Resenha Marc Bloch Por Beatriz Cerqueira

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RESENHA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Beatriz Cerqueira Novaes

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício do Historiador. Tradução de André


Telles. Rio de Janeiro: ed Zahar, 2001.

A presente resenha trata sobre uma das mais famosas obras de Marc Bloch,
considerado um dos maiores historiadores em decorrência de suas inovações técnicas e
metodológicas. Bloch estudou numa das mais tradicionais escolas de Paris, tendo sido
incentivado desde cedo a seguir o percurso acadêmico, seu pai era Gustave Bloch,
professor de História Antiga. Um grande marco da carreira de Bloch foi quando em
1929 junto com seu amigo Lucien Febvre fundou a escola dos Annales, que de certa
forma ia contra o positivismo histórico ao buscar o desenvolvimento de alguns de seus
pressupostos: novas abordagens, maior aprofundamento na pesquisa histórica, não
esquecer o homem comum e nem focar na história vista de cima, bem como ao
historicismo alemão que afirmava erroneamente termos que deixar as fontes falarem por
si.

A referida obra é “Apologia da História ou O ofício do Historiador” e sobre ela


vale logo destacar que é uma obra inacabada em decorrência da morte do autor, que foi
fuzilado devido a seu envolvimento na Segunda Guerra Mundial, o próprio livro
inclusive foi escrito enquanto ele estava na prisão, sem acesso a nada além de sua
memória. Além do momento da vida de Bloch não ser um dos mais favoráveis, o livro
também foi escrito em momento de crise para a história, era preciso se firmar como
disciplina acadêmica e mostrar sua relevância, pois corria o avanço de outras ciências, e
essas outras disciplinas tentavam fazer o trabalho histórico como ainda as vezes hoje
ocorre, quando antropólogos, economistas, sociólogos, jornalistas se colocam na
posição de historiadores sem o serem, ocorrência que foi bastante debatida e
problematizada durante a disciplina tendo como exemplo que me recordo os livros de
Laurentino Gomes.

Para dar início ao texto Bloch toma o questionamento de um filho: “para que
serve a história?”, o autor diz logo em seguida que o livro que se vai ler é a sua resposta.
Isso já na primeira página nos leva ao centro de uma de suas convicções: a obrigação de
o historiador difundir e explicar seus trabalhos, aqui entra a sua famosa frase “Saber
falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes.” (BLOCH, Marc. P. 41), é aqui
fundamental o debate tido em sala de aula sobre não deixar o conhecimento apenas
dentro dos muros da academia.

No capítulo um “A história, os homens e o tempo”, Bloch inicia falando sobre


como a palavra “história” parece que existe desde sempre: “Mesmo permanecendo
pacificamente fiel a seu glorioso nome helênico, nossa história não será absolutamente,
por isso, aquela que escrevia Hecateu de Mileto.” (BLOCH, Marc. p. 51), por exemplo,
mesmo tendo tido um espaço na produção de sociólogos durkheimianos, era relegada a
um singelo cantinho nas ciências sociais, e tal cenário mudou. Depois dessas
considerações iniciais, passa a enfatizar as mudanças de conteúdo pelas quais a história
como prática investigativa passou desde o seu surgimento.

A história tem como objeto exclusivo o homem? Ou é possível pensarmos a


história de qualquer coisa que apresente algum tipo de mudança no tempo? Bloch
admite que na linguagem tradicionalista conserva-se a ideia que o nome “história”
estava ligado a todo estudo de uma mudança na duração, entretanto na visão do autor é
errado intitular a história como ciência do passado e absurdo pensar de imediato na ideia
de passado como objeto de ciência, ele chega até a questionar “Será possível imaginar,
em contrapartida, uma ciência total do Universo, em seu estado presente?” (BLOCH,
Marc. p. 52). Inclusive ele usa o exemplo do sistema solar, que trata do estudo do
tempo, mas não pertence a história dos historiadores. Contudo é necessário aqui atentar-
se pois essa ruptura não pode produzir generalização, já que aquilo que aparentemente é
restrito a uma especificidade científica pode extrapolar isso, Bloch exemplifica com o
caso do golfo profundo Zwin, na costa flamenga. O correto então seria “Ciência dos
homens no tempo" até porque “o tempo da história, ao contrário, é o próprio plasma em
que se engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade” (BLOCH, Marc.
p. 55). Ademais, ao meu ver o “os homens” adiciona relatividade, enquanto que se o
uso fosse no singular favoreceria a abstração.

Nesse capítulo vale destacar ainda que “Uma ciência, entretanto, não se define
apenas por seu objeto. Seus limites podem ser fixados, também, pela natureza própria de
seus métodos.” (BLOCH, Marc. p. 63) frase que traz justamente essa inovação do olhar
da história por Bloch; e “a ignorância do passado não se limita a prejudicar a
compreensão do presente; compromete, no presente, a própria ação.” (BLOCH, Marc. p.
63) tal afirmativa me faz refletir bastante sobre a atual situação do Brasil, onde o
negacionismo exacerbado fez com que certos políticos fossem eleitos, e discursos
absurdos sobre a Ditadura Militar, por exemplo, se alastrem.

Já no capítulo dois “A observação histórica” trata sobre a impossibilidade do


historiador de constatar todos os fatos que estuda, Bloch exemplifica: “nenhum
especialista das guerras napoleônicas ouviu o canhão de Austerlitz” (BLOCH, Marc. p.
69). Ou seja, estamos condenados a esse conhecimento indireto, iremos sempre fazer
uso dos testemunhos, mesmo assim, ironicamente ao meu ver, “conseguimos, todavia,
saber sobre ele (o passado) muito mais do que ele julgara sensato nos dar a conhecer
(BLOCH, Marc. p. 78). Apesar da constatação de tal fato, é importante frisar que a
observação passiva não traz benefícios cientificamente, inclusive poucas são as ciências
a fazer uso de tantas ferramentas distintas como a História, isso se dá por estarmos
lidando com o mais complexo: os fatos humanos. Reunir os documentos necessários
torna-se muitas vezes uma das tarefas mais difíceis do historiador, devido a sua
imensidão em alguns casos, não conseguiria realizá-la sem a ajuda de guias.

O capítulo três “A crítica” mostra os perigos em transitar pelo o ceticismo e pela


credulidade, demonstra a importância de um novo olhar “pois a familiaridade traz,
quase necessariamente, a indiferença.” (BLOCH, Marc. p. 104) e dedica boa parte a
falar sobre os plagiadores, fala que notei ser deveras exaustiva. Além disso o destaque
do capítulo na minha opinião ficou para a perfeita exemplificação que Bloch fez ao
comparar o historiador ao juiz do processo dos Templários, ele afirma que a conclusão
evidente é que o juiz ditava as respostas, ou seja, o diferencial é como interrogamos as
fontes, que é justamente o que requer o trabalho do historiador: interpretação das fontes,
crítica a fonte. É também abordado o paradoxo metodológico da similitude, a linha
tênue entre negar as repetições e basear-se por elas, Bloch explica posteriormente que
tal paradoxo é superficial pois “Uma ciência que se limitasse a constatar que tudo
acontece sempre como se esperava não teria uma prática proveitosa, nem divertida.”
(BLOCH, Marc. p. 115)

Nos capítulos finais, que foram os menos interessantes em termos de conteúdo


entendível: quatro “A análise histórica” e cinco (sem nome), fala-se sobre as referências
morais, a importância dos elementos diversos da história que engloba a
interdisciplinaridade, o vocabulário dos documentos, a questão de os fatos históricos
serem também fatos psicológicos. Enfim, o livro pode ser realmente resumido em sua
última frase “as causas, em história como em outros domínios, não são postuladas. São
buscadas.” (BLOCH, Marc. p. 159), isolado ninguém compreenderá nada e quando o
autor afirma que uma ciência não se define apenas pelos seus objetos, mas que seus
limites podem também ser fixados pela natureza de seus métodos, ele está certíssimo. O
livro é atemporal, tanto que foi fácil traçar paralelos com a atualidade, sem dúvida é
leitura indispensável para um historiador.

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