delfos, onde queria fundar um santuário, soube que um dragão

chamado Píton guardava o lugar e semeava o terror, massacrando homens e animais.

Libertou a região desse monstro e foi aclamado salvador por seus habitantes, que logo o

adotaram. Edificaram para ele um templo colossal, onde Apolo instalou sua sacerdotisa,

a Pitonisa ou Pítia. Ela era encarregada de pronunciar as palavras que o deus lhe soprava.

A seguir, um adivinho explicava o oráculo aos que vinham de toda a Grécia conhecer seu

destino ou encontrar uma solução para um problema embaraçoso.

Apolo não era amado apenas por seus atos benéficos; também lhe apreciavam a

grande beleza. Tinha os traços delicados de uma mulher e a musculatura bem-feita de

um atleta. Sua pele muito branca se destacava sob os cachos da cabeleira castanha.

Atribuições de Apolo
(Mitologia – Albino Pereira Magno)

A polo, como filho que era dos deuses, deixou a terra para ir sentar-se no meio

dos imortais que ficaram encantados com a sua beleza arrebatadora, com os

maviosos sons da sua voz e com os melodiosos sons da sua lira. Júpiter fê-lo deus da

luz, da poesia, da música, das letras, das belas artes, da eloquência, da medicina e dos

augúrios. É ele que guia o carro do sol puxado por quatro cavalos – Píroo, Éroo, Éton

e Flégon, cujo ardor impetuoso e cujos movimentos ele regula. É igualmente ele que

preside à assembleia das Musas e que as inspira.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 80


Febo ou Apolo

O Zodíaco
O s antigos astrônomos, observando o curso do sol, notaram que este astro

percorria um caminho circular e dividiram-no em doze partes correspondentes

a cada mês do ano. Nestes doze espaços estavam colocadas outras tantas constelações

chamadas os doze palácios do sol, nos quais Apolo entrava sucessivamente.

Áries Peixes Aquário

Touro

Capricórnio
Gêmeos

Câncer

Sagitário

Escorpião
Leão

Libra

Virgem

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 81


Febo ou Apolo

A primeira constelação chamada Áries (carneiro),

correspondente ao mês de março; era o carneiro

do velocino de ouro, sobre o qual Frisco e Heles

atravessaram o Helesponto.

A segunda era Taurus (o touro), correspondia ao mês

de abril. Dele se serviu Júpiter para fazer transportar

a Creta a bela Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia,

a qual deu o seu nome a uma das três partes do

mundo então conhecido.

A terceira chamava-se Gemini (os gêmeos), mês

de maio, eram Cástor e Pólux, filhos de Leda e

de Júpiter.

A quarta, Câncer (carangueijo), mês de junho. Este

era o monstro enviado por Juno contra Hércules

para o impedir de matar a hidra do lado de Lerna.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 82


Febo ou Apolo

A quinta era Leo (o leão), mês de julho, que

representava o leão da floresta de Nemeia, morto

por Hércules.

A sexta constelação era Virgo (a virgem), mês de

agosto, e era Témis, a deusa da justiça.

A sétima era a Libra (a balança), mês de setembro; era

a balança suspensa no céu por Astrea, deusa da paz,

quando tornou a subir ao céu depois de abandonar

a terra manchada pelos crimes dos homens.

A oitava constelação era Scórpio (escorpião),

outubro – cuja picada fez morrer o gigante Órion.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 83


Febo ou Apolo

A nona Sagittarius (sagitário), novembro, era o

centauro Quíron, preceptor de Aquiles.

A décima Caper ou Capricornus (capricórnio),

dezembro, era a cabra Amaltéia, ama de Júpiter.

A undécima, Aquarius (aquário), janeiro, julga-se que

era Ganímedes, copeira dos deuses.

A duodécima, finalmente, Pisces (os peixes),

fevereiro, eram os peixes que transportaram Vênus

e seu filho além do Eufrates, durante a guerra dos

deuses contra Tifeu; segundo outros, eram os

golfinhos que levaram Anfitrite e Netuno.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 84


Febo ou Apolo

A existência destas diversas constelações, e ainda de outras, anda ligada a fatos

mitológicos, por isso mencionaremos mais o que a fábula conta de algumas

outras constelações:

Origem da Grande Ursa: Calisto, uma das ninfas de Diana, foi amada por Júpiter. Juno,

sempre desvelada em espiar as ações de Júpiter e inimiga implacável de todas aquelas

que com ela podiam ter parte no coração de seu marido, por vingança metamorfoseou-a

em urso, e Júpiter colocou-a no céu formando a constelação do Grande Urso.

Arcturo ou Boieira: Arcas, o filho de Calisto, tendo crescido, entregava-se ao prazer

da caça. Um dia, estando para atirar uma seta mortífera contra sua mãe, Júpiter, para

evitar este matricídio, metamorfoseou-a em estrela e colocou-a no céu junto à mãe

formando o Arcturo ou Boieira.

Pequena Ursa: compõe-se de estrelas que representam as ninfas que foram as

amas de Júpiter.

Plêiades eram sete filhas de Atlante: apareciam na primavera, estação própria para

a navegação. O seu nome vem de pleo, verbo grego, que significa “navegar”.

Híades eram outras sete filhas de Atlas, assim chamadas de Hias, seu irmão, que

amavam em extremo, e que tendo-o perdido despedaçado por um leão, não cessavam

de chorar a sua morte. Os deuses, comovidos, transformaram-nas em estrelas, esta

constelação.

Héspero, rei da África: os poetas fingem que ele foi mudado em estrela da tarde,

chamada Hésperus, quando segue o sol para o poente, e Lúcifer, quando o precede ao

nascente.

Órion, a mais brilhante das constelações, foi um grande caçador. Sendo ferido por

uma serpente, Diana o transformou em constelação. Caça agora no céu acompanhado

de seus cães, duas outras constelações, Grande e Pequeno Cão.

A abóbada celeste foi povoada de astros e constelações aos quais a imaginação

dos gregos ligou histórias comovedoras.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 85


Ulisses e
Alcino
Ulisses e Alcino

Ulisses e Alcino
(Adaptado de O Livro de Ouro da Mitologia – Thomas Bulfinch)

(...) Ora, aconteceu que, na mesma noite em que Ulisses desembarcou na

ilha dos feácios, enquanto ele ainda dormia em seu leito de folhas, a

filha do rei, Nausícaa, teve um sonho mandado por Minerva, lembrando-lhe que o dia do

seu casamento não estava distante e que seria aconselhável, como preparativo daquele

acontecimento, lavar toda a roupa da família.

Agora devemos imaginar Ulisses, um náufrago, que escapara das ondas havia pouco

e se achava inteiramente sem roupa, despertando e descobrindo que apenas alguns

arbustos se interpunham entre ele e um grupo de jovens donzelas que, por sua atitude

e por suas vestes, ele percebeu que não eram simples camponeses, mas pertenciam a

uma classe mais elevada. Embora precisadíssimo de ajuda, como poderia aventurar-

se nu como estava, a aparecer e revelar suas necessidades? Não havia dúvida de que

se tratava de um caso digno da intervenção da sua protetora Minerva, que jamais o

abandonara nos momentos críticos.

Quebrando um ramo de árvore cheio de folhas, colocou-o diante de si e saiu do

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 87


Ulisses e Alcino

bosque. Ao vê-lo, as donzelas correram em todas as direções, exceto Nausícaa, pois

Minerva a amparara e a dotara de coragem e discernimento. Ulisses, mantendo-se

respeitosamente afastado, expôs sua triste situação e implorou à bela criatura (se era

rainha ou deusa, confessou não saber) alimento e vestuário. A princesa respondeu

cortesmente, prometendo ajuda imediata e a hospitalidade de seu pai, quando este

fosse posto a par dos fatos.

Aquele homem, explicou, era um infeliz peregrino, que tinham por obrigação

acolher, pois os pobres e os estrangeiros vêm de Jove. Pediu-lhes que trouxessem

alimento e vestuário, pois havia na carroça algumas roupas de seus irmãos. Quando

isso foi feito, e Ulisses, retirando-se para um lugar escondido, lavou do corpo a espuma

do mar, vestiu-se e retemperou as forças com o alimento, Palas dilatou suas formas, e

espalhou a graça sobre seu amplo peito e seu rosto viril.

Ao vê-lo, a princesa foi tomada de admiração e não teve escrúpulo em dizer às suas

damas que desejaria que os deuses lhe tivessem mandado um marido assim. A Ulisses,

recomendou que fosse à cidade, seguindo-a e ao seu séquito, enquanto estivessem nos

campos; quando, porém, se aproximassem da cidade, queria

que ele não mais fosse visto em sua companhia, pois

receava as observações que as pessoas rudes e vulgares

pudessem fazer, ao vê-la voltar acompanhada de tão

garboso estranho.

Ulisses seguiu as instruções e, oportunamente,

dirigiu-se à cidade. Antes de entrar no pátio do

palácio, Ulisses contemplou a cena. Seu esplendor

espantou-o. Muros de bronze estendiam-se da entrada

até o edifício interior, cujos portais eram de ouro, as

portas de prata, dintéis de prata ornamentados de ouro.

Em ambos os lados ficavam figuras de mastins em ouro e

prata, como se estivessem guardando a entrada da casa.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 88


Ulisses e Alcino

Ao longo das paredes, estavam colocados bancos cobertos em toda a sua extensão

de panos do mais fino lavor, trabalho das donzelas feácias. Nesses bancos sentavam-se

os príncipes, enquanto estátuas de ouro de graciosos jovens traziam nas mãos tochas

acesas que iluminavam a cena. Cinquenta mulheres trabalhavam na casa, algumas

empregadas para moer o trigo, outras, para tecer a púrpura ou fiar, pois as mulheres

feácias superavam todas as outras mulheres nas artes caseiras, do mesmo modo que os

marinheiros do país superavam os do resto do mundo no manejo dos navios.

Afinal, depois de haver contemplado a cena por bastante tempo, Ulisses entrou,

com passos rápidos, no salão onde se achavam reunidos os chefes e senadores, fazendo

libações a Mercúrio, cujo culto seguia-se à ceia. Avançando até o lugar onde estava

assentada a rainha, ele ajoelhou-se e implorou-lhe favor e assistência, que permitissem

seu regresso à terra natal, depois do que, se retirou, sentando-se, segundo o costume

dos suplicantes, ao lado da lareira.

Durante algum tempo, todos se mantiveram em silêncio. Afinal, um idoso

conselheiro disse, dirigindo-se ao rei:

— Não convém que um estrangeiro que vem pedir hospitalidade seja deixado à

espera, como um suplicante, sem que ninguém o saúde. Deixemo-lo, portanto, assentar-

se entre nós e receber alimento e vinho.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 89


Ulisses e Alcino

A estas palavras, o rei, levantando-se, ofereceu a mão a Ulisses e conduziu-o a um

assento de onde tirou o próprio filho, para ceder lugar ao estrangeiro. Foram colocados

diante dele iguarias e vinho, e Ulisses comeu e bebeu.

Depois que os convidados saíram e Ulisses ficou a sós com o rei e a rainha,

esta perguntou-lhe quem ele era e de onde vinha e (reconhecendo as vestes que ele

trazia, pois fora ela própria, com suas damas, que as fizera) de quem recebera aqueles

vestuários. Ulisses narrou sua estada na Ilha de Calipso e sua partida de lá; o naufrágio

da jangada, como conseguira salvar-se a nado e o socorro que lhe prestara a princesa. O

rei e a rainha escutaram com ar de aprovação, e o rei prometeu fornecer um navio para

seu hóspede regressar à terra natal.

No dia seguinte, a assembleia dos chefes confirmou a promessa do rei. Foi

preparado um barco e escolhida uma tripulação de robustos remadores e todos se

reuniram no palácio, onde foi servido lauto repasto. Depois da festa, o rei sugeriu que

os jovens mostrassem ao hóspede sua eficiência em muitos exercícios atléticos e todos

se dirigiram à arena, para a realização de provas de corrida, luta e outros exercícios.

Depois de todos terem-se exibido, da melhor maneira possível, Ulisses, convidado

a mostrar suas habilidades, recusou-se, a princípio, mas, sendo escarnecido pelos jovens,

pegou um disco, muito mais pesado do que qualquer um dos que haviam sido lançados

pelos feácios, e atirou muito mais longe do que aqueles haviam lançado os seus. Todos

ficaram atônitos e passaram a encarar seu hóspede com redobrado respeito.

O rei propôs que todos os chefes lhe oferecessem um presente, dando ele próprio

o exemplo. Os chefes obedeceram e cada qual quis destacar-se sobre os outros,

oferecendo valiosos presentes ao ilustre estrangeiro.

No dia seguinte, Ulisses partiu no navio dos feácios e, dentro de pouco tempo,

chegou são e salvo à Ilha de Ítaca, sua pátria.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 90


Íris
Íris

Íris
(Dicionário da Mitologia Grega e Romana – Pierre Grimal)

Í ris é filha de Taumas e Electra. Pertence à raça de Oceano simultaneamente pelo

lado paterno e pelo materno. Por isso, é irmã das Hárpias. Simboliza o arco-íris

e, de um modo geral, a união entre a Terra e o Céu, entre os deuses e os homens, que o

arco-íris torna visível.

Na maior parte das vezes, representa-se alada e revestida de um véu ligeiro que,

ao sol, adquire as cores do arco-íris. Por vezes, diz-se que é mulher de Zéfiro.

Como Hermes, Íris tem a incumbência de levar as mensagens, ordens ou conselhos

dos deuses. Está mais estreitamente ligada ao serviço de Zeus e, sobretudo, de Hera,

de quem surge quase como uma serva. Outras divindades recorrem por vezes ao

seu serviço.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 92


Éolo
Éolo

Éolo
(Mitologia – Albino Pereira Magno)

É olo era o poderoso rei dos ventos e filho de Júpiter. Habitava as sete

ilhas vulcânicas, chamadas Eólias, em volta das quais murmuravam sons

harmoniosos, que eram o ruído dos ventos que tinha encerrado nas profundas cavernas

debaixo do seu palácio e que, armado do seu tridente, fazia sair ou entrar à sua vontade.

Ulisses, tendo abordado aos seus estados, foi por ele presentado com muitos

odres dentro dos quais estavam recolhidos os ventos. Os companheiros de Ulisses, não

podendo refrear a sua curiosidade, abriram os odres, donde, saindo os ventos, fizeram

uma horrível desordem e suscitaram uma tão furiosa tormenta, que Ulisses perdeu

todas as suas naus e salvou só a sua pessoa sobre uma tábua.

Os ventos submetidos às ordens de Éolo dividiam-se em duas famílias: uns, saídos

dos gigantes, os mais temíveis, turvavam o ar e originavam as tempestades; outros,

filhos dos deuses, eram favoráveis aos mortais. Os quatro ventos principais eram: Bóreas,

vento do norte; Austro, vento do sul; Euro, vento do oriente; Zéfiro, vento do ocidente –

e este é o mais agravável e o mais próprio para a fecundidade da terra.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 94


Éolo

O mais impetuoso era o Bóreas, que habitava a Trácia, a mais setentrional das

regiões então conhecidas. As suas asas estavam carregadas de furacões; a barba e os

cabelos, envolvidos de nevoeiros, de nuvens e de chuvas; dos seus pés, levantavam-se

espessos turbilhões de poesia; os seus olhos deitavam raios e relâmpagos; e a terra e os

mares tremiam quando ele soprava.

Zéfiro era o vento tutelar dos marinheiros. A sua brisa era branda e tépida; quando

se fazia sentir, os navios saíam da Itália e dirigiam-se para as ilhas. Zéfiro desposara

Flora, a deusa das flores.

Representavam-no como um mancebo belo e louro, de aspecto agradável, coroado

de grinaldas, com asas de borboleta, deslizando levemente através dos ares, e semeando

flores pelo caminho.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 95


A Revolta
dos Gigantes
A Revolta dos Gigantes

A Revolta dos Gigantes


(Mitologia – Albino Pereira Magno)

D e Tellus, a Terra, descendia uma raça feroz e hedionda de gigantes, de formas

monstruosas, com serpentes nos pés, a barba esquálida, braços inumeráveis

armados de garras, sempre sujos de sangue e pó, irrequietos e turbulentos, só se achando

bem quando praticavam o mal. Pretenderam escalar o céu e cercar Júpiter, e para isso

amontoaram rochedos sobre rochedos, montanhas sobre montanhas, o monte Ossa sobre

o Pélion e, quando atingiram a região das nuvens e das tempestades, atacaram o céu.

Júpiter chamou em seu socorro todos os deuses e deusas. Stix (ou Estinge), filha

do Oceano, foi a primeira a chegar e, em recompensa, Júpiter decretou que todos os

juramentos feitos em nome dela fossem sagrados e invioláveis.

Os dois exércitos em breve se encontraram frente a frente. O combate foi terrível.

De uma e outra parte a resistência foi igual. Júpiter aparecia e toda a parte, multiplicava-

se, os raios choviam, porém os gigantes ofereciam tenaz resistência e ameaçavam

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 97


A Revolta dos Gigantes

esmagar tudo com os seus cem braços, fazendo chover no Olimpo árvores e rochedos.

Os imortais tiveram medo e fugiram; apenas três ou quatro deuses

ou deusas ficaram com Júpiter, que não desesperando de

sua causa, envolvendo-se numa nuvem, desceu à terra e

veio buscar Hércules, seu filho.

Um antigo oráculo anunciara que os gigantes

seriam invencíveis se os deuses não chamassem em seu

auxílio um simples mortal. Chegado ao local do combate,

Hércules, o herói, levanta a sua maça e prostra a seus pés

um dos mais temíveis gigantes, e a cada uma das suas pancadas

um gigante a é precipitado nos infernos. Vulcano, seu filho, deus do fogo, traz varas de

ferro incandescentes. Cibeles chega também arrastando pelos cabelos a medonha e

horrenda cabeça de um gigante que ela transforma em pedra.

Finalmente os gigantes fogem. Encélado, o mais terrível de todos, é o único

que ainda permanece às portas do Olimpo, procurando arrombá-las para esmagar os

deuses, mas Minerva avança com o seu carro de fogo e ele, amedrontado, foge. Então a

poderosa deusa, levada nas asas dos ventos, toma a Sicília nos seus braços, arremessa-a

para a frente do gigante, toma-lhe a passagem e sepulta-o

Significado simbólico

E sta luta dos gigantes contra Júpiter recorda a luta dos maus anjos contra

Deus; é também o símbolo dos temíveis efeitos da natureza. Júpiter é o deus

das regiões superiores do ar, ou antes o próprio ar. As montanhas parecem sair das

entranhas da terra e querer com seus soberbos cumes, quase sempre cobertos de neve,

escalar o céu. O vulcão, no momento da sua erupção, dir-se-ia um gigante que se agita

e cuja boca vomita turbilhões de fogo.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 98


Teseu
e Pirítoo
Teseu e Pirítoo

Teseu e Pirítoo
(As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica, por Gustav Schwab)

T eseu era conhecido por sua força e coragem extraordinárias, Pirítoo, um dos

mais conhecidos heróis da Antiguidade, um dos filhos de Ixíon, quis pô-lo

à prova e para tanto furtou as reses do herói. Quando soube que Teseu, armado, o

perseguia, conseguiu o que queria. Quando os heróis se defrontaram, cada qual admirou

a força, a beleza e a coragem do adversário. Como se alguém lhes tivesse dado um sinal,

ambos jogaram suas armas no chão e correram um para o outro. Pirítoo estendeu o

braço direito para Teseu, exortando-o a julgar ele mesmo o roubo das reses.

- A única indenização que exijo – respondeu Teseu com os olhos brilhantes – é que

você se torne meu amigo e aliado.

Os dois heróis abraçaram-se e juraram lealdade e amizade.

Teseu perseguindo
as mulheres
Graças à sua amizade com o jovem Pirítoo, Teseu, que já envelhecia, viu renascer

em si o desejo de novas aventuras ousadas e solitárias. A esposa de Pirítoo, Hipodâmia,

morrera pouco tempo depois de seu casamento, e como Teseu também estava de novo

só, ambos saíram em busca de mulheres.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 100


Teseu e Pirítoo

Teseu no Tártaro
(Os Mitos Gregos – Robert Graves)

Depois da morte de Hipodâmia, Pirítoo convenceu Teseu, cuja esposa Fedra havia

se enforcado não fazia muito tempo, que o acompanhasse numa visita a Esparta e

arrebatasse Helena, irmã dos Dióscuros Castor e Pólux. No lugar onde está o santuário de

Serápis em Atenas, eles, que desejavam estabelecer com Helena uma aliança mediante

o matrimônio, juraram permanecer um ao lado do outro nessa perigosa empreitada;

sortear a irmã dos Dióscuros depois de havê-la conquistado; e encontrar depois uma

outra filha de Zeus para o perdedor, não importasse que perigos surgissem.

Uma vez tomada a decisão, eles lideraram um exército à Lacedemônia e, então,

cavalgando na primeira linha do corpo principal, capturaram Helena enquanto ela

oferecia um sacrifício no templo de Ártemis em Esparta, e saíram a galope. Eles logo

se distanciaram de seus perseguidores e livraram-se definitivamente deles em Tegeia,

onde sortearam Helena, conforme o combinado, tendo sido Teseu o vencedor.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 101


Teseu e Pirítoo

Ele, entretanto, intuiu que os atenienses não aprovariam o fato de ele ter provocado

uma briga com os temíveis Dióscuros, de maneira que Teseu enviou Helena, que ainda não

era núbil — mas uma criança de 12 anos ou, conforme alguns, até menos —, para o vilarejo

ático de Afidna, encarregando seu amigo Afidno de cuidar dela com a máxima atenção e

segredo. Etra, mãe de Teseu, acompanhou Helena e cuidou dela com muito zelo.

Alguns anos depois, quando Helena já tinha idade para se casar com Teseu, Pirítoo

lembrou-o do seu pacto. Foram juntos consultar um oráculo de Zeus, a quem haviam

invocado como testemunha de seu juramento, e sua irônica resposta foi: “Por que não

visitar o Tártaro e pedir a mão de Perséfone, esposa de Hades, para Pirítoo? Ela é a

mais nobre de minhas filhas.” Teseu sobressaltou-se quando Pirítoo, que havia levado

a resposta a sério, obrigou-o a manter sua promessa. Ele, contudo, não se atreveu a

quebrar a promessa, e então os dois desceram ao Tártaro, munidos de suas espadas.

Evitando a passagem fluvial através do Lete, escolheram o caminho de trás, cuja

entrada se encontra numa caverna do cabo Tênaro, na Lacônia, e logo alcançaram os

portões do palácio de Hades. O deus do Tártaro escutou tranquilo o seu irreverente

pedido e, fingindo hospitalidade, convidou-os a se sentarem. Sem dar-se conta, eles

ocuparam o assento oferecido por Hades: a Cadeira do Esquecimento, que, no mesmo

instante, tornou-se parte de sua carne, de maneira que eles não podiam se levantar

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 102


Teseu e Pirítoo

sem mutilarem-se a si mesmos. Serpentes retorcidas sibilavam em torno deles enquanto

as Fúrias os açoitavam e Cérbero os mordia, tudo isso sob o olhar sombrio e zombeteiro

de Hades.

Assim permaneceram em tormento durante quatro anos inteiros, até que Hércules,

vindo por ordem de Euristeu para agarrar Cérbero, reconheceu-os ao estenderem suas

mãos em silêncio, suplicando-lhe ajuda. Perséfone recebeu Hércules como a um irmão,

permitindo-lhe benevolamente que libertasse os malfeitores e os levasse de volta aos

ares superiores, caso fosse capaz. 5 Hércules apanhou Teseu com ambas as mãos e

o ergueu com uma força descomunal, até ouvir-se um som de algo que se dilacera, e

então o libertou, arrancando-o do seu assento; mas grande parte da carne de Teseu

ficou presa à rocha; por isso, os descendentes atenienses de Teseu têm um traseiro

minúsculo. Em seguida, ele tomou as mãos de Pirítoo, mas, ao tremor ameaçador da terra,

desistiu. Pirítoo havia sido, no final das contas, o mentor daquela empresa blasfema.

6 e. Segundo alguns relatos, entretanto, Hércules teria libertado Pirítoo e Teseu, mas

há outros que dizem não ter ele libertado nenhum dos dois, mas abandonado Teseu

acorrentado para sempre a uma cadeira incandescente e Pirítoo recurvado ao lado de

Íxion num divã dourado a contemplar, famintos, magníficos banquetes que a maior das

Fúrias constantemente lhes arrebatava. Dizem também que Teseu e Pirítoo jamais foram

ao Tártaro, mas a uma cidade, na Tesprótia ou na Molóssia, chamada Ciquiro, cujo rei,

Aidoneu, ao descobrir que Pirítoo planejava raptar a sua esposa, atirou-o a uma matilha

de cães e confinou Teseu numa masmorra, da qual finalmente Hércules o resgatou.

Guia de Leitura – Os Lusíadas – Canto II 103


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