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Redação 

Argumentativa
A argumentação velada: implícitos e seleção lexical

Profa. Ma. Mairy Ribeiro


Objetivo geral
• Demonstrar como as informações implícitas e a
seleção lexical contribuem para tornar a
argumentação mais eficaz

Objetivos específicos

• Identificar os implícitos contidos em um texto;


• Diferenciar pressuposto de subentendido;
• Identificar os marcadores de pressuposto;
• Selecionar palavras negativas e positivas para tornar a
argumentação mais efetiva.
• Todo texto é composto por dois tipos de informação: uma
explícita e outra implícita. As informações explícitas são
aquelas que estão na superfície do texto, expressas
literalmente nas sentenças. As implícitas estão
submersas nessas mesmas frases.
• Para compreender bem um texto, é fundamental levar em
consideração esses dois tipos de informação. Mais ainda,
para escrever um texto argumentativo convincente, é
preciso planejar o direcionamento que se pretende dar a
ele. Fazemos isso estabelecendo de antemão o
pressuposto com base no qual encaminharemos a
argumentação, de forma a deixar nosso ponto de vista
claro.
Pressuposto

As informações implícitas dividem-se em pressuposto e


subentendido. Comecemos pelo pressuposto. O que vem a
ser ele? No dicionário, encontramos o seguinte conceito:
Pressuposto:
1. Que se pressupôs; que se supôs por antecipação;
2. Circunstância ou fato considerado como antecedente
necessário de outro.
O que significa considerar algo como “antecedente”
necessário de outro? Veja o seguinte exemplo:
• O Ministério mudou seu plano de saúde para melhor.
• Temos, nessa simples frase, duas informações:
1ª informação posta, explícita: o Ministério mudou o plano
de saúde para melhor.
2ª informação pressuposta: antes o plano de saúde não
era bom o suficiente.
• Observe que, se o plano de saúde fosse excelente e não
houvesse necessidade de mudança, a afirmação deixaria
de ser válida. É exatamente por esse motivo que o
pressuposto deve ser considerado um “antecedente
necessário” de algo que é dito. Para entender melhor o
assunto, compare estas duas sentenças:
Analisemos os pressupostos
• 1. Apresentamos outra proposta interessante.
•  2. Apresentamos uma proposta melhor.
Na frase 1, a informação posta, ou explícita, é: alguém está
apresentando uma proposta que julga interessante. As informações
pressupostas são:
• Já houve apresentação de outra proposta;
• A outra proposta era interessante;
• A nova proposta é tão interessante quanto a outra, ou mais
interessante ainda, visto que houve necessidade de apresentá-la.
Na frase 2, “Apresentamos uma proposta melhor”, temos as
seguintes informações implícitas:
• Já houve apresentação de outra proposta;
• A nova proposta é melhor do que a outra.
Qual o pressuposto?
No primeiro quadrinho, a cartomante dá a receita para um
casamento feliz. No segundo, Helga surpreende a filha
com a conclusão a que chegou sobre as palavras da
mulher. Para compreendermos o humor da tira, temos de
explicitar o pressuposto de que se vale Helga para sua
afirmação.
• Trata-se da ideia implícita de que não há casamento
perfeito, porque não há como encontrar um homem que
preencha as condições ditadas pela cartomante. Observe
que esse argumento não foi expresso, ou seja, não foi
exposto textualmente; ele está apenas pressuposto.
ATENÇÃO!
  AS informações explícitas podem ser questionadas pelo
ouvinte, que pode ou não concordar com elas. (...) Os
pressupostos, porém, devem ser verdadeiros ou, pelo
menos, admitidos como verdadeiros, porque é a partir
deles que se constroem as afirmações explícitas. Isso
significa que, se o pressuposto é falso, a informação
explícita não tem cabimento. [PLATÃO; FIORIN. Lições de
texto: leitura e redação. p. 527.]
Marcadores de pressupostos

• 1. Adjetivos (ou palavras similares):


• A primeira mulher a ser ministra do STF foi Ellen Gracie.
O numeral primeira pressupõe:
Que outras mulheres se tornaram ministras do STF
depois de Ellen Gracie;
Que, antes de Ellen Gracie, nenhuma mulher ocupou
cargo de ministra do STF.
• 2. Verbos que indiquem mudança ou permanência de
estado (permanecer, continuar, tornar-se, vir a ser, ficar,
passar a, deixar, começar, principiar, converter-se em,
transformar-se em, ganhar, perder):
O processo continua no setor de compras.
O verbo continuar aponta que o processo já estava no
setor de compras no momento anterior ao presente.
• 3. Verbos que indiquem ponto de vista sobre o fato
expresso por seu complemento (pretender, supor,
alegar, presumir, imaginar):
O advogado alega que seu cliente é inocente.
O verbo alegar pressupõe que seu objeto é verdadeiro
para o sujeito (o advogado), mas não necessariamente
para o produtor do texto.
• 4. Certos advérbios (já, ainda, agora, totalmente, etc):
• Os servidores da nossa seção agora estão mais bem-
treinados.
• O advérbio agora pressupõe que antes os servidores da
seção não eram bem-treinados.
• Orações adjetivas:
• As empresas de mão de obra terceirizada que não
cumprem contratos prejudicam os trabalhadores.
• Na forma como está pontuada, a oração “que não
cumprem contratos” classifica-se como
adjetiva restritiva. Seu emprego pressupõe que não são
todas as terceirizadas que prejudicam os trabalhadores,
mas apenas uma parte delas.
• Se a ideia fosse se referir à totalidade das empresas, a
frase deveria ser reescrita com o emprego de oração
adjetiva explicativa:
As empresas de mão de obra terceirizada, que não
cumprem contratos, prejudicam os trabalhadores.
• Na nova redação, o pressuposto transmitido pela oração
adjetiva é outro. O que está implícito é que todas as
empresas de mão de obra terceirizada não cumprem
contratos.
• A diferença entre as orações adjetivas restritivas e as
explicativas reside nos pressupostos que elas criam. As
restritivas pressupõem que uma dada afirmação se refere
a apenas parte dos elementos do conjunto designado
pelo antecedente do pronome relativo; as explicativas
deixam implícito que a afirmação é aplicável à totalidade
deles.
• 6. Certas conjunções: mas, porém, ou, contudo:
Estou casado, mas continuo feliz.
Fiz faculdade, mas aprendi alguma coisa.
Na minha idade, ou é cara ou é coroa.
• Na frase, “Estou casado, mas continuo feliz”, a ideia
pressuposta é que quem é casado é infeliz. No outro
exemplo, o pressuposto é que quem faz faculdade não
aprende nada. No último período, provavelmente um
homem mais velho descreve o tipo de companhia
feminina que seria, segundo o pressuposto, compatível
com a idade que tem.
Subentendido
• O outro tipo de implícito – o subentendido – não aparece
marcado na frase; é fruto de processo interpretativo. Pelo
fato de sugerir sem dizer, o subentendido funciona como
estratégia de não comprometimento do enunciador.
• O subentendido, por possibilitar dizer alguma coisa sem
fazê-lo explicitamente, passa a ser de responsabilidade
exclusiva do interlocutor. Ou seja, o emissor da
mensagem, ao ser inquirido sobre a informação
subentendida, pode negá-la.
Qual o subentendido?
• Ao ler a frase que acompanha a imagem, um cliente
poderá entender que contratar esse advogado é uma
ótima ideia, pois:
• ele conhece as leis e o modo de pensar do juiz.
• ele conhece as leis e é amigo do juiz.
• mesmo que não seja um advogado brilhante, é amigo do
juiz.
Em síntese, subentendidos são insinuações não marcadas
nas sentenças, isto é, não estão expressas em palavras. A
aceitação do subentendido é de responsabilidade do
interlocutor, que pode interpretá-lo num sentido ou noutro.
Cabe a ele comprar a ideia que está sendo veiculada de
forma sub-reptícia, mesmo que o locutor tenha
intencionalmente elaborado suas frases para que elas
transmitissem uma dada sugestão.
Implícito

Pressuposto Subentendido
Aparece marcado na frase Não aparece marcado na frase;
por palavras como adjetivos,
verbos, advérbios,
conjunções, orações É apenas insinuado, sugerido.
adjetivas.
Seleção lexical

• A seleção vocabular ou lexical é muito importante na


construção do significado textual, uma vez que ela pode
servir como excelente estratégia de persuasão. Isso se
explica na medida em que uma mesma realidade pode
ser apresentada por vocábulos de conotação positiva, por
vocábulos neutros ou por vocábulos de conotação
negativa. 
A escolha cuidadosa de palavras revela as intenções do
autor, além de fornecer informações importantes sobre os
elementos participantes do ato comunicativo.
Um mesmo evento histórico pode ser descrito de forma
muito diversa por dois grupos antagônicos.
• Para confirmar o fato de que a seleção vocabular pode
ser determinante para a definição de sentidos, repare
como os verbos a seguir gradativamente mudam a
significação, de negativa para positiva:
Assassinar, matar, sacrificar;
Garatujar, rabiscar, escrever, compor.
Se um vocábulo não for capaz de, por si só, atribuir a um
objeto ou assunto a pretendida carga semântica negativa
ou positiva, poderemos empregar adjetivos ou advérbios
com essa finalidade.
Se um vocábulo não for capaz de, por si só, atribuir a um
objeto ou assunto a pretendida carga semântica negativa
ou positiva, poderemos empregar adjetivos ou advérbios
com essa finalidade.
• Quando a realidade descrita por uma palavra já detém
significação positiva ou negativa, o autor pode, ainda, acentuar
ou atenuar essa significação, mediante:
substituição lexical:
Bonita, linda, maravilhosa
Cheiro, fedor
Idolatrar, adorar, amar
Entoar, berrar, cantar, esganiçar
emprego de sufixos:
linda, lindíssima
agradável, agradabilíssimo
emprego de advérbios:
extremamente útil
razoavelmente necessário
• Para atribuir conotação negativa a uma dada realidade,
pode-se mudar a palavra de campo semântico. É
possível, por exemplo, fazer a transposição do mundo
humano para o mundo dos animais ou dos objetos:
• unhas = garras
• dentes = presas
• reunir = empilhar, amontoar
Viés
• A seleção vocabular, a depender da forma como é usada,
pode ser expediente para a estratégia argumentativa
conhecida como viés: forma de manipular o texto para
criar imagem positiva ou negativa de algo, tentando
aparentar neutralidade.
Truculência marca estilo de “malvadeza”

Antônio Carlos Magalhães está há 47 anos no poder. Já foi


quase tudo. Deputado, prefeito, governador, senador e
presidente do Senado. (...)
Por muito tempo fez o que bem quis. Nem mesmo
militares, nos anos de chumbo, escaparam de
sua truculência. (...) De influente sustentáculo
da ditadura militar a trunfo decisivo na aliança que elegeu
Tancredo Neves, em 1985, passou a ser conhecido como
Toninho Ternura. O estilo malvadeza, porém, voltou com
força o ano passado, quando percebeu o isolamento
político. [JB. 27-4-2001.]
Situação limite aos 47 anos

Sabatinado pelos senadores no Conselho de Ética, Antônio


Carlos Magalhães poucas vezes enfrentou situação tão
constrangedora em 47 anos de vida pública. Nesse
período amargou apenas nove meses de ostracismo
político. (...) Foi quando, apoiando a longa vida do regime
militar, se transferiu para a Aliança Democrática que
elegeria Tancredo Neves.
(...) Dos seus feitos sempre teve muito orgulho. Nunca
mediu palavras, enfrentou, combateu e bateu. [O Globo.
27-4-2001.]
Análise
• O texto do JB descreve o político de forma negativa,
recorrendo a palavras e expressões como truculência,
estilo malvadeza? O período político dos anos sessenta
é mencionado como anos de chumbo, ditadura militar. Já
o jornal O Globo, pela seleção vocabular, constrói uma
imagem muito mais positiva de Antônio Carlos
Magalhães. O que o primeiro jornal chama de ações
truculentas o segundo atenua, selecionando verbos de
conotação positiva: enfrentou, combateu.
Como não ser iludido?
• Platão e Fiorin (2006) nos aconselham a ficar atentos,
pois todo texto traz, de forma intencional ou não, o
julgamento de seu produtor, que pode influenciar a
opinião do leitor:
• Para não cair na ingenuidade e para não se deixar levar
pela malícia do produtor do texto, o leitor atento deve
procurar reconhecer todo tipo de viés, pois essa é uma
das formas de manipular o texto, pela qual o escritor cria
uma imagem positiva ou negativa de um certo dado da
realidade, fingindo estar sendo neutro.
Qual o viés?
O que a campanha esconde, no entanto, é que a
publicidade de cigarros de qualquer natureza, inclusive as
indiretas, está proibida por lei há 16 anos. Além disso,
nada se fala a respeito dos malefícios do tabaco para a
saúde, numa clara manipulação da informação por meio do
viés.
Figuras retóricas
• A seleção vocabular trabalha também com as figuras
retóricas: recursos linguísticos altamente persuasivos.
Segundo Abreu (2008), as figuras retóricas “possuem um
poder persuasivo subliminar, ativando nosso sentido
límbico, região do cérebro responsável pelas emoções.
Como funcionam?
• Elas funcionam como cenas de um filme, criando
atmosferas de suspense, humor, encantamento, a serviço
de nossos argumentos”.
A figura de retórica mais utilizada é a metáfora, por meio
da qual se faz uma comparação implícita. 
Metáforas usadas em textos persuasivos
• Metáfora médica
De grande poder persuasivo, em razão de seu apelo
universal, a metáfora médica compara a sociedade com o
corpo humano e nos fala de remédios, males e curas. Veja
um exemplo:

O governo criou a quimioterapia do real para extirpar o


câncer da inflação, mas as taxas de juro estão impedindo a
recuperação completa da economia.
• Metáfora do conserto
A metáfora do conserto sugere que algo se estragou e
precisa ser consertado. Podemos dizer, por exemplo, que
é preciso descobrir a fórmula do cimento capaz de unir as
pessoas, ou coisas, como em:
Vivemos a morte de Ayrton Senna. Mas até essa tragédia
teve um lado luminoso, pois serviu para cimentar um
pouco nossa solidariedade, atributo essencial a um povo
que busca a cidadania, sem a qual não há povo ou país.
• Metáfora da limpeza
Essa metáfora é bastante didática, pois qualquer dona de
casa tem consciência de que é preciso manter a casa
limpa. Jânio Quadros, que foi governador de São Paulo,
presidente do Brasil e prefeito de São Paulo, construiu sua
carreira política por meio da metáfora de limpeza. Seu
símbolo era uma vassoura, para varrer a sujeira política do
país. Exemplos:
• A poluição afeta o organismo, principalmente no inverno.
• Como não há remédio para o problema, é
impossível varrer carros e indústrias do planeta, o melhor
é aprender a conviver com o mal.
• Metáforas de percurso
As metáforas de percurso são as mais utilizadas. Consistem em associar a
resolução de problemas a uma jornada. Einstein, quando estava construindo
a teoria da relatividade, se imaginava cavalgando um raio de luz. (...)
Vejamos exemplos:

Apesar das vitórias, a estrada ainda será longa e tortuosa.

Eu costumo dizer que o Brasil teve uma encruzilhada (...).

O Real navega, pois, em águas sem tormenta, com promissor clarão no


horizonte. (Antônio Kandir);

Bastante comum nos Estados Unidos, os lançamentos virtuais de livros


começam a decolar no Brasil.
• ABREU, Antônio Suárez. A arte de
argumentar: gerenciando razão e emoção. 13. ed. Ateliê
Editorial, 2008.

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