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O PAPADO, OS DOMINICANOS E A

POLÍTICA DE PAZ NA ITÁLIA DO


SÉCULO XIII: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE A DIPLOMACIA PAPAL
INTRODUÇÃO

 Esta apresentaçã o é um desdobramento da pesquisa desenvolvida no


doutorado em Histó ria Comparada (PPGHC/UFRJ), que foi concluído em abril
de 2018 com a defesa da tese “O papado, os dominicanos e as instituições
de Bologna na canonização de Domingos: uma aná lise comparativa”.
 Parte da documentaçã o analisada na referida tese de doutorado será utilizada
como base para a argumentaçã o desta apresentaçã o: os registros do
pontificado de Gregó rio IX (1227-1241); as atas do inquérito realizado em
Bolonha (agosto de 1233) como parte do processo de canonizaçã o de
Domingos de Gusmã o; duas epístolas (1229) redigidas por Jordã o da Saxô nia,
que substituiu Domingos como mestre geral da Ordem dos Frades Pregadores.
 Ao explorar a documentaçã o supramencionada foi possível identificar que
dois frades dominicanos (Estevã o e Joã o) que atuaram na causa de
canonizaçã o de Domingos (1233-1234), no mesmo período também se
envolveram em outras missõ es que configuravam uma diplomacia papal.
ITÁLIA (1220-1230): O PAPADO,
O IMPÉRIO E AS COMUNAS
 O século XIII foi apontado por parte da historiografia ocidental como o
período histó rico em que o papado teria consolidado uma prerrogativa
exclusiva para o reconhecimento da santidade, algo que foi consolidado
juridicamente nas Decretais do papa Gregó rio IX. Mas como veremos a
jurisdiçã o papal na Itá lia nã o se restringia apenas à s causas de canonizaçã o.
 Neste mesmo contexto, algumas cidades italianas procuraram afirmar-se
politicamente por meio de governos locais, tomando decisõ es e iniciativas
para se desvincularem da autoridade moná rquica ou imperial, para
ampliarem suas liberdades e para consolidarem os direitos das comunas,
dando continuidade aos processos iniciados ainda no século anterior.
 Desde meados da década de 1220 houve um agravamento dos confrontos de
autoridade entre o imperador Frederico II e algumas cidades da regiã o
centro-setentrional da Itá lia. Tais confrontos geraram oportunidades para
uma atuaçã o mediadora do papado, por meio de seus representantes.
FRADE ESTEVÃO

 Frade Estevã o cursou direito canô nico na universidade de Bolonha a partir


de 1218 e esteve presente no primeiro Capítulo Geral da Ordem em 1220,
teria conhecido Domingos ainda como estudante daquela universidade e
ingressou na Ordem por convite do primeiro mestre geral.

 Nas atas do inquérito de Bolonha Estevã o figura como uma liderança entre
os frades no dia da translatio corporis de Domingos, apontado como
responsá vel por estabelecer o dia e o modo de trasladar o corpo.

 A atuaçã o religiosa do frade Estevã o nã o se restringiu à Ordem dos Frades


Pregadores. Nos registros do pontificado de Gregó rio IX o frade aparece
mencionado em documentos de abril/maio de 1233: direcionado a intervir
em comunidades religiosas com o intuito de realizar reformas espirituais e
materiais nas mesmas, caracterizando um exercício de poder específico por
procuraçã o papal, o que fazia dele um procurator do papa Gregó rio IX.
 “[...] porque desde o tempo em que o frade Joã o começou a pregar a
divina revelaçã o que se havia feito acerca do frade Domingos e
anunciar ao povo sua vida, palavras e santidade, e o testemunho
começou a tratar com alguns frades de trasladar o corpo do frade
Domingos” (WALZ, 1935, p. 158) [ATB].

 “E quase todas as cidades da Lombardia e das Marcas põ em suas


açõ es e seus estatutos que devem ser organizados ou modificados
nas mã os dos frades, para que eles retirem, acrescentem, reduzam
ou modifiquem segundo o que lhes pareça conveniente” (WALZ,
1935, p. 159) [ATB].

 Os registros 1224, 1280 e 1288, produzidos entre abril e maio de


1233, indicam a existência de procuraçõ es nas quais o papa
Gregó rio IX conferia poderes determinados ao frade Estevã o para
que empreendesse reformas espirituais e materiais em mosteiros
cistercienses (AUVRAY, 1896, p. 695, registro 1224, p. 718-719,
registro 1280, p. 722, registro 1288).
FRADE JOÃO

 Frade Joã o nasceu por volta de 1200, na cidade de Vicenza, e morreu por
volta de 1265, na regiã o da Puglia. Ele desenvolveu estudos jurídicos em
Pá dua, onde teve seu primeiro contato com Domingos de Gusmã o, por volta
de 1220, por meio das pregaçõ es que o Mestre Geral realizava naquela
cidade. Posteriormente ingressou na Ordem dos Pregadores e ocupou o
cargo de prior do convento de San Agostino (em Pá dua) por volta de 1230.
 Apesar do silêncio dos escritos dominicanos, a movimentaçã o e as iniciativas
do frade Joã o em favor de um reconhecimento pú blico da santidade para
Domingos, ficaram registradas no testemunho de Estevã o da Lombardia
junto ao inquérito realizado em Bolonha.
 Em maio de 1233, o papa Gregó rio IX enviou uma carta ao referido frade,
felicitando-o por suas atividades em Bolonha e exaltando “quantas coisas
magníficas você tem feito com a graça do Senhor, que só aumentará ”
(AUVRAY, 1896, p.751, Reg. 1339).
 “Frade Joã o, da Ordem dos Pregadores, residente de Bolonha, rogamos
que assuma uma legaçã o para fazer a paz entre Florentinos e Sienenses”
(AUVRAY, 1896, p. 714, registro 1270).

 “Pedimos e exortamos ao podestà e ao povo de Bolonha que se o frade


Joã o, da Ordem dos Pregadores, decidir visitar pessoalmente as cidades
de Siena e de Florença, tumultuadas pela tentaçã o diabó lica, para
enfrentar tal calamidade, ninguém deve impedi-lo” (AUVRAY, 1896, p.
714, registro 1268).

 “Ordena a todos os presentes na leitura deste mandato que ao frade Joã o


(de Vicenza), qualquer um que ele sugerir indulto espiritual seja
libertado, sobre esse negó cio permitam que ele proceda livremente; que
saibam que o pró prio papa havia ordenado aos arcebispos, bispos e
demais prelados, que eles deveriam pronunciar sentença de
excomunhã o sobre todos os que tivessem presumido deter o mesmo
frade contra o arbítrio de sua vontade” (AUVRAY, 1896, p. 802, registro
1437).
CONCLUSÃO

 O contexto histó rico da Itá lia nas primeiras décadas do século XIII foi
marcado, dentre outras características, pelas disputas e confrontos de
autoridade entre o imperador Frederico II e as comunas da Lombardia,
e mesmo entre as diferentes cidades daquela regiã o, que buscavam cada
qual garantir seus interesses conjunturais. Este cená rio conturbado
criou oportunidades ao papado, como poder moderador/mediador dos
conflitos envolvendo as comunas e o império, por meio da mobilizaçã o e
orientaçã o de representantes papais nas diferentes localidades.
 A aná lise das fontes evidenciou o peso da orientaçã o/intervençã o do
papado naquela causa de santidade e na política comunal em Bolonha,
com iniciativas paralelas e associadas, como se fizessem parte de um
mesmo negotium. As comunicaçõ es do papa Gregó rio IX com Estevã o e,
principalmente, com Joã o indicam que o papado mobilizava tais frades
para atuar em questõ es locais e regionais, por meio de mandatos.
 A diplomacia papal exercida por intermédio de seus representantes,
nesse caso frades dominicanos, criou oportunidades para trocas
políticas e rearranjo de forças locais, que auxiliavam a alavancar
projetos de interesse papal, tal como a canonizaçã o de Domingos de
Gusmã o.
BIBLIOGRAFIA

 AUVRAY, Lucien. Les Registres de Gregoire IX. Recueil de bulles de ces


pape d’après les manuscrits originaux du Vatican. Paris: Librairie Thorin
et Fils, 1896.
 WALZ, Angelus. Acta Canonizationis S. Dominici. In: Monumenta
Ordinis Fratrum Praedicatorum Historica, t. XVI. Romae: Institutum
Historicum Fratrum Praedicatorum, 1935. p. 123-167.

 CANETTI, Luigi. L’invenzione della memoria. Il culto e l’immagine di


Domenico nella storia dei primi frati Predicatori. Spoleto: CISAM, 1996.
 PORTO, Thiago de Azevedo. O papado, os dominicanos e as
instituições de Bologna na canonização de Domingos: uma aná lise
comparativa. Tese (Doutorado em Histó ria Comparada) – Instituto de
Histó ria, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
 QUELLER, Donald E. Thirteenth-Century Diplomatic Envoys: Nuncii and
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 WATKINS, John. Toward a New Diplomatic History of Medieval and
Early Modern Europe. Journal of Medieval and Early Modern Studies,
v. 38, n. 1, p. 1-14, 2008.

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