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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE - UNICENTRO

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - SEHLA


DEPARTAMENTO DE LETRAS - DELET
DISCIPLINA: LINGUÍSTICA APLICADA
Profa. Dra. Cláudia Maris Tullio

Andressa Cristina Kintof.

kintofandressa9@gmail.com
4ºANO

POLÍTICA
LINGUÍSTICA: Gestão da
língua oficial do Estado.
A área de estudo das políticas linguísticas se constitui em um campo de
pesquisa muito produtiva.
Conforme pontua Torquato (2010), o conceito de política
linguística, que
envolve o planejamento ou gestão linguística, foi elaborado no campo da
sociolinguística, a partir da década de 60, e estava inserido na própria composição desta
área.
Conforme elucida Fishman (apud TORQUATO, 2010) as ações iniciais de
planejamento linguístico produziram-se no contexto da constituição de novos Estados-
Nações, o autor explora a correlação entre a necessidade das nações, o nacionalismo e o
planejamento linguístico, destacando o efeito que o nacionalismo exerceu sobre
atividades de regulamentação das línguas sob a imposição do Estado.
Fishman (1971) demonstra as atividades de planejamento linguístico tanto na
criação do nacionalismo nos já formados Estados europeus quanto na formação
de novos Estados, nas recentes emancipadas ex-colônias dos impérios coloniais
europeus no século XX , ou seja, as colônias portuguesas, francesas, e inglesas na África
e na Ásia. De acordo com o autor, o nacionalismo caracteriza-se como um movimento
que tem por objetivo definir uma unidade própria de grupos que não eram ligados antes,
empregando aspectos de inserção aos laços familiares e a localidade. A criação dessa
unidade se dá a partir da construção de uma veracidade histórica, que destaca uma
semelhança sentimental expressa pela herança de longos tempos.
De acordo com Torquato (2014), na idealização do nacionalismo pelo Estado, o
planejamento linguístico, a princípio caracteriza-se como fragmento do processo de
desenvolvimento e fortalecimento do Estado-Nação. A configuração do estado moderno
procura o emprego e oficialização de uma língua para o contato administrativo entre o
povo e o poder constituído. Nessa perspectiva, ao adotar uma língua oficial para a
interação entre administração pública e cidadão não acarreta a extinção nem o controle
da variedade linguística. Enquanto, essa variedade não caracteriza uma ameaça ao poder
instituído, não existe necessidade de ações de controle. No entanto, desde o instante em
que a língua passa a integrar um componente fundamental dos discursos indentitários de
grupos sociais que podem atrapalhar o poder do Estado, produzindo novos referenciais
de fidelidade e seja diferente do Estado, são construídas ações impondo o controle dos
usos e das formas linguísticas, ou seja, controle da diversidade linguística, no núcleo
deste Estado.
Sendo assim, Fishman (1971) pontua que o planejamento linguístico se
caracteriza, como um dos fatores constitutivos da singularidade e da identidade
nacional produzida pelo Estado, o qual busca o estabelecimento dos domínios e
lealdades que sustentam a consolidação de seu poder. Sendo assim, a admissão de uma
língua ou variedade linguística, por parte do Estado integra a criação discursiva da
identidade nacional e necessita ser justificada para os cidadãos.
Torquato (2014) pontua que principalmente em um contexto de lutas pela
conquista da fidelidade dos diversos grupos sociais, o Estado usa os
conhecimentos técnicos e cientifico com relação a linguagem na execução e na defesa
dos atos de planejamento linguístico de forma que possibilite e garanta que a cada
Estado represente uma Nação, um Povo e uma Língua.
Calvet (apud Torquato, 2014) vai definir o planejamento linguístico como a
“implementação prática de uma política linguística, em suma, a passagem ao ato”
(Calvet, 2002, p.145), dessa forma resgata uma característica da política linguística, os
atos políticos executados pelo poder institucional do Estado. Além da característica
institucional, a política linguística é estabelecida como “um conjunto de escolhas
conscientes referentes às relações entre línguas e vida social” (Calvet, 2002, p. 145).
Calvet defende que as políticas linguísticas podem ser produzidas por grupos que
desenvolvem papéis diferentes na composição social, mas somente ao Estado cabe o
poder e os meios para executar determinadas preferências.
De acordo com Calvet (apud TORQUATO, 2014), existem duas formas de
controlar as políticas linguísticas, que são in vivo que nasce das práticas sociais, e in
vitro,
que corresponde a influência sobre essas práticas. A primeira aborda o modo
como as
pessoas resolvem os conflitos com a interação cotidiana. Essa forma de
interferência
influencia o modo das línguas e parte de suas funções, auxiliam ainda para
sustentar a identidade e estabelecem um modo de fazer a progressão do contexto. Essas
resoluções não são definidas por uma lei ou decreto, elas aparecem no processo social e
são produtos das práticas sociais, podemos citar como exemplo desse processo a
criação dos pidgin
(língua resultante do contato entre línguas, usada como língua de comunicação, não
sendo língua materna de nenhum falante) como soluções de interação nos contextos das
sociedades colonizadas. Já a gestão in vitro retrata as ações oriundas de estudos e se
consolida como ações de poder e controle. Essa forma de gestão estabelece-se
especialmente por intermédio dos linguistas, que fazem a análise das situações
linguísticas, descrevendo-as, construindo hipóteses sobre o futuro das ocorrências e
propõem maneiras para controlar os conflitos linguísticos da comunidade linguística em
questão.
Num segundo momento, os políticos analisam os resultados e propostas
contrapostos, e com base nesse estudo, escolhem as propostas que presumem
mais adequada e executam-nas. Esporadicamente, o Estado estabelece as decisões sem a
contribuição dos linguistas. Em relação à atuação dos estudiosos da língua, a gestão in
vitro caracteriza-se primordialmente como planejamento linguístico.
Conforme pontua Calvet (apud TORQUATO, 2014), os dois modos de gestão
podem entrar em conflito, digamos que o Estado implemente a oficialização de uma
língua que o povo não aceita ou que o povo não considere uma língua, mas sim um
dialeto. Essa divergência entre o entendimento do poder institucional e dos falantes
pode existir porque a política linguística provoca o estabelecimento de relações entre as
reflexões pleiteadas no planejamento e a percepção popular sobre a língua em questão,
embora, envolva as relações de poder do Estado e dos agentes sociais.
A questão linguística é formada com bases nessas relações e as reflete, sendo as
ações e os valores conferidos à língua ou às variedades linguísticas, realizados
nessas relações. De acordo com Calvet (2007), os trabalhos iniciais executados sobre o
planejamento linguístico preocuparam-se principalmente da descrição das ações
implementadas e dos contextos de efetivação dessas ações sem destacar as consequências
político-sociais das implementações. Da mesma forma que Calvet (2007) e Fishman
(1971), Hamel (1993) analisa que os primeiros trabalhos científicos acerca do
planejamento linguístico, iniciaram no ano de 1960, na conjuntura do processo de
independência dos países asiáticos e africanos, e fundamentavam-se em uma perspectiva
de Estado nacional que designava que a cada Estado deveria representar uma Nação, um
Estado e uma Língua.
Os referidos trabalhos, majoritariamente de procedência anglo-saxônica, adotam
“uma concepção circunscrita à intervenção institucional sob a designação geral
de planificação da linguagem (language planning) e não se refere ao conceito de política
no
seu sentido amplo, superordenado" (Hamel, 1993, p.8, grifo do autor), de forma que não
questionam os problemas do planejamento linguístico nem as relações de poder
determinantes desse planejamento. Ainda que existam textos acerca do planejamento
linguístico que discutam os fatores sociais, políticos e econômicos do planejamento,
poucos se aplicam aos processos de decisão política em que os problemas político-
sociais surgem.
De acordo com Leviski (2019) a teoria da gestão linguística, aborda um modelo
conceitual voltado na resolução de problemas relativos aos usos da língua.
Mesmo os indivíduos do planejamento sejam os próprios sujeitos, a prática da língua
precisa ser administrada. Neste sentido, é fundamental um agente no processo de
planejamento, o que organiza uma escala hierárquica no processo administrativo. O
agente é colocado como um mentor cuja capacidade é acionada para descrever a
inadequações e sugerir as adequadas soluções dos conflitos no campo da linguagem.
O objetivo do planejamento da língua, conforme pontua Leviski (2019) consiste
em esclarecer as escolhas dos falantes a partir das regras definidas por determinada
comunidade linguística, e que o controle da prática só pode ser mantida por meio de
esforços conscientes de gestores, ou “language managers” (SPOLKY, 2009, p.5). A
concepção do planejamento linguístico, conforme propõe Spolky (apud LEVISKY,
2019), provoca forma de intervenção oficial na língua por meio de uma instituição do
governo, de um Estado-nação, ou de comunidades com uma dada influência, como por
exemplo, a Igreja Católica quando regula o latim como língua de prestígio. Seguindo
essa linha teórica, a regulação somente se concretizaria através de leis, constituições,
decretos e assim por sucessivamente.
. De acordo com as concepções de Spolky (apud SOUZA E SOARES, 2014),
podemos definir as Políticas Linguísticas a partir de três componentes sendo esses as
práticas, as crenças e a gestão da língua. Conforme o autor, as práticas estão relacionadas
com as predileções linguísticas que os falantes de uma comunidade de fala executam em
seu cotidiano, sejam essas a escolha de uma determinada variedade para produzir uma
finalidade comunicativa, a seleção de uma variante da língua para adaptar-se ao
interlocutor, dentre outras. Sendo assim, essas predileções estão associadas a diversos
aspectos da língua como sons, palavras, escolhas gramaticais, grau de formalidade da
fala, sendo que essas práticas refletem a política linguística real de uma comunidade de
fala.
O próximo elemento, de acordo com Spolky (apud SOUZA e SOARES, 2014)
está associado às crenças sobre a língua, que também pode ser denominado como
ideologia. As crenças por sua vez refletem os preceitos característicos das línguas, das
variantes e das variedades linguísticas e ainda demonstram as crenças dos integrantes de
uma comunidade, ou seja, a relevância desses valores e preceitos, de acordo com o autor
“O status de uma variante ou variedade deriva de quantas pessoas a usam e a importância
de seus usuários, e os benefícios econômicos e sociais que um falante pode esperar
usando-a”. Principalmente associada a essa proporção, as crenças em certos momentos
podem se organizar em ideologias, ou seja, as mais produzidas combinações de valores
coletivos elaborado por determinados integrantes de uma comunidade. Dessa forma, as
crenças, refletem a sintonia de uma comunidade de fala em comparação aos preceitos
das línguas e de suas variantes.
O terceiro componente habitualmente é denominado de “planejamento”, Spolky
dá preferência pelo uso de “gestão” invés de “planejamento”, “eu prefiro
‘gestão’ por ser mais contemporâneo do que ‘planejamento’ que tantas nações adotaram
nos dias otimistas após a Segunda Guerra Mundial” (SPOLKY, 2016, p.35), é
conceituado como todas as diligências produzidas por um indivíduo, ou por uma
comunidade, ou governo, em suma, por quem se considere na autoridade de mudar as
práticas ou as crenças dos membros de um determinado domínio social, seja família,
escola, igreja, etc.
Porém, Spolky (2005) esclarece que a gestão linguística menciona a concepção
e proclamação de uma política clara sobre o uso da língua, mas não necessariamente
escrita em um documento formalizado. Em casos que não há normatização por escrito,
os membros de uma dada comunidade de fala compartilham de crenças em relação aos
usos apropriados da língua, e que Spolky, chamava de uma “ideologia consensual”
acerca das características de prestigio e variedades linguísticas. Essas diligências
associadas à gestão da língua, no entanto, podem não estar impreterivelmente em
concordância com as crenças e as práticas, sendo assim, uma determinada gestão pode
contrariar o contexto de crenças ou práticas de certa comunidade linguística.
No Brasil a língua oficial é o português, que forma o grupo dominante com 95
por cento dos falantes. O grupo menor é representado pelas 180 línguas autóctones
(língua
indígena ou língua autóctone, é uma língua que é nativa para uma região e
falada por povos indígenas) e em torno de 30 língua alóctones (também chamadas de
língua de imigração).
Sendo assim, conforme pontua Savedra e Lagares (2012), não há planejamento
linguístico sem que exista um suporte jurídico. Existem diversas concepções de leis
linguísticas, leis que abordam da forma da língua, focando sua grafia, seu vocabulário,
leis que falam sobre o uso que a sociedade faz da língua, apontando que língua deve ser
utilizada em determinado contexto, estabelecendo a língua oficial de um Estado-nação,
leis que versam da defesa das línguas, seja para promovê-la, no plano internacional por
exemplo, seja para protegê-la com um bem ecológico.
Os artigos constitucionais que abordam sobre as línguas são os 12, 13, 210, 215
e 231 da CF/88 modificada em 1994, como as leis linguísticas que estabelecem um ato
de política linguística, em vigor, destacamos as seguintes, entre outras:

 A lei nº. 5.371 de 5 de dezembro de 1967, que autoriza a instituição da


fundação nacional do índio;

 A lei nº. 5. 765 de 18 dezembro de 1971 relativo ao Formulário


Ortográfico de 1943;
 A lei nº. 6001 de 19 de dezembro de 1973, que se relaciona ao estatuto do
índio;
 O acordo ortográfico da língua portuguesa (1990);

 O decreto 43/1991 de 23 de agosto que ratifica o acordo ortográfico


da língua portuguesa;

 A lei nº. 9. 394 de 20 dezembro de 1996 que fixa as diretrizes e as


bases da instrução nacional (LDB);

 O projeto de lei Federal nº. 1676/1999 que se relaciona à promoção


e à defesa da língua portuguesa;

 O projeto de lei Federal nº. 4681 de 2001 que obriga a tradução, a


dublagem e as legendas de filmes em português.

 A lei nº. 11.161/2005, que estabelece a implantação, de oferta


obrigatória pelas escolas e de matrícula facultativa para os alunos, da
disciplina de língua espanhola no ensino médio. Política e planificação
linguística: conceitos, terminologias e intervenções no Brasil Niterói.
Referências
CALVET, L.-J. As políticas linguísticas. Tradução de Isabel de Oliveira Duarte, Jonas
Tenfen e Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2007.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de


1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016].

FISHMAN, Joshua. “O impacto do nacionalismo sobre o planejamento linguístico”. In:


RUBIN, Joan & JERNUDD, Björn H. (Ed.). A linguagem pode ser planejada?
Sociolinguistic theory and practice for developing nations. Honolulu: University Press of
Hawai: 3-22, 1971.

LEVISKI, C.E. 2019. O governo da língua: implicações do conceito de gestão na política


linguística. Revista da ABRALIN. 17, 2 (jun.
2019). DOI:https://doi.org/10.25189/rabralin.v17i2.485.

Savedra, M. M. G., & Lagares, X. C. (2012). Política e planificação linguística:


conceitos, terminologias e intervenções no
Brasil. Gragoatá, 2017.
https://doi.org/10.22409/gragoata.v17i32.33029

SOUSA, S. C. T. DE; SOARES, M. E. UM ESTUDO SOBRE AS POLÍTICAS


LINGUÍSTICAS NO BRASIL. Revista de Letras, v. 1, n. 33, 11,2014
TORQUATO, Cloris Porto. Políticas Linguísticas, Linguagens e Interação Social.
Revista Escrita, 2010.

SPOLSKY, B. Language policy:key topics in Sociolinguistics. Cambridge: Cambridge,


2004.

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