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A Amizade

na Vida Consagrada
A AMIZADE
Entre nós
 Começo por uma pergunta…ou duas:
 Falo para Carmelitas:
 Mulheres e homens, com uma opção fundamental vocacional, na qual entra
toda a sua realidade pessoal.
 …e pensando em vocês, Madres Carmelitas, a antropologia atual, nos
apresenta a mulher como arquétipo do humano, quando «o femenino» se
caracteriza pelo «ser para o outro».
 uns e outras, com consciência de Irmãos/ãs, e com especial vocação de
comunidade.
 Carmelitas: - com sabor de Monte Carmelo
- e com sabor de Mar Mediterrâneo
 De contemplativas: vida que requer uma específica psicologia
humana e espiritual.
 De clausura: - um espaço, mais religioso que físico; porém espaço
relacional.
 Lugar da oração: a de Teresa de Jesus, como «trato de amizade», que é
«entender verdades», âmbito para uma experiência qualificada da
amizade.
 Interioridade: o «espaço» próprio… e ali, «no mais profundo centro»,
está ELE, ELE Amigo verdadeiro.
 A amizade é para viajantes com bordado (entalhe) interior.
 Vocação de solidão: uma convocação de encontro da pessoa
consigo mesma: quem não aguenta a solidão não saberá estar
em comunidade.
 Solidão, mas não isolamento: a nossa é um certo «estilo de
irmandade e recreação»;
 Com interelações pessoais, representativas da vocação-
consagração.
 Acontece que o Carmelo sabe da amizade
 Sua espiritualidade própria: a amizade pertenece à nossa experiência
de vida.
 Nos vemos filhos e filhas de Teresa de Jesus: alguém que viveu,
padeceu e gozou a amizade.
 E a amizade, tão humana, irá se apropriando de todo seu processo
espiritual dando cor e sabor própios.
 E se faz longa sua lista de amigas e amigos.
 Uma Teresa amiga, que não esconde os seus sentimentos.
 O superdiscreto João da Cruz, também nos podería dar nomes de
amigos.
 Sua fórmula: «com grande amor e respeito»
 A Juana de Pedraza: « as cartas… mais frequentemente quando se
possa, e se não são tão curtinhas, melhor»
 E a amizade se adentra na sua união com Deus: «que não há
amizade de amigo que se possa comparar»
 Teresinha apresenta seus amigos: amor missionário, fraterno e
amigo – serão os Padres Bellier y Roulland. Belíssimo epistolário.
 E Isabel da Trindade: não oculta sua afetividade transbordante em
sua correspondência - «nossa relação logo chegou a ser íntima e
profunda»
 Sempre «sob o olhar divino»
 «Também eu te amo muito»
Uma certa noção

 A Amizade: todo um tema


 Antes, assunto tabú
 Hoje, são outras as interrelações e as possibilidades de expressão
afetiva… porém amizade?
Não é:
 mera simpatia, atração, admiração
 emoção, sentir-se à vontade com
 ou “apaixonamento”

Mas é:
 um “dom” imerecido (amor), verdadeiro, nascido de uma misteriosa
empatia.
 uma eleição livre, opcional “entre iguais” a partir da diferença.
 intercomunicação aprofundadora; comunhão
 reciprocidade incondicional…
 o espaço privilegiado da sinceridade e da confiança... da confidência.
 E da valorização, do respeito, da delicadeza, da sensibilidade, da
intuição; no diálogo, na escuta, na “espera”- paciência…
 uma conquista: uma experiência inteligente progressiva, “dolorosa”
(oblatividade)
 a amizade exige encontro(s) íntimos, ricos,
gratificantes…“sacramentais”.
 e também um amor acrisolado, adulto… uma certa maturidade,
vida própria, purificação de motivações… autocrítica…
 Por isso, é um dos desafios mais fortes e belos de nossa vida…
dada nossa vulnerabilidade
 Não contar com isso é enganar-se a si mesmo. E nada incapacita
tanto para a amizade como os enganos e o autoengano
 a amizade tem seu “preço”
 Concluímos
 Cada amizade tem sua história
 Cada amigo/a é “único”
 A amizade é o melhor do amor
A AMIZADE
NA VIDA CONSAGRADA (VC)

“A amizade é uma forma mais perfeita da caridade fraterna;


uma forma elementar, porém fecundíssima, de riqueza espiritual”

(Paulo VI)
Novo contexto?
 Se vai superando um modelo de VC, caracterizada por
uma espiritualidade dualista.
 espiritualidade, hoje, onde a consagração está ao serviço
de um amadurecimento da afetividade e da revalorização
das relações fraternas, de um amor novo.
 Esta amizade, pertence à evolução normal da
afetividade e deve afirmar a maturidade da pessoa... a
realização da pessoa.
 por isso, a amizade está chamada a ser “Boa notícia”
dentro da opção pelo celibato e de uma consciência
vocacional responsável e compartilhada.
 amizade, que é acontecimento muito pessoal e ao
mesmo tempo é experiência que pertence à comunidade.
O habitat da Amizade: a
Comunidade

 A VC é, sobretudo, Comunidade... negar a comunidade é matar a VC.


 E a Comunidade é o espaço
 onde a pessoa é figura central
 para relações interpessoais claras, espontâneas
 com um grau interessante de comunicação
 e onde a comunhão atravessa o mais profundo da pessoa
 este encontro diferente interhumano, é o que possibilita a realização
afetiva pessoal e o surgimento da Amizade
 a Comunidade, por isso mesmo, é lugar privilegiado para uma
amizade especial
O hábitat da Amizade: a
Comunidade
Por sua vez
 Toda amizade na VC deve afirmar a Comunidade.
 a prova de uma autêntica Amizade em comunidade é o
amor fraterno que põe em evidência positivamente as
relações humanas: não as nega ou debilita; senão que
as cura e purifica.
…por isso, na experiência da Amizade na VC
 nada de monopolizar o coração do outro/a
 é “venenoso”, é “contaminador” (Sta. Teresa),
 amizade, que separa da comunidade, que distancia dos
irmãos/ãs
O hábitat da Amizade: a
Comunidade
 Assim, a Amizade na VC é possível dentro e a serviço da vida e
missão comunitárias:
 um religioso educado no amor através da vida comunitária, está
capacitado para viver uma amizade livre e comprometida
Experiência de “consagrados”
A Consagração
 um dado constitutivo, caracterizante da VC.
 e experiência peculiar onde entra toda a pessoa
 tudo vem reasumido e experimentado a nível
distinto, superior (sublimação); e aparece uma
nova relação com as coisas, com Deus e as
pessoas...
 toda autêntica amizade é diálogo franco de
identidades
 só Deus em Cristo Jesus pode garantir a amizade
na VC
 amigos, a partir da amizade com Cristo, em uma
comunidade de “consagrados”
 amizade, por isso, que de fato consagra
 E onde os votos, vem definidos pela vida nova
que recriam
A Amizade na VC se vai
caracterizando
 Por uma certa sintonia ou afinidade interpessoal.
 se baseia psicológicamente na valorização e respeito à pessoa em
sua identidade (vocação, consagração).
 é uma interrelação afetiva feita de um equilíbrio.
 é sexuada: a partir da própria identidade sexual (mulher, varão ...
porém não sexual).
Amizade que há de crescer:
 em abertura a Deus e aos demais, em gratuidade, em
disponibilidade comunitária serviçal e em entusiasmo vocacional.
 em fidelidade à opção fundamental.
 O que supõe todo um processo, com seus altos e baixos e crises.
“O Dom da Amizade”
 É a oportunidade para conhecermo-nos a nós mesmos.
 a pessoa toda cobra um sentido novo a partir do momento em que se é
objeto de amor.
 inevitável um certo apego ao outro/a dentro da reciprocidade que deve
entrar em um processo de serenação, crescimento (e de crise).
 ajuda o crescimento e amadurecimento da pessoa.
 a VC descobre novas possibilidades: é o duplo movimento
retroalimentador.
 o amor sério da amizade leva à superação de egocentrismos adolescentes e
de neuroses.
 Amizade, que ajuda a valorizar e crescer a opção fundamental vocacional.
“O Dom da Amizade”
 Quanto mais identificada está uma pessoa, mais
vive en situação de poder experimentar uma
grande Amizade
 a Amizade pode fecundar e enriquecer a vocação
e a vida religiosa

 Amizade chamada a ser sinal de uma


Consagração alcançada, como fruto de uma
liberdade transparente, com aprofundamento e
fortalecimento da vocação, na qual se afirma o
grande amor, que tem irmãos/as dentro da
comunidade.
A AMIZADE:
DESAFIO E OPORTUNIDADE
 a Amizade não se improvisa: é caminho que os amigos vão fazendo…

 toda uma série progressiva de encontros.


 não vive um processo linear e ascendente, senão mais bem se vive con
altos e baixos, crises.

 caminho que sabe da inevitável presença de Obstáculos e Riscos, que


por sua vez se constituem em Desafio e Oportunidade, e que temos de
enfrentar.
Com os olhos abertos

 Pode acontecer que a relação amistosa se converta em fixação,


ocupando exageradamente o afeto e o pensamento, tirando a
concentração e liberdade à experiência da VC.
 Na Amizade será a Consagração que irá marcar os limites e as
possibilidades.
 Pode surgir a sensação de prazer: um sentir-se bem com o
outro/a, tão legítimo; porém os encontros devem estar norteados
pela modéstia, prudência e as exigências do compromisso da
consagração.
 A possibilidade do apaixonamento, que não podemos confundir
com a amizade, e que se define por uma fixação afetiva
absorvente, excludente, com necessidade vital de presença e
comunicação.
Com os olhos abertos

 E a presença homossexual? As determinações de


Roma com relação à formação sacerdotal são claras e
taxativas.
 A amizade heterossexual. Partimos do fato de que não
é amizade entre sexos, senão entre pessoas, homem e
mulher. Tem seu risco e é uma conquista…
 É outra experiência na reciprocidade e na integração
da personalidade. E pede um certo conhecimento das
diferenças no dinamismo psicológico e sua visão do
outro/a.
 Em todo caso, claridade de intenção e conduta.
O desafio do voto de Castidade

 Quando o voto de castidade não é inocência infantil, repressão senão


a reorientação total da pessona em função do Projeto de Deus em
sua vida (vocação-consagração).
 toda uma realidade complexa, na que intervém a pessoa toda.
O desafio do voto de Castidade

 Certo; a Castidade permite desenrolar as possibilidades afetivas


desde uma clara e forte identidade.
 Onde tem lugar próprio uma Amizade radicada em uma castidade
ao serviço de um grande amor que nos faz irmãos universais e
amigos.
 Porém, o desafio está declarado: ocorre que não somos anjos.
O desafio do voto de Castidade

 Dentro de um longo processo que supõe:


 a aceitação pessoal da própia realidade
 assumindo sua identidade profunda de mulheres e homens a partir da
opção vocacional
 o que fala de sublimação do própio coração
 E onde as renúncias são um pressuposto para um novo tipo de
afetividade
Oportunidade para nossa
Afetividade
 Que é dimensão essencial da personalidade. De fato influencia na
maturidade pessoal, já que incide na consolidação.
 Porém, o mais básico, geralmente, é o que mais custa aprender.
 O celibato é uma forma positiva de vida afetiva: se renuncia ao amor
matrimonial, porém não ao amor humano. No querer e ser queridos
está a vida.
 Por sua vez, a amizade é uma relação privilegiada, que compromete
mutuamente a duas pessoas em sua afetividade mais profunda.
Pertence à evolução normal da afetividade e deve afirmar a
maturidade da pessoa.
 Agora sim, a maturidade afetiva do religioso acontece lentamente,
em correlação com a maturidade espiritual.
Oportunidade para nossa
Afetividade
Pelo que se impõe:
 Reconhecer o desejo do coração e do corpo, da solidão.
 trabalhar “um coração inteiro”.
 a tarefa do voto de castidade é ir reduzindo a ambiguidade.
 nossa amizade anda entre a afirmação básica do absoluto de Deus...
e uma convicção.
Oportunidade para nossa
Afetividade
Urgência: sublimação
 A troca de “objeto” da pulsão-desejo por outro objeto superior.
 processo, que evita espiritualismos e a busca de gratificações
primárias.
 e a experiência afetiva de Deus, de Cristo e Causa, da missão e da
comunidade.
Oportunidade para nossa
Afetividade
E a exigência:
 de uma informação clara da estrutura pessoal.
 sendo consciente do misterioso “diálogo” corporal e espiritual na
estrutura das pessoas.
 vivendo uma relação de Aliança com Deus
 afirmando o milagre da Amizade em...
“ONDE DIVINO E
HUMANO ESTÃO JUNTOS”

(6M 7,9)

Reflexão final
A VC, questão de amor

 O segredo da VC consiste em fazer dela un


“exercício de amor”. E é que “para este fim
de amor fomos criados”…
 No amor nos lançamos: no querer e ser
queridos vamos vivendo e só nele está
nossa grande autorrealização.
 Sabermos amados por Deus, nos reconcilia
com a própria vida.
 Nossa consagração nos faz irmãos, amigos.
A VC, questão de amor
 Passar pela vida sem amar profundamente nega os motivos que a
justificam. Temos que aceitar que em muitos momentos não nos foi
ensinado na VC a amar.
 Quando o amor é uma viajem sem volta... e é quando nos vemos
numa situação de viver a coincidência de amores (divino-humano).
 Quem converteu o amor aos irmãos, aos demais, se parece com
Deus.
 E a VC, no fundo, é uma história apaixonante de amor.
Aqui, a amizade
 E não fiquemos somente com uma ética dos afetos. Necessitamos
uma espiritualidade, que fale ao coração e o transforme, que
redescubra o lugar do corpo, sempre tão demonizado… e as
paixões, e as tendências, e as pulsões…
 E João da Cruz nos seguiria dizendo coisas… e como goza com
sua Liberdade libertada!
 Alguém escreveu: A santidade é uma paixão transformada.
 Nos disse Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância” (Jo 10,10).
 E a Amizade nasce como um convite à vida.
 Sem amor grande, não há absoluto de Deus em nossas vidas. A
mensajem do Absoluto só percebe de verdade quem tem o
coração preparado para o amor.
A castidade
 o que a define: a reorientação profunda do nosso ser em função
de um grande amor...
 Amor nada fácil, que necessita da graça divina; e amizade sem
idealizações: a amizade caminha entre eros e ágape.
 Todo um processo de amizade que se vai fazendo, mediante a
purificação da paixão egoísta e sensual, convertendo-a para o
serviço da santidade.
É quando o amor, a amizade, a vida…é harmonia: alcançada
harmonia de elementos e tendências.
“A polifonia da existência”
 E nos encontramos com a imagem da “polifonia da existência”
 Polifonia: muitos sons combinados, que forman um todo harmônico.
 Cantus firmus: melodia prévia, que serve de base de uma composição
polifônica.
 E as palavras deste grande homem e mártir me ressoam com seu
toque de atenção… temos caído em uma atitude seletiva e
perfeccionista
 O Cantus firmus, no ambito da Consagração religiosa, é Deus e sua
Causa, Cristo e o Reino… Ele é nosso Absoluto; é sentir-se
consagrado/a totalmente ao Senhor.
“A polifonia da existência”
 Agora sim; na nossa vida de consagrados, “Deus não cobre
todas as partes de frequência do nosso coração”; seu amor não
responde a todas as dimensões do coração humano, nem do
coração do consagrado.
 A experiência da amizade é para homens e mulheres que
buscam a integração do espiritual e o humano, da fé e a
afetividade…
Sempre vi a amizade como uma arte: a arte de saber amar…amar é
“a arte das artes”.
“A polifonia da existência”
 Dissemos: a afetividade pertence ao âmbito da identidade
humana – ser feliz, e sentir a alegria…
 Sucede no âmbito da experiência matrimonial, da VC e no
da amizade: amores diferentes entre si, e tão humanos.
 Onde o cantus firmus é claro e distinto, o contraponto dos
outros amores pode estender-se com todo seu vigor,
segundo a vocação pessoal e a missão.
 Só ressoando com claridade en nossas vidas consagradas o
cantus firmus, as amizades possíveis afirmarão e
plenificarão nossa experiência de consagrados.
“A polifonia da existência”
 O oposto à polifonia é a monotonia: estamos chamados a
viver uma vida com coração grande, que abraça o divino e o
humano.
 Por isso, a harmonia no amor, na amizade se alcança ao
final de um processo. Este reside na polifonia, na orientação
segura que marca o cantus firmus da vocação.
 A amizade é um autêntico lugar teológico: e onde o cantus
firmus do amor de Deus está chamado a entrelaçar todos os
outros momentos.
 Será que temos medo do amor da amizade? Ainda que o
verdadeiro e definitivo problema é: onde está meu tesouro?
“Onde divino e humano se juntam”
(6M 7,9)

 Palavras de Teresa de Jesus; e sobretudo experiência. Cristo preenche


tudo em sua vida, e é o filtro por onde passa o mundo da santa.
 Não escapa a santa de um certo neoplatonismo dualista. Porém
prontamente assegura que “Queremos ser anjos estando na terra… é
desatino, senão que é necessário apoiar o pensamento para o
ordinário”.
 E nos fala de que o corpóreo e humano é lugar de encontro do homem
com Deus. Ele está, em sua “encarnação”: “divino e humano juntos”.
“Onde divino e humano se juntam”
(6M 7,9)

 E este Deus humanado é Amigo. E a aceitação da Encarnação, é


aceitação de nossa própia carne… “Divino e humano juntos é sempre
sua companhia”.
 Teresa não oculta que a santidade de Deus nela fez o milagre de afirmar
toda sua rica natureza de mulher.
 Quando apareça o P. Gracián, poderá escrever: “esta amizade da
liberdade” uma autêntica humanidade sempre tem sabor de divinidade.

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