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Amor de Perdição,

de Camilo Castelo Branco


Visão global de Amor de Perdição
Visão global de Amor de Perdição
Visão global de Amor de Perdição
Sugestão biográfica (Simão e narrador)
Simão Camilo

• rebeldia juvenil; • rebeldia juvenil;

• paixão por Teresa de Albuquerque; • paixão proibida por Ana Plácido;

• prisão na Cadeia da Relação resultante do • prisão na Cadeia da Relação do Porto


assassínio por paixão; resultante dessa paixão;

• clausura de Teresa num convento. • prisão de Ana Plácido.


Sugestão biográfica da obra
Amor de Perdição – Memórias duma Família

Título Subtítulo

Ficção Realidade

Narrativa dos amores Inspiração na história real de um


contrariados de Simão e Teresa. familiar (tio) e num documento fidedigno
(registo da Cadeia da Relação do Porto).
Sugestão biográfica da obra
Corresponde à ligação, instituída desde o início da obra («Introdução»),
entre o autor-narrador e o protagonista, Simão Botelho, através da
identificação da filiação da personagem.

No final da obra, confirma-se o que os apelidos da mãe do herói (Castelo


Branco) sugerem, pois é o próprio narrador a assumir o seu grau de
parentesco com Simão Botelho, seu tio.
Sugestão biográfica da obra
Através da história desse familiar e do seu percurso, sintetizado na frase
«Amou, perdeu-se, e morreu amando.», Camilo parece querer
promover a empatia relativamente à sua própria situação, uma vez que,
tal como Simão, se encontrava preso na Cadeia da Relação do Porto,
condenado por se ter envolvido com uma mulher casada.

A sugestão biográfica liga-se também, assim, ao título da obra, já que


autor-narrador e protagonista são vítimas da «perdição» por amor.
Introdução
Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das registos
entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte:

Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na Universidade de Coimbra,
natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito
caracterização anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura
de Simão ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete lã grossa
de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei — Filipe Moreira Dias. sarapintado de preto
e branco
lã, seda, linho ou
algodão
À margem esquerda deste assento está escrito:

Foi para a Índia em 17 de março de 1807.


metáfora Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de
dezoito anos lhe há de fazer dó. elegâncias

subjetividade Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não
nascer do Sol
sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos!
do narrador

Luís Amaro de Oliveira, Amor de Perdição (memórias de uma família), de Camilo Castelo Branco
p. 176 (Edição didática), Porto, Porto Editora, 2017, p. 19
Introdução

O leitor decerto se compungia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles
enternecia,
dezoito anos, choraria! sentia dó

apelo à Amou, perdeu-se, e morreu amando.


É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das
sensibilidade do
branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do céu um reflexo da divina misericórdia; essa, a minha
leitor feminino leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera
honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou
do seu dormir de inocentes desejos?!

Luís Amaro de Oliveira, Amor de Perdição (memórias de uma família), de Camilo Castelo Branco
p. 176 (Edição didática), Porto, Porto Editora, 2017, p. 20
Relações entre personagens
A relação entre as personagens assenta em dois sentimentos dominantes:

• o amor entre os apaixonados e o ódio entre as famílias rivais, Botelho e Albuquerque.


Relações entre personagens
RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS
Denúncia de uma sociedade
Amor-paixão
repressiva que atua através de
sincero, puro,
instituições:
Simão excessivo, • instituição familiar (autoritarismo
↕ oposto às
paterno, casamentos de
Teresa convenções
conveniência, situação de
sociais e à
inferioridade da mulher);
ordem • igreja (conventos);
instituída. • justiça (prisão).

Simão e Denúncia do conflito intergeracional


Teresa e reivindicação dos valores dos
Conflito jovens:
↕ intergeracional • jovens (filhos) – idealismo,
Respetivos excesso e radicalismo de posições;
pais • adultos (pais).
RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS

Famílias de
Ódio, Denúncia de uma sociedade
Simão e de marcada pelo ódio, pela
rivalidade
Teresa violência.

Denúncia da autorrepressão
Mariana Amor-paixão relacionada com a classe
↓ (não social (povo)
Simão correspondido) e com o sexo
(feminino).
RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS
O AMOR-PAIXÃO

Relações entre as personagens e a forma de vivência


do amor por cada uma delas.

SIMÃO

Amor Amor não


correspondido correspondido

Amor-paixão

TERESA MARIANA
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Capítulo I

Em 1801, achamos Domingos José Correia Botelho de Mesquita corregedor em Viseu.


Manuel, o mais velho de seus filhos, tem vinte e dois anos, e frequenta o segundo ano jurídico. Simão,
que tem quinze, estuda humanidades em Coimbra. As três meninas são o prazer e a vida toda do coração
de sua mãe.
O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu irmão, temeroso do
génio sanguinário dele. Conta que a cada passo se vê ameaçado na vida, porque Simão emprega em cruel
pistolas o dinheiro dos livros, convive com os mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as
caracterização ruas insultando os habitantes e provocando-os à luta com assuadas. [...]. algazarras
de Simão No entanto, Simão recolhe a Viseu com os seus exames feitos e aprovados. O pai maravilha-se do talento
Botelho do filho, e desculpa-o da extravagância por amor do talento. Pede-lhe explicações do seu mau viver com
Manuel, e ele responde que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente. como num
convento
Os quinze anos de Simão têm aparências de vinte. É forte de compleição; belo homem com as feições de
constituição física
sua mãe, e a corpulência dela; mas de todo avesso em génio.

Luís Amaro de Oliveira, Amor de Perdição (memórias de uma família), de Camilo Castelo Branco
(Edição didática), Porto, Porto Editora, 2017, pp. 27-28 (texto com supressões)
Construção do herói romântico
Herói romântico: indivíduo dotado de idealismo, de honra e de coragem, que põe a sua vida em risco em
defesa dos seus ideais de justiça e de amor; revolta-se, exprimindo todo o seu individualismo e lutando contra
convenções sociais retrógradas.

Simão Botelho

• possui um génio e uma energia interior que o distinguem da maioria;

• perturba a ordem pública e as normas sociais estabelecidas, que considera retrógradas;

• afirma a sua liberdade individual com insolência, manifestando um comportamento impulsivo


e violentamente revolucionário;

• deixa-se conduzir pelo sentimento, transformado pelo amor;

• vive como um herói, assassinando em defesa da honra e do amor.


CONSTRUÇÃO DO HERÓI ROMÂNTICO

Heroínas
Herói romântico
românticas

Simão Botelho Teresa de Albuquerque


 Estatuto nobre. Estatuto nobre.
 Sentimentos fortes: Jovem, pura e frágil (mulher-anjo).
– antes de amar – rebelde,  Sentimentos fortes – amor-paixão (vive o
marginal e violento; amor intensamente e morre de amor);
– ao amar (amor-paixão) – obstinação na recusa de aceitar a autoridade
apaixonado, sincero, fiel, paterna.
obstinado na defesa da sua
honra de amante
Mariana
perseguido, excessivo no
 Nobreza de sentimentos – sofre em silêncio
amor e no ódio; veia poética
por amor (amor não correspondido);
(cf. cartas escritas na prisão);
abnegação, generosidade, dedicação.
morre de amor.
 Indiferença em relação à sociedade.
 Transformação pela
 Morte por amor (suicídio). Voltar
paixão.
A obra como crónica da mudança social
A obra apresenta o retrato de uma sociedade injusta e repressiva, assente nas noções do Antigo Regime, que
os mais jovens, influenciados por uma Europa em transformação face aos ideais da Revolução Francesa,
contestam – prenúncio da mudança.

Família Igreja

• autoritarismo paterno; • vida conventual dissoluta; Pelo direito ao amor, os


• casamento de conveniência; • clausura das jovens em heróis camilianos opõem-
• submissão feminina; conventos para retificação de -se às regras sociais que os
• códigos conservadores fúteis. comportamentos e não por oprimem e impedem de ser
vocação. felizes. Reivindicam casar
por sua escolha,
Justiça transgredindo os valores
tradicionais.
• corrupção na justiça;
• influência dos mais poderosos;
• atuação distinta da justiça em função das classes sociais.
A obra como crónica da mudança social
João da Cruz: protetor de Simão pela dívida de gratidão que tem para com o seu pai.

Mariana: amor incondicional e abnegado por Simão.


Adjuvantes
ao amor

Rita Botelho: a única irmã de Simão que simpatiza com ele e que o apoia.

Mendiga: intermediária na troca de cartas entre o casal.

Capitão: defensor de Simão, reconhecendo-lhe grandes qualidades.

Domingos Botelho: opõe-se à relação amorosa.


Oponentes
ao amor

D. Rita Preciosa: preocupa-se com Simão, mas não ousa enfrentar o marido.

Tadeu de Albuquerque: rejeita a relação de Teresa, sobrepondo a honra à felicidade da filha.

Baltasar Coutinho: insiste no casamento com Teresa por orgulho ferido pela recusa.
A OBRA COMO CRÓNICA DA
MUDANÇA SOCIAL

Século XIX
Ascensão da burguesia

Mudança de valores

Amor de Perdição
Obra em que se representa a mudança de
valores sociais, através da atuação das
personagens (cf. relações entre
personagens, amor-
-paixão, herói e heroína(s) românticos)
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O amor-paixão
O amor-paixão é um sentimento extremo, de entrega total, porque:

• não cede a nada;

• afronta a sociedade;

• prefere a morte à separação.


Linguagem, estilo e estrutura
O narrador – predominantemente omnisciente, confunde-se com o autor; faz comentários, reflexões
e interpela o leitor, procurando a sua cumplicidade.

Os diálogos – expressivos, refletem o estatuto social de quem fala: cuidados, quando intervêm
nobres, e espontâneos, quando falam personagens do povo.

A concentração temporal da ação – rapidez das peripécias (1801 a 1807); rápida progressão da ação,
através da sequência lógica de acontecimentos sem descrições e divagações.

Introdução Desenvolvimento Conclusão

I-II – Simão vê Teresa, pela III-XX – desde a recusa de Teresa em casar com Morte de Teresa
primeira vez, e apaixona-se. Baltasar, até à partida do fidalgo para o degredo. e Simão.
“Amou, perdeu-se, e morreu amando.”
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

Narrador

Diálogos

Concentração
temporal da ação
NARRADOR

Narrador que intervém através de comentários,


interrompendo o relato para tecer considerações

Os comentários do narrador ao longo da Introdução


permitem perceber o quanto compreende e desculpabiliza o
herói da sua própria narrativa.
Ex.: “me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas,
e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio”
DIÁLOGO
Marcado pela retórica sentimental e pela nobreza trágica,
em algumas situações.

Classes nobres Classes populares


(Simão, Teresa e respetivas (João da Cruz, Mariana):
famílias): linguagem convencional, linguagem viva, espontânea,
esmerada, elaborada. incisiva.
Diálogo entre Diálogo entre
Tadeu de Albuquerque e Teresa João da Cruz e Mariana
“– Teresa… – disse o velho. “– Meu pai, não lhe dê esses
– Aqui estou, senhor – respondeu a filha, conselhos!…
sem o encarar. – Cala-te aí, rapariga! – disse mestre
– Ainda é tempo […] de seres boa filha. João.
– Não me acusa a consciência de o não – Vai tirar o albardão à égua,
ser. “ amanta-a, bota-lhe seco. Não és aqui
chamada.”
ESTRUTURA DA NARRATIVA
A estrutura de Amor de Perdição é resumida pelo narrador na Introdução
da obra da seguinte forma: “amou, perdeu-se e morreu amando”.

Introdução • Referência a dados biográficos de Camilo.


• Apresentação global do infortúnio de Simão
“amou” Botelho – o degredo.

• Amor de Simão e Teresa – correspondido, mas


proibido.
Desenvolvimento • Amor de Mariana por Simão – não correspondido.
• Assassínio de Baltazar Coutinho.
“perdeu-se” • Condenação de Simão ao degredo.
• Ida de Teresa para o Convento.
• Morte de Teresa.

Conclusão • Morte de Simão.


“morreu amando” • Suicídio de Mariana.
CONCENTRAÇÃO TEMPORAL DA AÇÃO

Narração precisa e rápida das ações decisivas

A concentração temporal da ação em Amor


de Perdição deve-se:
• à hábil escolha das cenas dramáticas e à
sua progressão rápida e lógica para a
catástrofe;
• à rapidez das peripécias;
• à orientação dos diálogos para os pontos
essenciais do enredo;
• à ausência de divagações filosóficas.
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VERIFICA SE SABES

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EM SÍNTESE

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

 Sugestão biográfica (Simão e narrador) e


construção do herói romântico
 A obra como crónica da mudança social
 Relações entre personagens - o amor-paixão
 Linguagem, estilo e estrutura
– o narrador
– os diálogos
– a concentração temporal
da ação

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